quarta-feira, 18 de julho de 2012
ES: empresário é condenado por contrabando de motos de luxo
Imposto de exportação não é uma forma de arrecadação
POLÍTICA PÚBLICA
Boas notícias não são abundantes em Direito Tributário. Quando acontecem, merecem um comentário e uma pequena análise sobre o mal que poderiam ter causado. Neste sentido, vale comemorar a acertada decisão proferida pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) no dia 11 de junho que, por unanimidade, rejeitou a criação do estrambótico imposto de exportação de gado em pé.
A ideia, patrocinada por entidades representativas dos frigoríficos brasileiros, que atende a dois conglomerados gigantescos, pretendia impedir a exportação de gado vivo, alegando que não se deve exportar matéria-prima e sim produtos acabados. Uma ideia boa que foi totalmente distorcida, chegando ao absurdo de taxar as exportações.
Atualmente, o Brasil exporta gado em pé para a Venezuela e para alguns países de origem muçulmana. Os últimos importam o animal vivo por questões religiosas. Os muçulmanos só comem carne bovina quando o abate é realizado de determinada forma (abate halal). A Venezuela, por sua vez, que em 2011 foi o destino de 79,32% das exportações do boi vivo, importa o gado em pé porque, desde que assumiu o poder, o presidente Hugo Chávez já desapropriou milhões de hectares de fazendas locais — e nem precisamos dizer que sob a gestão estatal as propriedades perderam muito da capacidade produtiva. Desta forma, a importação de animais vivos serve como forma de manter em funcionamento os frigoríficos venezuelanos.
Com essas considerações, é possível afirmar que a instituição do imposto de exportação sobre o gado em pé, na verdade, acabaria com essa atividade no país (poderia ocorrer de o imposto ser instituído para incidir sobre um nada). Isso porque o valor do imposto — os frigoríficos sugeriram alíquota de 30% —, somado ao custo do transporte, muito provavelmente tornaria o produto brasileiro desinteressante para o mercado internacional. E o que é pior: a instituição do imposto não faria com que os países que atualmente importam o animal vivo passassem a importar a carne brasileira in natura, porque, como referido, os países importadores possuem um interesse peculiar pelo boi vivo.
A impressão que a situação passa é a de que o objetivo dos frigoríficos é limitar o mercado dos pecuaristas, que ficariam reféns dos interesses dos primeiros. Em outros termos, os frigoríficos, com a medida, almejavam criar reserva de mercado — o que restringiria a capacidade do produtor rural de vender sua produção. Isso deixaria os produtores rurais como escravos dos interesses dos frigoríficos. O Brasil é um dos maiores criadores de gado do mundo e, atualmente, o maior exportador de carne bovina, com potencial de crescimento. Por isso, o país necessita de produtores rurais fortes no mercado, com capacidade de investir na melhoria genética dos animais e também nas pastagens, de forma a aumentar a qualidade e oferta do produto no mercado interno e mundial.
No comércio internacional, consagrou-se a ideia de que os países devem exportar produtos e serviços, e não tributos. E a Constituição Federal de 1988 chancelou essa ideia. Os dispositivos que imunizam produtos e serviços destinados ao exterior da incidência de impostos, bem como aquele que imuniza a receita decorrente de exportação da incidência de contribuições, revelam essa opção da Carta da República de desonerar de tributos os produtos e serviços destinados à exportação, de forma a garantir (ou, pelo menos, permitir) a competitividade deles no mercado internacional.
Diante desse conjunto de disposições constitucionais, a conclusão a que se chega é: imposto de exportação só deve ser instituído em situações excepcionais. E é por isso que a doutrina afirma que o imposto de exportação possui função extrafiscal, ou seja, essa espécie de imposto não serve (ao menos não exclusivamente) como forma de arrecadação, mas sim como instrumento de implementação de uma política pública, seja cambiária, econômica ou social.
Eduardo Diamantino é advogado e sócio do escritório Diamantino Advogados Associados, e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário
Revista Consultor Jurídico, 17 de julho de 2012
Comércio eletrônico e o Protocolo ICMS nº 21/2011
Graduado pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), especialista em Direito Tributário pela COGEAE da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e atual Coordenador da Comissão de Tributos do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (IBEF/SP).
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I - Introdução
A discussão em torno da tributação no comércio eletrônico ganhou novos contornos no âmbito do CONFAZ com a celebração do Protocolo ICMS nº 21/11 transcrito a seguir:
"Cláusula primeira: Acordam as unidades federadas signatárias deste protocolo a exigir, nos termos nele previstos, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS - devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom.
Parágrafo único. A exigência do imposto pela unidade federada destinatária da mercadoria ou bem, aplica-se, inclusive, nas operações procedentes de unidades da Federação não signatárias deste protocolo.
Cláusula segunda: Nas operações interestaduais entre as unidades federadas signatárias deste protocolo o estabelecimento remetente, na condição de substituto tributário, será responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela de que trata a cláusula primeira.
Cláusula terceira: A parcela do imposto devido à unidade federada destinatária será obtida pela aplicação da sua alíquota interna, sobre o valor da respectiva operação, deduzindo-se o valor equivalente aos seguintes percentuais aplicados sobre a base de cálculo utilizada para cobrança do imposto devido na origem:
I - 7% (sete por cento) para as mercadorias ou bens oriundos das Regiões Sul e Sudeste, exceto do Estado do Espírito Santo;
II - 12% (doze por cento) para as mercadorias ou bens procedentes das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo.
Parágrafo único. O ICMS devido à unidade federada de origem da mercadoria ou bem, relativo à obrigação própria do remetente, é calculado com a utilização da alíquota interestadual.
Cláusula quarta: A parcela do imposto a que se refere a cláusula primeira deverá ser recolhida pelo estabelecimento remetente antes da saída da mercadoria ou bem, por meio de Documento de Arrecadação Estadual (DAE) ou Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE), exceto quando o remetente se credencie na unidade federada de destino, hipótese em que o recolhimento será feito até o dia nove do mês subseqüente à ocorrência do fato gerador.
Parágrafo único. Será exigível, a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território da unidade federada do destino e na forma da legislação de cada unidade federada, o pagamento do imposto relativo à parcela a que se refere a cláusula primeira, na hipótese da mercadoria ou bem estar desacompanhado do documento correspondente ao recolhimento do ICMS, na operação procedente de unidade federada:
I - não signatária deste protocolo;
II - signatária deste protocolo realizada por estabelecimento remetente não credenciado na unidade federada de destino.
Cláusula quinta: O disposto neste Protocolo não se aplica às operações de que trata o Convênio ICMS 51/00, de 15 de dezembro de 2000.
Cláusula sexta: Fica facultada à unidade federada signatária estabelecer, em sua respectiva legislação, prazos diferenciados para o início de aplicabilidade deste protocolo, relativamente ao tipo de destinatário: pessoa física, pessoa jurídica e órgãos da Administração Pública Direta e Indireta, inclusive suas autarquias e fundações.
Cláusula sétima: Este protocolo entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União, produzindo efeitos a partir do 1º dia do mês subsequente ao da publicação."
Referido protocolo disciplinou a cobrança de ICMS nas operações interestaduais destinadas ao consumidor final relativas a aquisições de mercadoria via comércio eletrônico por parte do Estado destinatário como forma de reduzir perdas de arrecadação oriundas desse tipo de transação comercial.
Tais perdas de receitas advêm da aquisição de bens de empresas não estabelecidas fisicamente no Estado destinatário pelo consumidor final, o que inviabiliza a cobrança de ICMS em operações dessa natureza como se verá mais adiante.
Destaca-se, por oportuno, que as principais empresas de comércio eletrônico estão estabelecidas nos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, os quais não aderiram aos termos desse protocolo como forma de salvaguardar suas receitas.
Diante dessa situação, a proposta do presente artigo é discorrer, em poucas palavras, sobre o ambiente tributário do comércio eletrônico no que diz respeito ao ICMS sob a óptica constitucional.
II - Autonomia dos Estados e do Distrito Federal
Os artigos 1º c/c 18, da Constituição Federal, estabelecem as autonomias dos Entes Políticos, daí decorrendo a possibilidade de cada um formular sua própria política fiscal sem interferir na de outro sob pena de invadir sua competência.
Dito argumento está em consonância com o entendimento sufragado pelo Ministro Sepúlveda Pertence transcrito a seguir:
"2. As normas constitucionais, que impõem disciplina nacional ao ICMS, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na medida em que são explícitas limitações." (ADI 2.377-MC; Relator Ministro Sepúlveda Pertence; DJU 27/11/03)
Nessa seara, vale a pena transcrever os ensinamentos do Ilustre Jurista José Afonso da Silva:
"A Constituição de 1988 modifica profundamente a posição do Município na Federação, porque os considera componentes da estrutura federativa. Realmente, assim o diz em dois momentos. No art. 1º declara que a República Federativa do Brasil é formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios, e do Distrito Federal. No art. 18 estatui que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Acolhe-se assim a reivindicação de municipalistas clássicos, como Hely Lopes Meirelles e Lordelo de Melo, que pleitearam com insistência e veemência a inclusão dos Municípios no conceito de nossa Federação. Esses autores, aliás, já sustentavam que o Município é peça essencial da nossa Federação, desde a Constituição de 1946 que o erigiu em entidade estatal de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso sistema federativo.
Nos termos, pois, da Constituição, o Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação, como entidade político-administrativa, dotada de autonomia política, administrativa e financeira. Essa é uma peculiaridade do Município brasileiro. A inclusão do Município na estrutura da Federação teria que vir acompanhada de conseqüências, tais como o reconhecimento constitucional de sua capacidade de auto-organização mediante cartas próprias e a ampliação de sua competência, com a liberação de controles que o sistema até agora vigente lhes impunha, especialmente por via de leis orgânicas estabelecidas pelos Estados.
A característica básica de qualquer Federação está em que o poder governamental se distribui por unidades regionais. Na maioria delas, essa distribuição é dual, formando-se duas órbitas de governo: a central e as regionais (União e Estados federados) sobre o mesmo território e o mesmo povo. Mas, no Brasil, o sistema constitucional eleva os Municípios à categoria de entidades autônomas, isto é, entidades dotadas de organização e governo próprios e competências exclusivas.
Com isso, a Federação brasileira adquire peculiaridade, configurando-se, nela, realmente três esferas governamentais: a da União (governo federal), a dos Estados Federados (governos estaduais) e a dos Municípios (governos municipais), além do Distrito Federal, a que a Constituição agora conferiu autonomia. E os Municípios transformaram-se mesmo em unidades federadas? A Constituição não o diz. Ao contrário, existem onze ocorrências das expressões unidade federada e unidade da Federação (no singular ou no plural) referindo-se apenas aos Estados e Distrito Federal, nunca envolvendo os Municípios."
(in Curso de Direito Constitucional Positivo, 22ª ed., São Paulo, Malheiros, 2003, pp. 618 e 619)
Com isso, resta claro que o texto da Carta Magna assegurou a cada Ente Político o direito de formular sua própria política pública, desde que observadas as regras constitucionais.
IV - Arquétipo constitucional do ICMS
A Constituição Federal de 1988 outorgou competência aos Estados e ao Distrito Federal para instituírem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços - ICMS, consoante previsto no artigo 155 da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:
"Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.
(...)
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
(...)."
Com isso, o ICMS devido na operação de saída da operação circulatória (output) são abatidos os créditos existentes nas várias operações anteriores de aquisição de bens e/ou mercadorias (inputs), em respeito ao citado preceito constitucional.
Em outras palavras, o princípio da não cumulatividade do ICMS é exercido pela apropriação do imposto devido nas operações anteriores, através de créditos, que são abatidos do imposto devido na saída das mercadorias ou da prestação do serviço.
Vale dizer, o princípio da não cumulatividade do ICMS pressupõe a incidência do tributo sobre o valor agregado em cada operação, o que é feito mediante sistema de créditos sobre entradas e débitos sobre as saídas.
Caso contrário, os contribuintes do ICMS suportarão todo o encargo financeiro decorrente das operações em que incida o referido tributo, contrariando, assim, o princípio constitucional que veda a tributação "em cascata".
Desta forma, o princípio da não cumulatividade assegura aos contribuintes de ICMS o direito de procederem ao lançamento, em sua escrita fiscal, dos créditos decorrentes da aquisição de mercadorias e/ou prestação de serviços, atendendo ao desejo do legislador constituinte de incentivar a produção nacional.
E no caso das operações interestaduais, a Constituição Federal é expressa com relação à disciplina da cobrança e do creditamento de ICMS em transações realizadas com contribuintes e não contribuintes, tal como aduz o ilustre jurista Roque Antônio Carraza, in verbis:
"Ademais, quando as operações destinarem a mercadoria a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á obrigatoriamente a alíquota interestadual quando o destinatário for contribuinte do imposto (isto é, quando também ele praticar operações mercantis), e a alíquota interna quando não for (isto é, quando for um mero particular, que não pratica operações mercantis). Na primeira hipótese (quando o destinatário foi contribuinte do ICMS), o Estado da localização do destinatário (ou o Distrito Federal, no caso do destinatário lá estar localizado) é que tem jus à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, se, obviamente, forem diversas"
Logo, o Protocolo ICMS nº 21/11 deve ser tido como inconstitucional.
Nem que se alegue a autonomia dos Estados e do Distrito Federal para formular suas próprias políticas fiscais com o fito de reparar injustiças e incrementar suas receitas justifique tal conduta.
A propósito, o Ministro do Egrégio Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa assim pronunciou sobre esse tema por ocasião da análise do pedido de concessão da liminar na Ação de Direta Inconstitucionalidade nº 4.565:
"(...)
O Estado do Piauí narra que a maioria dos centros de produção e de distribuição de produtos industrializados está localizada nas Regiões Sul e Sudeste de nosso país. Trata-se de Estados muito industrializados e que concentram boa parte da riqueza financeira nacional. Em posição oposta, os Estados localizados nas demais regiões aglutinam proporcionalmente mais consumidores do que agentes agregadores industriais ou comerciais de riqueza. Por considerar injusta a exclusão dos Estados consumidores da partilha da competência para arrecadar o ICMS, em benefício escancarado de Estados mais bem posicionados na escala de desenvolvimento econômico e social, o Estado requerido entendeu por bem ajustar a discrepância com a adoção desta nova modalidade de tributação.
O vício econômico apontado pelo Estado requerido decorre da adoção do critério de origem para demarcar o aspecto ativo da competência tributária, considerados os tributos multifásicos que gravam a produção, o consumo ou as vendas. Contudo, o problema apontado não é exclusividade local.
(...)"
Nosso constituinte originário optou por um modelo híbrido de partilha da competência. Nos termos dos arts. 155, VII da Constituição, o Estado de origem da mercadoria foi adotado como critério padrão, com as seguintes especificações:
a) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a consumidor final contribuinte do imposto: o Estado de origem aplica a alíquota interestadual, e o Estado de destino aplica a diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual. Há, portanto, tributação concomitante, ou "partilha simultânea do tributo". Quer dizer, ambos os Estados cobram o tributo, nas proporções já indicadas;
b) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a consumidor final não contribuinte: apenas o Estado de origem cobra o tributo, com a aplicação da alíquota interna;
c) Operações interestaduais cuja mercadoria é destinada a quem não é consumidor final: apenas o Estado de origem cobra o tributo, com a aplicação da alíquota interestadual;
d) Se a operação envolver combustíveis e lubrificantes, há inversão: a competência para cobrança é do Estado de destino da mercadoria, e não do Estado de origem.
Adequada ou inadequada em termos econômicos e sociais, a opção política feita pelo constituinte originário é precisa e nítida: nas operações interestaduais aplica-se a regra de tributação exclusiva pelo Estado de destino se a mercadoria for combustível ou lubrificante.
Nos demais casos, prevalece o critério de origem, mitigado na hipótese de operação realizada com consumidor final que também seja contribuinte do tributo.
Os argumentos do Estado requerido tangentes à disparidade abissal entre as diversas regiões de nosso país de proporções continentais são relevantes, mas a alteração pretendida depende de verdadeira reforma tributária que não pode ser realizada individualmente por cada ente político da Federação, com posterior chancela de validade pelo Judiciário.
De modo semelhante, as ficções concatenadas pelo Estado do Piauí para forçar a aplicação da regra matriz relativa à operação interna são incompatíveis com os arts. 1º, caput, 2º e 155, VII da Constituição. A facilidade de comunicação criada pela internet evidentemente é incapaz de deslocar fisicamente estabelecimentos comerciais ou industriais à porta dos consumidores, assim como as antigas vendas por correio a partir de catálogos postados ou vendidos em bancas de jornal também não criavam um entreposto comercial no território de cada Estado ou Município consumidor.
Ademais, a harmonia que deve reger as relações entre os Entes Federados depende da estrita observância dos devidos processos legal e político. "Inconstitucionalidades não se compensam", conforme lição do eminente Ministro Sepúlveda Pertence. Um Ente Federado não pode pretender resolver unilateralmente o problema federativo, sob pena de alienar todos os cidadãos, tanto aqueles residentes em seu território como aqueles residentes no resto do País.
Em razão última, a colocação de barreiras fiscais ao tráfego de pessoas e de bens fomenta o sentimento de alienação e insularidade, além de desacreditar a eficácia dos instrumentos legais e políticos postos à disposição para resolver estes conflitos.
Evidente que apesar da nova dinâmica dos negócios via comércio eletrônico afetar consideravelmente o caixa de boa parte dos Estados e do Distrito Federal, o texto daCarta Magna deve ser respeitado mesmo que prejudique o desenvolvimento regional em respeito ao princípio da solidariedade defendido pelo Ilustre Jurista Luis Roberto Barroso, cujo parecer foi mencionado no voto do Exmo Sr. Dr. Ministro Gilmar Mendes por ocasião do julgamento da Ação de Direta Inconstitucionalidade nº 3.128-7:
"Uma das principais características do direito constitucional contemporâneo é a ascensão normativa dos princípios, tanto como fundamento direto de direitos, como vetor de interpretação das regras do sistema. Dentre os princípios que vêm merecendo distinção na quadra mais recente está o princípio da solidariedade, cuja matriz constitucional se encontra no art. 3º, I. O termo já não está mais associado apenas ao direito civil obrigacional (pelo qual alguém tem direito ou obrigação à integralidade do crédito ou da dívida), mas também, e principalmente, à ideia de justiça distributiva. Traduz-se na divisão de ônus e bônus na busca de dignidade para todos. A solidariedade ultrapassa a dimensão puramente ética da fraternidade, para tornar-se uma norma jurídica: o dever de ajudar o próximo."
V - Conclusão
Diante das considerações tecidas nesse texto, a "Guerra Fiscal" travada entre as Unidades Federadas do Brasil, com eventual busca de renda, criando hipóteses de incidência fiscal como a aqui discutida, somente será solucionada após profundas reformas constitucionais.
Roberto Goldstajn*
- Publicado pela FISCOSoft em 09/07/2012
Justiça reconhece boa-fé de empresas para crédito de ICMS
Receita Federal aperta o cerco a transações internacionais
Receita Federal aperta o cerco a transações internacionais
Cerca de 40% das empresas, tirando as enquadradas no Simples, serão afetadas
Importar ou exportar serviços, além de fazer a transferência de direitos de royalties, vai ficar mais difícil. A Receita Federal editou uma instrução normativa (1.277) determinando que transações desse gênero sejam informadas no prazo de trinta dias.
No caso de atrasos, a multa será de R$ 5 mil ao mês ou 5% do valor da operação.
São afetadas pela norma, por exemplo, contratações de profissionais para consultoria, diligências, instalação e manutenção de equipamentos e para agenciamento de exportações.
Encomendas de correção de softwares devem ser enquadradas, assim como corretagem de compra de imóveis em outros países. Também estão no escopo da instrução 1.277 os pagamentos e recebimentos de royalties.
No caso de pessoas jurídicas, não há piso de valor. Para pessoas físicas, a regra vale em operações acima de R$ 20 mil. A instrução foi publicada em 28 de junho, mas passou despercebida.
Agora, porém, as bancas de advocacia tributária alertam os clientes enquanto aguardam a regulamentação, que deve acontecer de um mês e um ano, acreditam os tributaristas.
A expectativa é que venha com restrições - piso de valor - que reduzam o número de operações abrangidas. Para se ter uma ideia do volume de transações afetadas, o Banco Central registrou no ano passado remessas de US$ 103 bilhões relativas ao pagamento de serviços e de US$ 3,5 bilhões relativas a direitos de royalties.
"Tirando as empresas que estão no Simples, a medida deverá atingir 40% das companhias", estima Ana Cláudia Utumi, sócia coordenadora da área tributária do escritório Tozzini Freire Advogados.
Entre os setores mais afetados, devem estar os de tecnologia e petroquímica, que usam muita mão de obra estrangeira.
Imposto disfarçado
Na prática, a IN 1.277 pode se tornar um "novo imposto", principalmente para empresas de pequeno e médio porte. A alternativa é elevar o custo administrativo investindo em departamento jurídico e softwares de gerenciamento adaptáveis às novas rotinas.
Do contrário, terão de arcar com a multa de R$ 5 mil mensais, por não cumprirem a nova exigência.
"Preencher formulários detalhadamente pode ser oneroso para empresas menores", avalia Julio Augusto Oliveira, sócio do escritório Siqueira Castro. "É um exagero. Essas informações já são prestadas em outras rotinas fiscais. A instrução transfere ao contribuinte trabalho que deveria ser feito pela Receita."
Oliveira destaca que a norma exige a prestação de informações por estabelecimento. "No caso de uma empreitera, cada canteiro de obras é considerado uma empresa e terá de fazer o preenchimento no site."
Ele ressalta que, em serviços sujeitos a medição - como obras, que têm aferido seu progresso físico periodicamente -, a instrução normativa fixa a necessidade de informação um mês após o início da prestação de serviço e um mês após a medição. Procurada pela reportagem, a Receita Federal não quis se pronunciar.
Especialistas discutem legitimidade da norma
Instrução se baseia em lei criada para gerar informações para o Ministério da Indústria; aplicação de multa por atraso é questionada por tributaristas
A legitimidade da instrução normativa 1.277 pode ser questionada, aponta Sergio André Rocha, sócio da área de tributos da consultoria Ernst & Young Terco. Isso porque a norma se apoia na lei 12.546, de dezembro de 2011, que estabelece a obrigatoriedade de prestação de informações sobre importação e exportação de serviços e transferência de recursos relacionados a royalties e intangíveis (ativos de difícil avaliação de valor) ao Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC).
A ideia era prover o ministério com dados para a composição de estatísticas sobre o intercâmbio de valores — exceto aqueles devidos à comercialização de mercadorias, que já são acompanhados — para fins de gestão. "A obrigatoriedade de fornecer essas informações é de controle do MDIC, não fiscal. Não tem a ver com a Receita Federal. Não tem pé nem cabeça criar uma obrigação tributária acessória a partir daí", defende Rocha. E, sendo assim, a multa prevista para atraso na entrega das informações não é aplicável. "Estão forçando a barra."
Yun Ki Lee, sócio-diretor do Dantas, Lee, Brock & Camargo Advogados, vê incongruência na estratégia da Receita. "É um ponto bastante discutível, pois uma multa, por ser uma sanção — neste caso, pecuniária —, só pode ser introduzida por lei. E ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em em virtude de lei." A questão da penalidade sem previsão legal também chama a atenção de Felippe Alexandro Ramos Breda, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados. "Nossa legislação proíbe que norma regulamentar do Executivo — a Instrução Normativa é norma para regular a atividade interna da administração pública — crie penalidade sem previsão legal. A IN 1.227 não poderia prever penalidade, uma vez que não teve previsão na lei que rege o assunto, a 12.546/2011." "Parece-me questionável, por ausência de base legal, a exigência de informações do exportador de serviços", resume Osmar Marsilli Jr, tributarista sócio da PLKC Advogados.
Na lei
Há também quem entenda que a novidade está de acordo com a lei. "Não vejo irregularidade na edição da instrução normativa, pois tem apoio na legislação que trata dos tributos federais. Nada impede que o MDIC emita normas sobre a obrigação de prestar a informações para fins econômico-comerciais, conforme previsto na Lei 12.546/2011", diz Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados Associados. Outro defensor da norma é Adão Matos, diretor da Trevisan Gestão& Consultoria. "A IN 1.277 vem ao encontro das intenções do governo de deixar cada as informações cada vez mais transparentes de forma prática e ágil para o Fisco. Pode até ser que, em alguns casos, possa ser entendida como desnecessária ou repetitiva, mas está em acordo com o pensamento de maior transparência." ¦ J.G.
Fiscalização tem avanço rápido com tecnologia
Cruzamento de dados permite maior controle, dá eficiência e gera arrecadação crescente
Enquanto o sindicato dos auditores fiscais reclama de falta de profissionais no órgão, a arrecadação cresce consistentemente. Os resultados também não se ressentem do crescimento pífio da economia brasileira. Acontece que, com alcance cada vez maior a bancos de dados e tecnologia para cruzar as informações, o Fisco está ganhando eficiência — e uma certa cara de Grande Irmão. Cruzando dados de diversas fontes, tem cada vez mais possibilidade de encontrar divergência de cifras nas declarações.
Os Cartórios de Registros de Imóveis, por exemplo, já abastecem os computadores do órgão. "Notamos um crescente número de pessoas chamadas a prestar informações sobre imóveis", conta Julio Augusto Oliveira, do Siqueira Castro. "A Receita está cada vez mais municiada, muito bem aparelhada. E, ainda por cima, com medidas como a IN 1.277, transfere o ônus das rotinas para o contribuinte, na medida em que cabe a ele alimentar o site do órgão. Chama a atenção a sofisticação que vem conquistando." Eduardo Martim do Nascimento, do Morad Advocacia, concorda: "A instrução faz parte do processo de reestruturação do modelo de fiscalização e controle da Receita". As obrigações tradicionais, como DIPJ, "serão paulatinamente substituídas pelo cruzamento de dados, aumentando a eficácia da fiscalização e arrecandando mais, muito mais." Por isso, além de observar o incremento nas dificuldades de pessoas e, principalmente, empresas, os especialistas veem na nova norma um sinal de que a Receita Federal fica com as garras cada vez mais afiadas. "O pior é que a criação desse novo controle parece ser um sinal de aumento da sanha da Receita Federal em desconsiderar os acordos internacionais de bitributação dos quais o Brasil é signatário", analisa Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados Associados. "O que tem o MDIC a ver com variações patrimoniais, cuja atribuição é própria do controle do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, e da Receita Federal?", questiona Adonilson Franco, sócio do Franco Advogados. "Se fosse para controlar as transações de serviços com o exterior, deveriam ser computadas também aquelas que não geram variações patrimoniais", considera Adonilson Franco, sócio do Franco Advogados. "Fica aí o alerta para mais um desvio no uso de informações prestadas pelos cidadãos." ¦ J.G.
Fonte: Brasil Econômico
Juliana Garçon (jgarcon@brasileconomico.com.br)
PEDIDO DE RADAR ORDINÁRIO E A INAPTIDÃO DO CNPJ DA EMPRESA
Prezados,
Bom dia.
Recentemente a 7.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região negou recurso proposto pela Fazenda Nacional contra sentença de primeiro grau que concedeu tutela antecipada a uma empresa, restabelecendo sua inscrição no CNPJ, pois havia sido declarada inapta em processo administrativo fiscal.
O fato que gerou a fiscalização motivando a abertura de processo administrativo fiscal para fins de declaração de inaptidão da empresa foi o pedido da empresa para aumentar seu limite de operações no comércio exterior (revisão do Radar Ordinário), a Receita Federal teria identificado divergências e irregularidades na documentação apresentada, o que resultou em fiscalização a qual concluiu pela interposição fraudulenta presumida, em razão da não comprovação da origem dos recursos aplicados pela agravada no comércio exterior.
Na sentença inicial, o juízo concedeu a tutela antecipada, pois os "documentos acostados à inicial revelam a existência regular da empresa, não havendo razão para que seja considerada como sociedade de fachada ou que atue na ilicitude", decisão que a Fazenda Nacional recorreu.
A grande pergunta que fica aqui é: Como evitar este tipo de situação?
Temos o dever de entrar com o pedido de revisão de radar quando existir discrepância entre o volume transacionado pela empresa e o limite auferido na concessão inicial do Radar Ordinário, para não nos sujeitarmos ao enquadramento no procedimento especial de fiscalização conforme IN SRF 228/02, mas a própria tentativa de evitá-lo pode ser o motivador do enquadramento!
Meu entendimento é que para evitarmos este tipo de situação temos que entender o âmago da intenção / exigência fiscal, que é o de identificar a Origem e Disponibilidade dos recursos empregados no comércio exterior, então vamos analisar as legislações envolvidas.
A Receita Federal estabeleceu através da IN SRF 650/06 os procedimentos de habilitação de importadores, exportadores e internadores da Zona Franca de Manaus para operação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) e credenciamento de seus representantes para a prática de atividades relacionadas ao despacho aduaneiro.
As modalidades de habilitação são a Ordinária, a Simplificada (com seus desdobramentos), a Especial e a Restrita, mas a modalidade que demanda a maior atenção do contribuinte é a Ordinária (inicial ou revisão de estimativa), em decorrência do desfecho natural do processo em caso da não comprovação da Origem e Disponibilidade dos recursos aplicados nas operações de comércio exterior, que é abertura de procedimento especial conforme IN SRF 228/02 (§ 3 º do Art. 21º da IN SRF 650/06).
A Portaria MF nº 350/02 dispõe sobre os procedimentos de controle da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior visando o combate à interposição fraudulenta de pessoas, onde na prática apenas estabelece limites e a competência da Secretaria da Receita Federal e do Banco Central para fazê-lo.
Independentemente do controle efetuado pelo BC neste quesito, os contribuintes sentem mais o peso da Secretaria da Receita Federal quando o assunto é comprovação da Origem e Disponibilidade dos recursos, pois em menos de uma semana da publicação da Portaria MF nº 350/02, a SRF publicou a IN SRF 228/02, a qual já estava pronta para ser colocada em prática sendo que até hoje gera muita controvérsia e curiosamente não foi editada / aperfeiçoada desde então, passados quase 10 anos.
As legislações citadas acima não deixam os contribuintes exatamente confortáveis com a definição do termo "Origem e Disponibilidade", pois operações não bancárias (via caixa) embora atualmente incomuns, não são ilícitas, embora sejam de "Disponibilidade" difícil de comprovar.
Existem também os lançamentos efetuados a título de simples faturamento decorrentes de vendas para entrega futura (CFOP 5.922, por exemplo), que também podem ser confundidos com recebimento de adiantamento de recursos para operações em comércio exterior, o que não é permitido a não ser que a operação seja por conta e ordem (IN SRF 225/02).
O Art. 6º da IN SRF 228/02 (sem ser específico o suficiente para dirimir as principais dúvidas dos contribuintes) indica alguns dos elementos de prova que comprovam a origem lícita, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos necessários à prática das operações de comércio exterior.
Resumidamente, para o contribuinte demonstrar a regular Origem e Disponibilidade dos referidos recursos é necessário entender quais são as entradas de recursos esperadas em uma empresa. Em meu entendimento são três os principais tipos de entrada de recursos em uma empresa:
Integralização de Capital Social, onde a origem é verificada através do IRPF do sócio que está efetuando a integralização e a disponibilidade é verificada com os respectivos comprovantes da transação bancária entre contas correntes (comprovante de TED, DOC, Cheque, extratos bancários do sócio e da empresa, etc...). A sugestão aqui é somente integralizar capital social via transação bancária, jamais integralizar o capital social via aporte no caixa da empresa em espécie para evitar problemas ou muito menos aumentar o capital social via "conta contábil de reserva de lucros", acreditem, já vi autuações em decorrência disto e por mais injusto que seja, se não houver o fluxo financeiro entre as contas bancárias do sócio e da empresa, a disponibilidade não é comprovada no critério da fiscalização.
Faturamento de produtos e serviços, onde a origem é verificada através das notas fiscais envolvidas na transação (entrada dos produtos vendidos, venda dos produtos e de prestação de serviços) e a disponibilidade é verificada com os respectivos comprovantes de pagamentos e quitações, recebimentos vinculados às respectivas notas fiscais citadas, inclusive com contratos de câmbio se for o caso, e extratos bancários. A sugestão é dar prioridade às transações bancárias, que são de fácil comprovação.
Empréstimos, onde a origem é verificada através do contrato de empréstimo, e a disponibilidade através de extratos bancários indicando o recebimento do empréstimo, os respectivos pagamentos das parcelas, débitos de TAC, IOF, etc..., A sugestão é não contrair empréstimo de pessoa física ou pessoa jurídica que não tenha a atividade empréstimo como objeto societário (vide § 1º do Art. 6º da IN SRF 228/02), mas caso seja inevitável, lembre-se que o provedor destes recursos fica sujeito a ser fiscalizado pela Receita Federal para identificação da Origem e Disponibilidade dos recursos.
Existem outros pontos aos quais os contribuintes devem se atentar, como registros contábeis fidedignos, mão de obra adequada à atividade, regularidade da documentação de suporte às atividades da empresa (contratos social, de locação e de uso de marca comercial, regularidade das declarações fiscais, etc...), mas me arrisco a dizer que tendo a questão Origem e Disponibilidade equacionada, praticamente 90% do caminho foi andado no sentido de comprovar a existência de fato da empresa, nos critérios do procedimento especial de fiscalização da IN SRF 228/02.
Abraços.
engº Marcelo Ferrer
Exportações da Marcopolo foram legítimas, diz Carf
PROPÓSITO NEGOCIAL
O Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda, decidiu nesta terça-feira (17/7) que as operações de exportação da companhia de viação Marcopolo foram legais e não se trataram de simulações. Por oito votos a um, os conselheiros da Câmara Superior rejeitaram os argumentos da Fazenda Nacional de que as operações de exportação de peças da companhia foram feitas a empresas do próprio grupo, como forma de enganar o Fisco e não pagar impostos.
O caso ganhou repercussão por ser o primeiro a tratar da venda para empresas situadas em paraísos fiscais. Pelas regras tributárias nacionais, quando uma companhia exporta para outra situada em país considerado paraíso fiscal, deve obedecer às regras de preço de transferência — já que no país da compradora não existe tributação sobre renda e lucro.
A Receita Federal autuou a Marcopolo com o argumento de que a empresa desrespeitou o artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/2001, que regula os preços de transferência — regra que visa evitar que subsidiárias no Brasil mandem lucros não tributados a matrizes no exterior por meio de aquisição de matéria prima superfaturada. A hipótese foi rejeitada pelo Carf.
No caso, a Marcopolo foi autuada pela Receita por supostas omissões decorrentes de vendas à Marcopolo International, com sedes nas Ilhas Virgens Britânicas (MIC) e no Uruguai (Ilmoc). Dizia o fisco que essas empresas não têm estrutura suficiente para justificar as operações registradas nos balanços da Marcopolo como exportações. Seriam, portanto, negócios falsos.
O fisco, então, apresentou recurso à Câmara Superior do tribunal administrativo, alegando que as operações de exportação de peças da Marcopolo foram um drible. Na interpretação da Fazenda, a companhia simulou as operações para não pagar impostos. A empresa teria, segundo a Receita, registrado clientes como se fossem empresas controladas.
Em sustentação oral feita nesta terça na instância máxima do Carf, o tributarista Heleno Taveira Torres afirmou que a empresa exportou peças para duas companhias estrangeiras, que as revendiam. Para o fisco, essas empresas eram, na verdade, controladas pela Marcopolo, que as registrou como compradoras para ludibriar a tributação.
Sob relatoria do conselheiro Jorge Celso Freire da Silva, o Carf decidiu que ficou comprovada a existência das empresas e a legalidade das exportações. Segundo a tributarista Mary Elbe Queiroz, que acompanhou o julgamento, o Carf reconheceu que "ficou comprovado o propósito negocial e a substância da operação", diz. "O Carf entendeu, corretamente, que foram negócios reais e não operações de elisão fiscal. Todas as leis antielisão foram respeitadas."
*Texto alterado às 19h20 da terça-feira (17/7) para acréscimo de informações.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 17 de julho de 2012