Muitas empresas importadoras, em seu dia-a-dia, deparam-se, espantadas, com o perdimento por abandono.
A legislação prevê o perdimento por abandono, grosso modo, em 90 dias, para as mercadorias em zona primária, e em 120 dias, para as mercadorias em zona secundária, sem que se inicie o despacho de importação visando ao desembaraço aduaneiro.
Contudo, o prazo não é o fator principal do perdimento por abandono.
Ele decorre de equívocos vários.
Podemos exemplificar com as eventuais falhas administrativas e operacionais em questões atinentes à modalidade da importação, ao limite concedido quando da habilitação do radar, ao câmbio etc.
Assim, por mais absurdo que possa parecer, o perdimento por abandono é muito comum.
O perdimento é penalidade prevista pela legislação aduaneira (oriunda do regime ditatorial) que comporta natureza jurídica híbrida, pois a um só tempo repara e castiga.
Muitas das hipóteses previstas pela legislação como passíveis de penalização pelo perdimento são situações de dano presumido ao erário, pois não há referência a valor específico do prejuízo ao erário.
A legislação simplesmente se satisfaz com situações que caracterizariam o alegado dano ao erário.
A grande discussão no perdimento por abandono repousa no que configura o dano ao erário.
Seria abandono, portanto, a perda do prazo previsto em lei para início do despacho, analisando-se a questão unicamente sob o aspecto objetivo do prazo?
A questão da intenção de abandonar ainda é muito debatida em processos administrativos, pois as autoridades fiscais são objetivas em analisar o decurso do prazo, pouco importando as questões paralelas e alheias à vontade do contribuinte que lhe impediram do cumprimento dos prazos legais.
Todavia, seria bom que se observasse a já consolidada jurisprudência de nossos Tribunais, que exige, para a comprovação do abandono, não só o decurso do prazo, mas, também, o aspecto subjetivo da intenção de se abandonar a mercadoria. Confiram:
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. MERCADORIA IMPORTADA. PRAZO PARA DESEMBARAÇO ADUANEIRO. ART. 23 DO DL Nº 1.455/76. PAGAMENTO DE DESPESAS. PERDIMENTO DE BENS POR ABANDONO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES.
1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento.
2. Acórdão a quo segundo o qual "embora decorrido o prazo legal para o desembaraço aduaneiro de mercadoria importada, é plenamente possível ser promovido o despacho ou desembaraço, enquanto não se efetuar a venda, desde que indenizadas, previamente, as despesas realizadas".
3. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que:
- "A jurisprudência desta eg. Segunda Turma firmou o entendimento de que se deve flexibilizar a pena de perdimento de bens, quando ausente o elemento danoso" (REsp nº 331548/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 04/05/06);
- "O Direito pretoriano enquadra-se na posição de flexibilizar a pena de perdimento, quando ausente o elemento danoso. Interpretação principiológica que se reporta à razoabilidade" (REsp nº 512517/SC, Relª Minª Eliana Calmon, DJ de 19/09/05);
- "Para que se decrete a pena de perdimento de bens, prevista no art. 23 do Decreto-lei 1.455/76, não basta que transcorram os 90 (dias) sem que tenha havido o desembaraço da mercadoria. É necessário que seja instaurado o processo administrativo-fiscal (art. 27 do Decreto 1.455/76) para que se verifique a intenção do agente de abandonar a mercadoria" (REsp nº 517790/CE, 2ª T., Rel. Minª Eliana Calmon, DJ de 12/09/05)
4. A pena de perdimento de bens, no caso previsto no art. 23 do DL nº 1.455/76, não se dá automaticamente, podendo ser elidida a presunção juris tantum de ter havido o abandono.
5. Não-caracterização de abandono em face do manifesto desejo, efetivamente comprovado, de desembaraçar as mercadorias em curto prazo, com os pagamentos devidos, afastando-se a imposição da declaração de sua perda. Somente é cabível a pena de perdimento, quando comprovada a vontade de abandonar a mercadoria.
6. Agravo regimental não-provido.
(AgRg no Ag 849702 / SP, Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento 03/05/2007, Data da Publicação/Fonte DJ 28/05/2007 p. 295)
FARB