quinta-feira, 8 de maio de 2014

A prescrição do direito de ação com rescisão de parcelamento

GOVERNO X ESTADO

A prescrição do direito de ação com rescisão de parcelamento

Por Eurico de Santi


Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

A prescrição do direito de ação do Fisco no Direito Tributário não existe para fazer justiça. Trata-se de regra de caráter institucional, criada pelo Direito para construir segurança jurídica e estabilizar as relações tributárias pela extinção do direito de ação no processo executivo fiscal. Não existe para "perdoar" a dívida do contribuinte, mas para regular a conduta dos procuradores da Fazenda Nacional, mediante a extinção do direito de ação e do próprio crédito tributário, para garantir disciplina e eficiência na sua cobrança. Como diz Pontes de Miranda, o "fundamento da prescrição é proteger o que não é devedor e pode não ter mais prova da inexistência da dívida; e não proteger o que era devedor e confiou na inexistência da dívida, tal como juridicamente aparecia"[1].

No plano geral e abstrato, a norma de prescrição descreve, em sua hipótese, o decurso do tempo qualificado pela omissão do Fisco no exercício do direito de ação e, em seu consequente, a previsão abstrata da extinção do direito de ação (ex vi do artigo 174 do Código Tributário Nacional) e da extinção do crédito (ex vi do artigo 156, inciso V). Essas normas são precedidas, em nexo de causalidade jurídica, pelas normas que constituem o crédito e pelas normas que determinam o exercício do direito da ação executiva fiscal. No plano individual e concreto, a prescrição é introduzida por ato de aplicação que veicula em seu antecedente o fato concreto do dies a quo em conjunção ao decurso do tempo qualificado pela omissão do Fisco e, no seu consequente, a objetiva relação jurídica extintiva do direito de ação e do crédito. Observe-se que, na hipótese da regra de prescrição, a conduta não é o tempo, que, aliás, nunca pode ser conduta; quando muito, pode demarcar a não-conduta: a conduta é a omissão do agente administrativo no exercício do direito de ação.

Nesse sentido, seguindo a linha de Pontes de Miranda, a prescrição presta-se a proteger a pessoa de Direito Público interno titular da dívida (União, estados, municípios e DF). Especialmente no caso da cobrança do crédito tributário em que há a dualidade entre (i) o "titular do direito ao crédito" [União, estados, municípios e DF] e (ii) o "servidor público" responsável pelo dever-poder de exercer o direito de ação em nome do titular do direito ao crédito. Assim, a regra de prescrição, além de extinguir o direito de ação em nome da segurança jurídica, funciona, também, como regra de conduta dirigida aos procuradores da Fazenda.

No caso da prescrição, a existência do dever-poder do procurador da Fazenda exercer o direito de ação executiva fiscal implica duas relações jurídicas: (i) há o "poder" do procurador da Fazenda em face do contribuinte de exercer o direito de ação, instalando o processo executivo fiscal e (ii) há o "dever" do procurador da fazenda em face da pessoa jurídica de Direito Público interno de exercer o direito de ação dentro do prazo prescricional.

Ocorre que o servidor público "K" (procurador da fazenda) é agente de Estado protegido por estabilidade funcional. Tal prerrogativa tem por principal função proteger o agente "K" da pressão dos interesses "de governo" (por exemplo, arrecadar) sobre os interesses "de Estado" (manter a ordem e a legalidade, independentemente da arrecadação). Contudo, essa garantia do servidor público "K", na qualidade de agente de Estado, enseja três externalidades negativas: (i) a eventual inércia na ação do servidor público "K" (procurador da Fazenda) no exercício de suas funções de Estado, que pode gerar a perda do direito de ação na cobrança do crédito tributário, (ii) a discricionariedade do agente público "K" em definir arbitrariamente, mediante ato administrativo próprio, o termo inicial da prescrição e (iii) a dificuldade da Administração Pública regular as condutas do agente público "K" protegido pela prerrogativa da estabilidade funcional.

No Brasil, a Execução Fiscal realiza apenas 2% do estoque de créditos tributários executados.[2]Ocorre que, em um país em que 57,27% dos empreendimentos desaparecem antes de completar cinco anos de vida[3], o próprio prazo de prescrição (também de cinco anos a contar da constituição da dívida) acaba por inviabilizar a cobrança do crédito: já não existe mais a pessoa jurídica do devedor. Nesse sentido, as reiteradas anistias são formas de incentivar o pagamento desses créditos. Também, nesse sentido, as regras de prescrição estão voltadas para incrementar o dever de vigilância dos procuradores da Fazenda Nacional na cobrança do crédito tributário. Ou seja, é através da prescrição do direito de ação que a instituição PGFN regula a conduta de seus procuradores no sentido de garantir contínua vigilância dos programas de parcelamento, exigindo que os atos de exclusão não ocorram cinco anos após os fatos que lhes servem de fundamento. Dessa forma, a Administração Pública, regulando o prazo de prescrição, ao mesmo tempo: (i) rege a conduta dos procuradores da Fazenda, qualificando a omissão desses agentes públicos e (ii) dá ensejo à aplicação de penalidades funcionais pelo não exercício do direito de ação.

É perversa a combinação entre o sigilo fiscal e as destacadas externalidades negativas da prerrogativa da estabilidade funcional. Não obstante (i) a Constituição de 1988 estabeleça a transparência dos atos da Administração Pública como regra e o sigilo como exceção, permitido o "uso do sigilo de informações da Administração Pública" apenas para casos de calamidade pública e de interesse da soberania nacional ex vi do artigo 5º, inciso XXXIII; (ii) a Lei de Transparência (Lei Complementar 131/2009) confirmar a necessidade de disponibilizar na Internet os atos administrativos relativos à arrecadação; e (iii) a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) determinar os procedimentos de abertura e disponibilização de "informações públicas"; a PGFN vem, sistematicamente, negando-se a aderir à transparência e sujeitar-se ao controle social de seus atos. No plano normativo, a despeito de resistir à CF/88, à Lei de Transparência e à Lei de Acesso a Informação, orientações normativas internas e "secretas" que regulamentaram a Lei de Acesso a Informação parecem insistir em manter os atos administrativos da PGFN ocultos e secretos sob a alegação do "sigilo fiscal". No plano fáctico, basta acessar o site da PGFN para verificar que os pareceres da PGFN relativos à matéria tributária NÃO são disponibilizados em sua integralidade[4].

É nesse contexto que se insere o Parecer Normativo/PGFN 496/2009, determinando que, nos casos de parcelamento, o início da contagem do prazo prescricional é a data do descumprimento do acordo "em que ocorre uma das hipóteses legais de rescisão"[5]. Segundo a Lei 9.964/2000, instituidora do Refis, entre outras, são hipóteses legais de exclusão do REFIS ex vi dos incisos do artigo 5º dessa lei: (i) o não pagamento em meses consecutivos ou alternados e (ii) falta de formalização das garantias exigidas para aderir ao Refis. Esse Parecer Normativo/PGFN assenta seu fundamento de validade no Código Tributário Nacional que dispõe ex vi do artigo 100 que "são normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas". Assim, segundo regra prevista nesse Parecer Normativo/PGFN 496/2009 "a necessidade de intimação do contribuinte acerca de sua exclusão não impede que a Administração empreenda, desde a ocorrência do descumprimento do acordo, atos de cobrança visando a rescisão formal do parcelamento. Em suma, nesses casos o débito volta "a ser exigível desde o descumprimento do acordo, inobstante a lei exigir futura intimação do contribuinte da rescisão"[6].

Destaque-se que a motivação desse parecer está no entendimento formalizado pela própria jusrisprudência citada no corpo do Parecer Normativo 496/2009 que destaca a "impossibilidade do prazo prescricional ser manipulado por uma das partes interessadas"[7]: "significaria reconhecer ao Fisco a ingerência sobre os prazos prescricionais sem respaldo legal, alterando ao seu alvedrio o interregno, que flutuará de acordo com a conveniência do credor do débito"[8].

A norma de conduta da prescrição, endossada pelo Parecer Normativo/PGFN 496/2009, determina que o procurador da Fazenda deve zelar e cuidar da execução fiscal dentro do prazo de cinco anos a contar do fato do descumprimento de qualquer das hipóteses legais de rescisão do acordo. A Portaria do Comitê Gestor do Refis 1.587/2007, determinou a exclusão do contribuinte do Refis em razão da não formalização das garantias para aderir ao programa. O ato interpretativo consolidado no Parecer Normativo/PGFN 496/2009 e com fundamento no julgado do STF, do qual originou a Súmula Vinculante 8, destacou que ato unilateral da PGFN não pode "conduzir à imprescritibilidade do crédito fiscal".

Enfim, merece aplausos e elogios a iniciativa e a lógica do "Parecer Normativo" 496/2009 que autolimitando os atos da procuradoria da Fazenda Nacional determinou que o débito volta "a ser exigível desde o descumprimento do acordo, inobstante a lei exigir futura intimação do contribuinte da rescisão"[9], que em texto claro e muito bem fundamentado exorta os valores da segurança jurídica, da certeza do direito e da vinculação dos atos administrativos, defendendo a exemplar função da instituição Procuradoria da Fazenda Nacional como guardiã dos interesses "de Estado".


[1] PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. Vol. 6, p. 100.

[2] Dado extraído do site da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. A análise do Balanço Geral da União nos anos de 2009 a 2011 permite a seguinte constatação: No ano de 2009, o total de créditos componentes do estoque era de R$ 827.824.998.507,62 ao passo que o total da arrecadação foi apenas de  R$ 17.536.062.718,60, o que nos informa uma taxa de êxito de apenas 2,11%. Repetindo o mesmo raciocínio para o ano de 2010, de um estoque de R$ 880.596.409.092,74, apenas  R$ 5.429.420.504,74  foi recuperado, resultando em uma taxa de êxito de 0,62%. Finalmente, para o ano de 2011, de um estoque de R$ 998.762.268.281,57, o total arrecadado foi apenas de  R$ 13.636.907.233,73, resultando em uma taxa de êxito de 1,37%. Disponível em http://www.pgfn.gov.br/divida-ativa-da-uniao/dados-estatisticos com último acesso em 25/02/2014.

[3] De acordo com estudo publicado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o índice de mortalidade das empresas vem descrescendo nos últimos anos, contudo, ainda se mostra elevado, conforme demonstra a seguinte passagem do estudo empírico: "Atualmente, 15,41% dos empreendimentos morre no primeiro ano de vida. Entre um e cinco anos de vida, 41,86% dos empreendimentos desaparece e até 14 anos de vida mais de 75% das empresas encerram suas atividades." Disponível em https://www.ibpt.org.br/noticia/372/Censo-das-Empresas-Brasileiras-2012, com último acesso em 23/02/2014.

[4] Em consulta ao sítio eletrônico da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, no tópico "Atos da PGFN" e subtópico "Pareceres", para o ano de 2009, existem apenas 12 Pareceres listados, em números que não são sequenciais: o primeiro é 0 Parecer n. 55/2009 e o último é o Parecer n. 2.712/2009. Disponível em http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres?page=120 com último acesso em 25/02/2014.

[5] Ementa oficial do Parecer Normativo PGFN/CDA/Nº 496/2009: " Parcelamento. Reinício da contagem do prazo prescricional. Rescisão. Descumprimento do acordo. Data em que ocorre uma das hipóteses legais de rescisão. Purgação da mora. Possibilidade até a rescisão formal do parcelamento."

[6] Parecer PGFN n° 496/2009. Item 31.

[7] Parecer PGFN n° 496/2009. Item 32. Referência ao Acórdão 2007.72.99.002250-0. Rel Des. Artur César de Souza. TRF 4ª Região.

[8] Idem, ibidem

[9] Parecer PGFN n° 496/2009. Item 31.

Eurico de Santi é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas

Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2014

 

http://www.conjur.com.br/2014-mai-08/eurico-santi-prescricao-direito-acao-rescisao-parcelamento

Programa que desonera exportações divide base e oposição na discussão da MP 629



Decisão do relator de retomar o programa Reintegra não tem apoio do governo.

Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Apreciação do relatório da Comissão Mista sobre a MP 632/13, que trata da remuneração das carreiras e dos planos especiais de cargos das agências reguladoras, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), da carreira de perito federal agrário e das carreiras do Hospital das Forças Armadas (HFA) e da Fundação Nacional do Índio (Funai). Dep. Pauderney Avelino (DEM-AM)
Pauderney Avelino: Reintegra teve ter continuidade para não afetar exportações.

Por falta de quórum foi adiada a votação da Medida Provisória 629/13 na comissão mista que analisa o mérito do texto enviado pelo Executivo. O ponto de discórdia entre governo e oposição é a renovação do programa Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra), que beneficia os exportadores de produtos manufaturados com desoneração tributária.

Já no início da reunião, o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), pediu destaque para a votação das duas emendas que retomavam o programa, elaborado pelo governo para os anos de 2012 e 2013. Na verificação dos votos sobre o pedido de destaque ficou claro que não haveria parlamentares suficientes para aprovar a matéria nesta quarta-feira (7).

Impacto na receita
Na tarde de terça, Pimentel pediu vista logo depois da leitura do relatório do deputado Pauderney Avelino (DEM-AM). Na reunião desta quarta, ele ressaltou que o bloco de apoio ao governo tem um acordo firmado no sentido de rejeitar projetos e medidas que impliquem diminuição na receita. Ele lembrou que médias e grandes empresas conseguiram a desoneração da folha de pagamentos no que diz respeito à contribuição patronal, que passou a ser calculada em cima do faturamento. Ao mesmo tempo, o setor está sendo favorecido pela alta do dólar em relação ao real, o que de fato valorizou o setor exportador.

"Resolvemos deixar para tratar deste tema em 2015, já com um novo governo. Ao mesmo tempo temos assistido, por parte das empresas que fazem avaliações de risco, toda uma política de desclassificação da nossa economia e das nossas receitas com impacto direto no que diz respeito à dívida pública", afirmou Pimentel.

O relator Pauderney Avelino justificou o acolhimento das duas emendas que ressuscitam o Reintegra – uma do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) e outra do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) – alegando que são importantes para manter as exportações brasileiras dentro do valor de mercado.

"O programa Reintegra foi um sucesso e deve ter continuidade, porque nenhum país do mundo, exceto o Brasil, exporta imposto. O Brasil, com esse sistema tributário caótico, exporta tributos pela via cumulativa, como o ISS e, em alguns casos, PIS, Cofins e Pasep. O que estamos propondo é a desoneração tributária do produto exportado", afirmou.

De acordo com o relator, é inadmissível que o Brasil, em 2014, continue participando com menos de 1% das trocas internacionais. "A cada ano, estamos reduzindo nossa participação nos produtos manufaturados exportados. E a questão tributária é uma das que mais causa entraves à exportação", avaliou o deputado.

Reintegra
Se for reativado como quer o relator, o Reintegra será prorrogado até 2017. Para isso, as duas emendas precisam ser aprovadas na comissão mista e, depois, nos plenários da Câmara e do Senado. E ainda deve passar pela sanção da presidente da República.

Pelos cálculos de Pauderney, sem o Reintegra, em 2014, os manufaturados brasileiros terão um custo de produção R$ 3 bilhões maior, o que tira a competitividade desses itens no mercado global. O deputado também reclamou da insegurança jurídica que a suspensão de um programa desta natureza gera para os contratos internacionais, a maioria de longo prazo.

Ajuda aos estados
A MP 629, editada em dezembro, transferiu R$ 1,95 bilhão da União aos estados e aos municípios a título de auxílio financeiro. O dinheiro ajudou a estimular as exportações do País e a quitar parte das dívidas dos entes federados. Houve três critérios de prioridade na distribuição dos recursos: dívidas vencidas e não pagas com a União, em primeiro lugar. Depois, as dívidas contraídas com a garantia da União, inclusive empréstimos externos. Por fim, dívidas com entidades da administração indireta federal.

A MP dividiu os quase R$ 2 bilhões respeitando coeficientes atribuídos a cada um dos estados. Depois de receber o dinheiro, o estado deve ficar com 75% do valor e destinar os 25% restantes às prefeituras, conforme a distribuição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Não ficou definida a nova data para a votação do relatório da MP na comissão mista. A norma tem vigência até o dia 28 de maio. Se não for votada nas duas Casas do Congresso até essa data, ela perderá a validade.

'Agência Câmara Notícias'