Panelas de inox devem ser primeiro segmento a contar com especificações técnicas para barrar ingresso de produtos
Sem assegurar ainda medidas práticas para contrapor a invasão chinesa de panelas e talheres, a maior fabricante no País deste segmento em aço inox, a gaúcha Tramontina, de Carlos Barbosa, poderá ser beneficiada por uma regulamentação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Um estudo em curso deve lançar nos próximos meses especificações para panelas metálicas, principalmente com relação ao impacto ambiental e na saúde. O Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) já apontou indícios de danos da concorrência dos itens oriundos da China à produção nacional, mas a sentença do processo, que pode resultar em sobretaxa, ainda depende da análise de respostas de importadores e da indústria do país asiático.
A empresa não comenta a investigação, instaurada em dezembro de 2010. Já a de talheres, também pedida pela fabricante gaúcha e aceita em junho passado pelo Departamento de Defesa Comercial (Decom) do Mdic, está na fase inicial de instrução. O alarme tem motivo de sobra. Parte da escalada do consumo aparente do metal no mercado interno entre 2009 e 2010 (nos dois anos, a demanda saltou de 260 mil toneladas para 364 mil) foi alimentada pela concorrência asiática. Na investigação do Decom, o saldo das importações de 2005 a 2009 é revelador. Após pagar o imposto de importação de 18%, as panelas chinesas ingressaram com valor 127,8% menor que o considerado adequado para cobrir custos. Na gôndola, um conjunto de panelas chinesas vale um terço do preço de uma da Tramontina.
Vendedores como Dóris Sâmia Batista, de uma rede de varejo de Porto Alegre, atestam que muitos clientes percebem a diferença de qualidade e não compram a marca importada. "Eles pagam mais, pois sabem que não é o mesmo produto", justifica a vendedora. Mas em um estabelecimento concorrente, outro vendedor atesta um comportamento oposto. "Um conjunto da China com mesmo número de itens vale a metade da marca gaúcha. O consumidor opta pelo importado e não olha se a panela é mais fininha."
A China virou a dor de cabeça da indústria nacional desde 2006, quando se intensificaram as importações e explodiram os pedidos de investigação. Dos 353 instaurados pelo Mdic entre 1988 e 2010, 73 foram contra o tigre asiático. Na Fiergs, há um grupo dedicado a instrumentalizar a defesa comercial. Mais que um regulador de olho em critérios técnicos e com foco no ponto de venda, o Inmetro poderá barrar produtos na entrada, nas aduanas, caso identifique práticas enganosas de mercado. A ação integra o novo papel que o organismo assumiu desde o lançamento do Plano Brasil Maior. O presidente da Fiergs, Heitor José Müller, espera que o Decom adote uma ação antidumping, seguindo o exemplo dos calçados, em vigor desde março de 2010. A federação teve papel decisivo na geração de subsídios para o departamento indicar a ofensa comercial das panelas.
O procurador federal do Inmetro Marcelo Martins trata de acelerar a contratação de 150 servidores, que se dedicarão a estudos para estipular padrões a mercadorias e no apoio a fiscais da Receita Federal e da área sanitária em aeroportos, portos e estradas. Segundo Martins, o órgão deixa de atuar só com metrologia legal, para agir em prol do desenvolvimento industrial. Para isso, 100 programas devem ser formatados nos próximos meses, como o das panelas e autopeças, também alvo de análise para formar critérios de qualidade. "As regras valerão para itens nacionais e importados, quem não tiver certificação não vende", adianta.
Para os utensílios feitos com aço inox, a atuação do Inmetro demarcará especificações dos produtos e êxito esperado no uso pelos consumidores, opina o diretor-executivo da Associação Brasileira do Aço Inoxidável (Abinox), Arturo Chão Maceiras. "Há uma infinidade de tipos de aço. O da panela brasileira segue um padrão, o das chinesas e indianas, outro", alerta Maceiras, que integra um grupo que está revisando normas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Especialistas esperam intensificação de defesa comercial da produção nacional
A guerra contra o dumping tende a ganhar mais adeptos na indústria brasileira e fortalecer a defesa comercial brasileira. O País, com isso, se equipararia a outras grandes economias, que têm equipes sempre prontas a combater a prática de preços abaixo do custo no país de origem das mercadorias, que configura o dumping comercial. A previsão é de especialistas, que defendem maior agilidade no reforço da equipe do Mdic para investigar e neutralizar a concorrência desleal. O Decom deve triplicar a área técnica, medida embutida no Plano Brasil Maior. De 20 servidores para atuar nos processos deve passar a 60.
A reformulação da atuação Inmetro também se ajusta ao que já é regra nas economias desenvolvidas, valoriza o procurador-geral do órgão, Marcelo Martins. "O problema é que o volume de investigações cresceu exponencialmente, mas a equipe de análise não", contrasta Adimar Schievelbein, sócio da AS Consultoria, que atuou no processo dos calçados, movido pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), o maior que já passou pelo Decom. Foram 14 meses para provar a prática e um calhamaço de 40 mil páginas.
Pior é que após a definição de sobretaxa de US$ 13,85, o escritório de Schieveldbein flagrou nova ilegalidade. Os chineses passaram a triangular, enviando seus produtos por meio de outros irmãos asiáticos. "A China é o câncer comercial do mundo", define. A Abicalçados pediu em janeiro que o Decom enquadre as operações como elisão fiscal, devido à falsificação de certificados de origem. "Os chineses colocam na testa do brasileiro que somos bobos da corte", lamenta.
O economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Julio Gomes de Almeida enquadra a prática desleal como efeito da atração que o mercado consumidor brasileiro exerce sobre grandes produtores como os asiáticos. "No mundo em crise, o Brasil virou atração", ilustra Almeida, que não vê anjinhos entre os concorrentes estrangeiros. "Eles estão dispostos sim a fazer dumping de entrada", acredita. Para combater essa disposição, o economista do Iedi elenca como medida eficiente a defesa comercial aguerrida, com reforço na estrutura técnica e que pode contar com elevação de taxas. "Não é protecionismo, mas igualdade de condições." No médio e longo prazos, Almeida previne que a melhor defesa é elevar a produtividade e reduzir custos.
Patrícia Comunello
Jornal do Comércio/RS
03/10/2011