sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

STJ: Quebra de sigilo bancário e fiscal fundada em relatório do Coaf não é ilegal


A quebra de sigilo bancário e fiscal fundada em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não é ilegal. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tomada em julgamento de habeas corpus impetrado por Carlos Eurico Ferreira Cecílio, ex-prefeito da cidade de Serrita (PE).

Carlos Cecílio foi denunciado por suposto envolvimento no desvio de verbas públicas mediante fraudes em licitações. No habeas corpus, a defesa alegou falta de fundamentação das decisões que deferiram a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico, bem como as buscas e apreensões, e a consequente ilicitude das provas colhidas.

Segundo a argumentação apresentada, a decisão de quebra de sigilo bancário e fiscal se apoiou exclusivamente em relatório do Coaf – peça que seria meramente informativa e inidônea ao deferimento de medida cautelar – e não foi precedida de anteriores atos de investigação.

O relator do habeas corpus, ministro Nefi Cordeiro, votou pela concessão da ordem sob o fundamento de que a decisão, baseada exclusivamente em relatório produzido pelo Coaf, seria ilegal. O colegiado, entretanto, acompanhou a divergência aberta pelo ministro Rogerio Schietti Cruz.

Voto divergente

Segundo Schietti, o Coaf, órgão responsável pelo levantamento de fatores de risco ao Sistema Financeiro Nacional, também atua na prevenção e na fiscalização da prática do delito de lavagem e identifica as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas em lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.

"O Coaf, desde a edição da Lei Complementar 105/2001, passou a receber, independentemente de autorização judicial, diversas informações de natureza bancária, securitária, cambiária, relativas a mercados futuros e de títulos ou valores mobiliários, previdenciária, creditícia, de empréstimos com cartão de crédito, enfim, sobre todo negócio jurídico que tenha expressão monetária. Assim, por via transversa, a referida lei, ao tornar o sigilo e as inviolabilidades inoponíveis ao Coaf, acabou por permitir que os relatórios produzidos por ele fossem lastreados em elementos de informação da mais alta relevância e precisão técnica", disse o ministro.

Para o ministro Schietti, o relatório produzido pelo Coaf, além de fundamentado em dados protegidos pelo sigilo financeiro, é obtido por um complexo sistema integrado de instituições, o que lhe imprime altíssimo grau de confiabilidade e precisão.

"A atividade desempenhada pelo Coaf, ao constatar indícios de crime, não se restringe a simples afirmação de movimentação atípica, mas, ao contrário, apoia-se em um conjunto de informações relevantes que impõe, em alguns casos (até para melhor esclarecer o fato apontado), melhor análise dos dados que subsidiaram a comunicação feita aos órgãos de persecução penal e que, a fortiori, importam na necessária quebra de sigilo", disse o ministro.

Menor extensão

Em relação à alegada ilicitude das interceptações telefônicas, tanto o relator quanto o ministro Schietti concordaram em que a decisão que determinou a quebra de sigilo foi fundamentada, mas pelo fato de algumas prorrogações do prazo de 15 dias terem sido autorizadas de forma automática, a turma entendeu pela concessão parcial do habeas corpus.

Em seu voto, acompanhado pela maioria, Schietti concedeu a ordem em menor extensão do que era pedido pela defesa e proposto pelo relator, tão somente "para determinar que seja descartado dos autos todo o material obtido a partir da primeira prorrogação automática, mantendo-se incólumes, contudo, aqueles elementos que derivaram dos primeiros 15 dias do primeiro período, ficando a cargo do juízo a quo levar a efeito essa distinção, bem como reconhecer eventual consequência dela decorrente, preservadas, outrossim, todas as provas decorrentes da busca e apreensão e da quebra de sigilo fiscal e bancário".


HC 349945

STF: Julgada inconstitucional lei sobre prisão de depositário de débito tributário



O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da Lei 8.866/1993, que estabelece a possiblidade de prisão do depositário infiel de débitos tributários. A decisão foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1055, sob o entendimento de que a norma é uma ferramenta desproporcional de aumento de arrecadação e contraria tratados internacionais.

A lei prevê que é depositário tributário aquele que a legislação imponha a responsabilidade de reter tributos ou contribuição previdenciária de terceiros, e estava suspensa por liminar desde 1994, a qual foi confirmada agora no mérito.

Segundo o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, apresentado na sessão plenária desta quinta-feira (15), o fisco já dispõe de mecanismos para a execução fiscal, como a possibilidade de penhora de bens e a inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes, sendo desnecessária a ferramenta prevista na lei. Sua manutenção criaria uma "situação desproporcional para maximizar a arrecadação".

Outro ponto mencionado pelo ministro é a vedação, pela jurisprudência do STF, de meios coercitivos indiretos de cobrança de dívida. Ele observa, ainda, que ao exigir o depósito para a contestação administrativa do débito, a lei restringe o direito de defesa do devedor.

Outros ministros que acompanharam o voto do relator mencionaram como fundamento também a assinatura do Pacto de San José da Costa Rica, pelo Brasil, que veda a prisão por dívida. A tese foi usada pelo STF para afastar a possiblidade de prisão por dívida no caso do depositário infiel em ações cíveis, em julgamento realizado em 2008.

STJ: Quinta Turma descriminaliza desacato a autoridade



A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) descriminalizou a conduta tipificada como crime de desacato a autoridade, por entender que a tipificação é incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). A decisão foi tomada na sessão desta quinta-feira (15).

O ministro relator do recurso no STJ, Ribeiro Dantas, ratificou os argumentos apresentados pelo Ministério Público Federal (MPF) de que os funcionários públicos estão mais sujeitos ao escrutínio da sociedade, e que as "leis de desacato" existentes em países como o Brasil atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.

A decisão, unânime na Quinta Turma, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já firmou entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm natureza supralegal. Para a turma, a condenação por desacato, baseada em lei federal, é incompatível com o tratado do qual o Brasil é signatário. 

Controle de convencionalidade

Ao apresentar seu voto, o ministro Ribeiro Dantas destacou que a decisão não invade o controle de constitucionalidade reservado ao STF, já que se trata de adequação de norma legal brasileira a um tratado internacional, o que pode ser feito na análise de um recurso especial, a exemplo do que ocorreu no julgamento da Quinta Turma.

"O controle de convencionalidade não se confunde com o controle de constitucionalidade, uma vez que a posição supralegal do tratado de direitos humanos é bastante para superar a lei ou ato normativo interno que lhe for contrária, abrindo ensejo a recurso especial, como, aliás, já fez esta corte superior ao entender pela inconvencionalidade da prisão civil do depositário infiel", explicou Ribeiro Dantas.

O ministro lembrou que o objetivo das leis de desacato é dar uma proteção maior aos agentes públicos frente à crítica, em comparação com os demais, algo contrário aos princípios democráticos e igualitários que regem o país.

"A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo", destacou o ministro.

Outras medidas

O magistrado apontou que a descriminalização da conduta não significa liberdade para as agressões verbais ilimitadas, já que o agente pode ser responsabilizado de outras formas pela agressão. O que foi alterado é a impossibilidade de condenar alguém, em âmbito de ação penal, por desacato a autoridade.

No caso submetido a julgamento, um homem havia sido condenado a cinco anos e cinco meses de reclusão por roubar uma garrafa de bebida avaliada em R$ 9,00, por desacatar os policiais que o prenderam e por resistir à prisão. Os ministros afastaram a condenação por desacato.

REsp 1640084

Contribuinte que fez depósito judicial pode ser excluído de parcelamento de débitos tributários


"Não viola o princípio da isonomia e o livre acesso à jurisdição a restrição de ingresso no parcelamento da dívida relativa à Cofins, instituída pela Portaria 655/1993, dos contribuintes que questionaram o tributo em juízo, com o depósito judicial dos débitos tributários". Essa foi a tese aprovada pela maioria dos ministros na sessão desta quinta-feira (15), do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 640905.

No recurso, que teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo em outubro de 2012, a União questionava uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na qual uma empresa de fornecimento de insumos para fundição obteve o direito de incluir seus depósitos judiciais no programa de parcelamento previsto pela Portaria 655/1993.

A norma em questão, editada pelo Ministério da Fazenda, instituiu um programa de parcelamento para contribuintes com débitos referentes à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), criada dois anos antes pela Lei Complementar 70/1991. Em seu artigo 4º, a portaria determina que os débitos que forem objeto de depósito judicial, em razão do questionamento do tributo na Justiça, não seriam incluídos no parcelamento.

No caso dos autos, ao analisar a matéria, o Superior Tribunal de Justiça garantiu a uma empresa o direito de incluir seus depósitos judiciais no programa de parcelamento. Para o STJ, ao excluir da possiblidade de parcelamento os débitos objeto de depósito judicial, a Portaria 655/1993 desbordou dos limites da lei, ao impor restrição ao princípio da isonomia e da universalidade do acesso à jurisdição.

Essa foi a decisão questionada pela União por meio do RE 640905. De acordo com o recurso, a exceção feita ao parcelamento do débito fiscal, previsto no artigo 4º da portaria, não ofende os princípios da isonomia e do livre acesso à Justiça.

Isonomia

Em seu voto pelo provimento do RE, o relator disse entender que não se pode aplicar um regime isonômico para pessoas em situação desigual perante o fisco. De acordo com o ministro, não se pode tratar igualmente o contribuinte que deposita os valores em discussão e o contribuinte que nada faz. A portaria em questão não afronta o princípio da isonomia, uma vez que se distinguem duas situações completamente diferentes, frisou o relator: a do contribuinte que voluntariamente efetuou o depósito judicial do débito, ficando imune aos consectários legais decorrentes da mora, e a do contribuinte que se quedou inerte em relação aos débitos que possuía com o fisco. "São pessoas que estão em situação jurídica absolutamente diferentes", ressaltou.

O que se pretende é que o contribuinte possa retirar o dinheiro depositado judicialmente, como objetivo de poder ir para a via extrajudicial parcelar o débito. E, se ele não conseguir pagar, a Fazenda Pública terá que voltar a acioná-lo judicialmente, "num desperdício de força processual imenso", resumiu o ministro.

Acesso ao judiciário

Também não se pode falar em afronta ao princípio do livre acesso à jurisdição, uma vez que não se impõe o depósito judicial para ingressar em juízo, argumentou o relator. Além disso, explicou o ministro Luiz Fux, caso o contribuinte tenha ingressado em juízo e realizado o depósito do montante que entendia devido, "havendo eventual saldo a pagar, pode, com relação a esse saldo, aderir ao parcelamento para sua quitação, não havendo que se falar em nenhuma obstrução de garantia do acesso ao Poder Judiciário".

Acompanharam o relator os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

Divergência

O ministro Edson Fachin discordou do relator. Para ele, a portaria em questão ofendeu o princípio constitucional da isonomia ao criar uma diferença, negando parcelamento para alguns, e o do livre acesso à jurisdição, ao impor limite de acesso ao Judiciário.

Seguiram esse entendimento a ministra Rosa Weber e os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.


Processos relacionados
RE 640905