Confira entrevista com a editora de Economia da DINHEIRO, Carla Jimenez
''Um passo histórico, ousado e moderno, que trará resultados para a produtividade de todos os setores da economia''. O trecho do informe publicitário, de página inteira, publicado na quinta-feira 4 pela Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), num jornal de São Paulo, deu o tom do entusiasmo da indústria de TI com o plano Brasil Maior, anunciado pela presidente Dilma Rousseff, dois dias antes. A indústria de tecnologia foi uma das contempladas pela série de medidas de apoio ao setor produtivo, que marcam a política industrial do governo Dilma. ''Eu nunca vi nada parecido com este pacote em 50 anos de trabalho. Isto vai transformar o País'', disse à DINHEIRO Antonio Carlos Rego Gil, presidente da Brasscom. Não faltam motivos para tanto entusiasmo.
As empresas de tecnologia já vinham celebrando duas resoluções do governo Dilma anunciadas anteriormente. A primeira, o programa de qualificação de estudantes de ensino médio, com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), em abril. Depois, a oferta de 75 mil bolsas de estudo no Exterior até 2014. Com o plano Brasil Maior, o setor é contemplado com a
desoneração da folha de pagamento, o que vai baratear a contratação da mão de obra das empresas, que representa 70% do custo das indústrias do setor. ''É uma revolução que vai permitir ao Brasil participar do processo de inovação de todos os segmentos'', disse Rego Gil. O mercado global de TI representa hoje US$ 1,5 trilhão de faturamento no mundo. ''Em 2020, serão US$ 3 trilhões, com todas as novas aplicações que ainda serão desenvolvidas no mundo, e o Brasil poderá ampliar sua participação global, passando de oitavo para quinto maior mercado do mundo em TI'', afirmou.
Ao apoiar as empresas tecnológicas, o pacote vai colaborar para fortalecer todos os setores da economia, uma vez que a tecnologia é uma das bases da inovação. Mas a política industrial da presidente Dilma mira, especificamente, outros segmentos, com as 35 medidas para estimular as exportações, incentivar os investimentos e a inovação, além de injetar ânimo nos setores mais afetados pelo câmbio valorizado (leia quadro mais abaixo). Mais do que um aceno positivo, o governo marcou posição pelo fortalecimento da indústria no País, numa resposta às críticas que tem sofrido em função do avanço dos importados no mercado. ''A indústria tem em mim uma aliada'', disse a presidente Dilma, durante a cerimônia de lançamento do Brasil Maior, em Brasília.
A presidente Dilma e o vice Michel Temer: No dia do anúncio do plano Brasil Maior, em Brasília,
a presidente caminha para a cerimônia que reuniu o setor público e o privado
A posição foi reforçada pelo ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. ''Um país desenvolvido é um país com indústrias fortes'', disse Pimentel. Com a implementação das medidas, que serão complementadas nos próximos meses com outras mudanças importantes, a presidente Dilma tem chances de fazer história e entrar para o panteão dos desenvolvimentistas - onde figuram nomes como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek (leia
aqui). Isso, se for bem-sucedida, ao contrário de muitos de seus antecessores nas últimas três décadas. Dilma começa bem e abre novas oportunidades de crescimento para indústrias de vários setores.
Uma das iniciativas mais celebradas do Brasil Maior foi a tão desejada desoneração da folha de pagamento. No início, ela alcançará quatro setores e poderá ser estendida a outros futuramente. Dentro de 90 dias, empresas de confecções, calçados, móveis e software deixarão de contribuir com os 20% do valor da folha para o INSS e passarão a recolher um pequeno percentual (1,5% e 2,5%) sobre o faturamento bruto. O anúncio foi bem recebido. ''São iniciativas muito positivas, e uma prova de que o governo está voltando a sua atenção para a situação da indústria, o que me anima muito'', diz
Milton Cardoso, presidente da Abicalçados.
Desoneração, até bem pouco tempo, era uma espécie de palavrão em Brasília, principalmente diante dos compromissos fiscais do governo. Porém, com a promessa assumida pela presidente de elevar de 18,4% para 22,4% do PIB a taxa de investimento até 2014, medidas do gênero se faziam mais do que necessárias. E não vieram sozinhas. Uma política de compras governamentais, pela qual o governo pode dar preferência a produtos nacionais até 25% mais caros que similares importados, também foi regulamentada, aumentando ainda mais as oportunidades para o setor privado. Com essa norma, empresas do setor de defesa, medicamentos, tecnologia, têxtil e calçados passarão a disputar a preferência em licitações públicas. Só o ministério de Defesa tem R$ 15 bilhões em caixa para fazer compras este ano. Ao todo, o governo gastará R$ 120 bilhões em compras para o Estado.
Fernando Pimentel, Ministro do Desenvolvimento: "Um país desenvolvido é um país com indústrias fortes"
O plano da presidente Dilma acenou também com novos incentivos para a indústria automotiva, até 2016, como a isenção do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) para as montadoras que investirem em inovação. O presidente da Anfavea, Cledorvino Belini, que representa as montadoras, celebrou o anúncio. ''É um pacote muito importante, principalmente por estimular a inovação'', disse Belini. ''É uma ferramenta para apoiar a indústria nacional num momento em que os importados estão invadindo a economia brasileira com o dólar barato'', afirmou. Por ironia do destino, foi exatamente a pressão do câmbio que acelerou o anúncio do pacote. A crescente perda de espaço do produto nacional para a concorrência dos importados, especialmente os chineses, fez o governo acelerar medidas que estavam sendo adiadas. ''Estamos sendo apropriados por mercadorias vindas de fora.
O mercado brasileiro deve ser usufruído pela indústria brasileira'', disse o ministro da Fazenda,
Guido Mantega, durante o lançamento do Brasil Maior. Seu discurso soou como música para os ouvidos de muitos empresários que esperavam, há anos, uma postura mais flexível de Mantega em torno da desoneração, que implica em renúncia fiscal. Depois de incentivar a indústria com a política anticíclica durante a crise global de 2008 e 2009, Mantega fez as vezes de guardião das contas públicas para manter o necessário equilíbrio fiscal. Agora que a economia cresce a taxas sustentáveis em torno de 5% ao ano e a inflação está sob controle, é hora de ousar um pouco mais. Foi o que foi feito. A Fazenda arcará com uma conta de R$ 24,5 bilhões em renúncias fiscais, até o fim de 2012, para colocar o Brasil Maior na rua.
Nessa conta, estão os planos de estímulo ao investimento e a expansão da carteira de crédito à inovação. Para compensar parte das perdas de receita, o governo acena com a elevação de tributos de outros produtos, como os cigarros. O BNDES, por outro lado, reforçou o compromisso de direcionar R$ 500 bilhões em crédito para investimento e capital de giro a empresas intensivas em conhecimento, até 2014, ao mesmo tempo em que ampliou também o caixa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), este ano, com mais R$ 2 bilhões, para patrocinar novos projetos voltados à inovação. O governo estendeu também os benefícios do Programa de Sustentação de Investimento (PSI), que garante juros subsidiados do BNDES para a compra de bens de capital. Manterá, também, o IPI reduzido de máquinas, até 2012, para incentivar a indústria nacional.
Mesmo insuficiente para corrigir todas as distorções da guerra cambial, dos juros altos e do custo Brasil, a política anunciada mostrou a disposição do governo de agir e colocar a indústria no centro do debate novamente. Diversas medidas, por exemplo, já haviam sido ensaiadas no final do governo Lula, como a devolução rápida de créditos acumulados por exportadores - cerca de R$ 19 bilhões que a indústria exportadora tem para reaver. Mas incentivos do gênero eram barrados diante do compromisso com o superávit fiscal. O projeto Brasil Maior regulamentou essas normas para incentivar o setor exportador, o que é ''altamente positivo'', avalia o empresário
Jorge Gerdau, que lidera a Câmara de Gestão e Competitividade.
Ele reconhece que o pacote ainda é limitado, mas representa o início de uma jornada. ''O importante é que são medidas concretas'', disse Gerdau à DINHEIRO (leia entrevista ao final da matéria). Muitos líderes empresariais de renome, como ele, elogiaram as medidas. E, como sempre fazem, pediram mais. O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib),
Paulo Godoy, acredita que parte dos desafios enfrentados pela economia estão contemplados pelo novo plano. Mas ressalta a importância de o governo monitorar sua evolução, para fazer ajustes finos ao longo de sua execução. ''Teremos de verificar os impactos e fazer um acompanhamento permanente'', diz.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, por sua vez, vislumbra perspectivas otimistas. ''Temos uma sinalização muito correta: a redução do custo Brasil e do custo de investimento'', disse ele.
No dia do anúncio, a presidente Dilma procurou deixar claro que entendia a expectativa de seus interlocutores. ''Nós não temos a pretensão de ter, com essa medida, resolvido todos os problemas'', afirmou Dilma, diante de uma plateia de empresários no Palácio do Planalto. ''É o nosso primeiro passo para aumentar a competitividade do País.'' O processo para chegar ao acordo que moldou o Brasil Maior mostra que a presidente precisou ser firme para aparar as arestas entre os seus ministros. A divulgação da nova política industrial foi postergada diversas vezes desde maio, mês inicialmente previsto para o anúncio. O Ministério do Desenvolvimento (Mdic) defendia um pacote de incentivos com uma renúncia fiscal superior à conta final, enquanto a Fazenda defendia a cautela para preservar o esforço fiscal, condição essencial para a queda dos juros em longo prazo.
Guido Mantega, Ministro da Fazenda: "Estamos sendo apropriados por mercadorias vindas de fora.
O mercado brasileiro precisa ser usufruído por indústrias brasileiras."
Sob pressão dos empresários, o Mdic chegou a cogitar, em junho, anunciar o projeto a conta-gotas. Dilma vetou. Queria um programa à altura das promessas de campanha eleitoral que fizera para o setor produtivo, quando ainda era candidata. No café da manhã que ofereceu a representantes de sete associações industriais, na terça-feira, Dilma mostrou se tratar de uma política industrial ainda em construção. ''Este não é um pacote fechado'', disse. Ao final, o bom senso prevaleceu e o rumo foi traçado. Uma nova rodada de anúncios pode aumentar o otimismo da indústria no curto prazo. Este mês, devem ser anunciados incentivos para a indústria de semicondutores e para estimular a indústria nacional de equipamentos de telecomunicações, a reboque do Plano Nacional de Banda Larga.
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), ligada ao Mdic, também já iniciou estudos sobre a consolidação da cadeia produtiva de petróleo, que deve receber incentivos para nacionalizar a produção de insumos para a exploração do pré-sal. O Executivo quer aprovar, ainda, o novo Super Simples, regime especial de tributação para micro e pequenas empresas, este semestre no Congresso. Na preparação do plano, a pressão de setores afetados por importados suspeitamente baratos teve sucesso ao conseguir incluir no Brasil Maior medidas de combate à concorrência desleal praticada por fabricantes estrangeiros. Nove das 35 medidas do plano contemplam a defesa comercial, buscando torná-la mais robusta.
Prazos antes apontados como razão da ineficiência no combate à enxurrada de produtos de custo muito baixo foram enxugados. As investigações antidumping tiveram sua duração máxima reduzida de 15 para dez meses. E sanções, como a elevação do imposto de importação - o chamado direito provisório - poderão ser aplicadas 120 dias após a abertura de uma investigação. Pela regra anterior, esperava-se 240 dias. A cargo dessa tarefa, estarão 120 novos investigadores de comércio exterior que serão incorporados ao nanico quadro de 30 servidores. ''Em todos os países a situação é dramática por causa da entrada de produtos baratos'', disse o ministro Fernando Pimentel. Aqui, essa história com final triste pode mudar. As bases estão lançadas.
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Entrevista:
'Altamente positivo'
O empresário Jorge Gerdau, da Câmara de Gestão e Competitividade, diz que o câmbio ajudou o país a se posicionar a favor da indústria
Jorge Gerdau, da Câmara de Gestão: "Medidas concretas para setores que realmente precisavam"
O que o sr. achou das medidas do Brasil Maior?
O pacote é extremamente importante porque dá um posicionamento do governo sobre os fatores do custo Brasil e os limites da concorrência de importação e exportação.
O sr. acha que será suficiente?
Ainda temos o problema do dólar. Aquilo que está na nossa gestão, que são problemas de cumulatividade de impostos, problemas das alfândegas, dos impostos sobre imobilizado, são todos passos que o governo se posicionou com alguns setores. O importante é que são medidas concretas, com setores que realmente precisavam. É altamente positivo. Um produto importado não pode ter uma situação tributária melhor do que um produto fabricado no Brasil. A meta é essa.
Essas medidas já resolvem esse problema de competitividade ou são apenas o começo?
Nao, a caminhada ainda é longa.
O que o setor empresarial reivindica que o governo deveria fazer?
Não é o setor empresarial, o maior interessado é o País. Emprego, de qualidade. Nós precisamos nos perguntar: nós queremos um país com indústria, ou não? Existe um país desenvolvido sem indústria forte?
Este governo já respondeu a esta pergunta?
Está respondendo. Estes problemas existem há dez, 20 anos, mas o dólar está nos forçando a resolver. Às vezes a crise nos força a responder. O importante é ter começado. Demos o primeiro passo.
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Entrevista:
''Precisamos nos defender'', diz Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Bradesco
''O Plano Brasil Maior toca de forma concreta na blindagem da carga fiscal que incide sobre a folha de pagamento. É um sinalizador importantíssimo, não só para os setores diretamente envolvidos, mas para todas as empresas e trabalhadores do Brasil.
Em seu conjunto, as medidas na área industrial, conjugadas às de ordem cambial, revelam que o governo não está alienado em relação à sua importância na função de orientar, coordenar e defender o setor privado em momentos de relevância histórica, como a crise do mercado global que vivemos.
O Plano Brasil Maior abre um grande arco de incentivos à aceleração do desenvolvimento econômico do nosso país. A atual conjuntura mostra que precisamos nos defender, com os instrumentos modernos de que dispomos, inclusive na questão da competitividade das nossas empresas.
As medidas cambiais são fundamentais para criar uma nova expectativa. A de que o governo está atento e não ficará como mero espectador diante dos grandes desafios que temos pela frente.''
Colaboraram Denize Bacoccina e Hugo Cilo