quinta-feira, 10 de maio de 2012

Fisco nega isenção a frete de exportação

SÃO PAULO - A Receita Federal publicou entendimento excluindo a isenção ou suspensão da incidência de Programa de Integração Social (PIS) e de Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para as receitas de transportadoras decorrentes de frete interno de produto a ser exportado. Para advogados, a limitação traz prejuízos para as empresas e vai contra o estímulo à exportação.

"Essa limitação é feita de forma equivocada. Se a mercadoria deve ser competitiva, a tributação no mercado interno deve ser reduzida", afirma o advogado Richard Dotoli, sócio do Siqueira Castro Advogados.

Publicada ontem, a Solução de Consulta nº 76 afirma que "não é aplicável a isenção ou a suspensão da incidência do PIS e da contribuição para o PIS/Pasep para as receitas de transportadoras decorrentes de frete interno de produto a ser exportado, bem como de frete de suas matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, se o exportador não for habilitado junto à Receita Federal como pessoa jurídica preponderantemente exportadora". Em outras palavras, incide PIS e Cofins no valor do frete pago para transportar as mercadorias até o porto.

O advogado explica que a Lei 10.865, de 2004, coloca como condição para que haja a isenção de PIS e Cofins que a empresa que esteja contratando o frete (no caso, a própria transportadora) seja preponderantemente exportadora. "O critério é que a empresa tenha 80% de sua Receita do ano anterior decorrente de exportação", afirma Dotoli. Para ele, é difícil imaginar que o fabricante possa exportar sem ter que contratar um serviço de transporte. "A solução abrange o entendimento sobre a incidência dos tributos para abarcar também o frete", afirma.

Segundo o tributarista, algumas empresas podem levar seus produtos até Manaus, onde o frete é grátis e é livre a tributação, conforme reiteradas decisões dos tribunais superiores. "A empresa pode fazer remessa para a Zona Franca de Manaus e ficar livre da tributação", afirma.

Para ele, a solução vem mais por conta da dificuldade de fiscalização, por isso a proibição, do que ir ao encontro da intenção do legislador, que quer estimular a exportação. "Isso gera custo ao exportador e é contraproducente", afirma o advogado.

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmou que as vendas feitas por empresas da Zona Franca de Manaus dentro dessa mesma localidade são isentas da contribuição ao PIS e da Cofins.

O ministro Castro Meira destacou que a venda de mercadorias nacionais para a Zona Franca foi equiparada às exportações. A Constituição Federal, no artigo 149, confere à União capacidade exclusiva de instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, como instrumento de sua atuação. Além disso, as legislações infraconstitucionais da Cofins (Lei Complementar 70/91) e do PIS (Lei 10.637/02) mantiveram as isenções em relação à zona franca. O que já foi confirmado pela jurisprudência da Corte. O caso, segundo o ministro, não seria idêntico aos precedentes julgados pelo STJ, pois no caso envolvendo a Samsung do Brasil a venda ocorreu dentro da mesma área de isenção.

O caso, reconheceu o ministro, não seria idêntico aos precedentes julgados pelo STJ, pois a venda ocorreu dentro da mesma área de isenção. "Se era pretensão do governo atrair o maior número de indústrias para a região, não é razoável concluir que o artigo 4º do Decreto-Lei 288/67, que regula a isenção fiscal em Manaus, tenha almejado beneficiar, tão-somente, empresas situadas fora da ZFM", afirmou o relator.

Fonte: DCI

Espírito Santo altera lei do ICMS

VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
            

Os contribuintes do Espírito Santo vão ter que pagar multas por erros em notas fiscais eletrônicas. As penalidades, que começarão a ser cobradas em junho, estão na Lei nº 9.830, publicada na edição de ontem do Diário Oficial do Estado. A norma altera a legislação do ICMS - Lei nº 7.000, de 2001.

Para o caso de perda de prazo para cancelamento de nota fiscal eletrônica emitida equivocadamente, foi criada uma multa de 5% sobre o valor indicado no documento fiscal. O mesmo percentual será aplicado se forem emitidas duas notas com a mesma numeração.

Se o contribuinte destacar um valor de imposto maior do que o devido, passa a ter que pagar uma multa equivalente ao valor da diferença entre o que foi lançado e o que efetivamente precisaria pagar.

"A partir do mês que vem, os contribuintes capixabas deverão tomar mais cuidado na emissão dos documentos fiscais", afirma a consultora tributária Maria das Graças Lage de Oliveira, da Lex Legis Consultoria Tributária.

A lei capixaba também instituiu multas para erros em informações econômico-fiscais enviadas à Secretaria da Fazenda. Se o contribuinte corrigir documento após o prazo de entrega, será penalizado. O valor da multa vai depender do período de demora para a alteração do documento, mas poderá chegar a R$ 451,78. No caso de retificação de informações nos arquivos eletrônicos equivalentes a livro fiscal, a multa será de R$ 4.517,80.

No caso de perda ou extravio de documento, o contribuinte fica sujeito à multa de R$ 22,58. Se deixar de atender exigências estabelecidas pela Secretaria da Fazenda em relação ao Registro Integrado e Cadastro Simplificado (inscrição estadual), poderá ter que desembolsar R$ 677,67.

Além de instituir multas, a Lei nº 9.830, alterou outros pontos da legislação do ICMS do Espírito Santo. A norma atribui à distribuidora de energia elétrica e ao destinatário da energia a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS devido por substituição tributária.

A distribuidora será responsável pelo recolhimento quando firmar contratos de conexão e de uso da rede de distribuição. O destinatário de energia adquirida assumirá a função por meio de contrato de compra e venda de energia em ambiente de contratação livre.

A lei também estendeu um benefício antes restrito ao setor de transporte rodoviário - direito de compensar algumas operações, como compra de combustível, lubrificante ou pneus, com créditos de ICMS. "Todas as empresas de transporte, como ferroviário e aéreo, passam a ter o direito de aproveitar o crédito dessas mercadorias que adquirem para a sua atividade", diz Maria das Graças.

Os cuidados com a classificação fiscal e o sistema harmonizado



Felippe Alexandre Ramos Breda*

I - Novas NCM/TEC e TIPI

Recentemente foram editados dois atos de enorme importância às empresas industriais e importadoras, mas que afetam a todas as empresas.

Tratou-se da Resolução CAMEX nº 94, de 08/12/2011, que incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro a nova versão da NCM/TEC (Nomenclatura Comum do MERCOSUL e Tarifa Externa Comum), em compasso com o Sistema Harmonizado (2.012), e o Decreto 7.660/2011, que deu nova definição à Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), vigentes desde 01.01.2.012.

Tais mudanças, ao contrário do que muitos podem pensar, afetam a todas as empresas e não apenas àquelas que estão obrigadas ao recolhimento do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), pois a classificação fiscal das mercadorias é feita com base na legislação encimada.

As mudanças referiram-se à criação, extinção, adequação de códigos, bem como vedação de posições destacadas em Ex (EX-tarifário) a bens usados.

Tal modificação, portanto, obriga ao estudo dos NCMs associados aos bens/produtos, de forma a avaliar eventuais mudanças e impactos.

II - A importância da Classificação Fiscal

A classificação fiscal, ciência de natureza social, inserida entre a Economia e o Direito, com princípios específicos e regras próprias, é uma das principais questões aos importadores/industriais/fabricantes/comerciantes.

Sua relevância decorre do fato de que qualquer mercadoria negociada internacionalmente (máquinas, equipamentos eletrônicos, produtos químicos, têxteis, produtos agrícolas) passa pela classificação de mercadorias para fins de incidência das regras de controle aduaneiro respectivas, a exemplo da (i) valoração aduaneira; (ii) a própria classificação fiscal; (iii) certificados de origem, (iv) exigências administrativas, dentre outros.

Como previsto no Tratado de Assunção, os quatro Estados Partes do MERCOSUL adotaram a Tarifa Externa Comum (TEC), com base na Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM), com os direitos de importação incidentes sobre cada um desses itens.

Para fins de classificação das mercadorias importadas, a interpretação do conteúdo das posições e desdobramentos da Nomenclatura Comum do MERCOSUL é feita com observância das Regras Gerais para Interpretação do Sistema Harmonizado, das Regras Gerais Complementares e das Notas Complementares e, subsidiariamente, das Notas Explicativas do Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, exaradas pela Organização Mundial das Aduanas, que na atualidade, dentro de nosso sistema jurídico, residem na Instrução Normativa da RFB nº 1.202/2011.

A classificação de mercadorias é, deste modo, vital às empresas, pois uma vez identificada a classificação fiscal e o posicionamento da mercadoria na Tarifa Externa Comum (TEC), segundo a Nomenclatura Comum do MERCOSUL, na data da ocorrência do fato gerador do Imposto de Importação, cujo aspecto temporal é o registro da Declaração de Importação, define-se a alíquota aplicável para o cálculo do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados vinculado à importação (IPI-importação), este calculado por meio da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, cuja base também é a Nomenclatura Comum do MERCOSUL (NCM).

No Brasil, emprega-se a Nomenclatura Comum do MERCOSUL - NCM, cujos códigos contêm parte que se refere ao Sistema Harmonizado (os seis primeiros dígitos da esquerda para a direita) e, os dois últimos dígitos (o item, que é o sétimo, e o subitem, que é o oitavo dígito), que são da lavra do MERCOSUL.

Logo, o entendimento da complexa legislação que envolve a correção da classificação fiscal requer toda atenção, a fim de evitar-se litígio com o fisco, extremamente complexo e indefinido, como já veremos a seguir.

III - Possíveis problemas envolvendo a Classificação Fiscal e sua discussão técnica

As autuações fiscais envolvendo a classificação fiscal são comuns e recorrentes, cujas penalidades exemplificam-se em: (i) perdimento à mercadoria, caso se interprete suposta declaração de falsidade; (ii) multa administrativa de 1% sobre o valor aduaneiro; (iii) multa tributária em 75% pela diferença de tributos.

Nesse contexto, imagine-se Empresa que costuma importar produtos químicos, classificando-os no código da Tarifa Externa Comum (TEC) X, cuja alíquota do Imposto de Importação (II) é zero.

Passado alguns anos adotando o determinado código tarifário, tem conhecimento de que a fiscalização tem lavrado autuações, por suposto erro de desclassificação fiscal, ao argumento de que o produto que imaginava no código aludido classifica-se em código cuja alíquota do II é 12%.

Com este cenário, tem dúvida em obrigar-se à (i) corrigir as Declarações de Importação (DI), a fim de adotar a nova posição tarifária; (ii) adotá-la para as importações em curso, cujos embarques já foram realizados; (iii) e agir da mesma forma, adotando a nova posição tarifária imposta pela fiscalização também em relação às importações em curso de Conferência Aduaneira, cujo registro das Declarações de Importação (DI) ocorrera.

Por regra, o debate a respeito da classificação fiscal pode ser técnico (composição do produto) ou atinente à interpretação da melhor posição tarifária, dentro das várias regras de interpretação previstas pelo Sistema Harmonizado.

De fato, ainda que o ato administrativo da autoridade fiscal aduaneira que desconsidere determina posição tarifária do contribuinte tenha presunção de certeza e legitimidade, esse pode vir desamparado de calço técnico adequado, caso a perícia tenha sido realizada sem que o contraditório tenha sido instaurado (art. 14 do Dec. 70.235/72), pois efetivada unilateralmente de forma inquisitiva em Procedimento de Fiscalização. Ou seja, o contribuinte seria chamado a impugnar o auto de infração já se deparando com a realização de uma prova técnica (pericial) completa da qual não participou ou apresentou qualquer questionamento (quesitos).

Não deve admitir-se, assim, seja indeferido o pedido de perícia ao argumento de que a prova técnica, unilateralmente realizada, seja suficiente para dirimir a questão da posição tarifária desenquadrada.

Em tais situações, portanto, cientificado o contribuinte para apresentação de defesa administrativa, obrigatório conceder-lhe o direito à realização de prova pericial, permitindo-lhe questionamento técnico e apresentação de quesitos, para que se assegure o contraditório e ampla defesa, conforme têm entendido a jurisprudência administrativa e judicial (1)(2).

Deflagrada a discussão sobre a classificação fiscal, seu debate processual técnico dá-se em seara administrativa e judicial.

A perícia administrativa tem previsão no art. 16, IV, do Decreto Federal nº 70.235/72, cujo regramento impõe (i) requerimento quando da apresentação da impugnação (defesa), (ii) justificação dos motivos para a sua realização, (iii) formulação dos quesitos pertinentes, (iv) indicação do (iv.ii) endereço e (iv.ii) a qualificação profissional do perito; e (v) deferimento a cargo da fiscalização.

A judicial, por sua vez, tem assento nos arts. 420/439 do Código de Processo Civil, com previsão de requerimento seja na (i) petição inicial(3), (ii) quando da especificação de provas, e (iii) até o saneamento do processo(4), cuja forma de ser é toda peculiar, mas com o manto do devido processo legal extremamente presente e exauriente, diferentemente do que se verifica na esfera administrativa.

Notas

(1) 3º Conselho de Contribuintes / 2a. Câmara / ACÓRDÃO 302-34194 em 24.02.2000;

(2) TRF4, APELREEX 0003745-78.2006.404.7000, Primeira Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 07/11/2011;

(3) "Art. 282, VI, do CPC";

(4) "Art.331, §§ 2º e 3º, do CPC";

 
Felippe Alexandre Ramos Breda*

  Leia o curriculum do(a) autor(a) Felippe Alexandre Ramos Breda.


Ministro suspende decisão que obriga Vale a pagar dívida tributária


O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu nesta quarta-feira (9) decisão judicial que obrigava a Vale a pagar créditos em valor superior a R$ 30 bilhões à Fazenda Nacional. O débito é relativo à cobrança, pela Fazenda Nacional, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) pelas empresas controladas e coligadas no exterior pela Vale. O ministro informa que submeterá sua decisão à análise do Plenário. Não há data prevista.

Para suspender a cobrança dos créditos no STF, a Vale ajuizou uma Ação Cautelar (AC 3141) no Supremo. Foi ao analisar essa ação que o ministro Marco Aurélio concedeu liminar para suspender a cobrança dos tributos até que a matéria seja julgada em definitivo pela Corte.

Na decisão, ele explica que tramita no Supremo um Recurso Extraordinário (RE 611586), de relatoria do ministro Joaquim Barbosa, sobre o tema. Interposto por uma Cooperativa Agropecuária, esse recurso teve repercussão geral reconhecida no ano passado, em virtude da relevância do tema. Com isso, ficam suspensos todos os demais recursos sobre a mesma matéria até uma decisão final do Supremo, que, quando for tomada, será aplicada a todos esses processos.

O ministro Marco Aurélio lembra ainda que a mesma matéria vem sendo debatida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2588, movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O caso

A controvérsia dos tributos cobrados da Vale envolvem créditos apurados pela Fazenda Nacional nos exercício de 1996 a 2001 e de 2002 em diante. A empresa impetrou um mandado de segurança para afastar a exigência do imposto, que foi julgado improcedente em primeira instância (7ª Vara Federal do Rio de Janeiro) e, depois, pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Em seguida, a Vale pediu que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendesse a cobrança até uma decisão final do caso. Um ministro do STJ chegou a conceder liminar para a empresa, que foi posteriormente cassada pela Primeira Turma daquela Corte. Em seguida, a Vale ajuizou a ação cautelar no STF, que teve seu pedido de liminar concedido pelo ministro Marco Aurélio.

Na ação apresentada no Supremo, a Vale alegou a "excepcionalidade" do caso. Além da existência do RE 611586, que teve repercussão geral reconhecida, a empresa argumenta que a obrigação de pagar os créditos poderá quebrar a normalidade de seus negócios e dificultar a obtenção de crédito no mercado de capitais. Afirma que, como consequência, deixará de investir nas exportações, no meio ambiente e na criação de novos empregos, o que causará declínio em arrecadação tributária, que em 2011 chegou a R$ 10 bilhões. Ainda de acordo com a Vale, o pagamento do débito poderá gerar perdas no valor das ações da empresa, com prejuízo a pequenos investidores.

Decisão

Ao conceder o pedido da empresa, o ministro Marco Aurélio destaca que "o tema de fundo está para ser elucidado pelo Supremo há anos". Ele informa que a ADI 2588 foi ajuizada em 2001 e relembra que o RE 611586 teve repercussão geral reconhecida.

Segundo ele, "a situação conduz a afastar" a aplicação das Súmulas do STF (Súmulas 634 e 635), que impedem que a Corte dê efeito suspensivo a recurso extraordinário enquanto o tribunal de origem (em que a matéria foi analisada) não determinou sua remessa à Corte. A competência para a admissibilidade dos recursos extraordinários é sempre do tribunal de origem, a não ser que seja determinada pelo Supremo.

"Após a edição dos citados verbetes, surgiu nova realidade concernente à dinâmica processual e, acima de tudo, à racionalização da atividade desenvolvida pelo Estado-juiz. Veio à balha o instituto da repercussão geral, a significar a definição de casos que, envolvendo preceito constitucional, apresentem interesse abrangente", afirma o ministro Marco Aurélio. "Então, admitida a repercussão geral, ficam paralisados, em decorrência do fenômeno do sobrestamento, os processos em que já protocolizados, na origem, recurso extraordinário", concluiu.

Na decisão, o ministro informa que o TRF-2 já autorizou a remessa do recurso extraordinário da Vale para o STF. "Implemento a eficácia suspensiva ativa ao recurso extraordinário protocolado pela autora", conclui ele na decisão liminar, "afastando, por ora, a exigibilidade dos tributos envolvidos na espécie".

RE 611586
AC 3141
ADI 2588

Incindibilidade do lançamento do IPTU

Jus Navigandi

http://jus.com.br

http://jus.com.br/revista/texto/21719

Publicado em 05/2012

Quando em um único documento (Notificação de Lançamento) englobam-se os impostos corretamente apurados e as taxas formal ou materialmente inconstitucionais, ou contendo erros materiais, impõe-se a anulação do lançamento em razão de sua incindibilidade.

Como é do conhecimento de todos, as diversas taxas municipais vêm sendo lançadas conjuntamente com o imposto sobre a propriedade  predial e territorial urbana.

Muitas dessas taxas, como as de recolhimento de lixo domiciliar, de limpeza pública, de recapeamento de vias públicas foram declaradas inconstitucionais. Outras várias instituídas por diferentes Municípios estão, ainda, sendo questionadas na Justiça.

Quando em um único documento – Notificação de Lançamento –englobam-se os impostos corretamente apurados e as taxas formal ou materialmente inconstitucionais, ou contendo erros materiais, impõe-se a anulação do lançamento em razão de sua incindibilidade.

De fato, não há como pagar o imposto e deixar de pagar as taxas indevidas se tanto a prestação única, como as prestações mensais englobam os valores de tributos diversos.

Ainda que pudesse, mediante operação aritmética, proceder ao expurgo dos valores das taxas indevidas, embutidas nos valores das prestações mensais, não haveria como o agente receptor (caixa do banco ou servidor público do erário) incorporar esse demonstrativo na Notificação de Lançamento que é ato privativo da autoridade administrativa competente.

Tanto assim é que ninguém consegue pagar o IPTU sem o pagamento das taxas consignadas no mesmo documento exteriorizador do lançamento tributário, conhecido como "carnê do IPTU".

Entretanto, essa tese não é aceita pelo STJ que sustenta a possibilidade de, mediante cálculo aritmético, excluir o valor das taxas inconstitucionais, mantendo-se a validade do IPTU, conforme ementa abaixo:

"TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. LEGALIDADE DO IPTU. INEXIGIBILIDADE DAS TAXAS. LANÇAMENTO. VALIDADE.

1. Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que declarou a inexigibilidade da Taxa de Limpeza Pública e Conservação de Vias e Logradouros Públicos e da taxa de combate a sinistros e a validade do lançamento do IPTU.

2. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

3. O reconhecimento da inexigibilidade da Taxa de Limpeza Pública e Conservação de Vias e Logradouros Públicos e da taxa de combate a sinistros não implica na realização de novo lançamento, uma vez que não houve qualquer ilegalidade no lançamento do IPTU. Até porque, o fato das taxas serem ilegais não torna nulo o IPTU.

4. Ademais, a retirada da importância devida em razão das taxas tidas por ilegais não subtrai da Certidão de Dívida Ativa - CDA a sua liquidez e certeza, na medida em que o quantum a ser efetivamente excutido pode ser encontrado mediante a realização de simples cálculos aritméticos.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido" (REsp 1202136/SP, Rel. Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, julgado em 07-06-2011, DJe 14-06-2011).

Nos casos da espécie, em que o contribuinte quer pagar o IPTU devido, mas não consegue porque está condicionado ao pagamento simultâneo das taxas indevidas, o remédio processual é o de aparelhar a ação de consignação em pagamento do IPTU devido, com fundamento no art. 164, I do CTN, nos seguintes termos:

"Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:

I - de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;"

Por meio dessa ação consignatória extingue-se o crédito tributário em relação ao IPTU. Paralelamente deve-se ajuizar a ação declaratória de inexigibilidade das taxas inconstitucionais ou ação anulatória do lançamento.

Por conta do indevido condicionamento feito pela Fazenda, o contribuinte deverá tomar as duas providências acima ao teor da jurisprudência do STJ que não admite a anulação do lançamento, porque a ilegalidade da taxa não implica a nulidade do IPTU.

A questão, porém, não é essa. A questão é saber como pagar o IPTU que é indiscutivelmente devido, sem ter que pagar as taxas indevidas. Os cálculos aritméticos  para separar o valor das taxas do valor do IPTU somente são viáveis em fase de execução fiscal. Aliás, nessa fase, nem é preciso fazer operações aritméticas, pois na CDA estão discriminados os valores de cada tributo.

O certo é a anulação do lançamento para que outro seja feito de forma a possibilitar ao contribuinte pagar o que é devido sem ter que ingressar com  ação consignatória. De outra forma, seria o mesmo que permitir que se exerça uma coação indireta para que o contribuinte, ao pagar o IPTU regular pague, também, as taxas instituídas ao arrepio das normas legais e constitucionais pertinentes.

Autor

Informações sobre o texto

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

HARADA, Kiyoshi. Incindibilidade do lançamento do IPTU. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21719>. Acesso em: 10 maio 2012.

Análise dos decretos regulamentares no campo de incidência do ICMS.

Jus Navigandi

http://jus.com.br

Análise dos decretos regulamentares no campo de incidência do ICMS.

Regulamentação para fiel execução da lei ou limitação dos direitos nela conferidos?

http://jus.com.br/revista/texto/21721

Publicado em 05/2012

A edição dos decretos regulamentares vem vilipendiando os direitos conferidos na lei e na Constituição, confirmando que a tributação atual possui como norte a maximização da arrecadação e não a colocação do contribuinte no centro do sistema, em descompasso com o neoconstitucionalismo.

RESUMO

A presente pesquisa possui como objetivo geral analisar os Decretos Regulamentares e os seus limites, no âmbito da tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e, objetivamente, estudar a tripartição dos poderes, desde a sua origem até o presente momento; a figura dos Decretos e as delegações de competências de acordo com a CF/88, bem como as suas espécies; dissecar o ICMS, buscando os aspectos da sua hipótese de incidência e respectivo fato gerador; e por fim, de forma pontual, observar como o Estado da Paraíba, utilizando-se dos Decretos, tem legislado em matéria de ICMS. Dentre as considerações finais, percebeu-se que o princípio constitucional da separação dos poderes, previsto no art. 2º da CF/88, encontra-se em crise com a supremacia do Poder Executivo que: legisla, no âmbito tributário, através de Decretos Regulamentares (usurpando a competência do Legislativo. O Decreto Regulamentar trata-se de ato normativo secundário, cuja norma primária é a lei que o vincula e impõe os seus limites. Todavia, não poderíamos deixar de reconhecer que este instrumento legal inova no ordenamento jurídico na medida em que constitui procedimentos novos, com a ressalva de que não pode o Executivo, a pretexto de estar regulamentando a lei, criar obrigações para o contribuinte não previstas nela. Se o Decreto executivo divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, ter-se-á crise de legalidade, com possível inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada. Conclui-se pela ilegalidade praticada pelo Executivo, em editar Decretos Regulamentares, vilipendiando os direitos conferidos na lei e na própria Constituição, reforçando a tese de que a tributação atual possui como norte a maximização da arrecadação e não a inclusão do contribuinte no centro da tributação, o que demonstra o seu congelamento no tempo e o descumprimento do neoconstitucionalismo.

PALAVRAS-CHAVE: Decreto Regulamentar. Inconstitucionalidade. ICMS.

SUMÁRIO: Considerações iniciais. Capítulo I – TRIPARTIÇÃO DOS PODERES. Contornos históricos da tripartição dos poderes. 1.2. Tripartição dos Poderes no ordenamento jurídico brasileiro. Capítulo II – DELEGAÇÃO DE PODERES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Capítulo III – DOS DECRETOS. 3.1. Espécies de Decretos. 3.2 Do Decreto Regulamentar. Capítulo IV – CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O ICMS. Capítulo V – DECRETO REGULAMENTAR DO ICMS NO ESTADO DA PARAÍBA. 5.1. Da definição de mercadoria para fins tributários pelo Regulamento do Estado da Paraíba. 5.2. Da incidência de ICMS sobre operações entre estabelecimentos do mesmo titular. 5.3. Da restrição da isenção do ICMS para portadores de deficiência pelo Decreto Estadual da Paraíba. Capitulo VI – DECRETO DA PARAÍBA SOBRE COBRANÇA DE ICMS NAS COMPRAS ON-LINE. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

Para analisar os Decretos Regulamentares e os seus limites, no âmbito da tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, faz-se mister retroagir no tempo, buscando a origem e a separação das funções primordiais do Estado, para compreender o atual estágio de (des)harmonia e (in)dependência dos Poderes, pois "não é possível desvincular o direito atual das causas que determinaram a sua juridicidade" (AZEVEDO, 2010, p. 23), até porque o direito não surgiu espontaneamente, pelo contrário, sempre esteve condicionado a incontáveis ordens de realidade, nunca estáveis, mas dinâmicas e que se alternam conforme igualmente se modificam outros inumeráveis fatores que a vida continuamente proporciona.

Sendo assim, nos reportaremos ao passado para tentar compreender os traços atuais dos Decretos Regulamentares e os seus limites, bem como analisar, no presente, a (in)observância ao princípio constitucional da separação dos Poderes e as conseqüências advindas destas condutas.

A presente pesquisa possui como objetivo geral analisar os Decretos Regulamentares e os seus limites, no âmbito da tributação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e, objetivamente, estudar a tripartição dos poderes, desde a sua origem até o presente momento; a figura dos Decretos e as delegações de competências de acordo com a CF/88, bem como as suas espécies; dissecar o ICMS, buscando os aspectos da sua hipótese de incidência e respectivo fato gerador; e por fim, de forma pontual, observar como o Estado da Paraíba, utilizando-se dos Decretos, tem legislado em matéria de ICMS.

O método de abordagem utilizado foi o indutivo. Partimos de uma premissa particular que é a usurpação das funções do Legislativo pelo Executivo que utiliza os Decretos para regulamentar o ICMS, para chegarmos às conclusões expostas neste estudo. Os métodos de procedimento utilizados foram o histórico e o comparativo. A técnica de pesquisa utilizada foi a investigação bibliográfica. Exploramos os contornos da literatura através dos mais variados materiais publicados em livros, jornais, revistas, bem como na Internet.


1. TRIPARTIÇÃO DOS PODERES.

1.1. Contornos históricos da tripartição dos poderes.

Remonta à Antiguidade a noção de que o Soberano editava regras, administrava a coisa pública (res publica) e protegia o seu território, além de executar as leis já existentes; e, por fim, decidia as questões controvertidas, solucionando os conflitos.

Quanto à questão do exercício dos poderes, desde os filósofos antigos já se cogitava a necessidade de limitação do poder dos governantes. Platão, no Diálogo das leis, já doutrinava que não se deveria estabelecer uma autoridade demasiadamente poderosa e sem freio nem paliativos.

Ainda na Grécia Antiga, Aristóteles, discípulo de Platão e fundador do Liceu, na obra A Política, percebeu que o governo exercia três funções: a legislativa, a executiva e a administrativa, bem como "considerava injusto e perigoso atribuir-se a um só indivíduo o exercício do poder" (DALLARI, 2000, p. 218).

Ressalve-se que, nesse momento histórico, não se cogitava a separação destas funções, pois a fragmentação do poder retardaria o processo de tomada de decisões, além de enfraquecer a defesa do Império e fragilizar o processo de ampliação dos seus domínios.

Em que pesem as contribuições de Aristóteles, a teoria do sistema de freios e contrapesos[1] – em que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário exerciam as suas funções e eram reciprocamente controlados uns pelos outros; na medida em que o Legislativo editava atos normativos gerais e abstratos, estes seriam, por sua vez, executados pelo Executivo, observando os limites legais, e, existindo extrapolação desses poderes, o Judiciário atuaria fiscalizando-os e julgando os seus excessos – não possui suas raízes no pensamento aristotélico.

A história notícia que foi o filósofo inglês John Locke, de forma pioneira, que buscou sistematizar a separação dos poderes – certamente com base no Estado Inglês do Séc. XVII –, identificando quatro funções (legislativa, judiciária, executiva e federativa) exercidas pelos dois órgãos do poder (Legislativo e Executivo), sendo as funções legislativa e judiciária atribuídas ao parlamento e as executiva e federativa ao Rei. Percebe-se, neste contexto histórico, de forma mais nítida, a preocupação quanto à concentração das funções de legislar e aplicar as leis na mesma pessoa ou entidade. Locke, como defensor da tese supramencionada, afirmava que a lei, para ser subsumida imparcialmente, não poderia ser aplicada pelos mesmos homens que a construíam, logo, seria necessária a separação entre o Legislativo e o Executivo.

Para Locke, o Poder Legislativo, com a função precípua de legislar, era o principal dos poderes, sendo, inclusive, a função jurisdicional a ele atrelada. Noutro giro, a função perene de aplicação das leis era do Executivo e a incumbência de se relacionar com os estrangeiros, seja formando alianças seja decidindo sobre a guerra ou paz, caberia ao Federativo[2].

Mesmo sendo de John Locke a noção de separação dos poderes, foi apenas com Montesquieu, na sua obra O Espírito das Leis, que tal separação ganha sistematização e força. A teoria da separação dos poderes "apresentava a figura dos três poderes, o legislativo, o executivo e o judiciário, exercendo seus papéis harmonicamente e independentes entre si, separação esta que hoje é prevista em quase totalidade das constituições" (SILVA, 2007, p. 04).

Frise-se que a teoria originária da separação dos poderes de Montesquieu – que surgiu para se contrapor e frear o Absolutismo vigente naquela época (século XVII) – apresentava a separação das funções do Estado em órgãos que, mesmo harmônicos, exerciam a sua função típica sem interferência dos demais poderes. Neste ínterim, caberia ao legislativo instituir as normas gerais e abstratas, ao executivo aplicá-las e punir, e ao judiciário julgar os litígios postos a sua apreciação.

Destacando a limitação das atribuições do Executivo, na visão de Montesquieu, Dallari (2000, p. 218) elenca que "as leis, elaboradas pelo legislativo, deveriam ser cumpridas pelos indivíduos, e só haveria interferência do executivo para punir quem não as cumprisse".

Pela redução das funções do Executivo, a teoria da separação dos poderes, da forma como externada por Montesquieu, nos tempos modernos, foi flexibilizada, superando a rígida separação formal e reorganizando o Estado de modo a conciliar a necessidade de eficiência administrativa com os princípios democráticos. Ademais, passou a delegação de poderes, com as devidas ressalvas, a ser admitida pelo constitucionalismo moderno, considerando a própria dinâmica da sociedade e do Direito.

1.2. Breve análise da Tripartição dos Poderes no ordenamento jurídico brasileiro.

Para analisar a tripartição dos poderes no ordenamento jurídico brasileiro atual, utilizaremos a Constituição Imperial de 1824 como ponto de partida.

Após a independência do Brasil, que ocorreu em 1822, o Imperador Dom Pedro I outorgou a 1ª Constituição do país e a única durante o período Imperial. Diz-se outorgada, porque ele dissolveu a Assembléia Constituinte brasileira em 1823 e, no ano seguinte, impôs o texto constitucional, cuja elaboração não teve a participação popular, prevalecendo o autoritarismo e a imposição pela força.

A Constituição Imperial de 1824 previa a existência de 04 (quatro) poderes: o Moderador, o Judiciário, o Executivo e o Legislativo. O Poder Moderador era exercido exclusivamente por D. Pedro I, que fiscalizava os demais e tinha autonomia de anular as decisões dos outros três poderes, bem como chefiava o Poder Executivo, com a participação dos ministros de Estado nomeados por ele. Quanto aos Poderes Legislativo e Judiciário, noticia a história, que eram acessórios, servindo aos interesses do Imperador e sem possuir autonomia nem independência.

Com a Proclamação da República e o surgimento das Constituições Federais de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a atual de 1988[3], percebe-se, quanto à separação dos poderes, que essas constituições aboliram o Poder Moderador, permanecendo apenas os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

A Carta Magna de 1988, no seu art. 2º, dispõe que "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário." Harada (2007, p. 01), de maneira circunstanciada, abordando a função típica desses poderes, bem como a fiscalização recíproca existente entre eles, leciona que:

O Poder Legislativo, preponderantemente, exerce a função de criar normas jurídicas gerais e abstratas. Porém, existe um processo para sua formação no qual o Executivo participa, quer tomando a iniciativa de lei, quer sancionando ou vetando a proposta legislativa aprovada pelo Parlamento.

O Poder Executivo é aquele incumbido de, preponderantemente, aplicar as leis e administrar os negócios púbicos, isto é, governar.

O Poder Judiciário é aquele voltado, fundamentalmente, para a administração da justiça, mediante aplicação da lei às hipóteses de conflitos de interesses, objetivando a sua composição de forma imparcial. Não participa do processo legislativo, mas cabe-lhe a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade das leis, não as aplicando nestes casos.

Ressalve-se que o art. 60, §4º, inc. III da CF/88 assevera que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos poderes, garantindo o status de cláusula pétrea ao princípio em tela[4].

É cristalina a importância da separação dos poderes, com a sua fiscalização recíproca – teoria dos freios e contrapesos –, para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos e contribuintes, impondo limites à atuação Estatal.

Todavia, ultrapassando o plano teórico e abstrato desse princípio, e alcançando a realidade fática, percebe-se que a teoria não se subsume à prática, pois a independência dos poderes no Brasil sempre foi alvo de severas críticas quanto às interferências exercidas entre eles, chegando ao ponto de hoje deflagrar uma verdadeira crise de identidade dos poderes.

O atual Poder Executivo, em muito se assemelha ao Poder Moderador, previsto na Constituição de 1824, pois aquele busca, incessantemente: 1) legislar, principalmente em matéria tributária, através de Medidas Provisórias e Decretos Regulamentares; 2) burlar os entendimentos consolidados da Suprema Corte, como criar uma contribuição sobre iluminação pública[5] para mascarar a inconstitucionalidade da taxa de iluminação pública que, segundo orientação do STF, não podia ser custeada senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais[6] (nos quais não se inclui as contribuições!); 3) nomear como Ministro da Corte Suprema advogado com notável saber jurídico questionado pelo Senado[7] e com estreitos laços com o Partido dos Trabalhadores – PT, o que compromete a parcialidade dos seus julgamentos quando envolvam os interesses da União e do PT e, consequentemente, a independência do Poder Judiciário frente ao Poder Moderador, digo, Executivo; 4) interferir na autonomia financeira do Poder Judiciário, realizando corte indevido no seu orçamento para 2012, quando constitucionalmente cabe, exclusivamente, ao Poder Legislativo deliberar sobre as propostas orçamentárias encaminhadas pelos tribunais[8].

Infelizmente, essa triste realidade da supremacia do Poder Executivo se reflete não apenas na esfera federal, como também na estadual, distrital e municipal, gerando, indubitavelmente, desequilíbrio dos poderes com consequências drásticas para a Democracia e para a sociedade.


1.                  DELEGAÇÃO DE PODERES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

Pois bem, se outrora a delegação legislativa era proibida, sendo a atividade de legislar privativa do Poder Legislativo, hodiernamente tal assertiva não poderá prosperar, pois, pela dinâmica da sociedade e do Direito, e considerando que a lei, pelo seu caráter geral e abstrato, não consegue exaurir as matérias legisladas a ponto de serem auto-aplicáveis, faz surgir a necessidade da delegação legislativa para que o Executivo, como executor da norma, possa aplicá-la, observando determinados procedimentos.

Para exercitar a sua função típica, que é administrar, o Poder Executivo precisa legislar (função atípica) regulamentando a forma como a lei será cumprida pelos particulares e pelos próprios funcionários públicos.

E é neste viés que surge a possibilidade do chefe do Poder Executivo editar Medidas Provisórias e Decretos.

Considerando que o objeto do presente estudo são os Decretos Regulamentares no âmbito tributário, não iremos nos ater à inconstitucionalidade/imoralidade da utilização desenfreada das Medidas Provisórias pelo Chefe do Executivo para alterar os aspectos da hipótese de incidência dos tributos, que é matéria constitucionalmente atribuída ao Poder Legislativo.


2. DOS DECRETOS.

Conforme leciona Di Pietro (2006, p. 240), o "decreto é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito)". Antes da Emenda Constitucional nº. 32/2000, os decretos eram definidos como atos administrativos de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, destinados a efetivar situações gerais ou individuais, abstratamente previstas em lei. Todavia, a partir da supramencionada EC nº. 32, o conceito de decreto sofreu alteração em virtude do ingresso, no ordenamento jurídico pátrio, do decreto autônomo, cujas premissas iniciais serão expostas abaixo.

2.1. Espécies de Decretos.

No ordenamento jurídico brasileiro existem, salvo melhor juízo, três espécies de decretos, o autônomo, legislativo e regulamentar.

O Decreto autônomo, com previsão no art. 84, inc. VI da CF/88, permite ao Presidente da República organizar e determinar o funcionamento da administração federal – quando não implicar aumento de despesas nem criação ou extinção de órgãos públicos – e extinguir funções ou cargos públicos, quando vagos[9].

O Decreto legislativo, insculpido no art. 59, inc. VI da CF/88 – que é o instrumento normativo utilizado para materializar as competências exclusivas do Congresso Nacional, previstas nos incs. I a XVII, do art. 49[10], da Carta Magna – retira sua validade diretamente da Constituição, sem a existência de qualquer norma intermediária, inovando no ordenamento jurídico, criando direitos e/ou obrigações em caráter geral e abstrato. Em face da ausência de regulamentação constitucional dessa matéria, cabe ao próprio Congresso Nacional discipliná-lo (MORAES, 2004, p. 589).

E, por fim, o Decreto Regulamentar, com previsão no art. 84, inc. IV da CF/88, através do qual o chefe do poder Executivo pode expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei.

2.2 Do Decreto Regulamentar.

O Decreto Regulamentar, no âmbito tributário, possui fundamento no art. 84, inc. IV da CF/88, bem como nos arts. 96 e 99 do CTN, que dispõem, respectivamente, que:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

[...]

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei. (Destaques inexistentes no original)

Neste sentido, podemos conceituar o Decreto Regulamentar como ato normativo oriundo do chefe do Poder Executivo, que disseca a lei buscando a sua fiel execução pela administração pública e pelos administrados. De forma técnica, Geraldo Ataliba (apud Mussi, 2009, p. 2) calcifica que:

Consiste o chamado poder regulamentar na faculdade que ao Presidente da República – ou chefe do Poder Executivo, em geral, Governador e Prefeito – a Constituição confere para dispor sobre medidas necessárias ao fiel cumprimento da vontade legal, dando providências que estabeleçam condições para tanto. Sua função é facilitar a execução da lei, especificá-la de modo praticável e, sobretudo, acomodar o aparelho administrativo, para bem observá-la.

Ressalve-se que este Decreto não é da competência do Legislativo, porque é o Executivo que administra os efeitos oriundos da lei, sendo, por esta razão, o mais indicado para dispor sobre as peculiaridades operacionais do comando legal, bem como regulamentar a sua materialização. Por esta razão, Canotilho (1993, p. 909) afirma que "os regulamentos não constituem uma manifestação da função legislativa, antes se revelam produtos da função administrativa". Quanto a sua posição no ordenamento jurídico brasileiro, Cretella Júnior (apud Mussi, 2009, p. 2) assevera que:

[...] representam os regulamentos o grau mais alto na esfera administrativa, logo abaixo das normas legais, sendo a complementação destas. Pelo nosso sistema constitucional são os regulamentos aprovados por decreto executivo e a sua amplitude só encontra limites nos textos legais regulamentados.

Na esfera tributária, o Decreto Regulamentar disciplina os procedimentos que serão realizados pelos contribuintes junto à administração pública, bem como os praticados pelos agentes públicos para que os comandos legais sejam concretizados.

Neste ínterim, podemos afirmar que o Decreto Regulamentar trata-se de ato normativo secundário cuja norma primária é a lei que o vincula e impõe os seus limites. Todavia, não poderíamos deixar de reconhecer que este ato inova no ordenamento jurídico, na medida em que constitui procedimentos novos, com a ressalva de que não pode o Executivo, a pretexto de estar regulamentando a lei, criar obrigações para o contribuinte não previstas nela. Ou seja, este Decreto não pode ser contra legem, nem praeter legem, nem ultra legem, nem extra legem, mas exclusivamente, intra legem e secundum legem (CARRAZZA, 2002, p. 323).

E é com base nesta última assertiva que iremos tecer as devidas considerações sobre os limites do Decreto Regulamentar no campo do ICMS.


3. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE O ICMS.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação se Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, de competência dos Estados e do Distrito Federal, não foi idealização do constituinte de 1988, mas fruto do imposto sobre vendas e consignações – IVC, que passou a ser imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias – ICM, evoluindo para o ICMS, com a feição atual.

O ICMS é o imposto mais complexo do sistema tributário brasileiro. A Constituição Federal de 1988 o detalha com inúmeras peculiaridades que, por sua vez, são ampliadas pela Lei Complementar nº. 87/96, denominada "Lei Kandir" que substituiu o Decreto-Lei nº. 406/68 e o Convênio ICMS 66/88.

Considerando que o ICMS possui vários fatos geradores, sem interdependência, iremos nos ater ao ICMS sobre a circulação de mercadorias, mesmo ciente de que incide também sobre as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, além da prestação de serviços de comunicação.

O art. 155, inc. II, da CF/88 atribui aos Estados e Distrito Federal a competência para instituir imposto sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior". Logo, dentre os fatos geradores do ICMS, previstos na própria Constituição Federal, temos a circulação de mercadorias.

Por sua vez, a LC nº. 87/96, no art. 2, inc. I, além de outras incidências, dispõe que as operações relativas à circulação de mercadorias são fatos geradores do ICMS.

Na mesma linha, a Constituição Estadual da Paraíba, no art. 159, inc. II, elenca que compete ao Estado instituir tributo sobre as operações relativas à circulação de mercadorias; no mesmo sentido, a Lei Estadual da Paraíba nº. 6.379/96, no art. 2º, calcifica que o ICMS tem como fato gerador as operações relativas à circulação de mercadorias entre outros. Sendo assim, não pairam dúvidas de que a operação relativa à circulação de mercadorias é fato gerador do ICMS.

A base de cálculo do ICMS é o valor da operação relativo à circulação de mercadoria sendo: o preço do serviço em se tratando de transporte interurbano e interestadual, e de comunicação; e o valor da mercadoria quando se trate de importação, com as inclusões previstas em lei. Ressalve-se que o IPI não será incluído na base de cálculo do ICMS quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos (art. 155, §2, inc. XI, da CF).

As alíquotas são fixadas por lei estadual, observando as disposições constitucionais aplicáveis à matéria, dentre elas, que é da competência do Senado Federal, através de Resolução: estabelecer as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação (art. 155, §2º, inc. IV, CF); bem como, facultativamente, estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas e fixar alíquotas máximas, nas mesmas operações, para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados (art. 155, §2º, inc. V, CF).

Quanto ao recolhimento do ICMS, será devido, entre outras regras, conforme dispõem os incisos VII e VIII, do §2º, do art. 155 da CF:

1)                                                                     Nas operações intra-estaduais, ao Estado ou DF em que se realizou a operação;

2)                                                                     Nas importações, ao Estado onde estiver localizado o estabelecimento do destinatário da mercadoria ou serviço, independente do estado do Brasil que tenha efetivado a entrada de mercadoria;

3)                                                                     Nas operações interestaduais cujo destinatário final é o consumidor não contribuinte do ICMS (normalmente pessoa física), o imposto será devido ao estado de origem, que aplicará a sua alíquota interna;

4)                                                                     Nas operações interestaduais cujo destinatário final é o contribuinte do imposto, este será devido ao Estado de origem que aplicará a alíquota interestadual, e ao Estado de destino, pela diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna.

Acrescente-se que o ICMS incide sobre o consumo[11] e será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias, ou prestação de serviços, com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado, ou pelo Distrito Federal. De acordo com a CF/88, a isenção, ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes e acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores (art. 155, §2, inc. II da CF).

O ICMS poderá ser seletivo[12] em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, ou seja, os produtos supérfluos, bem como os que causem males à saúde, devem ser tributados pesadamente, em detrimento de outros produtos tidos como essenciais, que devem ser desonerados objetivando diminuir o preço final do produto essencial ao consumidor.

Ainda quanto ao ICMS, é importante lembrar que a LC nº. 87/96 estabelece que cada estabelecimento do mesmo titular será autônomo, considerando-se também como tal o veículo usado no comércio ambulante e na captura de pescado (art. 11, §3, incs. I e II da Lei complementar nº. 87/96).

Por fim, regra geral, o lançamento do ICMS será por homologação, ou seja, o sujeito passivo tem o dever de calcular e antecipar o pagamento do imposto sem o prévio exame da autoridade administrativa.


4. DECRETO REGULAMENTAR DO ICMS NO ESTADO DA PARAÍBA.

Dentro da tripartição dos poderes, ou melhor, da tripartição das funções estatais - considerando que o Poder é uno e indivisível -, cabe ao Executivo, na sua função típica, executar os comandos normativos abstratos editados pelo Poder Legislativo e, para tanto, pode expedir decretos regulamentares objetivando traçar o caminho para o fiel cumprimento da lei pelos servidores públicos, bem como pelos sujeitos passivos da relação jurídica tributária. Neste ínterim, o Chefe do Poder Executivo do Estado da Paraíba, objetivando regulamentar o ICMS, instituiu o seu Regulamento através do Decreto nº. 14.100/91, consubstanciado em 826 artigos, que visam dar "praticabilidade" às legislações supramencionadas sobre o dito imposto.

Considerando que tal Regulamento possui quase mil artigos, com inúmeros incisos, alíneas, parágrafos etc., iremos centralizar este estudo em apenas alguns pontos, considerando a impossibilidade de exaurir a matéria nesta monografia.

4.1. Da definição de mercadoria para fins tributários pelo Regulamento do Estado da Paraíba.

O art. 1º do Regulamento do ICMS dispõe que:

Art. 1º. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS tem como fato gerador as operações relativas à circulação de mercadorias e as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

§ 5º Para os efeitos deste Regulamento, considera-se:

[...]

V - mercadoria, qualquer bem móvel, novo ou usado, inclusive semovente.

 (Destaque nosso)

Considerando que o art. 110 do CTN dispõe que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado – utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou ainda dos Municípios –, o conceito de mercadoria, para fins de incidência tributária, não pode ser definido pelo legislador estadual, muito menos erigido pelo Chefe do Poder Executivo, através de um Decreto Regulamentar.

Sendo assim, podemos afirmar que mercadoria não é qualquer bem, como calcifica o Executivo, mas apenas aquele bem móvel, objeto de negócio jurídico, em que se transfere a titularidade do comerciante, industrial ou produtor. Percebe-se que é necessária a destinação comercial para caracterizar o bem como mercadoria. Nesse sentido, leciona Ataliba (apud MELO, 2003, p. 18) que "não é qualquer bem que pode ser juridicamente qualificado como mercadoria. Essa qualificação depende de dois fatores, a saber: (1) a natureza do promotor da operação que tem por objeto e (2) a destinação comercial que a ela dá o seu titular".

Ademais, a própria origem da palavra mercadoria, derivada do latim "mercatóre" (mercador) que, segundo o dicionário Priberam, é "aquele que compra para revender", demonstra, cabalmente, que não é qualquer bem que será tido como mercadoria, e sim apenas aqueles com destinação comercial específica.

Em suma, a incidência do ICMS se perfaz quando ocorrem operações jurídicas que levam mercadorias da produção para o consumo, com fins lucrativos. Alcançado o consumo, o bem perde o status de mercadoria e o ICMS não mais pode ser cobrado, salvo o reinício do ciclo econômico, quando o bem móvel, readquirindo a qualidade de mercadoria, passa a ser vendido como mercadoria usada, sucata e etc.

4.2. Da incidência de ICMS sobre operações entre estabelecimentos do mesmo titular.

O art. 2º, §7º e o art. 3º do Regulamento do ICMS, respectivamente, elencam que:

Art. 2. Omissis.

§7º. É irrelevante, para a caracterização da incidência:

[...]

IV – o fato de a operação realizar-se entre estabelecimentos do mesmo titular.

Art. 3º Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;

Partindo do pressuposto de que o Regulamento objetiva facilitar a execução da lei, especificando-a de modo praticável e, sobretudo, delimitando o campo de atuação do aparelho administrativo para o seu fiel cumprimento, perquire-se: Qual é a operação que, realizada entre estabelecimentos do mesmo titular, é tributada pelo ICMS? Seria o deslocamento e/ou a comercialização de mercadorias entre os ditos estabelecimentos do mesmo titular?

Percebe-se que o Regulamento, ao invés de esclarecer os pontos que a norma, pelo seu caráter geral e abstrato, não consegue alcançar, toma caminho diverso, criando dispositivo tão abstrato quanto a lei, dispondo que a simples saída de mercadoria do estabelecimento do contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular, é fato gerador do ICMS.

Ressalve-se que o simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não gera direito à cobrança de ICMS. Isto porque os termos empregados pela CF/88, "operações" e "circulação", como fato gerador do ICMS, exigem a necessidade de negócios hábeis para provocar a circulação de mercadoria que nada mais é do que a transferência de titularidade do bem.

Logo, diversamente do que dispõe o Regulamento em xeque, é relevante o fato de a operação realizar-se entre estabelecimentos do mesmo titular, pois, sendo mero deslocamento de coisas, sem alteração de titularidade, não acarretará a incidência do ICMS. Ressalve-se que esta matéria já se encontra pacificada no STJ e STF, in verbis:

AgRg no REsp 751547 RJ 2005/0082385-7. Relator(a):Ministro HUMBERTO MARTINS. Julgamento: 17/12/2009 Órgão Julgador:T2 - SEGUNDA TURMA Publicação:DJe 18/02/2010 Ementa TRIBUTÁRIO -ICMS -DESLOCAMENTO DE MERCADORIA DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO -MESMO CONTRIBUINTE -NÃO-INCIDÊNCIA -SÚMULA 166/STJ. "Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte". Incidência da Súmula 166/STJ. Agravo regimental improvido.

O STF fixou entendimento no sentido de que o simples deslocamento da mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma empresa, sem a transferência de propriedade, não caracteriza a hipótese de incidência do ICMS. Precedentes. (RE 596.983-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 12-5-2009, Segunda Turma, DJE de 29-5-2009.) No mesmo sentido: AI 618.947-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-3-2010, Segunda Turma, DJE de 26-3-2010; RE 267.599-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 24-11-2009, Segunda Turma, DJE de 11-12-2009; AI 693.714-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 30-6-2009, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009; AI 481.584-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 30-6-2009, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009.

 (Destaque nosso)

Ademais, o Ministro Joaquim Barbosa, em recente julgado, calcificou que "o perfil constitucional do ICMS exige a ocorrência de operação de circulação de mercadorias (ou serviços) para que ocorra a incidência e, portanto, o tributo não pode ser cobrado sobre operações apenas porque elas têm por objeto 'bens', ou nas quais fique descaracterizada atividade mercantil-comercial." (ADI 4.565-MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 7-4-2011, Plenário, DJE de 27-6-2011)

4.3. Da restrição da isenção do ICMS para portadores de deficiência pelo Decreto Estadual da Paraíba.

O Decreto do Poder Executivo do Estado da Paraíba, tombado sob o nº. 30.363/09, visa regulamentar os Convênios ICMS 03/07 e 158/08, que tratam da concessão de isenção do ICMS nas saídas de veículos destinados a pessoas portadoras de deficiência física. Os arts. 1º e 2º, do Decreto supracitado, dispõem que:

Art. 1º Ficam isentas do ICMS as saídas internas e interestaduais de veículo automotor novo com características específicas para ser dirigido por motorista portador de deficiência física, desde que as respectivas operações de saída sejam amparadas por isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, nos termos da legislação federal vigente.

Art. 2º Para aplicação das disposições de que trata este Decreto, são considerados:

I - pessoa portadora de deficiência física, aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, cujo CID esteja relacionado no Anexo II deste Decreto, acarretando o comprometimento da função física, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldade para o desempenho de funções de dirigir veículo;

 (Destaque inexistente no original)

 Pela dicção do inc. I, do art. 2º, do Decreto Regulamentar do Estado da Paraíba, percebe-se que o mesmo definiu quem são as pessoas portadoras de deficiência aptas a usufruir da isenção, exaurindo-as no anexo do aludido decreto.

Perquire-se: cabe ao Executivo legislar, inovando na órbita jurídica, definindo e limitando quem são os portadores de deficiência que poderão usufruir do benefício fiscal em tela? A resposta é não! Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba - TJPB vem rechaçando, reiteradamente, o Decreto em comento, concedendo aos impetrantes, em sede de Mandado de Segurança, o direito à isenção tributária para a aquisição de veículos, adaptados às necessidades especiais, para portadores de deficiência física, mesmo sem as patologias estarem previstas no rol do anexo II do Decreto Estadual nº 30.363/09[13].

É inadmissível que um decreto, que visa apenas efetivar fielmente os termos da lei/convênio, possa restringir os comandos legais, excluindo do campo de incidência da isenção determinados deficientes físicos, por considerá-los aptos a conduzir veículos automotores da forma tradicional.

É patente que os contornos legais do Decreto Regulamentar foram excedidos pelo Chefe do Poder Executivo da Paraíba ao limitar a isenção do ICMS aos deficientes cuja patologia encontra-se no anexo do referido decreto.

Além de extrapolar os limites legais, este Decreto feriu o art. 2º da Lei nº. 7.853/89[14], que determina que:

Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos [no qual incluímos o direito ao transporte condigno], inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

 (Destaque inexistente no original)

Do mesmo modo, vilipendia o art. 23, inc. II, da CF/88, que estabelece a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em proteger e garantir os direitos básicos das pessoas portadoras de deficiência, in verbis:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Frise-se que o aludido dispositivo não se trata de mera norma programática, que poderá, pela discricionariedade do ente federado, ser aplicada ou não; e sim de dispositivo constitucional com eficácia normativa de aplicação imediata e obrigatória pelos entes supracitados, sob pena de, conforme leciona Barroso (2009, p. 107) "converte-se em promessa constitucional inconseqüente, fraudando justas expectativas nele [Poder Público] depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental".

Frise-se ainda que esse Decreto demonstra a voracidade do Estado em arrecadar, e o faz não apenas despido das premissas elementares do conceito de Justiça, mas agredindo a dignidade da pessoa humana.

Em decorrência do neoconstitucionalismo, deve-se efetivar os direitos fundamentais, entre eles o da tributação justa e isonômica, colocando o contribuinte (no presente caso, as pessoas portadoras de deficiência física) no centro da tributação e não a arrecadação como núcleo desta, como pretendeu fazer o Governo do Estado da Paraíba. Corroborando com esta tônica, colacionamos as preciosas lições de Becho (2009, 342/343), ao afirmar que:

Colocar o homem no centro do direito tributário implica afirmar que a simples arrecadação não é mais o fim último do direito tributário. A finalidade do direito tributário é fazer da arrecadação um ato de justiça social, com limites, com proteções ao contribuinte diante da força e da voracidade do Estado. [...]

O contribuinte, posto no centro do direito tributário, exige que a tributação não seja uma mera técnica, mas que seja um ato do Estado que respeite os valores que dão dignidade ao homem. Exige, também, um fim mais elevado: a arrecadação com respeito ao ser humano, não um simples ato de força estatal, bem benefício apenas dos detentores do poder.

 (Destaque inexistente no original)

Sendo assim, percebe-se que o Decreto em comento, ou parte dele, é inconstitucional em razão da matéria e dos valores, considerando que agride os princípios constitucionais[15] da isonomia, da dignidade da pessoa humana e afronta os ditames do neconstitucionalismo que prega a efetividade das normas constitucionais e a inclusão do contribuinte no centro da tributação, em detrimento da antiga posição de incluir a arrecadação como núcleo da tributação.


5. DECRETO DA PARAÍBA SOBRE COBRANÇA DE ICMS NAS COMPRAS ON-LINE.

O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, com efeitos retroativos, a aplicação da Lei nº 9582, de 12 de dezembro de 2011, do Estado da Paraíba.

Essa norma estabeleceu a exigência de parcela do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] nas operações interestaduais que destinem mercadorias ou bens a consumidor final, quando a aquisição ocorrer de forma não presencial, ou seja, por meio de internet, telemarketing ou showroom. Cabe ao Plenário do STF referendar ou não esta decisão.

A medida cautelar foi solicitada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4705, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A entidade argumenta a incompatibilidade do texto questionado com a Constituição Federal e, no mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade da norma questionada.

Alega violação do princípio da isonomia, na medida em que o cálculo do tributo devido passou a ser discriminado conforme a origem dos bens (artigos 150, inciso V, e 152). Sustenta contrariedade à partilha de competência tributária, "porquanto é o estado de origem o sujeito ativo do ICMS nas operações interestaduais que destinem mercadorias a não contribuinte do imposto, e o respectivo cálculo deve utilizar a alíquota interna" (artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alínea "b").

O Conselho também argumenta quebra do princípio federativo, em razão de o Estado da Paraíba ter criado paradoxalmente "imposto de importação doméstico" incompatível com o pacto político exposto na Constituição (artigos 150, inciso "I" e 155, inciso "II"). Afirma a caracterização do uso de tributo com efeito confiscatório, causado pelo aumento imprevisível da carga tributária (artigo 150, inciso IV). E, por fim, falta de competência para tributar simples operações de circulação de bens, classe que compreende as mercadorias, mas a elas não se limita (artigo 155, inciso II).

Em caráter excepcional, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, examinou o pedido de medida cautelar tendo em vista a "gravidade do quadro narrado e da proximidade do recesso nesta Suprema Corte". Segundo ele, a matéria exposta na presente ação direta é análoga à medida cautelar pleiteada e concedida nos autos da ADI 4565.

"É impossível alcançar integração nacional sem harmonia tributária", ressaltou o ministro. "Adequado ou não, o modelo escolhido pelo Constituinte de 1988 para prover essa harmonia e a indispensável segurança jurídica se fixou na 'regra da origem' (artigo 155, parágrafo 2º, inciso II, alínea "b", da Constituição Federal)", completou.

De acordo com o relator, "o Confaz ou cada um dos estados-membros singelamente considerados não podem substituir a legitimidade democrática da Assembleia Constituinte, nem do constituinte derivado, na fixação dessa regra". "Por outro lado, além da segurança jurídica institucional, a retaliação unilateral prejudica o elemento mais fraco da cadeia de tributação, que é o consumidor", afirmou.

O ministro salientou que, em princípio, os comerciantes têm alguma flexibilidade para repassar o aumento da carga tributária aos consumidores, mediante composição de preços. Porém, nem todos os consumidores serão capazes de absorver esses aumentos. "Aqueles que o fizerem terão ainda de enfrentar um obstáculo com cuja validade não me comprometo, imposto pela conjugação da regra do art. 166 do CTN com a legitimidade ativa para pedir a restituição dos valores pagos indevidamente", disse. "Como a pessoa que suportou a carga econômica do tributo não tem legitimidade para pleitear a restituição, e se costuma exigir dos vendedores a obtenção de autorizações individuais dos consumidores para formulação desse pedido, a tendência é que o recolhimento indevido se torne fato consumado de dificílima reversão", ressaltou o relator.

Ao considerar que o caso apresenta de forma evidente os requisitos que autorizam a concessão de medida cautelar [fumaça do bom direito e perigo na demora], o ministro Joaquim Barbosa deferiu o pedido, a ser referendado pelo Plenário, para suspender ex tunc [com efeitos retroativos] a aplicação da Lei 9.582/2011, do Estado da Paraíba, com base no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.868/99 [Lei das ADIs].

A medida liminar concedida, conforme o ministro, não impede que o Estado da Paraíba exerça seu poder de fiscalização, "destinado a apurar os créditos tributários que julga serem válidos, para evitar suposta decadência". "Esse exercício deverá ocorrer em prazo módico e com instrumentos razoáveis e proporcionais, de modo a não caracterizar sanção política", finalizou o relator. STF – 19.12.2011 – ADI 4705[16].

Percebe-se nitidamente a violação aos princípios: da separação dos poderes, considerando que o Executivo está usurpando a função do legislativo em inovar na ordem jurídica; da legalidade, pois apenas a lei poderá alterar os aspectos da hipótese de incidência do ICMS; e do pacto federativo, pois visa tributar, buscando impedir ou dificultar o ingresso, no estado, de mercadorias ou bens oriundos de outras unidades da Federação.

Nas operações interestaduais cujo destinatário final é o consumidor não contribuinte do ICMS (normalmente pessoa física), o imposto será devido ao estado de origem, que aplicará a sua alíquota interna. Logo, não poderá um simples Decreto alterar a estrutura da regra matriz de incidência do imposto para fins de incluir no campo de incidência do ICMS a entrada de mercadorias ou bens de outras unidades da Federação, destinados a pessoas físicas, por ausência de previsão legal.

 


CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Finalizamos esta perfunctória análise dos Decretos Regulamentares no campo de incidência do ICMS ratificando que:

1)                 O princípio constitucional da separação dos poderes, previsto no art. 2º da CF/88, encontra-se em crise com a supremacia do Poder Executivo que: legisla, no âmbito tributário, através de Medidas Provisórias e Decretos Regulamentares (usurpando a competência do Legislativo); "interfere" na composição dos Tribunais Superiores, retirando, de certa forma, a independência do Judiciário, além de burlar as decisões judiciais. Ou seja, o Poder Executivo, no Brasil, distancia-se da separação dos poderes na forma como proposta por Montesquieu, e aproxima-se, cada vez mais, do Poder Moderador, previsto na Constituição Imperial de 1824;

2)                 O Decreto Regulamentar trata-se de ato normativo secundário, cuja norma primária é a lei que o vincula e impõe os seus limites. Todavia, não poderíamos deixar de reconhecer que este instrumento legal inova no ordenamento jurídico na medida em que constitui procedimentos novos, com a ressalva de que não pode o Executivo, a pretexto de estar regulamentando a lei, criar obrigações para o contribuinte não previstas nela;

3)                 Se o Decreto executivo divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, ter-se-á crise de legalidade, com possível inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada[17];

4)                 O conceito de mercadoria, para fins de incidência tributária do ICMS, não pode ser definido pelo legislador estadual, muito menos pelo Chefe do Poder Executivo através de um Decreto Regulamentar. Sendo assim, podemos afirmar que mercadoria não é qualquer bem, como calcifica o executivo, mas apenas aquele bem móvel objeto de negócio jurídico em que se transfere a titularidade do comerciante, industrial ou produtor;

5)                 Contrário ao que dispõe o Regulamento do ICMS/PB, a Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça, sedimentou que "Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte". Logo, o aludido regulamento, mesmo contrariando expressa súmula do STJ, vem sendo aplicado pelos agentes da administração fazendária, em nítida afronta aos direitos dos contribuintes e causando prejuízos inestimáveis;

6)                 É inadmissível que um decreto regulamentar, que visa apenas efetivar, fielmente, os termos da lei/convênio, possa restringir os comandos legais, excluindo do campo de incidência da isenção determinados deficientes físicos por considerá-los aptos a conduzir veículos automotores da forma tradicional.

Neste caso, o Executivo burla o art. 23 da CF/88, que calcifica ser da competência dos entes federados a proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências, bem como frauda justas expectativas no Poder Público. Leia-se "proteção e garantia" e não "restrição e limitação" dos direitos dos portadores de deficiência, como tentou fazer o Decreto Regulamentar que restringiu o campo de incidência da isenção de IPVA aos portadores de deficiência física no Estado da Paraíba.

O Decreto em comento, ou parte deste, é inconstitucional em razão da matéria e dos valores, considerando que agride os princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana e afronta os ditames do neoconstitucionalismo, que prega a efetividade das normas constitucionais e a inclusão do contribuinte no centro da tributação, em detrimento da antiga posição de incluir a arrecadação como núcleo da tributação.

Neste caso, o STF entende que a inconstitucionalidade é reflexa ou oblíqua. Logo, não é caso de controle de constitucionalidade, mas de controle de legalidade;

7)                 Os decretos que determinam a cobrança de um adicional de ICMS - nas operações de aquisição de produtos vindos de outros estados, apesar de a compra ser realizada pelo consumidor final - violam o pacto federativo, conforme já assentou o Ministro do STF, Joaquim Barbosa, bem como ferem o princípio da legalidade, considerando que criam incidência do ICMS sem previsão legal, o que é vedado pela Constituição Federal de 1988.

Diante do exposto, percebe-se a ilegalidade praticada pelo Executivo, em editar Decretos Regulamentares, vilipendiando os direitos conferidos na lei e na própria Constituição, reforçando a tese de que a tributação atual possui como norte a maximização da arrecadação e não a inclusão do contribuinte no centro da tributação, o que demonstra o seu congelamento no tempo e o descumprimento do neoconstitucionalismo.


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Notas

[1] Atual Checks and balances da doutrina norte-americana.

[2] A função federativa tinha como objetivo primordial relacionar-se com os estrangeiros e era exercida pelo Poder Federativo que, apesar de distinto do Poder Executivo, não era concebido como desvinculado deste, considerando que eram exercidos pela mesma autoridade, qual seja, o Rei.

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/principal.htm

[4] Mesmo que o legislador constituinte originário não tivesse incluído o §4º, inc. III, no art. 60 da CF/88, ainda assim, a separação dos poderes deveria ser observada no Brasil em decorrência do Estado Democrático de Direito que possui como núcleo basilar a separação dos poderes. E tal afirmação possui como antecedente histórico o art. 16 da Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão, datada de 26 de agosto de 1789, que calcifica que "a sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição".

[5] Art. 149-A - Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.

[6] 20/06/2006 Primeira Turma. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 463.910-1. É assente nesta colenda Corte que as taxas de iluminação pública e de limpeza pública se referem a atividades estatais que se traduzem em prestação de utilidades inespecíficas, indivisíveis e insuscetíveis de serem vinculadas a determinado contribuinte, não podendo ser custeadas senão por meio do produto da arrecadação dos impostos gerais.

[7] Disponível em:

http://senado.jusbrasil.com.br/politica/3821248/senadores-questionam-reputacao-ilibada-e-notorio-saber-juridico-de-toffoli.

[8] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2011-set-01/depois-mal-estar-stf-governo-promete-respeitar-orcamento-justica.

[9] Frise-se que a modificação introduzida pela EC n. 32/2000 inaugurou, no sistema constitucional de 1988, o decreto autônomo, isto é, decreto de perfil não regulamentar, cujo fundamento de validade repousa diretamente na Constituição (MENDES, 2008, p. 918). Este decreto é ato normativo primário de efeitos nitidamente concretos, pois apenas ele, e não mais a lei, deve dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos e para extinguir funções ou cargos públicos, quando vagos.

[10] Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;[...]

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; [...]

IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo;

X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;

XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;

XIII - escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; [...]

[11] A incidência do ICMS sobre o consumo não atende aos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia, pois os consumidores, independente do seu poder aquisitivo, suportam igualmente a tributação sobre o bem consumido. Por esta razão é que se mostra necessária a desoneração do consumo com a maior tributação na renda, sendo este mecanismo o mais próximo de se alcançar a justiça fiscal.

[12] Entendo que o termo "poderá" não se trata de mera faculdade, e sim norma constitucional com eficácia normativa que deverá ser buscada e aplicada pelo legislador infraconstitucional, na instituição dos aspectos quantitativos do ICMS.

[13] Mandados de Segurança nºs. 999.2009.001.048-2/001, 999.2009.000752-0/001, 999.2009.000913-8/001.

[14] Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

[15] Ressalve-se que o Supremo Tribunal Federal tem reiterado a não-aceitação da inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua porque não seria o caso de controle de constitucionalidade, mas de controle de legalidade. Acontece quando a norma regulamentadora ultrapassa o limite definido pela norma regulamentada, gerando controle de legalidade, e não de constitucionalidade, mesmo que o excesso possa, contrariar indiretamente a Constituição (AGRA, 2008, p. 48)

[16] Disponível em: http://guiatributario.wordpress.com/2011/12/20/icms-stf-suspende-cobranca-dupla-para-vendas-pela-internet/

[17] (ADI 996-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-3-1994, Plenário, DJ de 6-5-1994.) No mesmo sentido: ADI 3.805-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22-4-2009, Plenário, DJE de 14-8-2009; ADI 2.999, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13-3-2008, Plenário, DJE de 15-5-2009; ADI 365-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-11-1990, Plenário, DJ de 15-3-1991.

Autor

  • Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela UMSA/AR. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IESP. Graduado em Ciências Jurídicas pela UEPB. Ex-Diretor Administrativo e Membro do Conselho Fiscal do Instituto Paraibano de Estudos Tributários – IPBET. Presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/PB – Subseção de Campina Grande. Professor de Direito Tributário e Financeiro da Escola Superior da Advocacia – ESA, Subseção de Campina Grande/PB e do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos – CESREI. Advogado.

Informações sobre o texto

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

SILVA, Saulo Medeiros da Costa. Análise dos decretos regulamentares no campo de incidência do ICMS. Regulamentação para fiel execução da lei ou limitação dos direitos nela conferidos?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3234, 9 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21721>. Acesso em: 10 maio 2012.