segunda-feira, 16 de abril de 2012

'Reflexões sobre o Direito Penal'

Artigo da Semana: 'Reflexões sobre o Direito Penal'

Por Gabriel Thomaz da Silva*

1 – DO CUMPRIMENTO DA PENA

Fala-se muito, na sociedade brasileira, do caráter reeducador da reprimenda criminal. Segundo esse entendimento, o tempo em que o preso permanecesse no estabelecimento prisional seria dedicado à sua reintegração na sociedade.

A ideia supra, enquanto no campo teórico, apresenta-se muito interessante. Os estabelecimentos de cumprimento de pena são locais onde os condenados deveriam se preparar para a mais completa reintegração social. Contudo (infelizmente) não é essa a realidade experimentada nos dias de hoje.

Não se argumenta, aqui, que a ideia de reinserção deva ser abandonada. Pelo contrário, deverá ser sempre buscada pelo Estado. Entretanto, percebe-se que a principal função da reprimenda criminal está sendo esquecida, qual seja, a função punitiva como castigo àquele que infringiu as leis penais.

Vale relembrar que a privação de liberdade surge no Direito Penal como forma de punição àquele que cometeu crime. Sendo assim, o criminoso deveria sentir-se intimidado pela aplicação da pena fazendo com que ele não cometesse novos delitos.

Ocorre que durante o tempo de cumprimento da pena, para evitar a ociosidade, diversos projetos foram colocados em prática destinados a ressocializar o indivíduo recluso, trazendo-o de volta ao convívio social.

Percebe-se que a função principal da pena é de punir quem comete crime e inibir quem pretende cometê-los, ao passo que a função secundária é a ressocialização. Nesse sentido, o eminente Prof. Guilherme Souza Nucci¹ nos ensina:

É a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes.

Na mesma esteira, a lição do Prof. Fernando José da Costa² :

A teoria mista adota tanto a teoria retributiva, quanto a relativa (preventiva). A pena deve retribuir e prevenir a prática de uma conduta criminosa.

No Brasil, adota-se a teoria mista. A pena serve não só para justificar a aplicação da justiça (mal justo ao mal injusto), mas também para intimidar e ressocializar o condenado.

Diante do exposto, uma das soluções ao combate da criminalidade atual seja resgatar o caráter punitivo da sanção penal.

Para tanto, sugere-se que a reforma do Código Penal em trâmite no Congresso Nacional atinja também a Lei de Execução Penal (lei nº 7.210/84) no tocante à progressão de regime.

O sistema de cumprimento de pena no Brasil deva ser revisto. Isso porque ele transmite ao condenado uma sensação de impunidade, devido à concessão da liberdade muito antes do término do cumprimento da reprimenda.

Não se sustenta que o sistema progressivo deva ser revogado de imediato. O instituto deve ser recrudescido para se adequar à realidade atual visando a punição dos infratores das leis penais.

A fração de apenas um sexto para a progressão de regime como regra se revela ineficaz no ímpeto de reprimir as condutas criminosas. Imagine um réu primário e que ostente bons antecedentes seja condenado por roubo triplamente qualificado a seis anos de reclusão em regime semiaberto (regime fixado em respeito ao art. 33, § 2º, alínea "b", do Código Penal e Súmulas 718 e 719 do STF).

Segundo o texto da Lei de Execução Penal, o condenado poderá ganhar a liberdade após o cumprimento de 1/6 de sua reprimenda. No exemplo supra, o réu condenado a seis anos de reclusão alcançará a liberdade após o cumprimento de apenas um ano de pena.

Tal situação, na mente do sentenciado, se demonstra como verdadeira sensação de impunidade. Isso porque tendo sido condenado a seis anos, após o cumprimento de apenas um em colônia penal, alcança a liberdade com o regime aberto, faltando ainda cinco anos de pena a ser cumprida.

Vale dizer que a casa de albergado prevista no art. 33, § 1º, alínea "c" do Código Penal não existe no sistema penitenciário brasileiro. Ademais, mesmo se existisse, não entende-se razoável que, por exemplo, um condenado por roubo triplamente qualificado tenha condições de frequentar tal estabelecimento após o cumprimento de apenas um ano de pena em colônia penal.

Pouco adianta a aplicação de penas mais severas, se em pouco tempo os condenados alcançarão a liberdade (muitas vezes sem quaisquer condições de retornarem ao convívio social).

É imprescindível que o infrator efetivamente cumpra a reprimenda imposta pelo Estado como forma de punição tendo em vista a transgressão de sua conduta.

Por consequente, a aludida reforma do diploma penal brasileiro deve abranger também a Lei dos Crimes Hediondos (lei nº 8.072/90). Isso porque as frações de 2/5 e 3/5 também se revelam ineficazes no caso de crimes de tamanha gravidade os quais demandam tratamento ainda mais severo por partes dos órgãos de persecução penal.

2 – CRIMES DE TRÂNSITO

Atualmente acompanha-se pelo noticiário tristes acontecimentos concernentes em acidentes fatais atrelados à condução em alta velocidade pelo motorista e à condução de veículo automotor por motorista embriagado.

Não é raro encontrar pelas ruas, avenidas e estradas brasileiras motoristas conduzindo seus veículos automotores de maneira completamente imprudente muito acima dos limites de velocidade da via. Tal comportamento, por mais que o condutor esteja sóbrio, coloca em risco não só sua vida e integridade física, mas também a de todos os usuários do sistema viário.

Em que pese tais situações serem tipificados como infração administrativa passível de multa e pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH), por colocar em risco a vida e a integridade física de muitas pessoas, a conduta deve também ser tipificada como crime no Código de Trânsito Brasileiro (lei nº 9.503/97).

O referido diploma legal tutela situações semelhantes à narrada nos artigos 308 e 311. Contudo, no primeiro dispositivo legal somente haverá crime se o autor estiver comprovadamente participando de competição automobilística não autorizada em via pública. Ocorre que, na grande maioria das vezes, o agente não está competindo com outro condutor. Ele apenas dirige muito acima dos limites de velocidade (o que por si só já coloca em risco todos os usuários do sistema viário).

Além disso, o art. 311 somente incrimina a condução em velocidade incompatível em determinados lugares expressos no texto legal.

Ademais, as reprimendas impostas para tais condutas são extremamente brandas (detenção de 6 meses a 2 anos no primeiro caso e detenção de 6 meses a 1 ano no segundo caso).

Vale lembrar que não se defende aqui a criminalização do mero desrespeito aos limites de velocidade (punição a qual deva ser mantida na seara administrativa), mas sim o desrespeito exacerbado do limite de velocidade da via que coloque em grave risco a vida e incolumidade física de todos os usuários do sistema.

Nas hipóteses de alta periculosidade na condução de veículo, impõe-se criminalizar tais condutas com sanções mais rigorosas, preferencialmente de reclusão, como forma de inibir tais práticas.

Sustenta-se, ainda, que as sanções administrativas (multas) também devam ser agravadas nesses casos considerando o quantum do excesso de velocidade, bem como o valor do veículo conduzido pelo infrator.

Não é coerente um indivíduo que excedeu, por exemplo, 25% do limite ser punido na mesma medida que outro indivíduo que ultrapassou o limite em 50%. A conduta do segundo infrator se demonstra mais perigosa, pois estava conduzindo o veículo mais rápido que o primeiro infrator.

Do mesmo modo, aquele que possui automóvel de maior valor terá seu patrimônio menos afetado pela sanção administrativa do que o infrator de menor potencial aquisitivo. Tal circunstância também deve ser considerada no cálculo do valor da multa como forma de dar efetividade à reprimenda.

Por fim, o art. 306 do CTB também deve ser alterado. Isso porque ele prevê a concentração de 6 decigramas por litro de álcool ou substância psicoativa no sangue do motorista.

Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que em relação ao consumo de drogas (sobretudo o álcool) o corpo de cada pessoa responde de uma maneira diferente. Existem pessoas que com quantidade de álcool superior a 6 decigramas por litro de sangue ainda estão em condições de conduzir, ao passo que outras pessoas já não têm condições de dirigir mesmo com concentração menor de 6 decigramas por litro de sangue.

Nessas condições a constatação de embriaguez do condutor deve ser aferida no caso concreto, por intermédio de exame clínico realizado por perito do Instituto Médico Legal (IML), o qual possa atestar se a pessoa está ou não em condições de dirigir veículo automotor. Para tanto, o perito poderá se utilizar de diversos métodos e exames clínicos e laboratoriais capazes de detectar a efetiva embriaguez do condutor.

Além disso, deve-se viabilizar a constatação de embriaguez não exclusivamente por meio de prova técnica, mas também pela prova testemunhal. Isso porque não são raros os casos em que motoristas, em nítido estado de embriaguez, se recusam a realizar o teste do etilômetro (vulgo bafômetro), bem como a coleta de sangue no IML.

Infelizmente, contra tais condutores, pouco pode ser feito, pois estão exercitando seu direito constitucional de não realizarem provas contra si mesmos. Acaba por se tornar difícil a persecução penal de tais agentes, visto que o texto legal exige a comprovação da concentração de substância psicotrópica superior a 6 decigramas por litro de sangue no corpo do autor.

Sendo assim, afirma-se a oportuna utilização de prova testemunhal para comprovar a embriaguez ao volante, bem como a aferição no caso concreto se a pessoa está ou não em condições de dirigir, sem a necessidade de verificar a específica concentração de droga ou substância psicotrópica no corpo do agente, como forma de incorrência no crime capitulado no art. 306 do CTB.

3 – DO USO DE DROGAS

Finalmente, o tipo penal de uso de substâncias entorpecentes (art. 28 da lei 11.343/06), deve ser alterado em seu preceito secundário.

Com o advento da atual lei de drogas, o crime de uso de entorpecentes deixou de fixar pena privativa de liberdade. Atualmente, o usuário de drogas será submetido a medidas diversas da prisão que, em tese, o afastaria dos entorpecentes.

Contudo, essa realidade imaginada pelo legislador de 2006 não se verifica na realidade cotidiana. Se ele, com muito acerto, recrudesceu a pena do tráfico de entorpecente, abrandou demais o tratamento dispensado aos usuários de droga.

O tráfico de entorpecentes, atualmente, é o crime mais utilizado pelas Organizações Criminosas para angariar fundos utilizados em suas atividades delitivas. Logo, a melhor maneira de combater o crime organizado é cortar sua principal fonte de sustento: o usuário de drogas.

Vale lembrar que um grande número de usuários de drogas são pessoas de nível social alto, dotados de formação acadêmica e rendimentos suficientes para custear o uso. Portanto, não se trata necessariamente de pessoas indigentes que buscaram nas drogas uma consolação para o fracasso na vida (até porque muitas dessas pessoas possuem uma vida muito bem sucedida).

Nesses casos as penas do art. 28 da lei 11.343/06 não são suficientes para coibir o consumo de entorpecentes por essa classe social mais privilegiada. Com a possibilidade da aplicação de uma pena privativa de liberdade, tais pessoas estariam inibidas de praticarem o delito, temendo o cárcere (mesmo que por pouco tempo).

Não se pode esquecer das pessoas que experimentam entorpecentes uma vez para "ver como é" (sem temer à prisão) e acabam se viciando na droga. Além desses indivíduos também injetarem dinheiro no tráfico de drogas, cometerão outros crimes para sustentarem o seu vício (ao passo que uma parte deles não tem condições financeiras para manter a dependência).

Ao interrogar réus processados por crime contra o patrimônio, é muito comum ouvir que eles cometeram o delito para sustentar o vício com entorpecentes. Ora, se eles não tivessem entrado no mundo das drogas, não estariam viciados, e não cometeriam crimes contra o patrimônio para sustentarem seus vícios.

É evidente que o tratamento médico para os dependentes químicos é, além de direito do cidadão, um dever do Estado. Entretanto, com um tratamento punitivo mais severo ao usuário de drogas é muito possível que pessoas desistam de utilizarem os entorpecentes, temendo a restrição de liberdade. Tal fato, além de coibir a injeção de dinheiro no crime organizado, preveniria o cometimento de crimes contra o patrimônio, além de melhorar a saúde da população com menos viciados em drogas.

Por esses motivos, a conduta do uso de entorpecentes é quase tão gravosa quanto a conduta do tráfico de drogas. Sendo assim, a sanção penal aplicada ao usuário deverá ser tão severa quanto a pena aplicada ao traficante.

Por essa razão, deve ser alterado o art. 28 da lei 11.343/06 inserindo em seu preceito secundário a pena privativa de liberdade, com o fim de desestimular que as pessoas façam uso de entorpecentes, evitando que elas se tornem dependentes químicos, bem como deixem de financiar o crime organizado.

Notas

(1) NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial – 2ª edição revista, atualizada e ampliada – São Paulo: Ed. RT, 2006 – pág. 359.

(2) COSTA, Fernando José. Direito Penal: parte geral – 2ª edição – São Paulo: Atlas, 2007 – pág. 69).

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*Pós-graduando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

 

QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA ADMINISTRAÇÃO POSSIBILIDADE, DESDE QUE COMPROVADA A PRÉVIA ABERTURA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E SEJA A MEDIDA RAZOÁVEL E PROPORCIONAL

"TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA ADMINISTRAÇÃO POSSIBILIDADE, DESDE QUE COMPROVADA A PRÉVIA ABERTURA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E SEJA A MEDIDA RAZOÁVEL E PROPORCIONAL
(... )
Não se nega que a Administração, após a LC 105/01, pode ter acesso às informações bancárias do contribuinte, na forma instituída pela Lei n. 10.174/01, sem a intervenção judicial, mas isto se dá apenas quando existente procedimento administrativo"
(STJ, AgRg no REsp 1.063.610/SP, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, v.u., j. 18.8.09, DJe 31.8.09)

AUTUAÇÃO COM BASE EM DEMONSTRATIVOS DE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA. POSSIBILIDADE.

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. LANÇAMENTO POR ARBITRAMENTO. AUTUAÇÃO COM BASE EM DEMONSTRATIVOS DE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA. POSSIBILIDADE. LEI 8.021/90 E LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 182/TFR. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. INOCORRÊNCIA.

 

1. O Codex Tributário, ao tratar da constituição do crédito tributário pelo lançamento, determina que as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata (artigo 144, § 1º, do CTN), pelo que a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, atingem fatos pretéritos. Assim, por força dessa disposição, é possível que a administração, sem autorização judicial, quebre o sigilo bancário de contribuinte durante período anterior a vigência dos aludidos dispositivos legais. Precedentes da Corte: AgRg nos EDcl no REsp 824.771/SC, DJ 30.11.2006; REsp 810.428/RS, DJ 18.09.2006; EREsp 608.053/RS, DJ 04.09.2006; e AgRg no Ag 693.675/PR, DJ 01.08.2006).

2. A Lei 8.021, de 12 de abril de 1990, que dispõe sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais, em seus artigos 6º, 7º e 8º, preceitua que: (i) "O lançamento de ofício, além dos casos já especificados em lei, far-se-á arbitrando-se os rendimentos com base na renda presumida, mediante utilização dos sinais exteriores de riqueza"; (ii) "Considera-se sinal exterior de riqueza a realização de gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte.": (iii) "O arbitramento poderá ainda ser efetuado com base em depósitos ou aplicações realizadas junto a instituições

financeiras, quando o contribuinte não comprovar a origem dos recursos utilizados nessas operações. (Revogado pela lei nº 9.430, de 1996)"; (iv) "A autoridade fiscal do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento poderá proceder a exames de documentos, livros e registros das Bolsas de Valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, bem como solicitar a prestação de esclarecimentos e informações a respeito de operações por elas praticadas, inclusive em relação a terceiros"; e (v) "Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964.".

3. Ademais, em 10 de janeiro de 2001, sobreveio a Lei Complementar 105, que revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, que condicionava a quebra do sigilo bancário à obtenção de autorização judicial.

4. A LC 105/2002 dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, determinando que não constitui violação do dever de sigilo, entre outros, o fornecimento à Secretaria da Receita Federal de informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações - artigo 11, § 2º, da Lei 9.311/96, que instituiu a CPMF -, e a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, e 9º, da lei complementar em tela (artigo 1º, § 3º, III e VI).

5. Em seu artigo 6º, o referido diploma legal, estabelece que: "As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.".

6. Nesse segmento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está assentada no sentido de que: "a exegese do art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, considerada a natureza formal da norma que permite o cruzamento de dados referentes à arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos, conduz à conclusão da possibilidade da aplicação dos artigos 6º da Lei Complementar 105/2001 e 1º da Lei 10.174/2001 ao ato de lançamento de tributos cujo fato gerador se verificou em exercício anterior à vigência dos citados diplomas legais, desde que a constituição do crédito em si não esteja alcançada pela decadência" e que "inexiste direito adquirido de obstar a fiscalização de negócios tributários, máxime porque, enquanto não extinto o crédito tributário a Autoridade Fiscal tem o dever vinculativo do lançamento em correspondência ao direito de tributar da entidade estatal." (REsp 685.708/ES, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 20.06.2005).

7. Tese inversa levaria a criar situações em que a administração tributária, mesmo tendo ciência de possível sonegação fiscal, ficaria impedida de apurá-la.

8. Deveras, ressoa inadmissível que o ordenamento jurídico crie proteção de tal nível a quem, possivelmente, cometeu infração.

9. Isto porque o sigilo bancário não tem conteúdo absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade pública e privada, este sim, com força de natureza absoluta. A regra do sigilo bancário deve ceder todas as vezes que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. O sigilo bancário é garantido pela Constituição Federal como direito fundamental para guardar a intimidade das pessoas desde que não sirva para encobrir ilícitos.

10. A violação do art. 535, I e II, CPC, não efetivou-se na hipótese sub examine. Isto porque, o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos embargos de declaração, estando o decisum hostilizado devidamente fundamentado. Saliente-se, ademais, que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão, como de fato ocorreu no voto condutor do acórdão de apelação às fls. 119/130, além de a pretensão veiculada pela embargante, consoante reconhecido pelo Tribunal local, revelar nítida pretensão de rejulgamento da causa (fls. 142/145).

11. Recurso especial provido.

(REsp 943304 / SP, Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador, PRIMEIRA TURMA

Data do Julgamento 06/05/2008, Data da Publicação/Fonte DJe 18/06/2008)

CARTA DE CRÉDITO E EMBARQUES PARCIAIS

Data do Artigo: 13/4/2012

 


Autor(a): ANGELO L. LUNARDI
Professor, consultor e autor de livros na área de Câmbio, Carta de Crédito e Incoterms


Em operações com carta de crédito (crédito documentário), saques ou embarques parciais são permitidos (partial drawings or shipments). Isto é o que está posto no art. 31 da UCP 600 (Costumes e Práticas Uniformes para Créditos Documentários), da Câmara de Comércio Internacional, Paris.

A mesma UCP, todavia, no seu art. 1º, prevê que essas regras "obrigam todas as partes, a não ser que expressamente modificadas ou excluídas pelo crédito". Assim, não raras vezes, encontramos cartas de crédito indicando que os embarques parciais são proibidos. Nas cartas transmitidas pelo SWIFT, MT700, esta condição é indicada no campo "43B Partial Shipment". Na ausência de qualquer indicação nesse sentido, entender-se-á que os embarques parciais são permitidos.

Por que os embarques parciais ora são permitidos ora são proibidos? O que é melhor para os importadores, proponentes e ordenantes do crédito, e para os exportadores, seus beneficiários?

De modo prático e definitivo, é possível afirmar que, para o beneficiário do crédito, o ideal é que o crédito permita embarques parciais. Isto significa que poderá melhor administrar os seus embarques diante de eventos indesejáveis. Por exemplo, se ele ainda não tem toda a carga e uma greve se avizinha, ele poderá embarcar a mercadoria que já está disponível. Permite se livrar de um estoque e recompor o seu caixa. Afinal, os pagamentos e reembolsos são efetuados individualmente, por embarque realizado.

Observar que a permissão para embarques parciais não exclui a possibilidade de que seja realizado um único embarque, pelo total.

Para o importador - proponente ou ordenante - nem sempre os embarques parciais são interessantes e convenientes. Por exemplo, se ele comprou a mercadoria em condição que não incluiu o frete, a realização de embarques parciais, certamente, tenderá a encarecer o preço da operação. Além do que, embarques parciais geram múltiplas operações de desembaraço alfandegário. Resultado: aumento de despesas.

Se necessitar da mercadoria na sua totalidade, também não poderá permitir embarques parciais.

Veja, pois, que esta é uma condição essencial que deverá estar prevista no respectivo contrato de compra e venda ou em documento equivalente.

Diante de uma carta que proíba os embarques parciais, o beneficiário pode encontrar situações incomuns. Muitas vezes as mercadorias a serem embarcadas estão disponíveis em diferentes localidades. Como contemporizar este fato com a proibição de embarques parciais? Reunir a mercadoria num único local para depois embarcá-las?

Não. Em princípio isto não é necessário. O próprio art. 31 da UCP apresenta uma solução de ordem prática ao dispor que "uma apresentação (de documentos) consistindo de mais de um conjunto de documentos comprovando embarques efetuados no mesmo meio de transporte e para a mesma viagem, desde que indiquem o mesmo destino, não serão considerados como cobrindo um embarque parcial, mesmo que indiquem diferentes datas de embarque, diferentes portos de carregamento ou locais de recebimento para carregamento".

A última data contida nos documentos de transporte será considerada como sendo a data de embarque. E esta data comandará o prazo ou período para apresentação dos documentos, bem como qualquer prazo para pagamento.

Certamente, os embarques ou entregas em diferentes portos ou locais somente serão possíveis se o crédito assim permitir. Por exemplo, o campo "44E Port of Loading" da mensagem SWIFT indica Any brazilian ports. Por essa razão é necessário que a leitura e aplicação da UCP sempre considerem o contexto do crédito.

Saques ou embarques parcelados

Saques ou embarques parciais não devem ser confundidos com saques ou embarques parcelados (instalment drawings or shipments). Estes contêm uma programação para os embarques. Certas quantidades dentro de determinados períodos. Por exemplo, 30 t por mês, durante seis meses. Para esses embarques, o art. 32 da UCP 600 estabelece que, se um saque ou embarque parcelado, dentro de determinados períodos, for estipulado no crédito e alguma parcela não for sacada ou embarcada dentro do período permitido para a parcela, o crédito deixará de estar disponível para aquela e qualquer parcela subsequente.

Destaca-se que nos "saques ou embarques parcelados" não se permite a realização de embarque único, como nos "saques ou embarques parciais".

Aduaneiras

Justiça garante volta de contribuintes ao Refis

        VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
       
         

Decisões de primeira e segunda instâncias têm garantido a volta de contribuintes ao Refis da Crise. Juízes e desembargadores entenderam que os erros cometidos pelas empresas não justificam a aplicação de uma punição extrema - no caso, a exclusão do programa. Recentemente, uma multinacional do setor de tecnologia conseguiu liminar para consolidar uma dívida de R$ 300 mil no parcelamento federal. A companhia foi excluída por ter deixado de confirmar os débitos a serem parcelados, como determinava a Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 06, de 2009, e a nº 02, de 2011.

Advogados atribuem as exclusões ao excesso de formalismo e regras editadas para regulamentar o parcelamento federal. Nos últimos dois anos, a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicaram 11 portarias conjuntas. "É muito apego à burocracia", diz a tributarista Ana Cláudia Utumi, do escritório Tozzini Freire Advogados, lembrando que, ao aderir ao Refis, o contribuinte confessou a dívida e desistiu de discuti-la. "O que resta agora é pagar, e a permanência no programa garante a sobrevivência de muitas empresas."

De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), dos 248.252 mil contribuintes que incluíram débitos inscritos em divida ativa no Refis, 134.537 tiveram parcelamentos cancelados por erros na consolidação ou porque decidiram não permanecer mais no programa. Hoje, segundo o órgão, um total de 1.399 empresas questionam, por meio administrativo ou judicial, suas exclusões do parcelamento.

Apesar de a pena de expulsão estar prevista em portaria, a desembargadora Consuelo Yoshida, do Tribunal Regional Federal da 3º Região (SP e MT), considerou, ao julgar o caso da multinacional do setor de tecnologia, que havia provas de sua intenção de pagar a dívida. "O mero descumprimento de obrigação acessória não pode determinar a exclusão, sendo tal medida desproporcional e desarrazoada, ainda mais se for levado em consideração que o objetivo do parcelamento é possibilitar a regularidade dos débitos fiscais", afirma na decisão a desembargadora.

De acordo com o processo, a companhia estava em dia com todas as outras obrigações para incluir sua dívida no Refis. Optou pela modalidade de parcelamento de saldos de programas anteriores, pagou as 21 parcelas mínimas exigidas - que, nesse caso, era de cerca de R$ 15 mil mensais -, além de declarar ao Fisco que parcelaria a dívida integral.

Para o advogado Raphael Longo Leite, do escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados, que representa a multinacional, o Judiciário tem atenuado a rigidez das normas do Refis. "A análise é feita caso a caso, o resultado dependerá da boa-fé do contribuinte e se ele cometeu erro pontual diante do acúmulo de regras", diz.

Uma construtora de Brasília, que deve cerca de R$ 3 milhões, também conseguiu voltar ao Refis. A empresa foi excluída por problemas na consolidação. No entanto, o juiz da 21ª Vara Federal do Distrito Federal, Hamilton de Sá Dantas, entendeu que, se o Fisco recebia as parcelas mínimas, não poderia interromper o benefício fiscal do parcelamento.

Mesmo pagando as parcelas mínimas exigidas, a Poligono Engenharia, também de Brasília, foi excluída do programa por problemas no sistema de informática da Receita Federal. A companhia não conseguiu transmitir o comprovante de pagamento da parcela. Para o Fisco, a companhia estava inadimplente. Mas o contribuinte conseguiu provar que seus pagamentos estavam em dia, segundo o advogado Degir Henrique Miranda, do Rodrigues Pinheiro Advocacia. Na decisão, o desembargador Souza Prudente, do TRF da 1ª Região, considerou que problemas no fornecimento de dados não impedem a Receita de analisar as informações prestadas, e nem impedir a consolidação de débitos.

Contribuintes reclamam ainda que estão sendo excluídos sem notificação prévia. Foi o caso de uma loja de roupas do Rio de Janeiro e de uma mineradora de Goiás. Ao conceder as liminares, os juízes consideraram que a exclusão automática viola o princípio do devido processo legal.

De acordo com os advogados da loja, Yuri Molina e Guilherme Manier Carneiro Monteiro, do Gaia, Silva, Gaede & Associados, o contribuinte só tomou conhecimento da exclusão quando recebeu a cobrança dos débitos parcelados. "Não havia lógica em pedir a consolidação. O contribuinte já havia informado que parcelaria todos os débitos", diz Manier, acrescentando que tem outras três decisões semelhantes.

No caso da mineradora, segundo o advogado Bruno Rodrigues Teixeira de Lima, do mesmo escritório, a falta de notificação era usada como argumento secundário na discussão. "A decisão inovou nesse aspecto", afirma.

Procurada pelo Valor, a PGFN preferiu não se pronunciar sobre as decisões.

Bárbara Pombo - De São Paulo

Fisco não pode exigir garantias de empresa

VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
       
        
Um supermercado de São Carlos (SP), que discute na Justiça a penhora de parte de seu faturamento, obteve sentença para voltar ao Refis da Crise. O juiz substituto João Roberto Otávio Júnior, da 2ª Vara Federal de São Carlos (SP), entendeu que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) interpretou de forma errada a legislação do Refis.

O órgão havia excluído a empresa com a alegação de que não teria cumprido a determinação judicial de depositar os 5% de sua receita mensal para a quitação de um débito de R$ 6 milhões de Cofins. Para o magistrado, no entanto, a lei que institui o parcelamento (Lei nº 11.941, de 2009) não condicionou a adesão à apresentação de garantias. A previsão de que as penhoras já formalizadas deveriam ser mantidas veio apenas com a edição da Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 6, de 2009. "A necessidade de manutenção da garantia já formalizada não se confunde com as hipóteses de manutenção regular do parcelamento", afirmou.

O magistrado entendeu ainda que a inadimplência é o único motivo de exclusão do parcelamento previsto na lei. "Chancelar o ato da Fazenda seria um verdadeiro contrassenso", disse. Isso porque não havia exigência de garantia para adesão no Refis ou previsão de cancelamento do parcelamento por descumprimento de penhora. Procurada pelo Valor, a PGFN não quis comentar o caso.

Para o advogado do supermercado, Fabio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, o formalismo e a medida de sanção do Fisco são desproporcionais. "Não há razão para buscar a penhora. O débito já havia sido parcelado", afirmou. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deverá decidir em breve se a adesão ao Refis suspende o bloqueio de bens dados em garantia.

Para a tributarista Valdirene Lopes Franhani, do escritório Braga & Moreno Consultores e Advogados, a decisão é importante para delimitar os critérios de exclusão. "A procuradoria tem procurado detalhes para cancelar parcelamentos", diz.

Bárbara Pombo - De São Paulo

Gilmar Mendes propõe súmula vinculante sobre guerra fiscal

    O ESTADO DE S. PAULO - ECONOMIA - 14.4.12
       
         

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, disse ontem ter feito há duas semanas uma proposta ao STF para a edição de uma súmula vinculante que trate da guerra fiscal entre os Estados. De acordo com o ministro, o objetivo da proposta é reforçar a decisão de junho de 2011, que determinou a inconstitucionalidade de 14 casos federativos que envolviam incentivos fiscais não compactuados com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

"É fundamental posicionar-se, porque a autoridade do tribunal está sendo comprometida com essa guerra fiscal, que tem persistido mesmo após a decisão de inconstitucionalidade tomada no ano passado", afirmou.

Gilmar Mendes preferiu não apostar numa data para a apreciação do tema no STF, mas acredita na possibilidade de os ministros discutirem o assunto ainda neste primeiro semestre. Ele avalia ainda que, mesmo sem garantias de que a súmula seja editada, há condições de obter apoio de dois terços dos ministros do STF para a proposta.

O ministro avaliou ainda que o debate no STF em torno da súmula vinculante pode incluir um modelo para tratar de casos retroativos que já tenham desrespeitado a Constituição em relação a incentivos fiscais. Segundo ele, depois dos 14 casos julgados em 2011, o STF já tem outras 34 ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) que ainda estão por ser julgadas e podem ser apreciadas também em bloco.

De acordo com a legislação, se aprovada uma súmula vinculante, a partir de sua publicação, terá efeito em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta federal, estadual e municipal. Se a súmula for aprovada, os benefícios fiscais concedidos pelos Estados fora do Confaz serão imediatamente derrubados.

LRF. O Estado de São Paulo não foi informado sobre eventual intenção do governo federal de flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para concessão de incentivos tributários por parte da União em troca da revisão na dívida dos estados.

Questionado sobre o tema, o secretário da Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, diz desconhecer qualquer proposta do governo que amplie a mobilidade do governo para gastar com incentivos fiscais dentro da LRF.

"Não tenho conhecimento. Não fui consultado", disse ontem em São Paulo, durante seminário sobre guerra fiscal. Ainda assim, Calabi propõe que qualquer alteração deva ser muito cuidadosa e avaliada de modo a manter o "equilíbrio macroeconômico e o processo de estabilização da economia brasileira".

Ao mesmo tempo, o secretário apoia a revisão do endividamento dos Estados que vem sendo discutida também no Congresso. O pacto firmado nos anos 90 com a União prevê a correção da dívida pelo IGP-DI acrescido de juros de 6% ou 9%.

O governo estaria propondo a troca do IGP-DI pela Selic como indexador. Mas Calabi defende o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como "indexador mais adequado". Ontem, a Agência Estado informou que os 27 Estados brasileiros não querem a Selic como indexador das dívidas, mas simpatizam com a ideia de usar o juro básico da economia como teto para o custo das dívidas estaduais.

Calabi também apoia o projeto do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que estabelece que o juro para financiar os Estados deveria ser o mesmo dos investimentos privados via BNDES, ou seja, a TJLP(6%).

BIANCA RIBEIRO