terça-feira, 22 de janeiro de 2013

TRF-4 derruba pena de perdimento por falta de documento

PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE

Por Jomar Martins

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acolheu Apelação para anular ato do delegado da Receita Federal de Uruguaiana (RS), que fixou pena de perdimento para uma carga que chegou ao Porto Seco sem o manifesto internacional de transporte rodoviário. A carga contém 24 tambores de tinta e seguiria para o Chile. O acórdão foi lavrado dia 16 de janeiro.

O juiz substituto Aderito Martins Nogueira Júnior, da Vara Federal de Uruguaiana, lembrou que o Mandado de Segurança não comporta produção de provas e que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade. Por isso, registrou na sentença, seria inviável acolher a alegação de que o transportador informou, espontaneamente, a ausência do documento antes mesmo do equívoco ser constatado pela fiscalização. Isso porque, a prova documental apontou que o autor só se manifestou na esfera administrativa após ser intimado a esclarecer a irregularidade.

Para ele, não tratou-se de ''equívoco meramente formal'', de pouca relevância, passível de ser corrigido no curso do despacho, sem aplicação de qualquer penalidade. Antes, tratou-se de uma das mais graves violações às normas que regulamentam as atividades de exportação: o desacordo entre a mercadoria declarada à fiscalização aduaneira e o montante que efetivamente estava sendo exportado.

''De fato, o artigo 105, inciso IV, do Decreto-Lei nº 37/66, combinado com o artigo 23, inciso IV, do Decreto-Lei nº 1.455/76, define de forma expressa que, por consubstanciar dano ao erário, está sujeita à pena de perdimento a mercadoria existente a bordo do veículo, sem registro em manifesto ou em documento de efeito equivalente'', justificou o juiz, que considerou o Mandado de Segurança improcedente.

Ausência de ilícito
O entendimento de primeira instância, entretanto, não prevaleceu na 1ª Turma do TRF-4. O relator, juiz federal convocado Francisco Donizete Gomes, se alinhou à tese que considera excessiva a pena de perdimento quando não há indício de má-fé ou de lucro a ser obtido com a infração. Decisão contrária afrontaria, flagrantemente, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesta linha, o relator acolheu integralmente a opinião do procurador da República Januário Paludo, adotando seu Parecer como razões de decidir.

Após discorrer sobre as disposições do Regulamento Aduaneiro, Paludo registrou que a decretação de pena de perdimento para o transportador está, reiteradamente, associada às expressões 'fraude', 'clandestina', 'simulação', 'ocultação', 'ilusão', 'ardil', entre outras.

''Intui-se, ainda, dos termos do inciso XI, do artigo 689, do Decreto 6.759/09, a necessidade de se inferir, da atuação do agente econômico, a vontade deliberada de se furtar ao cumprimento das exigências que regulamentam a importação, o que se denota da expressa previsão do dolo como requisito à aplicação da pena de perdimento no caso de mercadoria estrangeira''.

Por fim, corroborando com esta linha de entendimento, o representante da Procuradoria no colegiado invocou o Enunciado da Súmula 138 do TRF, que se aplica, por interpretação analógica, ao caso concreto. Diz o Enunciado: ''A pena de perdimento de veículo, utilizado em contrabando ou descaminho, somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do seu proprietário na prática do ilícito''.

O caso
Conforme narra o Parecer da Procuradoria Regional República na 4ª Região (PRR-4), o autor, no cumprimento do contrato de transporte de carga destinada ao exterior, deixou de declarar no Manifesto Internacional de Carga Rodoviária (MIC) o Conhecimento Internacional de Transporte Rodoviário (CRT) número BR-078-007322, relativo a 24 tambores de tinta Black Alkyd Concentrate.

O transportador só percebeu o erro no momento em que o veículo, amparado pelo MIC/DTA número BR-078-009072, entrou no Porto Seco Rodoviário de Uruguaiana, com destino ao Chile, para proceder ao desembaraço aduaneiro das mercadorias transportadas. O fato aconteceu em 3 de outubro de 2011.

Naquele momento, o representante do transportador, presente no local, informou ao auditor fiscal da Receita Federal o ocorrido — antes mesmo do início da conferência física da carga. Informou que o MIC/DTA estava sendo alterado, para fazer constar o CRT. O auditor fiscal, ignorando as informações que lhe foram prestadas, resolveu intimar formalmente o transportador, a fim esclarecer sobre a ausência do documento.

No dia 5 de outubro, segundo o Parecer, citando a inicial, o autor apresentou explicações formais ao agente fiscal, requerendo a juntada do MIC/DTA já alterado para constar o CRT faltante. No dia seguinte, entretanto, o auditor lavrou termo de apreensão. No dia 4 de novembro, ele foi além: lavrou um auto-de-infração, aplicando pena de perdimento da mercadoria. O ato se baseou no artigo 105, inciso IV, do Decreto-Lei n. 37/1966.

O transportador, inconformado com pena tão severa, apresentou defesa administrativa contra o ato que determinou o perdimento da carga. Como a defesa não teve êxito neste âmbito, resolveu entrar com Mandado de Segurança na Vara Federal de Uruguaiana, sede do Porto Seco, para buscar reconhecimento da nulidade do ato administrativo.


Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

Revista Consultor Jurídico, 21 de janeiro de 2013

Intervenção estatal na economia será julgada no STF


Por Juliano Basile | De Brasília

Depois de ser acusado de intervir nas atividades do Congresso, durante o mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) volta suas atenções, este ano, para o julgamento de diversos casos em que a discussão central é a intervenção do Estado na economia.

Há desde ações em que governos estaduais interferem nas empresas, através da cobrança de impostos para atividades que, antes, estavam isentas, até processos em que agências reguladoras baixam medidas que afetam diretamente negócios de grandes companhias, cerceando a atuação privada, ou dirigindo-a.

Um dos principais casos sobre intervenção do Estado na economia - a cobrança de ICMS nas vendas feitas pela internet - ganhou status de repercussão geral no STF, há dois meses. Nele, vários governos estaduais entraram com recursos no STF contra empresas que conseguiram, nas instâncias inferiores da Justiça, o direito de fazer o pagamento do imposto apenas para o Estado que remete a mercadoria. Com isso, Estados onde os consumidores adquirem os produtos não estavam recebendo nada pelas transações via internet.

"Ocorrem várias operações de venda de mercadorias dentro de Sergipe sem que haja o pagamento do ICMS, em que pese a operação ocorrer em nosso Estado, sob o rótulo de venda não presencial por meio da internet", afirmou num desses recursos a procuradoria do governo sergipano.

Relator desse processo, o ministro Luiz Fux entendeu que o caso tem relevância política, econômica, social e jurídica e, por isso, propôs que o recurso de Sergipe seja decidido sob a sistemática da repercussão geral. Nela, o STF julga uma vez o tema, e essa decisão será aplicada para todos os processos semelhantes.

"As vendas via comércio eletrônico repercutem na economia pelo volume de operações e impacta financeiramente no Orçamento dos entes federados", justificou Fux. A proposta do ministro foi aceita, por unanimidade, pelos demais integrantes do STF e a cobrança de ICMS nas vendas pela internet será decidida, a partir de fevereiro, quando eles voltarem do recesso.

Outro caso que ganhou o status de repercussão geral foi a ação da Confederação Nacional do Comércio (CNC) contra a exigência de certidão negativa de débitos trabalhistas. O documento, que é uma comprovação de que a empresa não tem débitos com os seus empregados, passou a ser cobrado das companhias que querem participar de licitações, a partir da Lei 12.440, de julho de 2011.

Como a certidão deve ser renovada a cada seis meses, as empresas contestaram a exigência de mais um instrumento burocrático para que possam participar de concorrências públicas. "A exigência da certidão negativa de débitos trabalhistas nada mais é do que uma forma de coagir o devedor a efetuar o pagamento, sob pena de ter prejuízos sem precedentes", afirmou a CNC, referindo-se à possibilidade de as empresas serem barradas de licitações.

O STF tem ainda diversas ações em que o Estado interferiu diretamente na forma de venda e de divulgação de produtos, como cigarros, bebidas e veículos.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) entrou no tribunal com ação para derrubar parte da Lei nº 9.782, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Motivo: a Anvisa baixou resolução para proibir a comercialização de cigarros que contêm aroma e sabor. Segundo a CNI, a norma implicou o "banimento da produção e comercialização da quase totalidade dos cigarros vendidos licitamente no mercado brasileiro".

A CNI quer que o STF delimite parâmetros para a atuação da agência, de modo a evitar que ela proíba "a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de quaisquer produtos e insumos".

"Não adotamos o discurso liberal, de que o Estado não pode interferir, de que as empresas e os entes privados resolvem os seus problemas naturalmente, mas fazemos uma discussão sobre a qualidade dessa intervenção", afirmou Gustavo Amaral, advogado que atua para a CNI.

Segundo ele, o debate sobre a intervenção do Estado acontece não apenas no STF, mas dentro das agências reguladoras. "Há casos em que a Aneel impõe condições rigorosas, e algumas obras em usinas ficam inviabilizadas financeiramente", exemplificou.

"Nesses casos, nós discutimos se, ao intervir, o Estado agiu adequadamente ou acabou impondo custos excessivos e desnecessários às empresas", disse o advogado. Segundo Amaral, há outras contestações em setores regulados, como ações contra a cobrança de taxas sobre medicamentos. "Nos casos de taxas, discutimos a razoabilidade delas."

Em outra ação, a demora do Congresso em regulamentar a propaganda de bebidas alcoólicas vai levar o STF a discutir a proibição de comerciais de cervejas antes das 21h. Nesse caso, a Procuradoria-Geral da República pediu ao STF que, dada a ausência de regulamentação da propaganda de bebidas com teor alcoólico inferior a 13 graus Gay Lussac - faixa que atinge as cervejas -, seja declarada a omissão do Congresso no assunto. Uma vez dito pelo STF que o Congresso se omitiu na tarefa de legislar, a Corte pode, em seguida, passar ao segundo ponto da decisão, que seria o de restringir os comerciais de cervejas até a aprovação de lei sobre o assunto.

A regulamentação da propaganda de bebidas é um tema espinhoso e, em casos como esse, é comum o Judiciário adiar a decisão final. Mas o STF tomou o caminho oposto. A relatora do processo, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, pediu informações sobre o assunto ao Congresso com "urgência e prioridade", e determinou que a ação será julgada diretamente pelo mérito, evitando, assim, a análise prévia do pedido de liminar.

O ministro José Antonio Dias Toffoli também determinou que outra ação envolvendo restrições à divulgação de produtos seja analisada diretamente pelo mérito, num rito abreviado e acelerado. O caso analisado por Toffoli tem influência direta na indústria automobilística. O ministro é relator de ação da CNI contra a obrigatoriedade de veiculação de mensagens educativas sobre trânsito na propaganda de veículos no rádio, na televisão, em jornal, revista e outdoor.

Toffoli também tem em seu gabinete um processo em que empresas contestam a proibição de instalar linhas de transmissão de energia próximas a bairros residenciais. Num recurso da Eletropaulo, o ministro decidiu convocar uma audiência pública sobre o assunto para ouvir desde os argumentos favoráveis à liberdade de as empresas atuarem no setor até aqueles que advertem para supostos potenciais cancerígenos, se as linhas estiverem muito perto de moradias. Essa audiência será feita no começo de março.

As companhias telefônicas também recorreram ao Supremo para garantir a instalação de torres de celulares em diversos municípios do país. Isso porque diversas câmaras municipais aprovaram leis para banir as torres de bairros residenciais. O STF já recebeu as primeiras ações sobre o assunto.

Na maioria dos processos envolvendo a intervenção do Estado em atividades econômicas, quem reclama ao STF não são políticos ou parlamentares, mas sim, companhias e entidades empresariais. Mas há também ações de partidos políticos contra intervenções estatais.

O DEM ingressou com ação contra a nova regulamentação da TV por assinatura, sancionada, em setembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, na Lei nº 12.485. Defendida pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), a norma estabeleceu cotas para a programação, como, por exemplo, a determinação de que cada canal brasileiro tenha que cumprir o mínimo de três horas e meia diárias de produção nacional. As empresas que vendem pacotes de TV por assinatura também terão de seguir um mínimo de canais nacionais. De cada três canais, um deles deverá ser brasileiro.

Para o DEM, a norma discrimina a atividade econômica de estrangeiros e restringe o capital vindo de fora do país. Relator dessa ação e de outras duas sobre o assunto, o ministro Fux marcou audiência pública para discutir a imposição de cotas na TV por assinatura, em 18 e 25 de fevereiro.

Boa parte dos processos que tratam de intervenções em atividades empresariais teve a tramitação acelerada pelos ministros do STF, enquanto eles julgavam o mensalão, no segundo semestre do ano passado. É um sinal de que, mesmo atolado de questões políticas para decidir, o Supremo não se esqueceu dos casos empresariais e deve julgá-los a partir de 6 de fevereiro, quando fará a primeira sessão do ano.

 

 
Fonte: Valor Econômico

União poderá protestar débitos de até R$ 50 mil




Por Bárbara Pombo | De Brasília

Os procuradores federais estão autorizados a protestar em cartório dívidas de até R$ 50 mil devidas às 155 autarquias - como agências reguladoras - e fundações públicas federais. A liberação do procedimento, questionado por advogados, ocorreu por meio da Portaria nº 17 da Advocacia-Geral da União (AGU), publicada na edição de sexta-feira do Diário Oficial da União.

Com essa forma de cobrança, a AGU busca recuperar créditos de menor valor exigidos hoje por meio de uma infinidade de processos administrativos de autarquias federais, como Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). "Anualmente, 40 mil créditos são inscritos em dívida ativa, a maioria está abaixo de R$ 50 mil", informou o órgão.

A norma regulamenta a Lei nº 12.767, de 28 de dezembro, que incluiu a certidão de dívida ativa (CDA) da União, dos Estados e dos municípios como títulos sujeitos a protesto. Com a edição da norma, a União buscou legalizar esse procedimento de cobrança, do qual vinha se utilizando desde outubro de 2010, mas que gerou questionamentos judiciais justamente pela falta de base legal.

Na portaria, a AGU determina que a dívida proveniente da falta de pagamento de multas e taxas seja protestada em cartório depois de 180 dias da intimação do devedor. O protesto só será cancelado após o pagamento ou parcelamento do débito, além das custas e emolumentos cartorários. Caso não seja quitado, as procuradorias poderão ajuizar ações de execução fiscal na Justiça.

A norma prevê ainda que as CDA's que contenham encargos legais no percentual de 20% serão levadas a protesto com redução do percentual para 10%. Os encargos legais substituem o pagamento dos honorários advocatícios e demais despesas com o processo.

De acordo com a AGU, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) editará portaria própria para regulamentar o protesto de débitos relativos a tributos de competência da Receita Federal, como Imposto de Renda e PIS/Cofins.

De outubro de 2010 ao mesmo período de 2012, a Procuradoria-Geral Federal (PFG) - órgão da AGU - recuperou R$ 13,1 milhões com protestos extrajudiciais. O montante equivalente a 45% dos valores encaminhados a protesto.

Para a União, o protesto é um meio de arrecadação "mais célere, eficaz, desburocrático e menos custoso" se comparado à execução fiscal, prevista em uma lei de 1980. Enquanto uma execução fiscal leva mais de oito anos para acabar na Justiça, o protesto demora três dias para ser registrado. Mas, na avaliação de advogados, o litígio poderá aumentar.

Na opinião de tributaristas, o protesto é meio coercitiva de cobrança que tem o intuito de pressionar o pagamento rápido do débito sem dar chance ao direito de defesa. "O devedor é coagido a pagar porque o seu nome entra em cadastros negativos, o que traz dificuldades na obtenção de empréstimos e serviços de fornecedores", diz Fabio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. Segundo Calcini, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tem decisões no sentido de que a CDA é um título executivo, daí a desnecessidade do protesto.

Segundo Rafael Nichele, do escritório Cabanellos Schuh Advogados Associados, a empresa pode ajuizar ação cautelar para sustar o protesto. "O argumento é que vai discutir a cobrança via execução fiscal ou que vai propor uma ação anulatória do débito", diz, acrescentando que a nova forma de cobrança acarretará em um maior número de ações na Justiça.

 
Valor Econômico