TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DISTRIBUIÇÃO DISFARÇADA DE LUCROS AOS SÓCIOS. PRESUNÇÃO LEGAL. CISÃO PARCIAL. PATRIMÔNIO VERTIDO PARA O SÓCIO PESSOA FÍSICA. PRESCRIÇÃO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. INTIMAÇÃO DO CONTRIBUINTE.
1. O art. 367, inciso I, do Decreto nº 85.450/1980 (Regulamento do RIR/1980), estabelece presunção legal que objetiva impedir a distribuição de lucros aos sócios de forma dissimulada, por meio de subterfúgios contábeis. A transferência de bens do ativo da pessoa jurídica para o patrimônio da pessoa física do sócio, quer diretamente ou por intermédio do cônjuge ou de parentes, por valor inferior ao de mercado, implica a transferência de riqueza da pessoa jurídica para a pessoa física, em montante correspondente à diferença entre o valor de mercado do bem transferido e o valor da correspondente alienação.
2. A presunção legal relativa fornece um critério para verificar o pressuposto de incidência de uma norma de tributação, por meio de indícios que demonstram a ocorrência do fato tributável. Não se trata de inversão do ônus da prova, mas do deslocamento, da modificação do que tem de ser provado. Cabe ao fisco demonstrar o acontecimento dos fatos que sinalizam a distribuição disfarçada de lucros; ao contribuinte, a não ocorrência desses fatos ou da consequência jurídica presumida pela lei.
3. Na cisão, o critério legal para a distribuição do capital da pessoa jurídica sucessora, integralizado com parcela do patrimônio da sucedida, é a atribuição aos acionistas da empresa cindida, na mesma proporção das que possuíam. Segundo o art. 229, § 5º, da Lei nº 6.404/1976, as ações devem ser distribuídas aos acionistas, mas não necessariamente a todos os acionistas da pessoa jurídica cindida. Assim, a divisão do patrimônio social da empresa cindida pode resultar em composição societária diferente daquela anterior à cisão. Todavia, quando houver a saída de todos os acionistas, há que existir uma legítima operação de alienação para justificar a transferência do patrimônio da cindida a quem não é sócio ou acionista.
4. A legitimidade da operação de alienação dos bens da empresa Henrique do Rego Almeida – a quem pertencia o patrimônio vertido para a pessoa física – pressupõe a existência de ato oneroso entre ambos. No entanto, a suposta compra e venda realizada entre a empresa e o sócio não foi devidamente comprovada. Embora o Livro Diário da empresa Henrique do Rego Almeida registre o lançamento, em 31.12.1988, da venda do percentual de 26% das quotas da empresa Primav Imóveis para o sócio Henrique do Rego Almeida, conforme contrato de compra e venda firmado nessa data, os documentos que lastrearam a operação contábil não foram apresentados à fiscalização, nem coligidos aos autos.
5. O argumento de que o ato de alienação foi praticado pela empresa C.R. Almeida S/A., a quem pertenciam os bens alienados, ignora os efeitos da cisão parcial realizada. De acordo com o protocolo de cisão, o patrimônio vertido para a sociedade Primav Imóveis Ltda. acarretou a diminuição do capital social da empresa C.R. Almeida, na exata proporção da participação dos acionistas Henrique do Rego Almeida & Cia. Ltda. e Participare Administração e Participações Ltda. Portanto, o percentual de 26% do patrimônio transferido à empresa Primav Imóveis pertencia à empresa Henrique do Rego Almeida, acionista da cindida. Por sua vez, esse patrimônio passou para a titularidade da pessoa física Henrique do Rego Almeida, sócio da empresa sucessora.
6. Não se pode olvidar que o principal objetivo da cisão é separar a empresa cindida e seus acionistas ou sócios, que podem dividir-se ou permanecer juntos nas frações do capital dividido. Ora, se fosse o patrimônio da empresa C.R. Almeida (e não de seus acionistas) destinado a aumentar o capital social da empresa Primav Imóveis, não haveria cisão, mas simplesmente uma sociedade subsidiária, em que a C.R. Almeida possuiria as cotas correspondentes ao capital por ela integralizado. Em havendo cisão, conforme o protocolo firmado entre todos os acionistas da C.R. Almeida, resta óbvio que o patrimônio destacado era dos acionistas; é desarrazoado supor que a C.R. Almeida separar-se-ia das empresas Henrique do Rego Almeida e Participare. Nesse raciocínio, a sentença asseverou que não assume relevância, para efeitos tributários, que a operação de alienação ao sócio tenha se dado de forma triangular, ou seja, que a empresa Henrique do Rego Almeida realizasse a operação mediante a cisão da empresa C.R. Almeida, por ela controlada.
7. A autoridade administrativa não se valeu de presunção da presunção, ou seja, não partiu de um fato incerto ou presumido para deduzir o fato que deve ser comprovado. Pelo contrário, a subsunção do fato previsto na norma que fixa a presunção legal é direta, resultando de um dado certo: o lançamento contábil da operação de venda das cotas pertencentes à Henrique do Rego Almeida & Cia. Ltda., na empresa Primav Imóveis, à pessoa física Henrique do Rego Almeida. Além disso, na declaração de imposto de renda da empresa Henrique do Rego Almeida consta a titularidade das cotas na empresa Primav Imóveis Ltda. Encontra-se a mesma informação na declaração de Henrique do Rego Almeida. Logo, não houve inferência a partir de fato incerto para comprovar a alienação de ativo da empresa Henrique do Rego Almeida & Cia. Ltda. para o sócio pessoa física Henrique do Rego Almeida. A operação de venda existiu contabilmente, porém não foi corroborada pelos documentos que deveriam ter originado o lançamento contábil. A apelante não apresentou o contrato de compra e venda das cotas da empresa Primav Imóveis, nem outros elementos que servissem de prova da efetiva venda, tais como comprovantes de pagamento. Nessa linha de ideias, é quase certo ou altamente provável que a operação de venda tenha sido simulada, já que a prova (ou a ausência de provas) assim o demonstra, de forma clara e convincente. Em se tratando de indícios, não se pode exigir da autoridade administrativa prova que suscite certeza absoluta a respeito dos fatos.
8. Antes da intimação do contribuinte, não é possível considerar o crédito definitivamente constituído, requisito essencial para que se inicie o prazo de prescrição. Em que pese ser deveras anormal a demora na intimação do contribuinte, o fisco somente poderia efetuar a cobrança judicial do crédito tributário quando houvesse a sua constituição definitiva, que ocorre somente após a intimação do contribuinte na forma da lei.
(AC 2002.70.00.003132-9/PR, REL. DES. FEDERAL JOEL ILAN PACIORNIK, 1ªT./TRF4, UNÂNIME, J.19.05.2010, DE 16.06.2010)