quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

HABEAS DATA. DIREITO À INFORMAÇÃO. BANCO DE DADOS DA RECEITA FEDERAL. ACESSO. PUBLICIDADE. SIGILO.

 

EMENTA: HABEAS DATA. DIREITO À INFORMAÇÃO. BANCO DE DADOS DA RECEITA FEDERAL. ACESSO. PUBLICIDADE. SIGILO.

. O direito à informação, previsto na Constituição, não diz respeito a qualquer dado ou movimentação feita pela autoridade fiscal. Existem outras formas de conciliar os direitos do cidadão à informação pertinente à atuação dos agentes públicos sem que isso impeça o exercício do poder de polícia e de fiscalização inerentes ao poder público.

. Existe uma esfera de atuação interna ao órgão público que está fora do alcance da curiosidade alheia. O cidadão tem direito à informação, mas não pode com isso pretender que toda vez que um agente público tenha cogitado investigá-lo ou fiscalizá-lo houvesse de noticiar ao cidadão-contribuinte.

. Transformar as repartições públicas em algo escancarado à curiosidade externa acabaria por impedir qualquer atuação fiscal ou exercício de poder de polícia, na medida em que permitiria que o cidadão se dirigisse constantemente aos órgãos públicos para saber se está sendo alvo de alguma investigação e orientasse sua conduta para dificultar ou impedir essas fiscalizações.

. Ainda que se trate de serviço público e ainda que o cidadão tenha direito de acesso à informação, isso não se confunde com desnudar absolutamente o agente público de quaisquer possibilidades de realizar seu trabalho e previamente preparar o que lhe cabe.

 APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006227-26.2011.404.7003/PR

TRF da 4 Reg.

ATUAÇÃO FISCAL Fisco não precisa dizer quem acessou dados de contribuinte


Por Jomar Martins

 

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O direito à informação, previsto na Constituição, não diz respeito a qualquer dado ou movimentação feita pela autoridade fiscal. Existem outras formas de conciliar os direitos do cidadão à informação pertinente à atuação dos agentes públicos, sem que isso impeça o exercício do poder de polícia e de fiscalização inerente ao Poder Público.

 

Com a prevalência deste entendimento, a maioria dos integrantes da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou pedido de um empresário paranaense que queria saber quem e por que seus dados foram acessados na Receita Federal. O autor entrou com recurso na corte porque a ação foi julgada extinta no primeiro grau, por impossibilidade jurídica.

 

O desembargador Cândido Alfredo Silva Leal Junior, que capitaneou o voto vencedor, detalhou os motivos pelos quais não se alinhou com o entendimento do relator do caso na corte, que concedeu a ordem para que o fisco fornecesse as informações ao contribuinte.

 

Para ele, o direito à informação não é absoluto ou incondicionado, nem abrange qualquer dado ou movimentação. Do contrário, corre-se o risco de, em breve, se pretender que a autoridade fiscal decline de instaurar procedimento contra o contribuinte só porque pensou ou cogitou tal possibilidade.

 

Em segundo lugar, discorreu, é preciso considerar que existe uma esfera de atuação interna do órgão público que está fora do alcance da curiosidade alheia.

 

''Terceiro, porque transformar as repartições públicas em algo escancarado à curiosidade externa acabaria por impedir qualquer atuação fiscal ou exercício de poder de polícia. O cidadão estaria constantemente se dirigindo aos órgãos públicos, para saber se estava sendo alvo de alguma investigação, e orientaria sua conduta para dificultar ou impedir essas fiscalizações'', escreveu no acórdão.

 

Segundo o magistrado, atender o pleito do contribuinte, nestes termos, seria o mesmo que obrigar um desembargador a franquear acesso irrestrito dos advogados às minutas de decisões ou aos projetos-de-voto que estão em elaboração no seu gabinete.

 

''Seria como dizer que o advogado tem direito, antes da sessão de julgamento, de saber o que está pensando o desembargador ou os demais integrantes da turma julgadora, na elaboração e composição do voto que está examinando. Quais os livros consultou o desembargador? Qual pesquisa de jurisprudência fez seu assessor? Quais dúvidas tem o julgador? (...) Ainda que se trate de serviço público e ainda que o cidadão tenha direito de acesso à informação, isso não se confunde com desnudar absolutamente o agente público de quaisquer possibilidades de realizar seu trabalho e previamente preparar o que lhe cabe'', encerrou. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 17 de dezembro.

 

O caso

O autor, ligado ao ramo cartorário, foi à Justiça para obrigar a unidade da Receita Federal em Maringá (PR) a revelar quem e por que motivo acessou suas informações fiscais no período compreendido entre 1º de agosto de 2008 e 7 de junho de 2011. Exigiu saber nome, qualificação, endereço e local de trabalho. E mais: quer saber a pedido de quem cada acesso foi feito.

 

O delegado local informou que o Habeas Data — ação para tomar conhecimento de informações — não era cabível, já que os dados dos sistemas informatizados da Receita são de interesse apenas do órgão e de seu controle interno de atuação. Por consequência, pediu a extinção do processo sem resolução de mérito.

 

Ao analisar o mérito da ação, o juízo local, com apoio do parecer do Ministério Público Federal, entendeu que os dados geridos pela Receita Federal não são destinados ao conhecimento de terceiros, ressalvadas as hipóteses legais e restritas de relativização do sigilo fiscal.

 

''Ademais, o remédio constitucional [Habeas Data] deverá ser concedido se comprovado o uso abusivo de registros de dados pessoais, se coletados por meios fraudulentos ou se conservados com fins diversos dos autorizados por lei'', registrou a sentença.

 

Assim, por considerar ausente o interesse de agir e incabível o emprego de Habeas, o juízo julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Diz o dispositivo: ''quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual''. Desta decisão, o autor apelaou ao TRF-4.

 

Clique aqui para ler o acórdão.

 

 

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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.

 

Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de 2014

STJ: Ação penal por descaminho não depende de processo administrativo



"A configuração do crime de descaminho, por ser formal, independe da apuração administrativo-fiscal do valor do imposto iludido." Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de trancamento de ação penal que alegava não existir condição objetiva de punibilidade para o crime antes da conclusão do procedimento administrativo. 

No caso, o acusado foi surpreendido em seu carro, por policiais militares, com produtos irregularmente importados. Foi condenado pela prática de delito do artigo 334 do Código Penal com pena de um ano de reclusão, em regime inicial aberto, que foi substituída por uma restritiva de direitos – prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas. 

Contra essa sentença, a defesa interpôs apelação e o acórdão manteve o mesmo entendimento de que "a conclusão do processo administrativo não é condição de procedibilidade para a deflagração do processo-crime pela prática de delito do artigo 334 do Código Penal, tampouco a constituição definitiva do crédito tributário é, no caso, pressuposto ou condição objetiva de punibilidade". 

Natureza jurídica 

No STJ, o acusado mais uma vez insistiu no reconhecimento da atipicidade da conduta. Para ele, "a deflagração da persecução penal no delito de descaminho pressupõe o trânsito em julgado da decisão na esfera administrativa, somente após o que se poderá falar em ilícito tributário". 

A relatora, ministra Laurita Vaz, reconheceu a existência de precedentes da Quinta e da Sexta Turmas corroborando a tese do recurso, mas não acolheu a argumentação. Para ela, o fato de um dos bens jurídicos tutelados pelo crime de descaminho ser a arrecadação de tributos não leva à conclusão automática de que sua natureza jurídica seja a mesma do crime contra a ordem tributária. 

"O artigo 334 do Código Penal visa proteger, em primeiro plano, a integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país, como importante instrumento de política econômica. Engloba a própria estabilidade das atividades comerciais dentro do país, refletindo na balança comercial entre o Brasil e outros países", disse. 

Laurita Vaz ressaltou também que, no crime de descaminho, os artifícios para a frustração da atividade fiscalizadora estatal são mais amplos que na sonegação fiscal, podendo se referir tanto à utilização de documentos falsificados, quanto à utilização de rotas marginais e estradas clandestinas para fugir às barreiras alfandegárias. 

Crime formal 

"A exigência de lançamento tributário definitivo no crime de descaminho esvazia o próprio conteúdo do injusto penal, mostrando-se quase como que uma descriminalização por via hermenêutica, já que, segundo a legislação aduaneira e tributária, a regra nesses casos é a incidência da pena de perdimento da mercadoria, operação que tem por efeito jurídico justamente tornar insubsistente o fato gerador do tributo e, por conseguinte, impedir a apuração administrativa do valor devido", acrescentou a relatora. 

O entendimento foi unânime. Para a Quinta Turma, o crime do descaminho tem natureza formal e a indicação do valor que deixou de ser recolhido por meio de impostos não integra o tipo legal. 

REsp 1376031