Brecha legal favorece componente chinês
Para fugir das sobretaxas de antidumping aplicadas pelo governo brasileiro, as empresas chinesas estão "esquartejando" produtos exportados ao país, para depois montá-los em solo nacional.
A estratégia aproveita brecha na legislação que abre espaço para que peças e componentes não se sujeitem à mesma punição imposta às mercadorias completas em casos de prática desleal de comércio -quando o preço do bem importado é menor que no país de origem.
Um exemplo emblemático é o caso das bicicletas chinesas. Após serem sobretaxadas, passaram a desembarcar no Brasil em carregamentos de peças separadas, como quadros, pedais e rodas, pagando apenas alíquota de importação padrão.
A artimanha oriental se baseia na falta de regulamentação da lei antielisão -nome burocrático para o artifício-, que está emperrada nos corredores da Receita.
O projeto, do Ministério do Desenvolvimento, estende automaticamente a alíquota de punição a todos os componentes de artigos sobretaxados por dumping.
"JEITINHO CHINÊS"
Segundo o secretário de Comércio Exterior do ministério, Welber Barral, o Brasil está ficando para trás em termos de defesa comercial. Argentina, União Europeia, EUA e Canadá já implementaram o instrumento para impedir o "jeitinho" chinês.
"O termo usado em inglês é "circumvention", ou seja, alguém está dando a volta na norma", diz Barral. "O problema é que, quando identificamos um caso, precisamos abrir uma investigação para cada peça, em vez de usar o antidumping vigente."
A Receita argumenta que a regulamentação da lei ainda não tem prazo para ser concluída, uma vez que o texto ainda está sendo avaliado pelas áreas de fiscalização, aduana e pela Cosit (Coordenação Geral de Tributação).
Enquanto o processo não anda, empresários de vários setores prejudicados resolveram criar a chamada CDIB (Comissão de Defesa da Indústria Brasileira) para reforçar as denúncias e aumentar a pressão sobre as autoridades brasileiras.
"Parecem casos isolados, mas isso é só a ponta do iceberg. Trata-se de um esquema organizado que também traz danos a fabricantes nacionais de óculos, parafusos, escovas de cabelo e calçados, dentre outros", reclama um dos fundadores do grupo, Roberto Barth.
Outra estratégia utilizada pelos chineses para burlar o antidumping é a falsificação de certificados de origem, na chamada triangulação. Os ímãs de ferrite chineses usados na fabricação de alto-falantes, por exemplo, chegam ao Brasil como se fossem fabricados em Taiwan ou na Malásia.
"O próprio governo verificou que esses países não produzem similares desses produtos, mas não consegue conter a entrada. Cerca de 25% do mercado nacional de ímãs já é composto por produtos triangulados", afirma Barth.
(aspas)
Por : EDUARDO RODRIGUES, de Brasília, para o Jornal "Folha de São Paulo", 04/06/2010