domingo, 30 de agosto de 2015

Brasileiros com dinheiro/investimentos no exterior não declarados podem ser condenados por crime – TRF3


Foi publicado no dia 26 de junho o Decreto Legislativo nº 146/2015 que autoriza a troca de informações financeiras entre o Brasil e os Estados Unidos. Esse tema, aliás, já tinha sido abordado no post "EUA fornecerá informações à Receita do Brasil sobre bens e direitos de brasileiros naquele país".

A partir de agora, as instituições financeiras fornecerão à Receita Federal informações sobre norte-americanos no Brasil, que transmitirá para Internal Revenue Service – IRS, serviço de receita dos Estados Unidos. Por, outro lado, em vista do princípio da reciprocidade aplicável ao direito internacional (princípio que estabelece um cada país pode exigir de outro tratamento igual ao que recebe), o Brasil também será informado pelas autoridades tributárias norte-americanas sobre movimentações financeiras de brasileiros (pessoas físicas e jurídicas) em instituições financeiras dos Estados Unidos.

Assim, os brasileiros que têm conta no exterior, em especial nos Estados Unidos, e não informaram às autoridades brasileiras devem regularizar a situação, caso contrário poderão ter implicações não apenas tributárias, mas penais.

De fato, recentemente foi proferida uma decisão pelo Tribunal Regional da Terceira Região, aceitando a denúncia oferecida pelo Ministério Público, em um processo onde consta que um senhor subscreveu cotas de um fundo mútuo de investimento, sediado nas Ilhas Cayman, resgatando, posteriormente os valores sem declarar a operação à Secretaria da Receita Federal e ao Banco Central do Brasil.

Ao identificar o negócio, o Ministério Público denunciou o referido senhor como incurso nas sanções do art. 22, parágrafo único, segunda parte, da Lei n.º 7.492/86, que estabelece "quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente, deve ser apenado com reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa".

De acordo com o Ministério Público:

a) norma mencionada criminaliza "a manutenção de capitais brasileiros no exterior sem a devida declaração ao órgão de fiscalização competente, não apenas por intermédio da manutenção de moeda ou dinheiro em contas bancárias estrangeiras, mas também mediante a participação no capital de sociedades empresariais, títulos de renda fixa, ações, imóveis etc".

b) o art. 12, Seção III, da Instrução CVM n.º 409, não autoriza a transferência das cotas de não­-residentes do fundo mútuo de investimentos das Ilhas Cayman para clientes residentes no Brasil.

Ao julgar a questão, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, deu provimento ao recurso do Ministério Público. De acordo como relator, Desembargador Paulo Fontes "é preciso ter em mente que, no ordenamento pátrio, existem uma autarquia e um órgão do Ministério da Fazenda que exigem que as pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no país declarem a existência de depósitos mantidos no exterior: o Banco Central do Brasil ­- BACEN (art. 1º do Decreto­-lei nº 1.060, de 1969 c.c. Circular n.º 2.911, de 29.11.2001, c.c. Circular n.º 3.071, de 07.12.2001 e as que lhe sucederam) e a Secretaria da Receita Federal do Brasil ­ SRFB (art. 25, § 4º, da Lei n.º 9.250/95; arts. 798 e 804 do Decreto nº 3.000, de 08/04/2015).

O desembargador citou ainda os juristas José Carlos TÓRTIMA e Fernanda Lara TÓRTIMA, segundo os quais, "a manutenção de depósitos não declarados no exterior constitui crime de dupla ofensividade, porquanto ofende tanto o sistema tributário, como o sistema financeiro nacional. Em outras palavras tutela­-se, de igual modo, o patrimônio fiscal, haja vista a possibilidade de os depósitos em moeda estrangeira mantidos clandestinamente no exterior serem originários de recursos financeiros não efetivamente oferecidos à tributação, como também as reservas cambiais do País, aí compreendidos os recursos em moedas estrangeiras conversíveis, oficialmente em mãos de residentes no Brasil" (in Evasão de divisas, 3.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 15 e 41).

Em vista disso, foi dado provimento ao recurso do Ministério Público para receber a denúncia ofertada e para determinar o prosseguimento da ação penal.

Eis a ementa do julgado:

"EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. MANUTENÇÃO DE COTAS DE FUNDOS DE INVESTIMENTO NO EXTERIOR SEM DECLARAÇÃO ÀS AUTORIDADES COMPETENTES. CONDUTA, EM TESE, SUBSUMÍVEL AO TIPO PENAL DO ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, PARTE FINAL, DA LEI 7.492/86. PRESCRIÇÃO VIRTUAL OU ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. PATENTE O INTERESSE DE AGIR POR PARTE DA ACUSAÇÃO. RECURSO DO MPF PROVIDO. DENÚNCIA RECEBIDA. 1­ Segundo se extrai da denúncia, em 21.07.1997, o Recorrido subscreveu cotas do OPPORTUNITY FUND, sediado nas Ilhas Cayman, no valor de US$ 180.900,00, resgatando em 23.10.2003, a quantia de US$ 175.852,05. Consta da denúncia, ademais, que, de acordo com informações encaminhadas pela Receita Federal e pelo Banco Central, não constariam declarações de capitais brasileiros no exterior, no período de 1997 a 2003, em nome do Recorrido. 2­ Conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência, o tão só fato de o Recorrido não ter declarado as cotas do OPPORTUNITY FUND à Receita Federal já configuraria, em tese, o crime de evasão de divisas. 3­ Por sua vez, não é pacífico o entendimento de que as cotas do OPPORTUNITY FUND não poderiam ser consideradas equivalentes à manutenção de depósitos no exterior, haja vista que esse E. Tribunal, nos autos da Apelação Criminal n. º 0008025­20.2007.403.6181 manteve a condenação pelo crime de evasão de divisas justamente pelo fato de o réu naqueles autos ter mantido dinheiro aplicado em fundos no exterior não declarados às autoridades competentes. 4­ Finalmente, também a alegada falta justa causa para a ação penal diante da iminência da prescrição pela pena máxima abstratamente cominada ao delito não constitui óbice ao recebimento da denúncia, eis que o ordenamento jurídico pátrio repudia a denominada prescrição virtual ou prescrição antecipada. Outra, aliás, não é a conclusão que se depreende da Súmula n.º 438 do Superior Tribunal de Justiça. 5­ Recurso do MPF provido. Denúncia recebida".