O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute — à luz do art. 150, VI, a, e §§ 2º e 3º, da CF — se a imunidade tributária recíproca alcança, ou não, todas as atividades exercidas pela recorrente, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Na espécie, o recurso fora interposto de acórdão em que se limitara o colimado benefício aos serviços tipicamente postais mencionados no art. 9º da Lei 6.538/78. A Corte de origem entendera lícito ao município recorrido a cobrança de Imposto sobre Serviços - ISS relativamente àqueles não abarcados pelo monopólio concedido pela União — v. Informativo 628. O Min. Luiz Fux, em voto-vista, desproveu o recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Cezar Peluso, Presidente. Na linha do que já exposto pelo Min. Joaquim Barbosa, relator, acrescentou que não teriam sido objeto de maiores questionamentos a venda de títulos de capitalização, o recebimento de mensalidades de associações e sindicatos e de inscrições em vestibulares e concursos, os quais não caracterizariam serviço público. Aduziu que essas atividades seriam econômicas em sentido estrito e, por isso, subordinadas à regra prevista no art. 173, § 1º, II, da CF, que prevê a sujeição das empresas públicas ao regime jurídico-tributário próprio das empresas privadas. Destacou que, consoante julgados da Corte, o regime jurídico da ECT aproximar-se-ia ao das autarquias. De igual forma, aplicar-se-iam as restrições à imunidade recíproca constitucionalmente estabelecidas para as autarquias, de modo que os serviços desvinculados de suas finalidades essenciais, como os da situação em comento, não seriam alcançados pela aludida benesse. Ao destacar que a recorrente possuiria posição privilegiada no mercado, tendo em conta a sua condição de empresa pública, reiterou que eventual imunidade tributária concedida aos serviços prestados em regime de livre concorrência significaria vantagem competitiva em relação aos demais agentes do mercado, em afronta ao art. 173, § 2º, da CF. Rejeitou, ademais, o argumento de subsídio cruzado — desoneração tributária de atividades que custeariam o serviço postal —, haja vista que a incidência de tributação repercutiria no preço final dos serviços e produtos comercializados pela ECT, que não se regeriam pelos princípios da universalidade, da continuidade e da modicidade tarifária — mas sim pela dinâmica de formação de preços do mercado —, bem como essa extensão ofenderia a ratio essendi da imunidade recíproca, qual seja, a manutenção do equilíbrio federativo. Por fim, asseverou que, se mantido o subsídio cruzado, ele deveria se limitar aos tributos de competência da União, sob pena de impor aos demais entes federados o custeio de serviço público não incluído entre suas competências.
RE 601392/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.11.2011. (RE-601392)
O Min. Ricardo Lewandowski acrescentou que a jurisprudência do STF deveria ser revista em face da Medida Provisória 532/2011, cujo item 16 da exposição de motivos autoriza a ECT a adquirir participações societárias e a constituir subsidiárias para a execução de atividades compreendidas em seu objeto social e seu item 19 prevê, para a recorrente, a aplicação subsidiária da Lei 6.404/76, a qual dispõe sobre as sociedades por ações. Realçou, ainda, que a imprensa divulgara recentemente que a ECT caminharia no sentido de possuir banco próprio, de ingressar em serviços de telefonia móvel, de atuar no mercado digital e de participar de projeto de trem de alta velocidade. Atividades essas incompatíveis com o monopólio a ela atribuído. O Min. Marco Aurélio, ao acentuar o caráter polivalente da instituição, também considerou incabível a concessão do privilégio de não-recolhimento do ISS. O relator reafirmou necessário estabelecer a seguinte distinção: quando se tratar de serviço público, imunidade absoluta; quando envolvido o exercício de atividade privada, incidiriam as mesmas normas existentes para as empresas privadas, inclusive as tributárias. O Min. Cezar Peluso enfatizou ser opção político-constitucional do Estado a prestação de determinadas atividades em caráter exclusivo, como privilégio, independentemente de sua lucratividade. Assim, se a ECT se desviara do âmbito do serviço postal, o fizera sabendo que teria de se submeter às regras reservadas à iniciativa privada. Ademais, observou que o fato de pagar imposto, em igualdade de condições com outras empresas, não significaria entrave ou incompatibilidade com o regime de privilégio no seu setor específico.
RE 601392/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.11.2011. (RE-601392)
Em divergência, os Ministros Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello proveram o extraordinário. O primeiro registrou, de início, que a manutenção do correio aéreo nacional e dos serviços postais e telegráficos pela recorrente não poderia sofrer solução de continuidade, de modo a ser obrigatoriamente sustentada pelo Poder Público, ainda que lhe gere prejuízo. Além do mais, reputou possível a adoção de política tarifária de subsídios cruzados, porquanto os Correios realizariam também direitos fundamentais da pessoa humana — comunicação telegráfica e telefônica e o sigilo dessas comunicações —, em atendimento que alçaria todos os municípios brasileiros (integração nacional) com tarifas módicas. Assinalou que, na situação dos autos, a extensão do regime de imunidade tributária seria natural, haja vista que a recorrente seria longa manus da União, em exercício de atividade absolutamente necessária e mais importante do que a própria compostura jurídica ou a estrutura jurídico-formal da empresa. O Min. Gilmar Mendes, em reforço ao que referido, ressaltou que a base do monopólio da ECT estaria sofrendo esvaziamento, tornando-se ultrapassada, diante da evolução tecnológica. Ressurtiu que a recorrente, mesmo quando exercesse atividades fora do regime de privilégio, sujeitar-se-ia a condições decorrentes desse status, não extensíveis à iniciativa privada, a exemplo da exigência de prévia licitação e da realização de concurso público. Concluiu outrossim que, enquanto não houver a mudança preconizada na ADPF 46/DF (DJe de 26.2.2010), a imunidade recíproca aplicar-se-ia em relação ao ISS, sob pena de desorganização desse serviço, dado que os municípios o tributariam de modo distinto. Por fim, o Min. Celso de Mello assinalou que essas outras atividades existiriam para custear o desempenho daquela sob reserva constitucional de monopólio e que, se assim não fosse, frustrar-se-ia o objetivo do legislador de viabilizar a integração nacional e dar exeqüibilidade à fruição do direito básico de se comunicar com outras pessoas, com as instituições e de exercer direitos outros fundados na própria Constituição. Em arremate, frisou não haver comprometimento do status de empresa pública prestadora de serviços essenciais, sendo conditio sine qua non para a viabilidade de um serviço postal contínuo, universal e de preços módicos. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
RE 601392/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 16.11.2011. (RE-601392)