- Cláudio Luiz Gonçalves de Souza
Surgiram durante a era do mercantilismo, legislações nacionais que se de um lado promoveram a efetivação do Direito Comercial; por outro lado determinaram o fim da antiga Lex Mercatoria, mormente com a emergência dos Códigos Comerciais que surgiram durante o Século XIX.
Todavia, indigitados Códigos Comerciais, por meio das suas disposições legais, perderam muitos princípios e preceitos de caráter cosmopolita, afastando-se das realidades mercantis internacionais e refutados diversas vezes, quando considerados meros costumes comerciais de natureza local.
Manifesta-se, então, a necessidade de retomar às normatizações e regramentos nas relações comerciais além das fronteiras políticas, porquanto o desejo e a prática do comércio internacional superaram as restrições e limites impostos pelas leis nacionais.
Cria-se então na França, na cidade de Paris, no ano de 1919, a Câmara Internacional de Comércio, que passa a ter importância significativa na revitalização da denominada moderna ou Nova Lex Mercatoria, uma vez que os empreendedores e homens de negócio encontravam-se insatisfeitos com a falta de adequação das leis nacionais em face do comércio internacional.
Nesse momento histórico, de renovação da Nova Lex Mercatoria surgem as suas principais fontes formais representadas pelos contratos-tipo; as condições gerais de compra e venda; as leis uniformes, e também as fórmulas internacionais do comércio que passam a nortear os contratos estabelecidos para a exportação e a importação.
Destarte, podemos afirmar sem receio de cometer nenhum equívoco de que as relações comerciais estabelecidas na atual sociedade internacional, são marcadas pela busca da informação e das oportunidades, assim como pela formalização contratual.
Sendo assim, as relações comerciais internacionais contemporâneas exigem a formatação de um contrato entre o exportador e o importador, seja para qualquer negócio; tornando-se necessária a fixação de fórmulas contratuais que visam, principalmente, fixar direitos e obrigações entre as partes contratantes.
Estas fórmulas contratuais são internacionalmente conhecidas como INCOTERMS (sigla em inglês que significa "International Commercial Terms") ou Termos Internacionais do Comércio, como são definidas e recepcionadas na legislação brasileira.
Da mesma sorte, referidas fórmulas contratuais, também são conhecidas como "condições de venda" ou "cláusula de preço", uma vez que escolhido um dos INCOTERMS entre as partes contratantes, poderá o vendedor (exportador) agregar ao preço da mercadoria ou bem a ser exportado, os serviços que serão oferecidos e que comporão o valor total da venda.
Nessa linha de raciocínio, os INCOTERMS representam regras básicas, padronizadas, e que foram criadas pela International Chamber of Commerce (ICC- sigla em inglês), ou Câmara Internacional do Comércio (CCI - sigla em português), organismo internacionalmente reconhecido como encarregado de orientar os negócios internacionais; assim como dirimir e resolver eventuais conflitos, controvérsias e litígios, oriundos dos mais diversificados contratos de compra e venda, celebrados internacionalmente.(1)
Com efeito, as referidas regras baseiam-se nas práticas comerciais mais correntes, estabelecidas nos diversos países que integram a atual sociedade internacional, bem como nos princípios gerais do Direito Internacional Público e Privado.
Nessa linha de entendimento, a primeira edição dos INCOTERMS foi publicada no ano de 1936, e apresentava apenas 07 (sete) termos internacionais de comércio ou "cláusulas de preço". No ano de 1953, ocorreu a primeira revisão dos INCOTERMS, com a inserção de 02 (dois) novos termos comerciais.
Em face do dinamismo das relações comerciais internacionais, duas outras revisões foram procedidas, ou seja, a segunda revisão ocorreu no ano de 1967 e a terceira revisão no ano de 1976.
Quatro anos mais tarde, isto é, no ano de 1980, foi editada a quarta revisão dos INCOTERMS, procedendo assim com a atualização das condições de venda, até então existentes e acrescentando 4 (quatro) novas cláusula preço, com o objetivo principal de atender às exigências sempre evolutivas das práticas internacionais do comércio.
Dessa forma, permaneceria em vigor a revisão de 1980 até o dia 30 de junho de 1990, oportunidade em que, no dia 1º de julho daquele mesmo ano, passou a vigorar a edição INCOTERMS de 1990, reduzindo de 14 para 13 as condições de vendas internacionais, com a abolição de duas modalidades (FOR/FOT e FOA), e introduzindo uma nova cláusula preço (DDU).
Insta esclarecer que os motivos que levaram a CCI a proceder com a revisão dos INCOTERMS no ano de 1990, foram adaptar, principalmente, os termos de comércio às novas práticas internacionais de comunicação, utilizando-se dos processamentos eletrônicos de dados (Eletronic Data Interchange - DDI); racionaliza-los em face das diversas modalidades de transporte que surgiram no mercado internacional; assim como otimizá-los tecnicamente em decorrência dos novos processos de manuseio, embalagem, embarque, desembarque, despacho aduaneiro, dentre outros procedimentos ligados à dinâmica da movimentação de bens e mercadorias no comércio internacional.
No dia 1º de janeiro de 2000, último ano do segundo milênio, entrou em vigor as novas regras oficiais da CCI para a interpretação dos Termos Internacionais do Comércio, que deverão vigorar até o dia 31 de dezembro de 2010.
Essa revisão demandou aproximadamente 2 (dois) anos para ser elaborada e entrar em vigor; ocasião em que CCI procurou solicitar opiniões e respostas para os sucessivos projetos que pretendia implantar, a partir de um extenso universo de comerciantes ao redor de todo o mundo que representam vários setores nos comitês nacionais, por meio dos quais a CCI opera.
A revisão INCOTERMS 2000 manteve as 13 condições de vendas internacionais definidas na revisão imediatamente anterior, e que serve como referência aos importadores e exportadores em suas negociações comerciais internacionais.
Entretanto, foi publicada pela CCI, em setembro de 2010, uma nova versão dos Termos Internacionais de Comércio - INCOTERMS, cuja designação ainda não encontrou uma posição unânime, porquanto alguns a estão denominando de versão 2010, enquanto outros de versão 2011.
Não obstante, ainda que publicada pela CCI no curso do ano de 2010, referida versão atualizada, somente entrará oficialmente em vigor, no dia 1º de janeiro de 2011.
Em apertada síntese, a nova versão dos INCOTERMS apresenta as seguintes principais características que, por sua vez, trataremos mais amiúde em capítulo próprio, quais sejam:
- O número de INCOTERMS foi reduzido de 13 para 11;
- Os termos DAF, DES, DEQ e DDU da Revisão 2000 foram excluídos;
- Os termos DAT (Delivered At Terminal) e DAP (Delivered At Place) foram introduzidos;
- Os INCOTERMS 2010 também poderão ser utilizados para as transações domésticas ou "intra" blocos regionais de comércio;
- Os INCOTERMS que podem ser utilizados em qualquer modal de transporte: EXW, FCA, CPT, CIP, DAT, DAP e DDP;
- Os INCOTERMS para uso exclusivo no transporte marítimo, fluvial ou lacustre: FAS, FOB, CFR e CIF.
Com efeito, o DAT entra em substituição ao DEQ (Delivered Ex Quay), em que a mercadoria é entregue desembarcada do veículo transportador. O DAP entra substituindo os termos DAF, DES e DDU, em que a mercadoria é entregue colocada à disposição do comprador, pronta para ser desembarcada do veículo transportador. Ambas as colocações ressaem ddo próprio INCONTERMS 2010.
Sendo assim, no DAT a mercadoria pode ser entregue num terminal portuário, nesse caso conforme o DEQ a quem substitui, ou num terminal fora do porto.
Por outro lado, no DAP a mercadoria pode ser entregue no porto, ainda no navio, sem ser desembarcada, nesse caso conforme o seu antecessor DES; ou ainda em qualquer outro local, como o DAF e o DDU.
Insta esclarecer que esses dois novos termos, certamente facilitam as operações de comércio exterior, uma vez que são mais claros e objetivos; assim como reduziu o número de termos, porém com maior abrangência e, mormente, transparência.
De forma simplificada, significa afirmar que com o DAT temos a entrega das mercadorias, bens e/ou produtos num terminal e, por meio do DAP, a entrega se efetua fora de um terminal, mesmo que dentro de um navio.
Uma outra mudança, muito eficaz e necessária, facilitando a operação de entrega e o entendimento do instrumento, é com relação aos já consagrados termos FOB, CFR e CIF, isto é, a entrega da mercadoria deixa de ser na amurada do navio (ship's rail), ou seja, no espaço aéreo do navio, para ser entregue "a bordo" ("on board").
Da mesma sorte, é recomendado que o local ou porto de entrega seja nomeado e definido o mais precisamente possível.
Lado outro, nos termos EXW, FCA, FAS, FOB, DAT, DAP e DDP, o local nomeado é o de entrega, ou seja, onde ocorre a transferência do risco ao comprador. Nos termos CPT, CFR, CIP e CIF, o local nomeado difere do local de entrega. O local nomeado é aquele até onde o transporte é pago. O local de entrega, com transferência do risco, é aquele designado entre as partes, no país do vendedor.
Quanto aos modos de transporte, conforme visto anteriormente, temos também a definição precisa do grupo de termos que pode ser usado com quaisquer deles; e o grupo que pode ser empregado apenas no transporte aquaviário (marítimo, fluvial e lacustre).
O fato é que os INCOTERMS desfrutam de reconhecimento mundial; e a CCI por meio de pesquisas e estudos mercadológicos, busca sempre atualizar e adequar os referidos termos às condições presentes e atuais no mercado internacional.
Consoante mencionado anteriormente, os INCOTERMS definem os direitos e obrigações recíprocos, do exportador e do importador, em suas operações comerciais, sendo aplicados para o comércio internacional.
Dessa maneira, os INCOTERMS encontram-se estruturados dentro de um contrato de compra e venda e, por sua vez, estabelecem um padrão de definições de regras e práticas usuais, neutras, imparciais e de caráter uniformizador.
O objetivo principal dos INCOTERMS é oferecer uma lista de opções de regras internacionais para a interpretação dos termos comerciais usuais no comércio internacional. Sendo assim, uma operação de comércio exterior baseada nestas regras, terá suas incertezas e interpretações controversas reduzidas, porquanto os termos determinam, com precisão, o momento de transferência das obrigações contraídas pelas partes, seja no custo ou no risco do negócio.
Considerando, portanto, esse aspecto, o uso dos INCOTERMS possibilita o entendimento entre vendedor e comprador, quanto às tarefas necessárias para deslocamento da mercadoria do local onde é elaborada até o local de destino final; bem como as responsabilidades em relação à embalagem; transportes internos; licenciamentos de exportação e de importação; movimentação em terminais; transporte e seguro internacionais, despesas alfandegárias; entre outras obrigações e direitos que devem ser observados e exercidos pelas partes contratantes em operação realizada no mercado internacional.
Por outro lado, temos ainda que esclarecer que os INCOTERMS devem ser empregados tão somente nas relações contratuais estabelecidas entre vendedor (exportador) e comprador (importador), e nunca nos contratos firmados com a empresa transportadora. Dessa forma, a transferência de responsabilidade entre qualquer das partes e o transportador deve figurar em instrumento autônomo, isto é, em um contrato de afretamento em apartado, onde não são aplicadas as regras concernentes aos Termos Internacionais do Comércio.
Malgrado o uso dos INCOTERMS seja opcional, é de todo recomendável, desde que as partes tenham bem presente quais os direitos e obrigações que emanam da aceitação desta ou daquela modalidade das referidas Cláusula-Preço.
A má interpretação e/ou compreensão indevida dos INCOTERMS, ou até mesmo o uso equivocado, pode ocasionar, por exemplo, vultosa perda em caso de sinistro, uma vez que as responsabilidades pela contratação do seguro internacional encontram-se insculpidas nas condições de venda.
Do mesmo modo, as partes contratantes, no momento de elaboração do contrato internacional de fornecimento de bens e/ou mercadorias, devem-se atentar para que não seja adotada uma das modalidades dos INCOTERMS que venha a colidir ou ser incompatível com as cláusulas e/ou condições inseridas no contrato, porquanto a disposição será nula de pleno direito em face de alguma divergência e/ou colidência verificada.
Insta esclarecer que a adoção das novas regras dos INCOTERMS, na versão 2010, não revogou as versões anteriores, ou seja, exportadores e importadores, caso queiram, poderão pactuar a utilização de qualquer termo existente em quaisquer das versões anteriores, não ficando restritos aos termos previstos na nova versão, e sendo válidos para todos os fins de direito e eventuais discussões arbitrais e/ou judiciais.
Daí a importância de se destacar a utilização dos INCOTERMS nas relações contratuais, mormente em sua utilização como condição de venda nas demandas que são instauradas principalmente nos tribunais arbitrais, com o fito de solucionar as responsabilidades e obrigações das partes contratantes.
Por derradeiro deve-se evidenciar que, muito embora os INCOTERMS sejam termos internacionais para nortear as relações comerciais, a nova versão dos poderá ser utilizada tanto nos contratos internacionais, quanto nos contratos domésticos.
Conforme mencionado no capítulo anterior, na nova versão publicada em 2010(2), os termos foram reduzidos de treze para onze modalidades; termos esses que trataremos de forma individualizada no presente manual.
Nessa esteira, foram eliminados os INCOTERMS DAF, DES, DEQ e DDU, ou seja, quatro dos cinco existentes no grupo "D" na versão 2000, e dois novos foram introduzidos neste mesmo grupo.
Com efeito, foram introduzidos o termo DAT (Delivered at Terminal), mediante o qual a mercadoria deverá ser entregue em um terminal; assim como o termo DAP (Delivered at Place), por meio do qual a mercadoria deverá ser entregue em outro local que não seja um terminal, passando o grupo "D" a ser constituído por apenas três termos, quais sejam: DAT, DAP e o DDP, que já existia.
Na seqüência das modificações introduzidas pela nova versão 2010, o termo DAT foi criado em substituição ao termo DEQ, e com a utilização deste novo termo, a mercadoria poderá ser entregue num terminal portuário, como já ocorria com o termo DEQ; ou em outro terminal, localizado fora do porto de destino.
Lado outro, o termo DAP, por sua vez, surgiu em substituição aos termos DAF, DES e DDU. Ao se utilizar dessa nova modalidade de INCOTERMS, a mercadoria poderá ser entregue no porto de destino, ainda dentro do navio transportador e antes de ser desembarcada para importação, conforme já ocorria com o termo DES.
Do mesmo modo, a mercadoria por meio do DAP poderá ser entregue em qualquer outro local, como ocorre com os termos DAF e DDU, mediante os quais a mercadoria será entregue na fronteira (DAF); ou ainda em algum local no interior do país de destino que for designado pelo comprador (DDU). Frise-se que, em ambos os casos, a mercadoria também será entregue antes do seu desembaraço de importação.
No que tange aos termos FOB, CFR e CIF, que já existiam na versão 2000, a mercadoria passa a ser considerada entregue somente após ser colocada a bordo do navio que a transportará ao porto de destino, e não mais com a simples transposição da amurada do navio.
Significa afirmar que, a partir da entrada em vigor da nova versão, ao serem utilizados os termos FOB, CFR e CIF, para que a mercadoria seja considerada entregue ao adquirente, não mais bastará a sua simples transposição pela amurada do navio, porquanto a partir de 1º de janeiro de 2011, será necessário que a mercadoria seja disposta no interior do navio de transporte.
Já em relação aos termos EXW, FCA, FAS, FOB, DAT, DAP e DDP, o local nomeado é aquele no qual ocorrerá a entrega das mercadorias; e onde também ocorrerá a transferência dos riscos do vendedor para o comprador.
Fazendo referência aos termos CPT, CFR, CIP e CIF, o local nomeado é diferente do local de entrega. Sendo assim, o local nomeado é aquele até onde o transporte será pago. Entretanto, deve-se atentar que o local de entrega, no qual ocorrerá a transferência dos riscos do vendedor para o comprador, é aquele que for pactuado entre as partes, no país do vendedor.
No que se concerne às modalidades de transporte, os termos FAS, FOB, CFR e CIF somente poderão ser utilizados quando se tratar de transporte marítimo, fluvial ou lacustre. Por outro lado, quando forem utilizados os termos EXW, FCA, CPT, CIP, DAT, DAP e DDP, poderá ser aplicada qualquer modalidade de transporte.
A utilização dos INCOTERMS nas práticas comerciais, principalmente nas operações de exportação e importação inseridas no cada vez mais crescente fluxo internacional de bens e mercadorias, estabelecem direitos e obrigações entre as partes contratantes (exportador e importador), evidenciando-se assim sua grande importância no fluxo internacional do comércio da atual sociedade internacional.
Notas
(1) SOUZA, Claudio Luiz Gonçalves de. A Teoria Geral do Comércio Exterior.Belo Horizonte:Líder, 2003 pag. 121.
(2) ICC - International Commercial Chamber - INCOTERMS Publicação 2010.
Elaborado por:
Cláudio Luiz Gonçalves de Souza - Advogado. Pós-Graduado em Administração do Comércio Exterior, Metodologia do Ensino Superior. Mestre em Direito Empresarial
E-mail: claudiosouza@tcsb.com.br