Ilegalidade da atualização das bases de cálculo sobre as quais são aplicadas as multas de ofício no Estado de São Paulo - Alterações promovidas pela Lei Estadual nº 13.918/2009 - Jurisprudência do Tribunal de Impostos e Taxas
Silvio José Gazzaneo Junior*
Com a publicação daLei nº 13.918/2009, foram alteradas as redações dosartigos 85e96 da Lei nº 6.374/89, os quais tratam, respectivamente, das multas previstas pelo inadimplemento das obrigações principais e das acessórias, assim como da incidência de juros de mora sob o valor do imposto e da multa.
No entanto, referida lei somente modificou a forma de cômputo e a taxa de juros aplicáveis aos débitos tributários de ICMS, sendo que, em relação às multas por infração tributária, oartigo 85, da Lei nº 6.374/89, continuou prevendo a possibilidade de correção da sua base de cálculo, em razão de eventual perda de valor da moeda.
Confira-se, no quadro comparativo abaixo, de que maneira se deu a alteração doartigo 85, que trata da aplicação das multas de ofício:
Redação anterior daLei nº 6.374/89 (até 21.12.2009) | Redação posterior àLei nº 13.918/2009 (a partir de 22.12.2009) | Artigo 85 - O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, fica sujeito às seguintes penalidades: (...) § 9º - As multas previstas neste artigo, excetuadas as expressas em UFESP, devem ser calculadas sobre os respectivos valores básicos corrigidos monetariamente. | Artigo 85 - O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, fica sujeito às seguintes penalidades: (...) § 9º - As multas previstas neste artigo, excetuadas as expressas em UFESP, devem ser calculadas sobre os respectivos valores básicos atualizados, observando-se o disposto noartigo 96 desta lei; |
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Como se pode perceber, oartigo 85, da Lei nº 6.374/89, continuou prevendo a possibilidade de correção da sua base de cálculo, em razão de eventual perda de valor da moeda. Na redação anterior, as multas eram aplicadas sobre os valores básicos corrigidos monetariamente, ao passo que a nova redação determinou que as penalidades devem ser calculadas sobre os valores básicos atualizados.
Em outras palavras, onde antes se falava em correção monetária, passou-se a fazer referência à atualização do valor básico das multas, termos esses que são utilizados como sinônimos pela própria legislação do ICMS. Nesse sentido, confira-se a redação doartigo 567, do Decreto 45.490/00(RICMS/SP):
"Artigo 567 - Poderá o contribuinte, em qualquer fase do processo administrativo ou judicial, depositar em dinheiro a importância questionada, operando-se a interrupção da incidência dos juros de mora e da atualização monetária de que tratam os artigos 565 e 566 a partir do mês seguinte àquele em que for efetuado o depósito" (grifamos)
A redação do antigoartigo 97, da Lei nº 6.374/89, era a seguinte:
"Quaisquer acréscimos incidentes sobre o débito fiscal, inclusive multa de mora e juros moratórios, devem ser calculados sobre o respectivo montante atualizado monetariamente nos termos do artigo anterior" (grifamos).
Todavia, cumpre ressaltar que com a edição daLei nº 13.918/2009, o próprio legislador paulista revogou as disposições constantes noartigo 97, da Lei nº 6.374/89- cujos efeitos práticos já se encontravam suspensos desde 1.1.1999, em virtude doartigo 2º, da Lei nº 10.175/98(01) - por meio do qual o débito fiscal, não liquidado nas épocas próprias, ficava sujeito à correção monetária do seu valor.
Com efeito, desde a entrada em vigor do Plano Real, de 1994, não há mais sentido para se instituir correção monetária, visto que ocorreram significantes alterações na política monetária nacional que acarretaram a desindexação da moeda e, consequentemente, maior estabilidade do poder de compra desta, motivo pelo qual, perante a esfera federal, a correção monetária está extinta desde a edição daLei nº 9.249, de 26.12.1995.
Portanto, as penalidades doartigo 85, regulamentadas noartigo 527 do RICMS, continuam a ter os seus percentuais aplicáveis sobre os valores históricos das respectivas bases de cálculo (seja o valor do imposto ou da operação), por absoluta inexistência de base legal para o índice de atualização a ser aplicado.
Além disso, é importante registrar que ao regulamentar as alterações instituídas pelaLei 13.918/2009, o Poder Executivo paulista pretendeu acrescer juros de mora ao valor básico das multas, sem que houvesse previsão legal para tanto.
ODecreto nº 55.437/2010, ao regulamentar aLei nº 13.918/2009, inseriu, noartigo 565, do RICMS, a seguinte disposição:
"Artigo 565 - O montante do imposto ou da multa, aplicada nos termos do artigo 527, fica sujeito a juros de mora, que incidem: (...)
§ 1º - A taxa de juros de mora será de 0,13% (treze centésimos por cento) ao dia. (...)
§ 4º - A atualização do valor básico para cálculo da multa prevista no artigo 527 será efetuada mediante a aplicação da taxa prevista neste artigo, até a data da lavratura:" (grifamos)
Como se pode perceber, o Executivo paulista determinou que a atualização do valor básico para cálculo da multa será realizada por meio da aplicação da taxa de juros, na proporção de 0,13% ao dia.
No entanto, como visto acima, aLei nº 13.918/2009foi explícita ao revogar oartigo 97 da Lei nº 6.347/89, e, por ora, dispensar a atualização / correção monetária dos débitos tributários no Estado de São Paulo.
Consequentemente, não há base legal vigente para a instituição de uma taxa de atualização / correção monetária, motivo pelo qual a regra do § 4º acima transcrito extrapola, evidentemente, o conteúdo da lei estadual de 2009.
Há, ainda, outra questão relevante quanto à adoção da taxa de juros como índice de atualização dos valores básicos dos débitos fiscais.
Em regra, o atraso no pagamento dos débitos fiscais sujeita o contribuinte a dois tipos de acréscimos, a saber, (i) correção / atualização monetária e (ii) juros de mora. Todavia, são dois institutos jurídicos distintos e contemplam, consequentemente, finalidades distintas.
A atualização monetária:
"corresponde à adequação de um valor à sua real expressão monetária em determinado momento, mediante a aplicação de índices próprios", com o objetivo de "ajustar determinado valor à sua significação no momento, para obviar os efeitos da inflação. Visa, pois, anular as distorções provocadas pelo enfraquecimento do poder aquisitivo da moeda, ditado pela inflação" (02).
De outro modo, os juros de mora possuem natureza jurídica de sanção compensatória, com a finalidade de punir o devedor pela impontualidade no adimplemento da sua obrigação perante o credor, ou melhor, "o preço pago em moeda, pelo uso da moeda alheia" (03).
Como se vê, as finalidades dos institutos não se confundem, motivo pelo qual a utilização da taxa de juros (sanção pelo atraso) para fins de atualização monetária (recomposição da moeda) dos débitos fiscais de ICMS também não encontra respaldo no ordenamento jurídico.
Finalmente, não se pode deixar de levar em consideração que para os lançamentos tributários cujos fatos geradores ocorreram antes da entrada em vigor daLei n. 13.918/2009, deve ser respeitado o comando normativo instituído noartigo 144, do Código Tributário Nacional, pelo qual o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
Essas considerações não têm passado despercebido pelos julgadores tributários no âmbito da própria Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
Com efeito, corroborando tal entendimento, a Delegacia Tributária de Julgamento de Bauru, reconheceu que é indevida a correção do valor básico das multas:
"ICMS- Crédito indevido do imposto. Escrituração de notas fiscais de transferência canceladas pelo estabelecimento filial emitente - Defesa Admitida. Inexiste nulidade no lançamento de ofício. Relato da acusação e conjunto probatório que demonstram a ocorrência da infração. Aplicação da Taxa Selic como juros moratórios determinada pela legislação do ICMS. Corrigido o valor da multa em razão da indevida correção do seu valor básico. Acusação parcialmente procedente. Interposto recurso de ofício." (g.n.)
(Processo DRT-07-205183/2010. DOE 29.05.2010, p. 26)
"ICMS- Crédito indevido - Operações abrangidas por benefício fiscal sem amparo em convênio aprovado pelo CONFAZ. Parcialmente procedente o auto de infração. Interposto recurso de ofício ao Tribunal de Impostos e Taxas. Ressalvada a possibilidade de ser efetuado o pagamento do débito fiscal com desconto no valor da multa, em razão da atualização indevida do valor básico para o seu cálculo." (g.n.)
(Processo DRT-07-191284/2010. DOE 3.06.2010, p. 26)
"ICMS - Falta de pagamento do imposto - Operações de importação do exterior (item 1). Crédito indevido do imposto decorrente do registro, no Livro Registro de Entradas, de notas fiscais emitidas por empresas do Estado do Espírito Santo em operações de importação do exterior, sendo que o imposto é devido ao Estado de São Paulo (item 2). Quanto ao item 3 o seu crédito tributário foi extinto em razão do pagamento. Procedente em parte do AIIM. Interposto recurso de ofício ao Tribunal de Impostos e Taxas. Ressalvada a possibilidade de ser efetuado o pagamento do débito fiscal com desconto no valor da multa, em razão da atualização indevida do valor básico para o seu cálculo." (g.n.)
(Processo DRT-07-187976/2010. DOE 3.06.2010, p. 26)
No mesmo sentido já se posicionou a 2ª Câmara Julgadora do E. Tribunal de Impostos e Taxas, reconhecendo que o cálculo da multa deve ser efetuado sobre o valor histórico do tributo principal. Confira-se:
"(...) Enfim, não há na Lei SP nº 6.374/89 nenhum fundamento para que o valor da multa seja calculado sobre o principal (ICMS) acrescido dos jutos já incorridos até a lavratura do AIIM. Diz-se apenas que o cálculo seja feito com base no valor atualizado, e é só!"
"Aqui, com máximo respeito ao Poder Executivo Estadual, anuncia-se uma confusão - indevida, segundo penso - de atualização de valores, com base na desatualização da moeda, que torna a se tornar uma ameaça à estabilidade financeira deste país, obtida de modo heróico por Administrações responsáveis do passado, com a cobrança de juros, remuneratórios ou moratórios, estes calculados com base no percentual de até 0,13% ao dia, prescrito pelo artigo 96, §1º da Lei SP nº 6.374/89.
Razão, neste particular, assiste ao autuado: juros é juros; atualização é atualização. Ademais, a lei prevê o cálculo de multa sobre valor atualizado do principal, não sobre valor com juros.
Corrobora o pensamento acima o fato de que existem precedentes sobre o tema nas Delegacias de Julgamento, como referido pelo autuado às fls. 756. Independentemente disso, a questão é evidente, e revela a não mais poder uma inequívoca confusão de conceitos, que merece os devidos reparos nesta fase." (g.n.)
(Processo DRTC-III-172385/2010 - DOE/TIT de 28.7.2011)
Os ilustres juízes Sérgio Gonini Benício, da 2ª Câmara Julgadora, Mara Eugênia Buonanno Caramico, da 15ª Câmara Julgadora e Celina Coutinho, da 10ª Câmara Julgadora, todas do Tribunal de Impostos e Taxas, também já se posicionaram no mesmo sentido. Confira-se:
"(...) Portanto, na data da ocorrência do fato gerador a lei que determinou o cálculo da multa sobre os valores básicos atualizados, não havia sido publicada, vigendo a redação antiga do dispositivo em comento, que determinava que a aplicação da multa deveria ocorrer sobre os valores básicos corrigidos monetariamente.
Verifica-se que esta aplicação retroativa, afronta o princípio constitucional da irretroatividade da lei tributária, previstos no artigo 5º, inciso XL, e 150, inc. 111, alínea "b", da Constituição, bem como nos artigos 105, 106 e 144 do Código Tributário Nacional.
Assim, em data anterior a 23/12/2009, deve a multa ser calculada sobre o valor básico do tributo.
Não há possibilidade de se discutir que o ensejo da multa deveria ao menos ser aplicado sobre o valor básico do tributo corrigido monetariamente, a partir da 23/12/2009, pois desde 01/01/1999, não mais subsiste atualização monetária no Estado de São Paulo, conforme disposto no artigo 2º da Lei SP n. 10.175/98: (...)" (grifamos)
(Tribunal de Impostos e Taxas - 2ª Câmara Julgadora - Processo DRTC-III-268933/2010 - DE do TIT disponibilizado em 24.10.2011)
"Desta forma, de fato, existe um erro que deverá ser retificado, pois não está demonstrado no AIIM a forma como foi feito o cálculo da multa para que esta pudesse ter um valor superior aos R$3.857.121,87. Assim,como entendo tratar-se de erro meramente formal, passível de ser corrigido de ofício por este Tribunal, na forma da legislação em vigor, retifico, desde já, a multa aplicada ao caso seja vencida em meus argumentos quanto ao cancelamento da aplicação da própria multa punitiva.
Não há, por outro lado, se aplicar sobre a multa punitiva qualquer correção, já que a Lei 13.918/2009 apenas modificou os artigos 85 e 96 da Lei 6.374/89 quanto à aplicação dos juros de mora. Todavia, a atualização da multa de mora não é devida. O que se atualiza é a base de cálculo do imposto devido para sobe ele se aplicar o percentual da multa punitiva. E nestes termos, o Decreto 55.437/2010 regulamentou a Lei nº 13.918/09 inserindo no artigo 565 do RICMS, parágrafo 4º que traz a seguinte disposição:
(...)
De fato, verifica-se que o Decreto extrapolou os limites da Lei Estadual de 2009, já que o legislador ordinário dispensou a atualização monetária ao revogar o artigo 97 da Lei6374/89.
Assim, a inserção de juros de mora no valor básico das multas do artigo 527 representa, de fato, um indevido acréscimo no valor das penalidades, já que contraria o espírito da própria Lei 13.918/09que expressamente revogou o artigo 97 da Lei 6374/89.
E este tem sido inclusive o entendimento de algumas delegacias tributárias, como bem apontado pela própria Recorrente em sede de recurso, se não vejamos:
Mesmo que assim não fosse, o artigo 144 do CTN manda aplicar em termos de infração, a lei vigente na data da ocorrência do fato gerador, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
Portanto, ainda que o AIIM tenha sido lavrado na vigência da Lei 13.918/2009, os fatos geradores discutidos e autuados ocorreram antes de sua vigência, razão pela qual entendo que as penalidades devam ser aplicadas segundo a legislação da época dos fatos, inclusive quanto a juros e multa.
E este entendimento não poderia ser outro, em face inclusive do que dispõe o artigo 116 do CTN, que apenas permite a retroação da lei tributária em relação às penalidades quando a lei nova for mais benéfica ao contribuinte
Da mesma forma quanto aos juros de mora. De fato, se houver a confirmação no judiciário de que existe o fato gerador do imposto e que este é devido, haverá sim a incidência de atualização do valor devido do imposto, e esta deverá ser feita de acordo com os preceitos legais vigentes à época dos fatos." (grifamos)
(Tribunal de Impostos e Taxas - 15ª Câmara Julgadora - Processo DRTC-III-11935/2010 - DE do TIT disponibilizado em 24.10.2011)
"A atualização do valor básico da multa passou a ser previsto na Lei
13.918/2009.
No caso dos autos se o Contribuinte tivesse sido autuado antes das alterações introduzidas pela Lei 13.918/2009, ou seja, no dia 22 de dezembro de 2009, o valor da multa seria sobre o valor básico (sem qualquer atualização).
Entendo que o Contribuindo deve se submeter ao pagamento da multa conforme estava previsto quando ocorreu o fato gerador.
Neste sentido a atualização da base de cálculo da multa que foi introduzida ela legislação 13.918/2009, deve ser afastada da exigência fiscal, em conformidade com o Artigo 144 do Código Tributário Nacional." (grifamos)
(Tribunal de Impostos e Taxas - 10ª Câmara Julgadora - Processo DRTC-14-577920/2011 - DE do TIT disponibilizado em 27.3.2012)
Outrossim, é importante destacar que, por se tratar de uma matéria relativamente recente perante o contencioso administrativo estadual, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas tem anulado as decisões das câmaras ordinárias para as quais não houve manifestação expressa quanto à ilegalidade da atualização da base de cálculo. Confira-se:
"A recorrente alega - preliminarmente - nulidade da decisão recorrida, que não teria se manifestado a respeito do cálculo da multa imposta.
Verifico que em seu Recurso Ordinário há longo arrazoado a respeito da questão (fls. 445/449) onde explica porque entende incorreto o valor da multa.
Em que pese haver concomitância, e neste aspecto a decisão sob ataque não conheceu de seu recurso ordinário, quanto à multa e juros, apenas manteve a exigência eis não haveria depósito judicial, porém não se pronunciou a respeito deste ponto (valor da multa).
Entendo que se trate de questão relevante, que precisa ser analisada em sede de Ordinário, razão pela qual e porque há paradigma alicerçando o pedido a interessada, CONHEÇO DE SEU RECURSO E LHE DOU PROVIMENTO para determinar o retorno dos autos à Câmara Julgadora a fim de que se manifeste a respeito da base de cálculo da multa, multa esta que restou reconhecida na decisão anterior ."
(Tribunal de Impostos e Taxas - Câmara Superior - Processo DRTC-III-266745/2010 - DE do TIT disponibilizado em 5.3.2012)
Verifica-se, portanto, que a jurisprudência administrativa já tem reconhecido a flagrante ilegalidade cometida pelo Poder Executivo estadual, seja pela falta de base legal para a cobrança de juros sobre o valor básico das multas, seja pela inaplicabilidade e irretroatividade da legislação tributária aplicável a fatos geradores ocorridos antes de advento daLei nº 13.918/2009.
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Silvio José Gazzaneo Junior* |