quarta-feira, 1 de junho de 2011

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SÚMULA Nº 65. NÃO INCIDÊNCIA. PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA. NATUREZA. INCONSTITUCIONALIDADE.

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PENAL. ART. 168-A, § 1º, II, DO CP. DISTINÇÃO EM
RELAÇÃO AOS DEMAIS CASOS DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SÚMULA Nº 65. NÃO
INCIDÊNCIA. PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA. NATUREZA. INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 5º, LXVII, DA CF.
PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. MALFERIMENTO RECONHECIDO.

1. O art. 168-A, § 1º, II, do CP incrimina o não recolhimento de parcelas devidas pela empresa, a título de obrigação
própria, de forma que não se confunde com os demais delitos de apropriação indébita previdenciária (caput e incisos I e
III do § 1º do artigo 168-A), que tutelam também interesse de terceiros, agredido pela conduta do agente que, valendose
de sua posição de arrecadador/responsável tributário, toma para si numerário que não lhe pertence.
2. Análise dos julgados que serviram de precedentes para a formulação da Súmula nº 65 deste Tribunal revela que
todos versavam sobre condutas enquadradas no art. 95, alínea d, da Lei nº 8.212/91 (cujas disposições,
posteriormente, restaram transpostas para o art. 168-A, § 1º, inc. I, do Código Penal), afastando a tese de que se
trataria de prisão por dívida sob o escorreito argumento de que a norma não incriminava a mera existência de débito
previdenciário, mas, sim, a inobservância da obrigação legal de recolher as contribuições já descontadas da folha de
pagamento dos funcionários.
3. A pretexto de restringir a tutela penal decorrente do simples inadimplemento, o legislador pátrio, no art. 168-A, § 1º,
inc. II, do CP, criou dois elementos normativos irrelevantes ("ter integrado despesas contábeis" ou "ter integrado custos
relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços"), pois retratam comportamentos que devem ser de regra
observados pelo cumpridor da lei e pertinentes à praxe comercial.
4. Na hipótese em questão, o preceito não pressupõe qualquer espécie de fraude (o que, em tese, conduziria a uma
desclassificação para o artigo 337-A do Código Penal), incriminando, na realidade, o simples inadimplemento da
obrigação principal tributária própria.
5. Não há como acolher a tese de que o Poder Constituinte vedou a "prisão civil por dívida", mas não a prisão de
natureza penal decorrente apenas (frise-se) da existência de dívida civil, pois, nesse caso, haveria uma teratológica
dicotomia, na qual a Constituição Federal veda o menos gravoso (prisão sujeita à disciplina da regras de processo civil),
mas autoriza, sem quaisquer restrições, a sujeição do devedor à sanção penal (enquanto resposta estatal a mais
gravosa de todas), tão só em virtude da inadimplência, sem que tenha o agente perpetrado qualquer espécie de artifício
fraudulento. Essa interpretação, ademais, faria tábula rasa da proteção constitucional, porquanto o legislador ordinário
poderia com facilidade burlar tal barreira atribuindo à norma punitiva a natureza criminal para que não se cogitasse de
qualquer inconstitucionalidade.
6. Portanto, o dispositivo criminal sub examen reflete violação à garantia prevista no artigo 5º, LXVII, da Constituição,
preceptivo que veda o encarceramento decorrente de dívida civil, impedindo, como corolário, que o legislador pátrio
erija o simples inadimplemento da contribuição patronal (obrigação tributária própria) à condição de ilícito penal.
7. Da mesma forma, vulnera o disposto no artigo 7º, item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica), norma supranacional incorporada ao nosso sistema jurídico e cuja inobservância pelo
legislador pátrio acarreta a reprovabilidade internacional perante compromisso expressamente assumido junto a outras
nações soberanas.
(TRF4, ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2002.71.04.002979-8, CORTE ESPECIAL, DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM
VAZ, POR MAIORIA, D.E. 28/03/2011)

CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DESCONTADAS DOS EMPREGADOS DA EMPRESA. INSIGNIFICÂNCIA PENAL NÃO CONFIGURADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A, § 1º, I, DO
CÓDIGO PENAL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCÁRIAS SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL.
FUNRURAL. CONDUTA ATÍPICA. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS DESCONTADAS DOS EMPREGADOS DA
EMPRESA. INSIGNIFICÂNCIA PENAL NÃO CONFIGURADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS.
DOLO GENÉRICO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. CRIME
CONTINUADO.
1. Afastada, pelo STF, a obrigação de retenção e recolhimento de contribuições sociais sobre a receita bruta
proveniente da comercialização da produção rural – Funrural, atípica a conduta daquele que deixa de repassar tais
tributos declarados inconstitucionais.
2. O valor das demais contribuições sociais descontadas dos empregados e não repassadas supera o parâmetro
adotado pela jurisprudência nacional (R$ 10.000,00), impossibilitando o reconhecimento da insignificância jurídica.
3. A jurisprudência desta Corte, bem como a do Supremo Tribunal Federal, já consolidaram entendimento no sentido de
que para a caracterização do crime de apropriação indébita previdenciária é suficiente a comprovação do dolo genérico,
não sendo exigido o dolo específico (animus rem sibi habendi). Precedentes.
4. A inexigibilidade de conduta diversa só tem lugar quando restar plenamente comprovada situação invencível de
dificuldade financeira, a qual, por sua própria natureza, deve ser extraordinária e transitória. O conjunto probatório
constante dos autos deve comprovar, de forma cabal, não apenas as dificuldades financeiras enfrentadas pela
empresa, mas aquelas sofridas pelo próprio acusado, advindas do sacrifício de seu patrimônio pessoal na tentativa de
honrar os débitos gerados quando da não realização do repasse dos valores descontados.
5. Diante da exclusão das condutas relativas ao Funrural, deve ser readequado o patamar de aumento pela
continuidade delitiva e, como consequência, reduzida a sanção privativa de liberdade.
(TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2007.71.16.000107-8, 8ª TURMA, DES. FEDERAL VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, POR UNANIMIDADE,
D.E. 30/03/2011)

PERDIMENTO DE VEÍCULO. FALTA DE JUNTADA DO VOTO VENCIDO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, VEDAÇÃO AO CONFISCO E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO
DE LEI. PERDIMENTO DE VEÍCULO. FALTA DE JUNTADA DO VOTO VENCIDO. PRINCÍPIOS DA
PROPORCIONALIDADE, VEDAÇÃO AO CONFISCO E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DOCUMENTO NOVO. NÃO
CONTEMPORANEIDADE. ERRO DE FATO. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL.

1. O inciso V do art. 485 do CPC é aplicável não somente na hipótese em que o julgado rescindendo deixa de aplicar o dispositivo legal, mas também no caso em que a interpretação dada é manifestamente destituída de razoabilidade. Se o entendimento judicial mostra-se aceitável, isto é, adota um sentido possível e não comete um absurdo contra o texto da
lei, não há lugar para a desconstituição da sentença.

2. A incompletude do acórdão rescindendo, por não constar os fundamentos do voto vencido, não implica ausência de fundamentação, pois o voto majoritário examinou detidamente todos os fatos e os argumentos submetidos ao conhecimento do tribunal e imprescindíveis ao julgamento da causa. O acórdão incorreu em omissão, que poderia ser suprida por meio de embargos declaratórios, inexistindo vício que acarrete nulidade.

3. O acórdão interpretou o princípio da proporcionalidade em conformidade com a jurisprudência desta Corte e do STJ.
A proporcionalidade, no contexto das normas que preveem o perdimento de bens, comporta a análise de vários aspectos, que são evidenciados conforme a situação concreta de cada processo: habitualidade, intuito mercantil (revelado pela quantidade de mercadorias), valor das mercadorias, utilização de artifícios para burlar a fiscalização, natureza dos interesses lesados. A decisão judicial deve sopesar o conjunto de circunstâncias existentes nos autos, não se limitando a um único aspecto da questão. Nessa senda, somente se não houvesse qualquer outro fator a influenciar a convicção do juízo, a decisão poderia ser pautada unicamente pela desproporção entre o valor das mercadorias introduzidas irregularmente no País e o valor do veículo.

4. A análise empreendida pelo acórdão rescindendo levou em consideração o fato de que o veículo foi utilizado de
forma contrária aos interesses identificados com a coletividade. Logo, não basta invocar a desconformidade do valor
das mercadorias em confronto com o valor do veículo, pois, inexistindo uma interpretação unívoca sobre a
proporcionalidade, não é possível afirmar que o juízo A é correto e o juízo B viola a literalidade da lei, porque ambos
mostram-se razoáveis.

5. A rescisória não visa corrigir a justiça ou injustiça da sentença, nem conceder a melhor interpretação à norma; deve
haver contrariedade gritante com o texto da lei, não se considerando como tal a que é compatível com a jurisprudência
vigente ou uma corrente significativa da jurisprudência.

6. O princípio da vedação ao confisco dirige-se essencialmente a nortear a tributação, não possuindo a mesma
conformação no que concerne às medidas de caráter sancionatório, tal como a pena de perdimento de veículo. As
normas de repressão às condutas ilícitas (em sentido amplo) objetivam tutelar os valores da sociedade, que não se
resumem aos interesses fazendários. O direito de propriedade encerra também o dever de utilizar o bem de acordo com
os interesses sociais; por isso, a pena de perdimento não necessita guardar proporcionalidade com os tributos ou
multas suprimidos.

7. Qualquer juízo porventura expendido no julgado acerca do cometimento de crime não tem qualquer relevância e
efeito, diante da independência dos juízos criminal e cível; por conseguinte, a suspensão do processo criminal não
impede a aplicação da pena de perdimento.

8. O documento novo a que se refere o art. 485, inciso VII, do CPC, é o existente à época da decisão rescindenda, mas,
como era ignorada a sua existência ou era impossível utilizá-lo, a lei o considera novo. A qualificação de novo, portanto,
diz respeito à ocasião em que o documento é utilizado, não ao momento em que ele passou a existir ou se formou.
9. Para amparar a rescisória, o documento deve, ainda, ser suficiente para alterar o resultado da ação rescindenda, ou
seja, deve provocar, necessariamente, impacto no deslinde da controvérsia, de modo favorável ao autor, ainda que
parcialmente.

10. A própria argumentação da inicial já demonstra que não houve erro de fato no julgamento rescindendo, o qual se
fundou exatamente na potencialidade lesiva da mercadoria apreendida. Existindo pronunciamento no julgado sobre o
fato considerado inexistente pelo autor, a imputação correta do erro porventura cometido no acórdão é erro de
julgamento, e não erro de fato.

(TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015844-89.2010.404.0000, 1ª SEÇÃO, DES. FEDERAL JOEL ILAN PACIORNIK, POR UNANIMIDADE, D.E.
12/04/2011)

É vedado à Administração negar seus serviços como meio de exigir o pagamento de eventuais débitos

 
 
Juíza federal do primeiro grau de jurisdição concedeu segurança para determinar à Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) que se abstenha de exigir certificados de regularidade fiscal e previdenciária como condição para cadastrar os veículos no Certificado de Registro de Fretamento, bem como a concedeu para determinar à Agência que expeça o certificado de registro.

Inconformada, apela a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT).

O relator do processo, desembargador federal Fagundes de Deus, levou o processo a julgamento na Quinta Turma.

A Turma entendeu que ANTT não pode, em razão da existência de débitos, recusar seus serviços. Isso porque, na medida em que o ordenamento jurídico confere ao credor meios próprios para cobrança de seus créditos, mostra-se desarrazoado valer-se de vias transversas e meios coercitivos para compelir a empresa a quitar eventuais débitos fiscais/previdenciários.

A Turma registrou que a Resolução ANTT 1.166/2005, que ampara o ato em discussão, vai de encontro ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, já cristalizado nas súmulas 70, 323 e 547, segundo as quais é vedado à Administração obstar o livre exercício de atividade profissional, negando o fornecimento de licenças/autorizações como meio coercitivo para o pagamento de débitos.

Assim sendo, negou provimento ao recurso.

ApReeNec 2009.34.00.009109-3/DF

TRF da 1ª Regiao
 

Crime Tributário e Falsidade em Declaração de Renda: Exigência de Dolo

PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. FALSA DECLARAÇÃO RETIFICADORA DE IMPOSTO DE RENDA. RETROAÇÃO DO TERMO INICIAL DE DOENÇA GRAVE. FALSIDADE. DOLO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. ABSOLVIÇÃO.

 

1. Remanescendo dúvida intransponível a respeito da efetiva contribuição de acusado para a alteração de local do prontuário médico do contribuinte, documento que fora requisitado pelos auditores da Receita Federal no curso de diligência no processo administrativo-fiscal pendente, é de ser mantida a absolvição da imputada prática de fraude processual.

 

2. Carecendo os autos de elementos que evidenciem com segurança o dolo dos agentes de terem falsamente atestado, de forma retroativa, a incidência de moléstia isentiva do imposto de renda sobre os rendimentos auferidos pelo contribuinte, igualmente é de ser mantida a absolvição do crime de falso imputado.

 

3. Não comprovada a prática do delito de falsidade, resta prejudicado o exame dos ulteriores fatos em que imputada a prática do emprego de tal documento.

 

4.Sequer podendo ser afirmado, com o necessário grau de certeza, da falsidade do documento que retroagiu o termo inicial da doença grave, muito menos pode-se afirmar o consciente uso do documento falso pelo beneficiário para a sonegação fiscal. Absolvição decretada.

 

(TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007609-72.2007.404.7200, 7ª TURMA, DES. FEDERAL NÉFI CORDEIRO, POR UNANIMIDADE, D.E.

18/02/2011)