terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Descaminho não é crime sem lançamento do tributo

É indispensável a conclusão do procedimento administrativo fiscal para que se possa iniciar a apuração penal do crime de descaminho. A tese foi aplicada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que, por unanimidade, concedeu Habeas Corpus a dois contribuintes do Rio Grande do Sul, responsáveis por uma empresa de importação e exportação, determinando o trancamento e o arquivamento do Inquérito Policial.

Até esse julgamento, somente a 6ª Turma havia se pronunciado sobre o tema e determinado o trancamento em casos semelhantes.

Os ministros seguiram voto do relator, ministro Jorge Mussi, que reconheceu que a natureza jurídica do crime de descaminho é a mesma dos crimes contra a ordem tributária. Dessa forma, deve haver o lançamento definitivo do tributo antes da caracterização do ilícito penal.

A própria legislação sobre o tema reclama a existência de decisão final na esfera administrativa para que se possa investigar criminalmente a ilusão total ou parcial do pagamento de direito ou imposto devidos.

Nesse sentido, o relator citou em seu voto dispositivos contidos no artigo 83 da Lei 9.430/1996, no Decreto 2.730/1998 e na Portaria SRF 326/2005: da leitura conjugada de todos os dispositivos legais acima mencionados, conclui-se que a deflagração da persecução penal no delito de descaminho pressupõe o trânsito em julgado da decisão na esfera administrativa, somente após o que se poderá falar em ilícito tributário.

Mussi recorreu ainda à posição do desembargador Guilherme de Souza Nucci, que, no título Código Penal Comentado, destacou que pode ser ajuizada Ação Penal somente com o fim do procedimento administrativo instaurado para apurar a sonegação fiscal decorrente do crime de descaminho. É preciso considerar que, havendo plena quitação do imposto devido à Receita Federal, não se mantém a justa causa para a Ação Penal. O descaminho, por ausência de dolo, não subsiste, devendo, pois, ser trancada a Ação Penal ou o Inquérito Policial.

O caso

Os contribuintes, representados pelo advogado Augusto Fauvel de Moraes, sócio do escritório  Fauvel e Moraes Sociedade de Advogados e Presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP, entraram com pedido de Habeas Corpus contra decisão do Tribunal Federal da 4ª Região. Eles estavam sendo investigados pela suposta prática do crime de descaminho, pois foram acusados de utilizar faturas falsas ou adulteradas para subfaturar importações realizadas pela empresa como artifício para iludir o Fisco.

Consta dos autos que o Inquérito Policial foi instaurado antes do lançamento definitivo do débito fiscal, tendo em vista a existência de recurso pendente na esfera administrativa, em discussão perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

Ao recorrer ao STJ, os contribuintes alegaram que o crime de descaminho deveria receber o mesmo tratamento do crime de sonegação fiscal, já que o tipo penal tutelaria o interesse arrecadador do Estado, tratando-se de crime material. Para Fauvel de Moraes, embora o delito de descaminho esteja descrito na parte destinada aos crimes contra a administração pública no Código Penal, deve predominar o entendimento de que, com a sua tipificação busca-se tutelar, em primeiro plano, o erário, diretamente atingido pela ilusão do pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

CONSULTOR JURÍDICO

PGFN e tributaristas discordam sobre dados sigilosos

Por Marcos de Vasconcellos

No último dia 19, foi publicada no site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional notícia sobre a sua vitória em recurso no Superior Tribunal de Justiça. Na nota divulgada, consta o nome da empresa, o valor devido e o parcelamento realizado, assim como andamento do processo. O processo corria em segredo de justiça, a pedido da própria PGFN.

O caso teve grande repercussão nacional, uma vez que se tratava de empresa que parcelou a dívida de R$ 270 milhões em pagamentos mensais de R$ 200. Ao fim do processo, noticiado também pela revista Consultor Jurídico, houve divulgação por diversos meios. O próprio STJ, por exemplo, divulgou nota sobre o caso, sem, porém, citar o nome da empresa envolvida.

Questionada sobre os motivos de ter divulgado tanto o nome da companhia como valores negociados e informações sobre o processo que corria em segredo, a assessoria de imprensa da PGFN respondeu que o sigilo "diz respeito somente ao acesso aos autos processuais. As informações que foram divulgadas pela PGFN em nota à imprensa no último dia 19 não são cobertas por nenhuma espécie de sigilo".

Para a advogada tributarista Mary Elbe, a decisão não poderia ser divulgada por dois motivos: o sigilo fiscal e o sigilo processual. Segundo a advogada, o artigo 198 do Código Tributário Nacional permite apenas a divulgação de nomes de pessoas e empresas em representações fiscais para fins penais, inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública ou parcelamento ou moratória. Ela afirma que valores da dívida e de parcelamentos não podem ser divulgados. Já sobre o sigilo processual, Mary Elbe diz que a PGFN descumpriu uma ordem do STJ ao divulgar dados do processo protegido.

A procuradoria afirma que o artigo 198 do CTN não faz restrições ao que pode ser divulgado, mas, simplesmente permite a divulgação de dados. Nesse caso, como se tratava de um parcelamento, isso pôde ser feito. Quanto a ter infringido uma ordem do STJ, o órgão afirma que, ao fim do processo, finda-se também o sigilo.

O advogado tributarista Allan Marques, membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário afirma que "há tempos a procuradoria adota atitudes um pouco agressivas em relação a divulgação de dados de devedores". Ele argumenta que é vedada a divulgação de dados pela Fazenda Pública ou por seus órgãos e que, ao divulgar valores, a PGFN comete uma infração ao CTN.

Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2012

Certificação positiva do operador estrangeiro

Felippe Alexandre Ramos Breda 
Pós-Graduado em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Pós-Graduado em Processo Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC/SP. Professor do Curso de Pós-Graduação (Lato Sensu) em Processo Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -PUC/SP-COGEAE. Advogado Associado do Emerenciano, Baggio & Associados - Advogado responsável pela área Aduaneira

Artigo - Federal - 2012/3131


Foi publicada a Instrução Normativa pela Receita Federal do Brasil nº 1.181/2.011, em 18.08.2.011, com vigência imediata, que instituiu e regulamentou nova figura jurídica ao Comércio Exterior nacional, denominada verificação de conformidade aduaneira ao operador estrangeiro.

O instituto vem na linha da política adotada pela Organização Mundial das Aduanas - OMA desde meados da década de noventa, no sentido de padronização dos procedimentos de controle e segurança aduaneiros em âmbito mundial.

O objetivo da nova IN é claro no sentido de dar transparência e regularidade aos que operam no Comércio Exterior, pois, publicado o Ato Declaratório Executivo (ADE) declarando a conformidade do operador estrangeiro (art. 8º), este fica dispensado de submeter-se ao procedimento aduaneiro especial de fiscalização previsto pela IN/RFB nº 1.169/2.011, cujo foco é a apuração de fraudes e irregularidades em Comércio Exterior.

O artigo 2º e incisos da IN reforçam a preocupação com temas sensíveis às operações de Comércio Exterior e as fraudes praticadas atualmente, ao dispor que o procedimento de certificação levará em conta regras de origem e classificação fiscal.

A adesão ao procedimento de certificação é voluntária e o seu indeferimento não impede a prática de operações em Comércio Exterior (art. 2º, §§ 1º e 2º).

A verificação de conformidade de atuação do operador estrangeiro em operações de Comércio Exterior funda-se na (i) existência de fato e direito da empresa, demonstrando a preocupação sempre recorrente das autoridades aduaneiras quanto à interposição de pessoas; (ii) no processo produtivo e especialmente em relação às regras relacionadas aos certificados de origem, uma das principais fraudes praticadas atualmente, a exemplo dos casos de triangulação; (iii) nos custos de produção, despesas e margens de valor agregado, para combate à prática de subfaturamento e respeito as regras de valoração aduaneira; (iv) classificação fiscal das matérias-primas e mercadorias, problemática constante entre fisco e contribuinte, e (v) respeito à propriedade imaterial, sem prejuízo de outros aspectos (art. 3º).

O sigilo fiscal do procedimento é reforçado pelo parágrafo único do artigo 3º, em vista das informações que serão prestadas às autoridades aduaneiras, de todo salutar.

A operacionalidade do pedido, instrução e decisão vêm relacionadas nos artigos quarto e quinto, demonstrando preocupação das autoridades e cuidados que devam ser tomados pelos contribuintes/importadores/exportadores, pois as informações societárias e documentos solicitados implicam em debates acerca de paraísos fiscais, preços de transferência, pessoas interdependentes, valoração aduaneira, subfaturamento, interposição de pessoas.

Existe a possibilidade e previsão específica de visita técnica para apuração da capacidade operacional, econômica e financeira, pois avaliados o processo produtivo, a capacidade produtiva, o processo de armazenagem, análise das matérias-primas, partes, peças e embalagens (art. 6º).

A competência para decidir sobre o pedido de certificação e posterior concessão dá-se na jurisdição fiscal responsável pelo estabelecimento do importador/requerente, tendo a autoridade fiscal o dever de decidir em até 90 dias, prorrogável por igual período, exigindo reposta obrigatória quanto ao pedido em até 210 dias (art. 5, § 6º).

A regularidade e correção das operações em Comércio Exterior são realçadas pela IN, pois toda e qualquer fraude inibe a declaração de conformidade.

Obtida a declaração de conformidade, cabe revisão a qualquer tempo, para confirmação da regularidade que resultou na declaração, hipótese a qual faz pensar que, andando mal o pedido de revisão, seja possível a adoção de procedimento especial (IN/RFB nº 1.169/2.011).

Afora as regras próprias previstas pela IN para o procedimento de declaração de conformidade, a legislação aplicável ao processo administrativo no âmbito federal também deve ser observada (Lei nº 9.784/99).

Como se nota da nova IN, a declaração de conformidade passa por três pilares do Comércio Exterior: (i) valoração aduaneira; (ii) classificação fiscal; e (iii) origem.

Ao dispor o procedimento de conformidade aduaneira ao operador estrangeiro sobre temas tão sensíveis em Comércio Exterior, os cuidados a serem tomados com a solicitação são tremendos e exigem assessoria e consultorias profundas, diante da sempre divergente interpretação das normas pelas autoridades fiscais/contribuintes.

 
Felippe Alexandre Ramos Breda*