quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Protocolo nº 21/2011: o ICMS cobrado no destino


Jus Navigandi

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Publicado em 10/2011

A cobrança do imposto no destino, embora pareça uma solução à má distribuição de receita entre os Estados que possa reduzir as desigualdades interestaduais relacionadas à arrecadação do ICMS, não é uma atitude legítima, tampouco uma solução duradoura e justa com o consumidor final.

Em abril passado, foi publicado o Protocolo ICMS 21/2011 que estabelece a exigência do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadorias ou bens a consumidor final, quando a aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento remetente.

O referido Protocolo ICMS 21/2011 autoriza as unidades federadas signatárias a exigir-se a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, parcela do ICMS devido na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem por meio de internet, telemarketing ou showroom.

A justificativa desta incrementação na tributação seria o fato de que a tributação pelo ICMS beneficia apenas o Estado de origem neste tipo de operação, "o que não coaduna com a essência do principal imposto estadual, não preservando a repartição do produto da arrecadação dessa operação entre as unidades federadas de origem e de destino".

Ora, embora pareça uma solução à má distribuição de receita entre os Estados que, em última análise, até possa ser capaz de reduzir as desigualdades interestaduais relacionadas à arrecadação do ICMS, sabemos que esta não é um a atitude legitima, tampouco uma solução duradoura e justa com o consumidor final.

Para que possamos analisar adequadamente os efeitos legais desse ato, apresentamos a seguir, as questões que devem ser consideradas como base do ordenamento jurídico nacional.


1. A tributação do ICMS pelo Estado de destino nas operações de venda direta a consumidor final

A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu artigo 155, incisos VII e VIII que:

"VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado: adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele.

VIII – na hipótese de aliena "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual"

Ou seja, a Constituição Federal traz a forma da tributação que deve ser considerada nas operações interestaduais e diz claramente que o Estado de destino beneficiar-se-á do ICMS apenas nos casos em que em que o adquirente for contribuinte deste Estado. Nas demais hipóteses (como as aquisições para consumo final por pessoas físicas), o ICMS pertence integralmente ao Estado remetente.

Portanto, exigir o ICMS em favor do Estado de destino em operações de venda direta a consumidor final é inconstitucional.


2. O fundamento legal utilizado para edição do Protocolo 21/2011

O referido Protocolo fundamenta sua existência no artigo 9º da lei Complementar 87/96, que assim dispõe:

"Art. 9º A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados.

§ 1º A responsabilidade a que se refere o art. 6º poderá ser atribuída:

I - ao contribuinte que realizar operação interestadual com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, em relação às operações subseqüentes;

II - às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica, nas operações internas e interestaduais, na condição de contribuinte ou de substituto tributário, pelo pagamento do imposto, desde a produção ou importação até a última operação, sendo seu cálculo efetuado sobre o preço praticado na operação final, assegurado seu recolhimento ao Estado onde deva ocorrer essa operação.

§ 2º Nas operações interestaduais com as mercadorias de que tratam os incisos I e II do parágrafo anterior, que tenham como destinatário consumidor final, o imposto incidente na operação será devido ao Estado onde estiver localizado o adquirente e será pago pelo remetente" (negritamos)

Por sua vez, a regra geral relativa ao regime de substituição tributária está prevista no artigo 6º da mesma Lei Complementar:

"Art. 6º Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.

§ 2º A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado. (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)" (negritamos).

Pela leitura dos mencionados artigos, a substituição tributária deve:

a) Estar relacionada a operações realizadas ENTRE contribuintes do imposto, excetuando os casos de operações com petróleo, lubrificantes, e energia elétrica; e

b) O imposto deve ser EFETIVAMENTE devido e cobrável no Estado onde se encontra o contribuinte substituído.

No caso específico, a operação não ocorre entre contribuintes e envolve outros bens que não petróleo e lubrificantes. Além disso, importante mencionar que não há ICMS cobrável no Estado de destino, como prevê o artigo 155, incisos VII e VIII. Portanto, o referido Protocolo não tem qualquer embasamento legal [01].


3. O alcance do Protocolo 21/2011

Considerando, apenas a título ilustrativo, que o referido Protocolo fosse legal e constitucional e, assim, passível de produzir efeitos, as unidades federadas signatárias ultrapassaram seus limites constitucionais ao pretender atingir operações advindas de unidades federadas não signatárias do mencionado Protocolo, obrigando o consumidor final, não contribuinte do imposto a recolher este novo ICMS na entrada dos bens ou mercadorias no Estado destinatário.

Muitos juristas comentaram ser salutar esta cooperação entre os Estado signatários de abrir mão de parcela da receita recebida nas operações de venda interestaduais em favor do Estado de destino [02], no entanto, levantaram esta questão como uma situação problemática, pois, onerará ainda mais o consumidor final.

Evidentemente, o Estado remetente não signatário em hipótese alguma deixará de cumprir os preceitos constitucionais, para respeitar um protocolo do qual sequer teve interesse em participar. Ao contrário, o Estado cobrará a alíquota interna a seu favor e deixará o remetente e o adquirente cumprirem com obrigações tributárias que não lhe dizem respeito, havendo assim um aumento substancial na tributação do produto adquirido.

Enquanto entre os Estados signatários será recolhido o ICMS a alíquota interestadual ao Estado remetente e o diferencial de alíquota (alíquota interna menos a alíquota interestadual) no Estado destinatário, ocorrendo a operação com um Estado não signatário haverá a incidência do ICMS à alíquota interna para o Estado remetente e o referido diferencial (ainda que não exista) ao Estado destinatário.

Portanto, estes Estados aumentariam a sua arrecadação se conseguissem atrair, de forma lícita, investidores para as suas regiões, contribuintes do ICMS. No entanto, entenderam mais simples e fácil majorar a carga tributária dos consumidores finais, não contribuintes, que, por falta de acesso a produtos de qualidade ou preços convenientes, recorrem às compras via internet ou telemarketing de empresas localizadas em outras unidades federadas.

Exposta a situação, percebemos que a ideia destes Estados é nociva a toda economia, à segurança jurídica e ao próprio Federalismo. Embora numa analise superficial pareça uma forma de melhorar a arrecadação e, em conseqüência, o desenvolvimento daquele Estado, em longo prazo os consumidores serão obstados em adquirir produtos de outras unidades federadas pela majoração evidente dos preços, sujeitando-se à falta de oferta desses produtos no local onde vivem, favorecendo o isolamento econômico do Estado e induzindo os consumidores com maior poder aquisitivo a adquirir os bens que necessitam diretamente nos Estados fornecedores.

Atualmente, há uma disputa acirrada entre os Estados fornecedores e os Estado destinatários. Em alguns Estados, o Poder Judicial já concedeu em primeira instância liminar suspendendo a eficácia do referido Protocolo 21/2011. No entanto, enquanto o resultado dessas ações não é definitivo, aconselha-se ao contribuinte remetente efetuar o pagamento do ICMS em favor do Estado destinatário ou buscar, por vias próprias declaração pelo Poder Judiciário da inconstitucionalidade desta cobrança, suspendendo a exigibilidade desse imposto via depósito judicial.


Notas

  1. Ainda que se diga que este poderia existir conforme prevê outra Lei Complementar, de número 24/75, esta apenas regulamenta convênios e protocolos para a concessão de benefícios fiscais, o que, evidentemente, não é o caso.
  2. Entendimento com que não concordamos, pois a discriminação de rendas está rigidamente prevista na Constituição Federal, não cabendo aos Estados definirem o local da incidência do ICMS, nem tampouco a transferência de suas receitas a outros Estados.

Autor

  • advogada, bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, especialista em direito empresarial pela PUC/SP, Mestre em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, atua comoa dvogada em São Paulo na área de tributário.

    www.rcra.com.br

Informações sobre o texto

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

BLAU, Miranda Cagnone. Protocolo nº 21/2011: o ICMS cobrado no destino. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3023, 11 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20188>. Acesso em: 12 out. 2011.

A análise e aplicação dos artigos 150 e 173 do CTN, pelo CARF, em face de depósito judicial

Dalton Cesar Cordeiro de Miranda 
Advogado em Brasília. Pós-graduado em Administração Pública pela EBAP/FGV.

Artigo - Federal - 2011/3090




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Elaborado em 10/2011

Na esfera do contencioso administrativo fiscal, mais especificamente na reunião colegiada da Terceira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CSRF/CARF), decidiu-se, à qualidade e em sessão de julgamentos ocorrida em 29/08/2011(01), que depósito judicial não é considerada modalidade de pagamento para fins da contagem de prazo decadencial no lançamento, atraindo para a espécie, portanto, a regra do artigo 173, I, do CTN, e não a do artigo 150, parágrafo 4º, daquele mesmo Diploma legal.

Queremos crer estar equivocado o mencionado órgão da Administração, pois que tal posicionamento está em desalinho com os comandos jurisprudenciais pacíficos do Superior de Tribunal de Justiça, mais ainda e por analogia construtiva de reflexão, com Súmula do próprio Tribunal Administrativo.

Assim, vejamos.

O Superior Tribunal de Justiça, reunido em sua Primeira Turma e aos 19 dias de outubro de 2010, expressamente consignou que o:

"contribuinte, ao realizar o depósito judicial com vistas à suspensão do crédito tributário, promove a sua constituição à luz do disposto no artigo 150 e parágrafos do Digesto Tributário."(02)(destacamos).

Aliás, em julgamento anterior, realizado em 23/06/2010, a Primeira Seção daquele Tribunal Superior, julgando matéria referente à "DISPENSA DO ATO FORMAL DE LANÇAMENTO" por verificação da promoção de depósito judicial integral do crédito reclamado(03), pelo contribuinte, sustentou em posicionamento majoritário que o:

"depósito do montante integral do débito serve para garantir a satisfação da exação tributária, (...)", mais ainda, afirmou que se o "lançamento, por seu turno, é a atividade por meio da qual se identifica o sujeito passivo da obrigação, determina-se a matéria tributável e se calcula o montante devido. O depósito realizado pelo contribuinte para garantir o débito cumpre justamente essa função."(04)

Ao fim e a cabo da discussão, concluiu aquela Primeira Seção que:

"Transcorrido o prazo decadencial de cinco anos (art. 150, parágrafo 4º, do CTN), insuscetível de interrupção ou suspensão, e não efetuado o lançamento dos valores impugnados e depositados em juízo, deve ser reconhecida a decadência do direito do fisco efetuar a constituição do crédito tributário."(05)(destaques nossos).

Relevante é ainda de se observar que a realização de depósito judicial integral tem o condão de suspender a exigiblidade do crédito tributário nos moldes do artigo 151, II, do CTN, conforme, aliás, já definido no rito do art. 543-C, do CPC, denominado Repetitivo e pelo Superior Tribunal de Justiça(06).

Naquele momento e para se chegar à conclusão legal antes informada, a Primeira Seção daquele Tribunal definiu os conceitos da regra matriz de exigibilidade do crédito tributário, sendo que, para o critério temporal e sua constituição, observou que o mesmo ocorre "por ato-norma do particular (art. 150 do CTN) ou da autoridade fiscal (art. 142, do CTN) - e do decurso do lapso temporal para seu vencimento." Assim, após definir a regra matriz de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, concluiu o Colegiado Superior que o depósito judicial realizado é sim forma de pagamento, passível de suspensão da exigibilidade, cominando na atração da regra insculpida no inciso II, do artigo 151, do CTN.

Não obstante o acima demonstrado possível ainda é de se fazer uma constatação e afirmação de que o próprio CARF, em matéria Sumulada e de nº 5 , implicitamente e de forma análoga reconhece ser o depósito judicial modalidade de pagamento, destoando do entendimento a que chegou sua Terceira Turma da CSRF na sessão de julgamentos do mês de agosto de 2011, já reportada.

Concluímos, portanto, ser necessária a revisão daquele posicionamento da Terceira Turma da CSRF/CARF, em suas próximas reuniões, nas hipóteses em que houver a constatação da existência de depósito judicial, e para fins de análise e aplicação do prazo decadencial para o fisco promover o lançamento, sujeito este que está (o prazo de decadência para o fisco lançar) à regra do artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional e não do artigo 173, I, do mesmo Codex.

Notas

(01) Processo Administrativo nº 10580.011057/2002-84

(02) RESP 1.157.786/MG, Ministro relator Luiz Fux, DJe de 28/10/2010

(03) Embargos de Divergência em RESP 671.773/RJ, Ministro relator Teori Albino Zavascki, DJe de 03/11/2010

(04) EMB DIV EM RESP 671.773/RJ, trechos do voto-vista do Ministro Castro Meira

(05) EMB DIV EM RESP 671.773/RJ, trechos do voto-vista do Ministro Hamilton Carvalhido

(06) RESP 1.140.956/SP, Ministro relator Luiz Fux, DJe de 03/12/2010

Súmula CARF nº 5: São devidos juros de mora sobre o crédito tributário não integralmente pago no vencimento, ainda que suspensa sua exigibilidade, salvo quando existir depósito no montante integral.

 
Dalton Cesar Cordeiro de Miranda*

- Publicado pela FISCOSoft em 11/10/2011