terça-feira, 21 de junho de 2011

Liberação de Mercadorias condicionada ao Pagamento de suposta diferença de Tributos

 

 

*Por Felippe Alexandre Ramos Breda

 

 

Comumente questiona-se a obrigação do importador em retificar a Declaração de Importação para corrigir a descrição do bem, em caso de Ex-tarifário, que implique em necessidade de recolhimento da diferença de tributos pela descaracterização da posição destacada em "EX".

 

No mesmo exemplo, a exigência de retificação que determina a correção da Classificação Fiscal sugerida, em situações das quais a posição tarifária adotada pelo contribuinte é exonerativa da carga aduaneira.

 

O relevante nas situações acima é a necessidade de pagamento da diferença de tributos que, ao entender da fiscalização, é devida. É dizer, para fins de liberação das mercadorias, condiciona-se o desembaraço ao pagamento de tributos.

 

                   Sustenta-se a exigência de pagamento da diferença de tributos como daquelas atinentes ao controle aduaneiro que, ao caso, refere-se à obrigação relativa ao crédito tributário.

 

                   Contudo, lembre-se que os tributos aduaneiros sujeitam-se ao lançamento por homologação. A Declaração de Importação faz prova dessa assertiva, já que, por meio desta, o contribuinte informa todos os aspectos da relação tributária derivados do fato importar bens (material, espacial, temporal, sujeição e quantitativo (Base de Cálculo e Alíquota)).

 

                   Na medida em que se atribui ao contribuinte esse dever, verdadeiro marco entre a decadência e prescrição dos tributos aduaneiros, eventual divergência quanto ao crédito tributário, entre fisco e contribuinte, não pode ser impeditiva ao desembaraço; tampouco caracterizadora de retenção ou apreensão com vistas à pena de perdimento.

 

                   O art. 570, do Regulamento Aduaneiro (Dec. 6.759/09), determina que, verificada, durante a conferência aduaneira, ocorrência que impeça o prosseguimento do despacho, este terá seu curso interrompido, após o registro da exigência correspondente.

 

                   Na hipótese de a exigência referir-se a crédito tributário, o importador poderá efetuar o pagamento correspondente, independentemente de processo (art. 570, § 2º, do Decreto em comento).

 

Por outro lado, havendo manifestação de inconformidade (impugnação), por parte do importador, em relação à exigência de que trata o § 2º, do art. 510, a fiscalização aduaneira deverá efetuar o respectivo lançamento (art. 570, § 3), na forma prevista pelo Decreto nº 70.235/72 (art. 768, do RA).

 

Assim, ainda que o § 4º do artigo 570 (RA) determine ser exigível o depósito ou o pagamento de quaisquer ônus financeiros ou cambiais ou o cumprimento de obrigações semelhantes, interrompendo-se o despacho até a satisfação da exigência, por óbvio que esta não se refere àquela constituída na forma do § 3º do art. 570.

 

                   Isto porque, a cobrança do crédito tributário de que trata o art. 768 (RA) demanda o respectivo processo fiscal traçado pelo Dec. 70.235/72, que não prevê o pagamento ou depósito da quantia exigida, na medida em que a impugnação ofertada pelo contribuinte instaura a fase litigiosa (art.14, do Dec. 70.235/72) e é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III, do CTN).

 

                   Assim, ainda que a questão se resuma em cobrança da diferença de eventual crédito tributário aduaneiro, obstar-se o desembaraço e/a liberação de bens, ao argumento do pagamento, seja em posição destacada em "Ex" ou com classificação fiscal exonerativa, é impróprio.

 

 

* Felippe Breda é Advogado, consultor e professor, especialista em Direito Tributário e Aduaneiro, professor do Curso de Pós-Graduação (Lato Sensu) da PUC/SP, gerente jurídico da área Aduaneira do Emerenciano, Baggio & Advogados – Associados

 

 

ISS dos planos de saúde incide sobre valor líquido

O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) cobrado dos planos de saúde deve incidir somente sobre o valor líquido recebido pelas empresas, e não sobre o montante repassado aos médicos, hospitais, laboratórios e outros prestadores de serviços cobertos pelos planos. Essa foi a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

A decisão aconteceu depois que a 2ª Turma do STJ negou Recurso Especial da cidade de Caxias do Sul (RS) contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O município alegou que a base do cálculo do ISS pago por planos de saúde era o preço mensal pago pelos usuários, sem desconto. Os representantes da cidade apresentaram diferentes decisões do STJ para ilustrar divergência jurisprudencial da corte.

No entanto, segundo o relator do caso no STJ, ministro Mauro Campbell Marques, o ISS deve ser cobrado sobre o valor líquido, excluindo-se o bruto pago pelos associados. Marques salientou que qualquer decisão que diga algo diferente disso, traz jurisprudência antiga, já superada pela corte. A decisão foi unânime. As informações são da Assessoria de Imprensa do STJ.

Resp 1137234
STJ

Imunidade sobre contribuição para o PIS será analisada pelo Supremo


O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional contida em Recurso Extraordinário (RE 636941) sobre imunidade referente a contribuições destinadas à Seguridade Social. O recurso foi interposto pela União contra ato do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A questão discutida neste RE versa sobre a imunidade tributária das entidades filantrópicas em relação ao Programa de Integração Social (PIS). A autora alega que a contribuição para o PIS não é alcançada pela imunidade prevista no parágrafo 7º do artigo 195 da Constituição Federal.

A União sustenta que o tema transcende os limites subjetivos da causa, tendo em vista que é capaz de se reproduzir em inúmeros processos, "além de envolver matéria de relevante cunho político e jurídico, de modo que sua decisão produzirá inevitável repercussão de ordem geral".

O relator do recurso, ministro Cezar Peluso, negou provimento ao RE e ficou vencido juntamente com os ministros Dias Toffoli, Celso de Mello e Luiz Fux. Peluso ressaltou que o Supremo possui jurisprudência consolidada no sentido de que as entidades filantrópicas fazem jus à imunidade sobre a contribuição para o PIS, desde que atendam às exigências estabelecidas na Lei 8.212/91. Neste sentido, confiram-se os REs 593522 e 570773.

No entanto, no mérito, por maioria dos votos, o Tribunal não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, que será submetida, posteriormente, a julgamento pelo Plenário do Supremo.

RE 636941
 

íntegra do Acórdão do STF que negou direito do fisco ao acesso a dados bancários de contribuinte

 

Íntegra do Acórdão no RE 389.808/PR

 

 

Recurso Extraordinário 389.808 Paraná

Relator: Min. Marco Aurélio

Recte.(s): G.V.A. S/A

Recdo.(a/s): União

 

SIGILO DE DADOS - AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção - a quebra do sigilo - submetida ao crivo de órgão equidistante - o Judiciário - e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal.

 

SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS - RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal -parte na relação jurídico-tributária - o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.

 

Brasília, 15 de dezembro de 2010.

 

 


RELATÓRIO

 

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - O Tribunal Regional Federal da 4a Região negou acolhida a pedido formulado em apelação, ante os fundamentos assim sintetizados (folha 147):

 

TRIBUTÁRIO. REPASSE DE DADOS RELATIVOS À CPMF PARA FINS DE FISCALIZAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. SIGILO BANCÁRIO.

 

O acesso da autoridade fiscal a dados relativos à movimentação financeira dos contribuintes, no bojo de procedimento fiscal regularmente instaurado, não afronta, a priori, os direitos e garantias individuais de inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas e de inviolabilidade do sigilo de dados, assegurados no art. 5o, incisos X e XII, da CF/88, conforme entendimento sedimentado no tribunal.

 

No plano infraconstitucional, a legislação prevê o repasse de informações relativas a operações bancárias pela instituição financeira à autoridade fazendária, bem como a possibilidade de utilização dessas informações para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a imposto e contribuições e para lançamento do crédito tributário porventura existente (Lei 8.021/90, Lei 9.311/96, Lei 10.174/2001, Lei complementar ns 105/2001).

 

As disposições da Lei 10.174/2001 relativas à utilização das informações da CPMF para fins de instauração de procedimento fiscal relacionado a outros tributos não se restringem a fatos geradores ocorridos posteriormente à edição da lei, pois, nos termos do art. 144, § Io, do CTN, aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas. Apelação desprovida.

 

No recurso extraordinário de folha 161 a 179, interposto com alegada base na alínea "a" do permissivo constitucional, a GVA Indústria e Comércio S.A. articula com a transgressão aos incisos X e XII do artigo 5a da Carta da República e alude à jurisprudência das últimas décadas, em sentido contrário à posição adotada no acórdão impugnado. Assevera que a "inviolabilidade das garantias individuais constitucionalmente asseguradas constitui um dos núcleos básicos em que se desenvolve, em nosso País, o regime das liberdades públicas" (folha 166). Sustenta que, apesar de tais garantias, até mesmo às relativas à intimidade e ao sigilo de dados, não serem absolutas, o afastamento destas, em situações excepcionais, não prescinde de autorização judicial. Nesse passo, salienta que "não se apresenta possível e legítima a outorga de poder a qualquer órgão estatal da República, para que passe a desempenhar atribuição exclusiva do Poder judiciário, sob pena, inclusive, de violação aos princípios do juiz natural, do duplo grau de jurisdição, da independência e autonomia dos poderes e da inafastabilidade do controle jurisdicional" (folha 169).

 

A União, nas contrarrazões de folha 182 a 205, discorre sobre a harmonia da Lei nº. 10.174/2001 com a Constituição Federal.

 

O  procedimento  atinente  ao juízo  primeiro  de  admissibilidade encontra-se à folha 207.

 

Em 5 de julho de 2003, deferi a liminar postulada na Ação Cautelar ng 33-5. O inteiro teor do ato é o seguinte (folhas 212 e 213):

 

JURISDIÇÃO - PODER DE CAUTELA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO EFICÁCIA SUSPENSIVA - LIMINAR -SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS -AFASTAMENTO - RISCO - ARTIGO 6» DA LEI COMPLEMENTAR N° 105/2001 -ARTIGOS 4o E 5a DO DECRETO N» 3.724/2001 - CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA - AÇÃO CAUTELAR -LIMINAR DEFERIDA.

 

1. Esta ação cautelar visa a imprimir efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto e distribuído - Recurso Extraordinário n- 389.808. Chega a esta Corte o tema relativo à quebra do sigilo bancário pelo Fisco, a merecer reflexão maior ante o inciso XII do artigo 5S da Constituição Federal, no que revela como regra a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, contemplando exceção condicionada a ordem judicial. Há de se preservar campo propício a possível decisão favorável à requerente e, portanto, ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal como guarda da Carta da República. Quebrado o sigilo por iniciativa do Fisco, parte na relação obrigacional tributária, e conhecido e provido o extraordinário, ter-se-á a ineficácia do provimento jurisdicional. Por isso, surge quadro de excepcionalidade maior a direcionar ao empréstimo de terceiro efeito recursal. Aos efeitos de empecer a coisa julgada (José Carlos Barbosa Moreira) e devolutivo, tudo recomenda que se adite o da suspensão de eficácia do acórdão proferido, procedendo-se de forma ativa, ou seja, para afastar a quebra do sigilo, no que desprovida de ordem judicial.

 

2.  Defiro a liminar pleiteada, obstaculizando, até a decisão final   do   extraordinário,   o fornecimento   de   informações bancárias da requerente à Receita.

 

3.  Dê-se ciência desta decisão à União, citando-a para o conhecimento   da   ação  proposta.   Caso  já   tenha   havido   o fornecimento das informações bancárias, observe-se o sigilo,
congelando-se a obtenção dos dados,  que não  poderão  ser acionados para os efeitos pretendidos.

 

4.   Encaminhe-se,   por  fac-símile,   o   inteiro   teor   desta decisão   à   União   e   à   Receita   Federal,   sem   prejuízo   da pessoalidade    imposta    por    lei.    Imprima-se urgência    na degravação e revisão desta decisão.

 

5.  Junte-se cópia deste ato ao processo em que interposto o
Recurso Extraordinário ne 389.808/PR.

 

6.  Publique-se.

Em 24 de novembro de 2010, por uma votação apertada de seis votos a quatro - vencidos os Ministros Cezar Peluso, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e eu próprio -, o Tribunal negou referendo à medida acauteladora.

 

A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 224 a 229, preconiza o desprovimento do recurso.

E o relatório.

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Na interposição deste recurso, foram observados os pressupostos gerais de recorribilidade. Os documentos de folhas 26 e 110 revelam a regularidade da representação processual e do preparo. Quanto à manifestação do inconformismo, respeitou-se o prazo de quinze dias assinado em lei.

 

É sempre oportuno atentar para os princípios consagrados na Carta Maior. A República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana - artigo 1º, inciso III -, estando as relações internacionais norteadas pela prevalência dos direitos humanos - artigo 4Q, inciso II. A vida gregária pressupõe segurança - artigos 5Ü e 6tt -, pressupõe estabilidade, e não a surpresa. No rol das garantias constitucionais de que desfrutam brasileiros e estrangeiros residentes no país, figura a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas -inciso XII. O acesso ao Judiciário consta desse mesmo rol, visando a afastar lesão ou ameaça de lesão a direito - inciso XXXV. Por isso mesmo consubstancia tipo penal fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permita - artigo 345 do Código Penal. A referência a lei, a encerrar observância do princípio da legalidade, medula em um Estado que se diga Democrático de Direito, remete à necessária harmonia com o texto constitucional.

 

Relativamente à inviolabilidade referida, a Constituição Federal prevê exceções. A primeira faz-se ao mundo jurídico considerado o primado do Judiciário. A este, mediante ato fundamentado, nas hipóteses e forma contempladas em lei, é dado afastá-la e, mesmo assim, com finalidade única, ou seja, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Muito embora do preceito conste a exceção quanto às comunicações telefônicas, a sedimentada jurisprudência revela poder a ordem judicial alcançar o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e de dados - Habeas Corpus nQ 70.814/SP, da relatoria do Ministro Celso de Mello, e o Recurso Extraordinário 418.416/SC, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, cujos acórdãos foram publicados no Diário da Justiça de 24 de junho de 1994 e de 19 de dezembro de 2006, respectivamente.

 

Nota-se, ante remissão contida no artigo 58, § 3S, da Lei Maior, que as comissões parlamentares de inquérito atuam com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. Em síntese, a regra é assegurar a privacidade das correspondências bem como das comunicações telegráficas de dados e telefônicas, correndo à conta de exceção a possibilidade de ser mitigada por ordem judicial para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Já aqui surge a conclusão sobre a inviabilidade de estender-se a exceção, quando se tratar de outras finalidades que não a ligada à investigação criminal ou à instrução processual penal. A razão do preceito mostra-se única -resguardar o cidadão de atos extravagantes que possam, de alguma forma, alcançá-lo na dignidade. Então, apenas se permite o afastamento do sigilo mediante ato de órgão equidistante, mediante ato do Estado-juiz, que não figura em relação jurídica a envolver interesses, e, mesmo assim, para efeito de persecução criminal.

 

Idêntica premissa pode ser assentada quanto às comissões parlamentares de inquérito. Em tal sentido tem sido a jurisprudência do Supremo. E certo que, no Mandado de Segurança n° 21.729-4, do qual fui relator, sendo designado para redigir o acórdão o Ministro Néri da Silveira, abriu-se uma exceção, relativa à atuação direta do Procurador-Geral da República no tocante a investigação concernente a verbas públicas. Proclamou-se, então, em 1995: "Não cabe ao Banco do Brasil negar ao Ministério Público informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público".

 

Admitiu-se a primeira exceção estranha ao texto constitucional. Na oportunidade, manifestei entendimento contrário, sendo acompanhado pelos Ministros Maurício Corrêa, Celso de Mello, limar Galvão e Carlos Velloso. Potencializou-se, a meu ver, a mais não poder - e por seis votos a cinco, por maioria de apenas um voto, como ocorreu na surpreendente cassação da liminar neste caso, seis a quatro, conforme consignado no relatório -, o que seria não o interesse público primário, mas o secundário quanto às verbas envolvidas na espécie. De qualquer forma, ficou delimitado o acesso direto proporcionado ao Procurador-Geral da República, fiscal da lei e titular exclusivo da ação penal pública perante o Supremo, que não se confunde com a Receita Federal. Esta é parte na relação jurídico-tributária, surgindo o interesse fiscal-arrecadador. Restringiu-se o acesso à movimentação de verbas públicas.

 

Em 26 de setembro de 2001, o Tribunal, no julgamento do Mandado de Segurança nB 23.851/DF, examinou situação jurídica em que a quebra de sigilo viria a decorrer, se admitida, de ato de comissão parlamentar de inquérito. Ressaltou o relator, Ministro Celso de Mello, que a medida não pode ser utilizada como instrumento de devassa indiscriminada, sob pena de ofensa à garantia constitucional da intimidade:

 

A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontre apoio concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do ato estatal que a decreta.

 

A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa -quando ausente a hipótese configuradora de causa provável -revela-se incompatível com o modelo consagrado na constituição da república, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes, não fosse assim, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada, que daria, ao Estado - não obstante a ausência de quaisquer indícios concretos - o poder de vasculhar registros sigilosos alheios, em ordem    a    viabilizar,    mediante    a    ilícita    utilização    do procedimento de devassa indiscriminada (que nem mesmo o judiciário pode ordenar), o acesso a dado supostamente impregnado de relevo jurídico-probatório, em função dos elementos informativos que viessem a ser eventualmente descobertos.

 

A fundamentação da quebra de sigilo há de ser contemporânea à própria deliberação legislativa que a decreta.

 

A exigência de motivação - que há de ser contemporânea ao ato da Comissão Parlamentar de Inquérito que ordena a quebra de sigilo - qualifica-se como pressuposto de validade jurídica da própria deliberação emanada desse órgão de investigação legislativa, não podendo ser por este suprida, em momento ulterior, quando da prestação de informações em sede mandamental.

 

Somei o meu voto ao do relator e o entendimento mostrou-se unânime.

 

Voltou o Plenário a enfrentar a matéria quando do julgamento do Mandado de Segurança nQ 22.801-6, impetrado pelo Banco Central do Brasil e por Gustavo Jorge Laboissière Loyola contra ato do Tribunal de Contas da União. O saudoso Ministro Menezes Direito, relator, fez ver, em 17 de dezembro de 2007, que a Lei Complementar nQ 105, de 10 de janeiro de 2001, não conferiu ao Tribunal de Contas da União - órgão que não guarda a qualidade de parte, mas a natureza fiscalizatória relativamente ao interesse público - o poder de determinar a quebra do sigilo bancário e de dados constantes do Banco Central do Brasil. Mais uma vez, o pronunciamento foi unânime.

 

Este Colegiado, em 27 de agosto de 2009, apreciando a Petição n° 3.898, do então momentoso caso Francenildo, ressaltou a eficácia constitucional do sigilo bancário. O relator, Ministro Gilmar Mendes, na ementa elaborada, consignou que:

 

(...)

 

5.  O Ministro da Fazenda e seu assessor de imprensa não figuram dentre os agentes integrantes da cadeia de pessoas autorizadas,    em   lei   ou   regulamento,    a    conhecer,    por transferência, dados cobertos pelo sigilo bancário.

 

6.  Existência de base empírica para a configuração de justa causa para a ação penal em relação ao então Presidente da Caixa Econômica Federal. Embora tendo a posse legítima de
informações acobertadas pelo sigilo bancário, o denunciado as revelou indevidamente ao então Ministro da Fazenda, pessoa não autorizada a conhecê-las.

 

(...)

 

8. Denúncia rejeitada em relação ao ex-Ministro da Fazenda e assessor de imprensa do mesmo Ministério e recebida quanto ao então Presidente da Caixa Econômica Federal.

 

Ficou assentado que nem mesmo o Ministro de Estado da Fazenda poderia ter acesso a dados bancários de certo cidadão - individualizado -existentes na Caixa Econômica Federal. Vê-se que, apesar desse pronunciamento, no caso ora analisado, o Tribunal de origem, olvidando a reserva ao Judiciário prevista na Constituição Federal, placitou esse acesso por um órgão subordinado ao citado Ministério, ou seja, a Receita Federal.

 

A Primeira Turma do Supremo também teve a oportunidade de examinar o tema presente a atuação não cobradora, como ocorre com a Receita, fiscalista por excelência, mas fiscalizadora do Banco Central. Em 3 de agosto de 2007, julgando o Recurso Extraordinário nc 461.366-2/DF, de minha relataria, fez ver:

 

SIGILO DE DADOS - ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL - AFASTAMENTO - INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5S da Constituição Federal.

 

Na ocasião, reconheço, ficaram vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Presidente, e Carlos Ayres Britto.

 

As questões envolvidas na espécie são muitas. A primeira delas diz respeito à rigidez, a acarretar a supremacia, da Constituição Federal. Ato normativo abstrato autônomo há de respeitar o que nela se contém.

 

O segundo aspecto tem ligação com o primado do Judiciário. Não se pode transferir a atuação deste, reservada com exclusividade por cláusula constitucional, a outros órgãos, sejam da administração federal, sejam da estadual, sejam da municipal. Vale notar que, nesses dois últimos patamares, também existem entidades cujo objeto, cuja destinação, assemelha-se à da Receita Federal. Admitindo-se que a Receita Federal pode ter acesso direto, por que meio for, a dados bancários de certo cidadão, dever-se-á caminhar no mesmo sentido, por coerência sistêmica, para dar idêntico poder às Receitas estadual e municipal.

 

A terceira questão a ser considerada concerne à denominada prerrogativa de foro. Detendo-a o cidadão, só pode ter o sigilo afastado ante a atuação, fundamentada, do órgão Judiciário competente, mas, até aqui, segundo o acórdão impugnado mediante este extraordinário, ombreiam, em despropósito insuplantável, o Judiciário e a Receita Federal. Em síntese: ainda que o correntista goze da prerrogativa de ser julgado criminalmente pelo Supremo, este sim autorizado constitucionalmente a quebrar-lhe o sigilo de dados bancários, a Receita poderá fazê-lo não para efeitos criminais, mas de cobrança de tributos, fato que revelará verdadeira coação política na cobrança de tributos, a contrariar jurisprudência sedimentada - Verbetes nQ 70, n° 323 e nQ 547 cia Súmula do Supremo:

 

VERBETE N° 70

É INADMISSÍVEL A INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMO MEIO COERCITIVO PARA COBRANÇA DE TRIBUTO.

 

VERBETE Nº 323

É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS.

 

VERBETE N° 547

NÃO É LÍCITO À AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM DÉBITO ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE MERCADORIAS NAS ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS.

 

O passo banaliza o que a Constituição Federal quer protegido - a privacidade do cidadão, irmã gêmea da dignidade a ele assegurada mediante princípios explícitos e implícitos.

 

Assentando que preceitos legais atinentes ao sigilo de dados bancários hão de merecer, sempre e sempre, interpretação, por mais que se potencialize o objetivo, harmônica com a Carta da República, provejo o recurso extraordinário interposto para conceder a segurança. Defiro a ordem para afastar a possibilidade de a Receita Federal ter acesso direto aos dados bancários da recorrente. Com isso, confiro à legislação de regência - Lei n° 9.311/96, Lei Complementar n° 105/01 e Decreto n° 3.724/01 - interpretação conforme à Carta Federal, tendo como conflitante com esta a que implique afastamento do sigilo bancário do cidadão, da pessoa natural ou da jurídica, sem ordem emanada do Judiciário.

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:

Senhor Presidente, vou pedir vênia ao eminente Relator para, na linha de como já votei ao julgar a Ação Cautelar nº 33, negar provimento ao recurso extraordinário. E o faço pelos seguintes fundamentos, que agrego àquele voto anteriormente dado quando da análise cautelar.

 

O fundamento do extraordinário é o artigo 5e, incisos X e XI, da Constituição: a inviolabilidade e a intimidade da vida privada, da honra, da imagem e a inviolabilidade do sigilo e dos dados.

 

Mas vou ao art. 145 da Constituição, dispositivo originariamente promulgado em conjunto com aqueles dos incisos X e XII do artigo 5º.

 

O § 1º do artigo 145 dispõe, em síntese, que a administração tributária poderá "identificar, respeitados os direitos e garantias individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

 

E temos a lei. E a lei está a respeitar - depois vou desenvolver os dispositivos legais - os direitos e garantias individuais? Digo que está, exatamente quando ela criminaliza a quebra. Aqui, no caso em julgamento, não há que se falar de quebra de sigilo, há que se falar de transferência do dever de manter o sigilo, porque a quebra é crime, é ilícito.

 

Destaco, também, Senhor Presidente, que a Constituição muito sabiamente distingue acesso a patrimônio e rendimentos e atividades econômicas.

 

Qual o conjunto maior de patrimônio que temos, todos os cidadãos? Nossos bens, os quais nós somos compelidos a declarar ao Estado brasileiro, à Secretaria da Receita Federal do Brasil, por obrigação legal; não por ordem judicial.

 

A Receita Federal já detém o conjunto maior, que corresponde à declaração   do   conjunto   total  de   nossos  bens.   No   nosso   caso,essa obrigação anual se dá por força de lei, ex leges, não por força de decisão judicial. Se esse não fosse o caso, a Receita Federal teria, todo ano, de acionar o Judiciário para que ele compelisse os cidadãos brasileiros a apresentar anualmente a sua declaração de bens, declaração do patrimônio total de bens. Esse é o conjunto maior; a atividade econômica, que é a movimentação bancária, é o conjunto menor.

 

Se a Receita Federal tem acesso ao conjunto maior, como ela não pode ter acesso ao conjunto menor? E o § Ia do artigo 145 muito sabiamente ressalvou: "identificar, respeitados os direitos individuais (...)". Ora, data vênia, a lei respeita; e penaliza a administração pública se o ilícito ocorreu por ordem superior, se houve conivência. Lerei, novamente, os dispositivos. "[A administração poderá] identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas (...)". O que estamos a dizer sobre a atividade econômica, a movimentação bancária? Que é lícita a identificação, conforme o § ls do artigo 145 da Constituição Federal. Por quê? Porque a lei que regra o dispositivo... e aqui vou além, vou aos artigos 10 e 11 a Lei Complementar ns 105.

 

Diz o artigo 10:

 

"Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar (...)"

 

A Lei comete um ato falho, porque ela fala em quebra de sigilo. Na verdade, aqui, quando se fala em quebra, quer-se dizer transferência do dever de sigilo.

 

"Art. 10. A quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.         ?

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem omitir, retardar    injustíficadamente    ou    prestar    falsamente     as informações requeridas nos termos desta Lei Complementar. Art. 11. O servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata essa Lei Complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública" - ou seja, no caso, o Estado - "quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial."

 

Digo eu, e disse isso na cautelar, se houve uma orientação oficial, o ente público será também responsabilizado. Pois bem, nesse sentido o meu entendimento é que aqui não se trata de quebra de sigilo. Trata-se, na verdade, de uma transferência de dados sigilosos de um portador desse dado que tem o dever de sigilo para um outro portador que manterá a obrigação desse sigilo. Se não o mantiver, cometerá crime e será responsabilizado.

 

A eventual divulgação desses dados dará azo a que incida o tipo penal e permitirá, inclusive, a responsabilização civil e administrativa do infrator; enfim, todas as responsabilizações decorrentes de lei.

 

Também reforço, aqui, Senhor Presidente, aquilo que já havia dito por ocasião do julgamento da cautelar: não há que se considerar que um gerente de uma instituição privada, um caixa de um banco privado, seja mais responsável do que um auditor fiscal da receita federal do Brasil, que tem todas as responsabilizações e pode perder o seu cargo se descumprir a lei. A maioria dos brasileiros faz movimentação bancária em bancos privados, com caixas de banco, funcionários de bancos, escriturados de bancos, gerentes de bancos tendo acesso total a essas movimentações. Todos com o dever de sigilo. O auditor da receita federal não tem responsabilidade? Tanto o caixa de banco que quebre o sigilo será penalizado quanto o auditor da Receita Federal do Brasil se o fizer.

 

Por todas essas razões, Senhor Presidente, e verificando que há previsão constitucional e que a lei que regrou a transferência respeita os direitos e garantias fundamentais, tudo nos termos do § 1º do artigo-145 da Constituição e da legislação que regulamenta essa transferência, criminalizando a quebra, eu nego provimento ao recurso, com as vênias ao eminente Ministro Relator.

 

 

VOTO

 

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente, também peço vênia ao eminente Ministro-Relator, mas, tal como já votei em outras ocasiões, também não vislumbro, aqui, agressão aos direitos fundamentais, uma vez que não me parece que tenha havido quebra da privacidade; uma vez que não está autorizado por lei a dar a público, mas apenas a transferir para um outro órgão da administração, para o cumprimento das finalidades da Administração Pública, aqueles dados.

Portanto, não me parece absolutamente que tenha havido qualquer inconstitucionalidade sequer para configurar a necessidade de uma interpretação conforme.

 

Também acho que não há como se dar cobro às finalidades do Estado, especialmente da Administração Fazendária, e até ao Direito Penal, nos casos em que precisa haver investigação e penalização, se não houver acesso a esses dados, que, de toda sorte, já são de conhecimento das instituições financeiras que nem Estado são.

 

Por essas razões, peço vênia ao eminente Ministro-Relator, acompanho a divergência agora aberta pelo eminente Ministro Dias Toffoli.

 

*****

 

 

Obs.: Texto sem revisão da Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia. (§ 3º do artigo 96 do RISTF, com a redação dada pela Emenda Regimental nº 26, de 22 de outubro de 2008)

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhor Presidente, peço vênia à divergência, na esteira de pronunciamentos anteriores, acompanho o Relator.

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Senhor Presidente, eu peço vênia ao eminente Ministro-Relator para discordar do voto proferido por Sua Excelência. Vou acompanhar a divergência inaugurada pelo Ministro Dias Toffoli.

 

O meu raciocínio é simples, segue a trilha deixada pelo Ministro Toffoli e parte de uma observação que me parece tranqüila.

 

A Constituição Federal, em diversas passagens, prestigia o Fisco, desembaraça a atividade fazendária, e eu me permito citar, aqui, o artigo 37, inciso XXII, cuja dicção é esta:

 

"XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio."

 

Depois, a Constituição, nessa mesma linha de apreço especial pela atividade do Fisco, fez, no âmbito da Advocacia Pública, um destaque, exatamente para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no § 3º do artigo 131:

 

"§ 3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei."

 

Para não maçar os Senhores Ministros, eu também releio o § 1Q do artigo 145, citado pelo Ministro Dias Toffoli, assim redigido:

 

"§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte," - essa redação é da Constituição originária, inclusive - "facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos" - e vem a parte que mais interessa - "identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei," - aliás há várias leis, dispondo sobre a atuação do Fisco, que não é arbitrária, é obediente a parâmetros objetivos fincados nessas leis - "o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."

 

Claro que há uma referência aos direitos individuais - "respeitados os direitos individuais" -, o que nos remete para o artigo 5e, inciso XII:

 

"XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (...)" - fico por aqui.

 

A Constituição usa o substantivo "comunicações" para três atividades ou setores factuais de incidência: comunicações telegráficas, comunicações de dados e comunicações telefônicas. Por que isso? Porque o objetivo da Constituição é preservar a privacidade das pessoas privadas. O que a Constituição não quer é a interceptação da conversa entre pessoas, ou seja, uma interceptação clandestina ou desautorizada. O que a Constituição não quer é que essa interlocução intersubjetiva, essa interlocução entre sujeitos de direitos, seja capturada indevidamente por terceiros. Essa expressão comunicação "de dados" é explicável, porque, hoje em dia, esses "dados" eletrônicos, ou informáticos, se dão na troca de e-mails, no plano das compras pela Internet, transferências bancárias que são feitas eletronicamente, pagamento de títulos, faturas, duplicatas, é isso que a Constituição não quer. É esse meter o bedelho, é essa bisbilhotice, é essa intromissão em conversa alheia. Por quê? Porque essa interlocução entre sujeitos de direito diz com a privacidade de que trata o inciso X do "artigo 59. Se a intimidade significa o indivíduo consigo mesmo, por exemplo, redigindo o seu diário, ele sozinho e a sua consciência, a privacidade significa um relacionamento no âmbito menor de pessoas, como uma troca de e-mails, por exemplo. Isso é expressão de privacidade.

 

Então me parece que a conjugação do inciso XII com o inciso X da Constituição abona a tese de que o que se proíbe não é o acesso a dados, mas a quebra do sigilo, é o vazamento do conteúdo de dados. É o vazamento, é a divulgação. E, no caso, as leis de regência, ao falar das transferências de dados sigilosos, é evidente que elas impõem ao órgão destinatário desses dados a cláusula da confidencialidade, cuja quebra implica a tipificação ou o cometimento de crime.

 

Por outro lado, esse tipo de interpretação que se desata do voto do Ministro Dias Toffoli faz, implicitamente, uma distinção muito cara à Ministra Cármen Lúcia e a mim mesmo. Sempre que posso, como a Ministra Cármen Lúcia também, faço uma distinção entre o ser e o ter.

 

O que o Direito tem em conta cada vez mais, notadamente o Direito Constitucional, é a preservação dos dados do ser.

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Do ser.

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Do ser, porque atinentes a bens de personalidade.

 

Os dados do ter, do patrimônio, dos rendimentos, as atividades econômicas, na sua objetividade, tudo isso é vocacionado para uma abertura. O futuro não vai preservar senão os dados do ser. Os dados do ter serão cada vez mais escancarados, porque patrimônio e renda são obtidos da sociedade, e a sociedade precisa saber o modo pelos quais esses bens, conversíveis em pecúnia, foram obtidos e em que eles consistem. Isso é da lógica natural de uma sociedade que faz da transparência e da visibilidade verdadeiros pilares da democracia.

 

De maneira que, com essas palavras, desprovejo o recurso, na linha do voto, que tenho como o exemplar, do Ministro Dias Toffoli.

 

*****

 

Obs.: Texto sem revisão da Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia. (§ 3º do artigo 96 do RISTF, com a redação dada pela Emenda Regimental n° 26, de 22 de outubro de 2008)

 

 

VOTO

 

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Presidente, já na sessão em que discutimos o tema, eu revelei, um pouco, uma angústia em torno desse assunto.

 

Inicialmente, eu estava bastante convencido do respaldo constitucional para a providência tomada pela Receita. Isso foi objeto de ampla discussão, e não são poucas as discussões sobre as possibilidades de a Receita fazer esse acesso.

 

Eu mesmo citava em meu voto, na cautelar, o artigo 145, § l3, que já foi objeto de posicionamento agora, a partir da manifestação do Ministro Dias Toffoli. E a minha dúvida se assentava, inclusive, num aspecto de eficiência da própria Administração. Em vez de pedir ao Judiciário, fazer diretamente.

 

Ministro Marco Aurélio até chamava atenção para a disciplina, que não está na lei, mas está no decreto, no regulamento desse mandado de fiscalização, que é uma medida importante, uma norma de organização e procedimento, com o objetivo de assegurar certa ordem e de evitar desmandos nesse seara. Mas, depois de ouvir o voto do Ministro Marco Aurélio naquela assentada e, ainda, o voto do Ministro Celso de Mello, eu me fiz a pergunta que, de alguma forma, todos nós podemos nos fazer: Por que há de ser tão difícil, numa matéria que é relevante e tão suscetível a abusos, obter-se essa declaração do próprio Judiciário, diante uma medida cautelar? O que diz o texto constitucional no § 1º do artigo 145: "Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei," - portanto, é um caso típico de reserva legal - "o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

 

No que diz respeito ao acesso à conta com todas as suas conseqüências, não se trata de negar esse acesso, mas simplesmente de exigir - essa é a premissa do voto do Relator e também do voto do Ministro Celso de Mello proferido na cautelar - que, tendo em vista o valor de que se cuida dos direitos fundamentais, haja a observância do princípio da reserva de jurisdição. Portanto, não se trata de impedir o acesso.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Surge um problema, no tocante à jurisdição, a reserva diz respeito a um objeto, à persecução criminal, e, no caso concreto, o objeto é outro, é a cobrança de tributo.

 

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Não, mas pode haver até uma disciplina legislativa, uma medida cautelar que permita, porque essa permitiu ao legislador, eventualmente poderia permitir se entendermos.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Mas, aí, contrariaria, porque, quando a Constituição abre exceção à regra, o faz quanto ao Judiciário e para uma finalidade exclusiva, ou seja, a investigação criminal, e não a cobrança de tributo.

 

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Não me parece, pelo menos não havia entendido assim o voto de Vossa Excelência e, certamente, não dou essa extensão. Eu entendo que a matéria está sujeita a exame - parece-me que aí é razoável -, mas não exigir que sempre haja uma investigação criminal. Não me parece também que fosse essa a posição do Ministro Celso de Mello. Ele enfatizava simplesmente o princípio da reserva de jurisdição, mas não a necessidade de existência de um procedimento de índole criminal. Tanto é que foi isso que me sensibilizou, especialmente no voto de Sua Excelência, quer dizer, é claro que isso onera. E Vossa Excelência, inclusive, sempre ressalta, dizendo que se paga um preço para se viver no estado de Direito ou na democracia, que é a observância de regras mais onerosas.


 

 

Portanto, não chego a esse ponto, mas eu vou acompanhar Vossa Excelência quanto ao fundamento básico da necessidade de jurisdição, que também acho que foi a posição defendida pelo Ministro Cezar Peluso, no julgamento, a idéia de reserva de jurisdição.

 

Portanto, Presidente, eu me manifesto nesse sentido, já com a ressalva, quer dizer, entendo que aqui está presente a necessidade de reserva de jurisdição, mas não a necessidade de que haja uma investigação de índole criminal.

 

 

DEBATE

 

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Vossa Excelência, Ministro Gilmar Mendes, só para entender melhor, está exigindo a reserva de jurisdição para acesso aos dados?

 

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Para acesso aos dados.

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Eu só entendo cabível para interromper uma comunicação.

 

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Entendendo que isso é uma dimensão mesmo, isso ficou muito claro, inclusive no voto do Ministro Celso de Mello.

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Não é nem interromper, é para ouvir, participar de uma interlocução, participar clandestinamente de uma interlocução. Aí, eu exigiria.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Não haveria nem o interesse em interromper, porque o objetivo seria ouvir.

 

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - É. Não, neste caso, são os dados que estão depositados. Não se trata de dados que terão que ser interceptados.

 

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Eu me permitiria - como eu fiz um voto muito singelo, mas na linha do que está sendo colocado pelo eminente Ministro Gilmar Mendes -, quando o § Ia do artigo 145 faz alusão ao respeito aos direitos individuais, isso, a meu ver, indica exatamente que deve ser ouvido o Judiciário. Porque o Judiciário é o guardião último dos direitos fundamentais. Então, o meu voto está exatamente nessa linha.

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: (Cancelado)                                     

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Temos dezesseis mil juizes no Brasil prontos a examinar eventualmente o caso.

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: (Cancelado)

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Ministro, não está em mesa saber a extensão da atuação do Judiciário. Está em jogo definir se a Receita pode ombrear com o Judiciário e afastar o sigilo de dados bancários.  Por isso não me comprometo com  a limitação ao Judiciário.

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Mas o sigilo é da comunicação, ou seja, é da interlocução.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - O que não concordo é com a extensão dada ao preceito para se ter, está em bom português a referência a Judiciário, também implicitamente a referência à Receita.

 

 

ESCLARECIMENTO

 

A Senhora Ministra Ellen Gracie - Senhor Presidente, manifestei-me na Ação Cautelar 33, longamente, inclusive sobre o mérito, já que foi um julgamento em que se avançou sobre a matéria de fundo. E, num sentido contrário ao divergente ora manifestado pelo eminente relator, também.eu, assim como o ministro Gilmar Mendes, fui tomada de dúvidas a respeito do tema e, por isso, peço vista.

 

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) -Presidente/ tem-se - daí haver inclusive apressado a liberação do processo para julgamento - mandado de segurança. E até aqui existe uma decisão mandamental que, sabemos, surte efeitos imediatos.

 

Reconheço que o Tribunal cassou - e continuo perplexo com essa cassação - a liminar que implementara. Mas, a esta altura, temos um, dois, três votos a favor do provimento do recurso e três contrários, havendo votos sinalizados do Ministro Celso de Mello e de Vossa Excelência no sentido do provimento do recurso. Por isso, permito-me, sem a menor desconsideração para com a óptica anterior do Colegiado, ante o início do julgamento e para que o recurso extraordinário não perca o objeto - com o cumprimento imediato da decisão do Regional -, propor que o Tribunal, excepcionalmente, implemente uma medida acauteladora para aguardar-se, e não se tornar inócuo o início da apreciação desse recurso extraordinário, a conclusão dessa mesma apreciação.

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - É que já foi votada a matéria.

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - A matéria foi vencida na Cautelar 33.

 

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) - Eu submeto, mas realmente me parece razoável, porque torna inócua a medida. Se, eventualmente, for concedida, afinal, e a administração já tiver tido acesso aos dados, nossa ordem será absolutamente inócua.

 

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: CANCELADO.

 

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELDSO (PRESIDENTE) - É.

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - É que já houve uma votação formal, proclamado o resultado.

 

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) - Se a perspectiva for de que o Tribunal denegue o pedido, não vai haver dano.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - O direito de cautela pode ser acionado a qualquer momento. O processo ainda está aberto à apreciação do Colegiado.

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Vamos conceder, de ofício.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Que a maioria decida, Presidente!

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Essa reversão de decisões no Tribunal está se tornando comum.

 

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) -Como? Perdão, não ouvi.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - É que o Ministro se opôs, dizendo que havia preclusão da matéria. Preclusão não há.

 

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) -Preclusão, não.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Porque a liminar é uma medida sempre precária e efêmera. Pode ser implementada a qualquer momento, como também pode ser reconsiderada.

 

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) - É revogável a qualquer tempo. Claro.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Agora, a questão que coloco é esta: ante o início do julgamento da matéria, com três votos pelo provimento, dois sinalizados, o do Ministro Celso de Mello e o de Vossa Excelência, se não é relevante, para não haver a perda de objeto do recurso extraordinário - repito, estamos nos defrontando com um mandado de segurança com a roupagem do recurso extraordinário -, implementar-se a cautelar, que, por sinal, vigorou por um longo período, já que trouxe o processo, para referendá-la ou não, em 2003.

 

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO:   É  essencial a concessão da tutela cautelar, sob pena de completa frustração  da pretensão  mandamental.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - E ficar a parte sem jurisdição.

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Bem, a liminar foi concedida em 2003, Ministro Relator?

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Sim.

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Acredito que esses dados são dados fiscais?

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Bancários.

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Mas para efeitos fiscais?

 

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Sim, trata-se de dados bancários destinados a finalidades de ordem fiscal.

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Cinco anos são passados, eles já são inúteis.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Até aqui,penso, não houve o acesso.

 

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) - É que, na semana passada, revogamos a liminar, o que permitiria ao Fisco ter acesso. Noutras palavras, se não concedermos agora uma cautelar, o julgamento será absolutamente inócuo, inútil, frustrante.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - E o acesso não é tão urgente assim.

 

 

VOTO S/PROPOSTA

 

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Senhor Presidente, para a concessão da cautelar são necessários dois requisitos: periculum in mora e fumus boni júris. Não vejo plausibilidade jurídica e já votei. Mas, Senhor Presidente, é fato concreto que, em 24 de novembro, o Ministro Gilmar Mendes votou negando referendo à cautelar e, na sessão de hoje, Sua Excelência alterou a posição quanto ao mérito. Nós não podemos desconhecer esse fato.

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - O Ministro Joaquim também esteve presente e também negou.

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: É evidente que discordo do eminente Ministro Relator e dos Ministros que o acompanharam, mas eu não posso tomar para mim a plausibilidade jurídica ou não do caso. A Corte está divida sobre o tema e, portanto, tenho que reconhecer que, mesmo não vendo eu plausibilidade jurídica nenhuma, literalmente nenhuma, eu me curvo, pela necessidade, à proposta do eminente Ministro Marco Aurélio para conceder a cautela, porque talvez só no ano que vem teremos oportunidade de continuar este julgamento.

 

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Ministro Toffoli, mas a plausibilidade é toda embasada na ausência do meu voto, que na sessão anterior foi em sentido contrário ao do eminente Relator, a ausência eventual do Ministro Joaquim Barbosa e a mudança de posição do Ministro Gilmar Mendes?  

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: Não, não. Até porque, se Vossa Excelência está pedindo vista, é para poder refletir. Se vai refletir, vai refletir talvez a favor do contribuinte.

 

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Ou manter a posição, Ministro Toffoli.

 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - É que, ante a mudança, no voto do Ministro Gilmar Mendes, o placar ficará invertido, ou pelo menos ficará empatado.

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: (Cancelado)

 

 

VOTO S/ PROPOSTA

 

 

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Presidente, acho que, nos termos da lei, é de um mandado de segurança que se trata. O que se exige são dois dados que, naquela ocasião, eu não acolhi, mas que, realmente, na linha do Ministro Dias Toffoli, apenas considero que há relevância jurídica - é o que a lei do mandado de segurança exige - e possibilidade de, se ao final a medida vier a ser concedida, tornar-se ineficaz.

 

Esses dois elementos que, a meu ver, não existiam quando eu não referendei e votei no sentido do não referendo, hoje, diante do quadro e principalmente diante do tempo decorrido e da possibilidade de haver realmente agora a ineficácia da medida, se ao final ela vier a ser concedida, eu reformulo, portanto, o que entendi para acompanhar a proposta formulada pelo Ministro Relator para este fim, mantendo quanto ao mérito, com a devida vênia, o meu voto.

 

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Obs.: Texto sem revisão da Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia. (§ 3e do artigo 96 do RISTF, com a redação dada pela Emenda Regimental nô 26, de 22 de outubro de 2008)

 

 

VOTO S/ PROPOSTA

 

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Há risco de prescrição quanto ao tributo ou não?

 

O   SENHOR   MINISTRO   CEZAR   PELUSO   (PRESIDENTE)   - Pendente de julgamento, não há risco de prescrição nenhum.

 

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO - Eu vou permanecer fiel ao voto proferido na última assentada pela não concessão da liminar.

 

 

VOTO S/ PROPOSTA

 

 

A Senhora Ministra Ellen Gracie - Também eu. Senhor Presidente, não me parece adequado que este Tribunal decida conforme as presenças eventuais na bancada.

 

Na sessão anterior, estava presente o Ministro Joaquim Barbosa, votou em sentido diverso ao proposto pelo eminente Relator, inclusive é ele o Relator para o acórdão da Ação Cautelar nº 33. Temos hoje colocados os votos que acompanham o eminente Relator: são os Ministros Lewandowski c, em parte, o Ministro Gilmar. Parece-me que o Ministro Gilmar não acompanha Vossa Excelência na integralidade.

 

O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) - Não, não acompanha integralmente, porque não está cm discussão a extensão da atuação do Judiciário, Está em jogo apenas a possibilidade de a Receita substituir-se ao Judiciário. Então não há divergência, inclusive quanto ao fundamento. Eu próprio, disse que não me comprometia com a limitação em relação à atividade do Judiciário.

 

A Senhora Ministra Ellen Gracie - Neste momento do julgamento, mesmo computado o voto do Ministro Gilmar Mendes, nós temos três votos, inclusive o do Relator num sentido; o voto do Ministro Toffoli, da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Ayres Britto, outros três, em sentido contrário. De modo que eu não me sinto confortável para prosseguir, ainda mais diante da ausência de um Colega cuja posição é conhecida; Vossa Excelência sabe muito bem que eu peço vista destes autos apenas para permitir a presença do Colega ao julgamento. Para que o Tribunal não tenha resultados diferentes conforme sua composição eventual.

 

O  Senhor Ministro Cezar Peluso .(Presidente)  -  Sim, mas temos que tornar aproveitável esse resultado, porque, se não considerarmos o resultado, será inútil.

 

A Senhora Ministra Ellen Gracie - E, eu ainda levaria em consideração mais um fato,. Presidente. Eventualmente posta a questão da maneira como está, ela, de certa forma, cerceia o meu direito de pedir vista do processo, e diante disso é que manifesto desde logo o meu voto. Se Vossa Excelência assim entender, se encaminhar dessa maneira, eu suspendo o meu pedido de vista. Se for o caso, se eu estiver sendo cerceada no meu direito de pedir vista, eu, desde logo, manifesto o voto.

 

O Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente) - Quanto ao mérito, Vossa Excelência vai ter toda a oportunidade de se manifestar. O que não teremos nós é a oportunidade de votar depois de inutilizado o remédio!

 

A Senhora Ministra Ellen Gracie - Esta questão foi decidida na AC 33, Presidente.

 

O Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente) - Nós é que não vamos ter oportunidade de votar depois, se o remédio se tornar inútil. Isto é, o alcance do seu pedido de vista está garantido em qualquer hipótese, e também dos que pensam em sentido contrário. E, em atendimento a uma velha regra de cortesia em julgamento colegiado, o Ministro Celso e eu não adiantamos voto, que é conhecido, mas só por isso. Agora, se não for concedida a liminar, o seu pedido de vista terá toda a utilidade, mas os nossos votos eventualmente poderão não ter nenhuma.

 

 

VOTO

 

 

A Senhora Ministra Ellen Gracie - Presidente, se Vossa Excelência me permite, já.que se  encaminha dessa forma a votação, abro mão do meu pedido de vista e desde logo me  manifesto pelo improvimento do recurso extraordinário, exatamente nos mesmos termos em que o fiz na AC n°.33. A questão está para ser decidida com um quorum que me parece inadequado, mas, já que é este o encaminhamento, manifesto meu voto nesse sentido, com
vênia do eminente Relator      

                                       ´

 

VOTO

 

 

O  SENHOR  MINISTRO  CELSO  DE  MELLO:  A  controvérsia instaurada na presente causa suscita algumas reflexões em torno do tema pertinente ao alcance da norma inscrita no art. 5S, X e XII, da Constituição, que, ao consagrara tutela jurídica da intimidade (e, também, da privacidade), dispõe que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (...)" (grifei).

 

Esse tema ganha ainda maior relevo, se se considerar o círculo de proteção que o ordenamento constitucional estabeleceu em torno das pessoas, notadamente dos contribuintes do Fisco, objetivando protegê-los contra ações eventualmente arbitrárias praticadas pelos órgãos estatais da administração tributária, o que confere especial importância ao postulado da proteção judicial efetiva, que torna inafastável, em situações como a dos autos, a necessidade de autorização judicial, cabendo ao Juiz, e não a administração tributária, a quebra do sigilo bancário.

 

É que os órgãos estatais da administração tributária não guardam, em relação ao contribuinte, posição de eqüidistância nem dispõem do atributo (apenas inerente à jurisdição) da "terzietà", o que põe em destaque o sentido tutelar da cláusula inscrita no § 1º do art. 145 de nossa Lei Fundamental.

 

Com efeito, a própria Constituição da República, em seu art. 145, § 1º, ao dispor sobre o sistema tributário nacional, prescreve, em caráter impositivo, que a administração tributária, quando no exercício de sua competência, respeite os direitos individuais das pessoas em geral e dos contribuintes em particular.

 

O exame da questão ora em análise torna indispensável que se aprecie, já nesta fase, o tema concernente ao poder do Estado e às relações entre o Fisco, os contribuintes e os cidadãos em geral.

 

Impende reconhecer, desde logo, que não são absolutos - mesmo porque não o são - os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, cabendo assinalar, por relevante, Senhores Ministros, presente o contexto ora em exame, que o Estado, em tema de tributação, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais,   limites  intransponíveis,   cujo  desrespeito  pode caracterizar ilícito constitucional.

 

Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembrada da existência, em nosso sistema jurídico, de um verdadeiro "estatuto constitucional do contribuinte" consubstanciador de direitos e limitações oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet 1.466/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO, ´in" Informativo/STF nº 125) - culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, trate-se de obrigação tributária principal, cuide-se de obrigação tributária acessória ou instrumental, a prática de garantias legais e constitucionais de que é legítimo titular, fazendo instaurar, assim, situação que só faz conferir permanente atualidade ao "dictum" do Justice Oliver Wendell Holmes, Jr. ("The power to tax is not the power to destroy while this Court sits"), em palavras segundo as quais, em livre tradução, "o poder de tributar não significa nem envolve o poder de destruir, pelo menos enquanto existir esta Corte Suprema", proferidas, ainda que como "dissenting opinion", no julgamento, em 1928, do caso "Panhandle Oil Co. v. State of Mississippi Ex Rei. Knox" (277 U.S.. 218).

 

O que me parece significativo, no contexto ora em exame, é que a administração tributária, embora podendo muito, não pode tudo, eis que lhe é somente lícito atuar, "respeitadosos direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sob tal perspectiva, e para esse efeito, as limitações decorrentes do próprio sistema constitucional, cuja eficácia restringe, como natural conseqüência da supremacia de que se acham impregnadas as garantias instituídas pela Lei Fundamental, o alcance do poder estatal, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República.

 

Cumpre ter presente, neste ponto, Senhores Ministros, a propósito do tema ora em exame, a advertência do Supremo Tribunal Federal, cujo magistério jurisprudencial - apoiando-se em autorizado entendimento doutrinário (HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO, "Processo Tributário", p. 76/86, item n. 2.5.2, 2004, Atlas; SACHA CALMON NAVARRO COELHO, "Curso de Direito Tributário Brasileiro", p. 893/907, itens ns. 17.12 a 17.20, 8ª ed. , 2005, Forense; HUGO DE BRITO MACHADO, "Curso de Direito Tributário", p. 214/223, itens ns. 1 a 1.6, 21» ed., 2002, Malheiros; ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, "Curso de Direito Constitucional Tributário", p. 404/411, item n. 3, 21a ed., 2005, Malheiros, v.g.) - orienta-se no sentido de preservar o contribuinte contra medidas arbitrárias adotadas pelos agentes da administração tributária, muitas das quais configuram atos eivados de ilicitude, quando não de transgressão à ordem jurídica fundada na própria Constituição da República (RTJ 162/3-6, 4, Rei. Min. ILMAR GALVÃO - RTJ 185/237-238, Rei. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE -RE 331.303-AgR/PR, Rei. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.).

 

Na realidade, a circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do correto desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes, em particular.

 

O procedimento estatal da administração tributária que contrarie os postulados consagrados pela Constituição da República revela-se inaceitável, Senhores Ministros, e não pode ser corroborado por decisão desta Suprema Corte, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros,  tal  como  advertiu  o  Supremo  Tribunal  Federal  em julgamento consubstanciado em acórdão assim ementado:

 

 

" ADMINISTRAÇÃO   TRIBUTÁRIA   -   FISCALIZAÇÃO PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.

 

Não são absolutos os poderes de que se acham investidos  os  órgãos  e  agentes  da  administração tributária, pois o Estado,  em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem,  constitucionalmente,  aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração tributária,  por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é  somente  lícito  atuar,  ´ respeitados  os  direitos individuais e nos termos da lei´ (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela  Lei  Fundamental,  cuja  eficácia que prepondera  sobre  todos  os  órgãos  e  agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos,especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado. (...)." (HC 93.050/RJ, Rei. Min. CELSO DE MELLO).

 

Posta a questão nesses termos, mostra-se imperioso assinalar, considerados os fatos subjacentes ao litígio em causa, que se revela inacolhível a pretensão da administração tributária federal,   que   busca   afastar,   "ex  própria   auctoritate", independentemente de prévia autorização judicial, o sigilo bancário da empresa contribuinte, ora recorrente.

 

Não se pode ignorar que o direito à intimidade (e, também, à privacidade) - que representa importante manifestação dos direitos da personalidade - qualifica-se como expressiva prerrogativa de ordem jurídica que consiste em reconhecer, em favor da pessoa, a existência de um espaço indevassável destinado a protegê-la contra indevidas interferências de terceiros na esfera de sua vida privada.

 

Daí a correta advertência feita por CARLOS ALBERTO Dl FRANCO, para quem "Um dos grandes desafios da sociedade moderna é a preservação do direito à intimidade. Nenhum homem pode ser considerado verdadeiramente livre, se não dispuser de garantia de inviolabilidade da esfera de privacidade que o cerca".

 

Por isso mesmo, a transposição arbitrária, para o domínio publico, de questões meramente pessoais, sem qualquer reflexo no plano dos interesses sociais, tem o significado de grave transgressão ao postulado constitucional que protege o direito à intimidade e à privacidade (MS 23.669-MC/DF, Rei. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), pois este, na abrangência de seu alcance, representa o "direito de excluir, do conhecimento de terceiros, aquilo que diz respeito ao modo de ser da vida privada" (HANNAH ARENDT).

 

É certo que a garantia constitucional da intimidade (e da privacidade) não tem caráter absoluto. Na realidade, como já decidiu esta Suprema Corte, "Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição" (MS 23.452/RJ, Rei. Min. CELSO de MELLO). Isso não significa, contudo, que o estatuto constitucionaldas liberdades públicas - nele compreendida a garantia fundamental da intimidade e da privacidade - possa ser arbitrariamente desrespeitado por qualquer órgão do Poder Público.

 

Nesse contexto, põe-se em evidência a questão pertinente ao sigilo bancário, que, ao dar expressão concreta a uma das dimensões em que se projeta, especificamente, a garantia
constitucional da privacidade, protege a esfera de intimidade financeira das pessoas.                            :

 

Embora o sigilo bancário, também ele, não tenha caráter absoluto (RTJ 148/366, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - RTJ 172/302-303, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - MS 23.452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) , deixando de prevalecer, por isso mesmo, em casos excepcionais, diante de exigências impostas pelo interesse público (SÉRGIO CARLOS COVELLO, "O Sigilo Bancário como Proteção à Intimidade", "in" Revista dos Tribunais, vol. 648/27), não se pode desconsiderar, no exame dessa questão, que o sigilo bancário reflete uma expressiva projeção da garantia fundamental da privacidade - e da intimidade financeira das pessoas, em particular -, não se expondo, em conseqüência, enquanto valor constitucional que é (VÂNIA SICILIANO AIETA, "A Garantia da Intimidade como Direito Fundamental", p. 143/147, 1999, Lumen Júris), a intervenções estatais ou a intrusões do Poder Público desvestidas de causa provável ou destituídas de base jurídica idônea.

 

Tenho insistentemente salientado, em decisões várias que já proferi nesta Suprema Corte,  que a tutela jurídica da intimidade (e, também, da privacidade) constitui - qualquer que seja a dimensão em que se projete - uma das expressões mais significativas em que se pluralizam os direitos da personalidade. Trata-se de valor constitucionalmente assegurado (CF, art. 5º, X),

cuja proteção normativa busca erigir e reservar, sempre em favor do indivíduo - e contra a ação expansiva do arbítrio do Poder Público -uma esfera de autonomia intangível e indevassável pela atividade desenvolvida pelo aparelho de Estado.

 

O magistério doutrinário, bem por isso, tem acentuado que o  sigilo bancário  - que possui  extração constitucional reflete,  na concreção do seu alcance, um direito fundamental da personalidade, expondo-se, em conseqüência, à proteção jurídica a ele dispensada pelo ordenamento positivo do Estado.

 

O eminente Professor ARNOLDO WALD, em precisa abordagem do  tema  ("Caderno de Direito Tributário  e  Finanças  Publicas", vol. 1/206, 1992, RT) , expendeulúcidas considerações a respeito dessa questão, destacando a essencialidade da tutela constitucional na proteção político-jurídica da intimidade pessoal e da liberdade individual:

 

"Se podia haver dúvidas no passado, quando as Constituições brasileiras não se referiam especificamente à proteção da intimidade, da vida privada e do sigilo referente aos dados pessoais, é evidente que, diante do texto constitucionalde 1988, tais dúvidas não mais existem quanto à proteção do sigilo bancário como decorrência das normas da lei magna.

 

Efetivamente, as Constituições Brasileiras anteriores à de 1988, não só não asseguravam o direito â privacidade como também, guando tratavam do sigilo, limitavam-se a garanti-lo em relação à correspondência e às comunicações telegráficas e telefônicas, não se referindo ao sigilo em relação aos papéis de que tratam a Emenda nº IV à Constituição Americana, a Constituição Argentina e leis fundamentais de outros países.

 

Ora, foi em virtude da referência aos papéis que tanto o direito norte-americano quanto o argentino concluíram que os documentos bancários tinham proteção constitucional.

 

Com a revolução tecnológica, os ´papéis´ se transformaram em ´dados´ geralmente armazenados em computadores ou fluindo através de impulsos eletrônicos, ensejando enormes conjuntos de informações a respeito das pessoas, numa época em que todos reconhecem que a informação é poder. A computadorização da sociedade exigiu uma maior proteção à privacidade, sob pena de colocar o indivíduo sob contínua fiscalização do Governo, inclusive nos assuntos que são do exclusivo interesse da pessoa. Em diversos países, leis especiais de proteção contra o uso indevido de dados foram promulgadas e, no Brasil, a inviolabilidade dos dados individuais, qualquer que seja a sua origem, forma e finalidade, passou a merecer a proteção constitucional em virtude da referência expressa que a eles passou a fazer o inciso XII do art. 5º, modificando, assim, a posição anterior da nossa legislação, na qual a indevassabilidade em relação a tais informações devia ser construída com base nos princípios gerais que asseguravam a liberdade individual, podendo até ensejar interpretações divergentes ou contraditórias.

 

Assim, agora em virtude dos textos expressos da Constituição e especialmente da interpretação sistemática dos incisos X e XII do art. 5º  da CF, ficou evidente que a proteção ao sigilo bancário adquiriu nível constitucional, impondo-se ao legislador, o que, no passado, podia ser menos evidente." (grifei)

 

O direito à inviolabilidade dessa franquia individual -que  constitui,  insista-se,  um dos núcleos básicos  em que  se desenvolve,  em nosso País,  o -regime das liberdades públicas

ostenta, como precedentemente enfatizado, caráter meramente relativo. Não assume nem se reveste de natureza absoluta. Cede, por isso mesmo, e sempre em caráter excepcional, às exigências impostas pela preponderância axiológica e jurídico-social do interesse público, tal como acentuado, em diversos julgamentos, por esta Suprema Corte (AI 528.539/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO - AI 655.298--AgU/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.):

 

-CONSTITUCIONAL.     SIGILO    BANCÁRIO:     QUEBRA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. CF, art. 5º, X.

I - Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege - art. 5", X -, não é um direito absoluto, Que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade. (...)."

RE 219.780/PE, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei)

 

A pesquisa da verdade, nesse contexto, constitui um dos princípios dominantes e fundamentais no processo de "disclosure" das operações celebradas no âmbito das instituições financeiras. Essa busca de elementos informativos - elementos estes que compõem o quadro de dados probatórios essenciais para que o Estado desenvolva regularmente_suas atividades e realize os fins institucionais a que se acha vinculado -, sofre os necessários condicionamentos que a ordem jurídica impõe à ação do Poder Público.

 

Tenho enfatizado, por isso mesmo, que a quebra do sigilo bancário - ato que se reveste de extrema gravidade jurídica - deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elementos que justifiquem, a partir de um critério essencialmente apoiado na prevalência do interesse público, a necessidade da revelação dos dados pertinentes às operações financeiras ativas e passivas resultantes da atividade desenvolvida pelas instituições bancárias.

 

A relevância do direito ao sigilo bancário impõe, por isso mesmo, cautela e prudência ao Poder Judiciário na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à cláusula tutelar de reserva constitucional (CF, art. 5°, X).

 

É preciso salientar, neste ponto, que a jurisprudência do  Supremo  Tribunal  Federal  proclamou  a  plena  compatibilidade jurídica da quebra do sigilo bancário com a norma inscrita no art. 52, incisos X e XII, da Constituição (Pet 577-QO/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJtJ de 23/04/93), reconhecendo possível autorizar - quando presentes fundadas razões - a pretendida "disclosure" das informações bancárias reservadas (RTJ 148/366).

 

Mais do que isso, esta Suprema Corte salientou, ao julgar o Inq 897-AgR/DF, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, DJU de 02/12/94, que, não sendo absoluta a garantia pertinente ao sigilo bancário, torna-se licito afastar, quando de investigação criminal se cuidar, p. ex. , a cláusula de reserva que protege as contas bancárias nas instituições financeiras, revelando-se ordinariamente inaplicável, para esse específico efeito, a garantia constitucional do contraditório.

 

Impõe-se observar, por necessário - e tal como adverte JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE ("Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 220/224, 1987, Livraria Almedina, Coimbra) - que a ampliação da esfera de incidência das franquias individuais e coletivas, de um lado, e a intensificação da proteção jurídica dispensada às liberdades fundamentais, de outro, tornaram inevitável a ocorrência de situações caracterizadoras de colisão de direitos assegurados pelo ordenamento constitucional.

 

Com a evolução do sistema de tutela constitucional das liberdades públicas, dilataram-se os espaços de conflito em cujo âmbito antagonizam-se, em função de situações concretas emergentes, posições  jurídicas  revestidas  de  igual  carga  de  positividade normativa.

 

Vários podem ser, dentro desse contexto excepcional de conflituosidade, os critérios hermenêuticos destinados à solução das colisões de direitos, que vãodesde o estabelecimento de uma ordem hierárquica pertinente aos valores constitucionais tutelados, passando pelo reconhecimento do maior ou menor grau de fundamentalidade dos bens jurídicos em posição de antagonismo, até a consagração de um processo que, pri vi 1 egi ando a_ unidade  supremacia da Constituição, viabilize - a partir da adoção "de um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito" (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "op. loc. cit.") - a harmoniosa composição dos direitos em situação de colidência.

 

Sendo assim, impõe-se o deferimento da quebra de sigilo bancário, sempre que essa medida se qualificar como providência essencial e indispensável à satisfação das finalidades inderrogáveis da investigação (e/ou da fiscalização) estatal, e desde que -consoante adverte a doutrina - não exista "nenhum meio menos gravoso para a consecução de tais objetivos" (IVES GANDRA MARTINS/GILMAR FERREIRA MENDES, "Sigilo Bancário, Direito de Autodeterminação sobre Informações e Princípio da Proporcionalidade", "in" Repertório IOB de Jurisprudência n2 24/92 - 2a quinzena de dezembro/92).

 

Contudo, para que essa providência extraordinária, e sempre excepcional, que é a decretação da quebra do sigilo bancário, seja autorizada, revela-se imprescindível a existência de causa provável, vale dizer, de fundada suspeita quanto à ocorrência de fato cuja apuração resulte exigida pelo interesse público.

 

Na realidade, sem causa provável, não se justifica, sob pena de inadmissível consagração do arbítrio estatal e_ de inaceitável opressão do indivíduo pelo Poder Público, a "disclosure" das contas bancárias, eis que a decretação da quebra do sigilo não pode converter-se num instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral.

 

A quebra do sigilo bancário importa, necessariamente,

em inquestionável restrição à esfera jurídica das pessoas afetadas por esse ato excepcional do Poder Público. A pretensão estatal voltada à "disclosure" das operações financeiras constitui fator de grave ruptura das delicadas relações - ja estruturalmente tão desiguais - existentes entre o Estado e o indivíduo, tornando possível, até mesmo, quando indevidamente acolhida, o próprio comprometimento do sentido tutelar que inequivocamente qualifica, em seus aspectos essenciais, o círculo de proteção estabelecido em torno da prerrogativa pessoal fundada no direito constitucional à privacidade.

 

Dentro dessa perspectiva, revela-se de inteira pertinência a invocação doutrinária da cláusula do "substantive ãue process of law" - já consagrada e reconhecida, em diversas decisões proferidas por este Supremo Tribunal Federal, como instrumento de

expressiva limitação constitucional ao próprio poder do Estado (ADI 1.063/DF, Rei. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.158/AM, Rei. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) -, para efeito de submeter o processo de "disclosure" às exigências de seriedade e de razoabilidade.

 

Daí o registro feito por ARNOLDO WALD (,"op. cit.", p. 207, 1992, RT), no sentido de que "A mais recente doutrina norte-americana fez do ´due process of law´ uma forma de controle constitucional que examina a necessidade, razoabilidade e justificação das restrições à liberdade individual, não admitindo que a lei ordinária desrespeite a Constituição, considerando que as restrições ou exceções estabelecidas pelo legislador ordinário devem ter uma fundamentação razoável e aceitável conforme entendimento do Poder Judiciário. Coube ao Juiz Rutledge, no caso Thomas v. Collins, definir adequadamente a função do devido processo legal ao afirmar que: ´Mais uma vez temos de enfrentar o dever, imposto a esta Corte,pelo nosso sistema constitucional, de dizer onde termina a liberdade individual e onde começa o poder do Estado. A escolha do limite, sempre delicada, é-o, ainda mais, quando a presunção usual em favor da lei é contrabalançada pela posição preferencial atribuída, em nosso esquema constitucional, às grandes e indispensáveis liberdades democráticas asseguradas pela Primeira Emenda (...). Esta prioridade confere a essas liberdades santidade e sanção que não permitem intromissões dúbias. E é o caráter do direito, não da limitação, que determina o standard guiador da escolha. Por essas razões, qualquer tentativa de restringir estas liberdades deve ser justificada por evidente interesse público, ameaçado não por um perigo duvidoso e remoto, mas por um perigo evidente e atual´" (grifei).

 

À exigência  de  preservação  do  sigilo  bancário enquanto meio expressivo de proteção ao valor constitucional da intimidade - impõe ao Estado o dever de respeitar a esfera jurídica de cada pessoa. A ruptura desse círculo de imunidade só se justificará desde que ordenada por órgão estatal investido, nos termos de nosso estatuto constitucional, de competência jurídica para suspender, excepcional e motivadamente, a eficácia do princípio da reserva das informações bancárias.

 

Em tema de ruptura do sigilo bancário, somente os órgãos do Poder Judiciário dispõem do poder de decretar essa medida extraordinária, sob pena de a autoridade administrativa interferir, indevidamente, na esfera de privacidade constitucionalmente assegurada às pessoas. Apenas o Judiciário, ressalvada a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito (CF, art. 58, § 3º), pode eximir as instituições financeiras do dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário.

 

Daí a correta decisão emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em julgamento sobre o tema ora em análise, assim apreciou a questão pertinente à indispensabilidade de prévia autorização judicial para efeito de quebra do sigilo bancário:

 

" SIGILO  BANCÁRIO  -  INSTITUIÇÕES  FINANCEIRAS AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.

O sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo-- fiscal, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso X).

Por isso, cumpre às instituições financeiras manter sigilo acerca de qualquer informação ou documentação pertinente à movimentação ativa e passiva do correntísta/contribuinte, bem como dos serviços bancários a ele prestados.

Observadas tais vedações, cabe-lhes atender às demais solicitações de informações encaminhadas pelo Fisco, desde que decorrentes de procedimento fiscal regularmente instaurado e subscritas por autoridade administrativa competente.

 

Apenas o Poder Judiciário, por um de seus órgãos, pode eximir as instituições financeiras do dever de segredo em relação às matérias arroladas em lei.

(...)

(RDA 197/174, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO - grifei)

 

A efetividade da ordem jurídica, a eficácia da atuação do aparelho estatal e a reação social a comportamentos qualificados pela nota de seu desvalor ético-jurídico não ficarão comprometidas nem afetadas,se se reconhecer aos órgãos do Poder Judiciário, com fundamento e apoio nos estritos limites de sua competência institucional, a prerrogativa de ordenar a quebra do sigilo bancário. Na realidade, a intervenção jurisdicional constitui fator de preservação do regime das franquias individuais e impede, pela atuação moderadora do Poder Judiciário, que se rompa, injustamente, a esfera de privacidade das pessoas, pois a quebra do sigilo bancário não pode nem deve ser utilizada, ausente a concreta indicação de uma causa provável, como instrumento de devassa indiscriminada das contas mantidas em instituições financeiras.

 

A tutela do valor pertinente ao sigilo bancário não significa qualquer restrição ao poder de investigar e/ou de fiscalizar do Estado, eis que o Ministério Público, as corporações policiais e os órgãos incumbidos da administração tributária e previdenciária do Poder Público sempre poderão requerer aos juizes e Tribunais que ordenem às instituições financeiras o fornecimento das informações reputadas essenciais à apuração dos fatos.

 

Impõe-se destacar,  neste ponto,  que nenhum embaraço resultará do controle judicial prévio dos pedidos de decretação da quebra de sigilo bancário, pois, consoante já proclamado pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo absoluta a garantia pertinente ao sigilo bancário, torna-se licito afastar, em favor do interesse público, a cláusula de reserva que protege as contas bancárias nas instituições financeiras.

 

Não configura demasia insistir, Senhor Presidente, na circunstância - que assume indiscutível relevo jurídico - de que a natureza eminentemente constitucional do direito à privacidade impõe, no sistema normativo consagrado pelo texto da Constituição da República, a necessidade de intervenção jurisdicional no processo de revelação de dados ("disclosure") pertinentes às operações financeiras, ativas e passivas, de qualquer pessoa eventualmente sujeita à ação investigatória (ou fiscalizadora) do Poder Público.

 

A inviolabilidade do sigilo de dados, tal como proclamada pela Carta Política em seu art. 5º, XII, torna essencial que as exceções derrogatórias à prevalência desse postulado só possam emanar de órgãos estatais - os órgãos do Poder Judiciário (e, excepcionalmente, as Comissões Parlamentares de Inquérito) -, aos quais a própria Constituição Federal outorgou essa especial prerrogativa de ordem jurídica.

 

A equaçãodireito ao sigilo - dever de sigilo exige -para que se preserve a necessária relação de harmonia entre uma expressão essencial dos direitos fundamentais reconhecidos em favor da generalidade das pessoas (verdadeira liberdade negativa, que impõe, ao Estado, um claro dever de abstenção) , de um lado, e a prerrogativa que inquestionavelmente assiste ao Poder Público de investigar comportamentos de transgressão à ordem jurídica, de outro - que a determinação de quebra do sigilo bancário provenha de ato emanado de órgão do Poder Judiciário, cuja intervenção moderadora na resolução dos litígios, insista-se, revela-se garantia de respeito tanto ao regime das liberdades públicas quanto à supremacia do interesse público.

 

Sendo assim, Senhor Presidente, e tendo em consideração as razões expostas, entendo que a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs (CF, art. 58, § 3º), pressupõe,sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se imporá à instituição  financeira o dever de fornecer, seja à administração tributária, seja ao Ministério Público, seja, ainda, à Polícia Judiciária, as informações que lhe tenham sido solicitadas.

Desse modo, Senhor Presidente, e em face das razões expostas, peço vênia para acompanhar o douto voto proferido pelo eminente Ministro MARCO AURÉLIO, Relator da presente causa.

E o meu voto.

 

 

VOTO

 

 

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (PRESIDENTE) - Eu também vou pedir vênia à divergência para dar provimento ao recurso.

Não me parece caso de reeditar os amplos argumentos já brilhante e exaustivamente deduzidos, só lembrando que a postura adotada em nada prejudica a administração pública, que pode, fundamentadamente, requerer ao Poder Judiciário, que lhe franqueará acesso aos dados de que precise.

fonte: STF