Especialistas entrevistados pelo DCI afirmam que os países desenvolvidos impuseram às demais nações mudanças em regras que envolvem operações internacionais para poder elevar suas bases de arrecadação. E que isto deve afetar o empresariado, especialmente, com aumento dos custos para a adequação às novas normas, se aprovadas - problema já muito criticado no Brasil - e pela quebra da privacidade nos registros de lucros.
Em julho do ano passado, em reunião dos ministros do G20 (grupo dos 20 países com a maiores economias do mundo), foi apresentado o Plano de Ação do Base Erosion and Profit Shifting (BEPS Action Plan) para o combate à chamada erosão fiscal e o desvio de resultados de ganhos para jurisdições de baixa tributação - que é permitido legalmente.
O documento contém 15 medidas, recomendadas pelos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - o qual reúne os países mais industrializados e também alguns emergentes como México, Chile e Turquia -, que impedem multinacionais de adotar o planejamento tributário e buscar países com impostos mais baixos para lançar seus lucros, mesmo que boa parte desse ganho tenha sido conquistado em outro país.
De acordo com o professor Luís Eduardo Schoueri, titular de direito tributário da Universidade de São Paulo (USP), essas medidas surgiram após os países ricos, impactados pela crise financeira, observarem que havia uma perda de arrecadação tributária devido a essa prática de transferência ou translação de lucros das empresas transacionais.
"Com a crise financeira, os Estados [soberanos] descobrem que não tem dinheiro como deveriam ter porque os sistemas legais permitiam que empresas pagassem menos tributos", explicou ao DCI, após participar do evento WTS Alliance-Américas Dialogue, realizado ontem. "Eu, Inglaterra, esperava que a Starbucks, que obtém muito lucro aqui, pagasse imposto, mas quando vou verificar a declaração da empresa eu vejo que ela não recolheu porque, como é uma rede mundial, optou por lançar em outro país, por muitas razões, como por conta de incentivos fiscais", acrescentou, ao citar exemplo da divulgação de parlamentares do Reino Unido de que a rede de cafeterias não pagou nenhum imposto corporativo na Grã-Bretanha, apesar de ter gerado vendas de cerca de 400 milhões de libras (equivalente a US$ 630 milhões).
Polêmicas
O relatório tem potencial de transformar ainda as regras internacionais e nacionais de preço de transferência (TP) - termo utilizado para identificar os controles a que estão sujeitas as operações comerciais ou financeiras realizadas entre partes relacionadas, sediadas em diferentes jurisdições tributárias, ou quando uma das partes está sediada em paraíso fiscal -, além de solicitar dados das empresas, como a medida 12, que visa o desenvolvimento de orientações aos contribuintes para que noticiem seus planejamentos tributários "agressivos".
Para o professor da USP, um dos principais problemas dessas medidas é que afetam a privacidade das empresas, sem que exija uma contrapartida para que os governos também fiquem mais transparentes. "Esse plano impõe mais obrigações de contribuintes, de formulários, preenchimentos, uma invasão de privacidade sem limites, sem que o estado faça sua parte. No Brasil isso já existe e muito. Meu receio é de que, com esta mudança, a quebra da privacidade, que pode ser possível [neste País, por vias jurídicas] se a empresa sofrer alguma investigação, deixar de ser interesse público para ser interesse político", disse.
O advogado Fernando Zilveti, professor livre-docente da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda com Schoueri. "A quebra da privacidade se torna uma tendência para que o país aumente sua arrecadação. Acaba se perdendo a segurança jurídica", comentou também após participar do evento da WTS.
Porém, na opinião do professor da USP, há um lado positivo com essas mudanças que é a universalização dessas normas tributárias em operações internacionais. Por outro lado, Zilveti afirma que essa situação afetaria a soberania dos países para criar suas próprias leis. "O Brasil, assim como outros países emergentes, tem adotado uma postura mais adequada, quando não entra no jogo dos países ricos, que querem ainda dar as cartas. O Brasil não pode aceitar um tratado que beneficia somente os ricos [com aumento de arrecadação]. Apesar do atual governo de Dilma Rousseff aceitar mais o capital externo do que na gestão anterior, de Luiz Inácio Lula da Silva", entende.
Diário do Comércio e Indústria