quinta-feira, 18 de março de 2010

Repercussão Geral inibe atividade jurisdicional

A Emenda Constitucional 45/04 (Reforma do Judiciário) trouxe profundas modificações à jurisdição do STF, pois reinaugurou a antiga regra da arguição de relevância para fins de interposição de Recurso Extraordinário, agora sob a nominação jurídica da repercussão geral.

Parodiando mestre Carrazza, o nome aos bois não muda a natureza da raça, ou seja, o nomem iuris não altera natureza jurídica dos institutos.

Essa regra foi alvo de variadas críticas, sempre no sentido de que desafogaria o judiciário (só por um período de tempo), mas acabaria por restringir à jurisdição.

E realmente as críticas procediam e agora se materializam.

Digo isso em razão da decisão do STF no Julgamento da Questão de Ordem do Agravo de Instrumento n. 760358.

Sem minúcias, podemos resumir a decisão no seguinte aspecto.

O STF, desde a reforma em comento, vem sendo assolado com reclamações, recursos extraordinários e recursos outros, todos no sentido de correta aplicação de questões que são objeto de Súmula Vinculante ou Repercussão Geral.

Esse panorama havia sido aventando pelos críticos, que diziam que agora teríamos o tráfego processual dos recursos incidentais e a discussão adjacente quanto à aplicação ou não, seja da Súmula Vinculante ou da Repercussão Geral.

É dizer, toda luta pela efetividade da jurisdição na contemplação de dar o bem da vida restaria prejudicada por questões processuais.

E foi nessa toada que o Supremo resolveu. Ou seja, para não se atolar nesses processos outros deu decisão salomônica, no sentido figurado da palavra, somente.

Isso porque, agora a parte terá que exaurir os recursos no Tribunal de Origem.

Em resumo, as várias decisões monocráticas, em sede de colegiado (TJs e TRFs), que temos observado (também poderíamos aplicar esse entendimento ao STJ), deverão ser fustigadas pelo Agravo Regimental ao Pleno e, caso este não se mostre adequado, aparelhado o Mandado de Segurança contra ato de Tribunal a ser Julgado pela Corte Especial, já que os Tribunais Superiores não têm competência constitucional para decidir essa matéria.

Enfim, no final, quem julgará o Recurso Ordinário contra decisão denegatória de Mandado de Segurança originário...o tiro pode sair pela culatra...

Confiram a decisão objeto de nossos cuidados:

EMENTA: Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem. Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos termos da lei , na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito das matérias com repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem. (g.n.)

AI 760358 QO / SE - SERGIPE
QUESTÃO DE ORDEM NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente)
Julgamento: 19/11/2009, Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação
DJe-227 DIVULG 02-12-2009 PUBLIC 03-12-2009
REPUBLICAÇÃO: DJe-030 DIVULG 18-02-2010  PUBLIC 19-02-2010
EMENT VOL-02390-09 PP-01720

FARB

O que é o Direito Aduaneiro


Prezados, reproduzo artigo de nossa autoria que saiu na Revista Visão Jurídica-ed. 42, 22.01.2.010, pags. 72-73, segue endereço http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/42/artigo158858-1.asp :

O que é direito aduaneiro





Ramo multidisciplinar do direito vai muito além do conceito de comércio exterior



Texto: Felippe Alexandre Ramos Breda e Rogério Zarattini Chebabi



Muitos perguntam o que é o Direito Aduaneiro. A princípio, em rápida leitura do artigo 237 da Constituição Federal, vislumbraríamos seu objeto unicamente no comércio exterior, submisso ao poder regulamentar do ministro da Fazenda. Depois, evidenciaríamos não apenas o comércio de bens com o estrangeiro, mas também o ingresso, sem conotação comercial, de pessoas e bens.

Notaríamos a forte ligação com o Direito Tributário, pois o fato de se importar bens atrai a incidência de inúmeros tributos em cascata, cujas bases de tributação adotam a mesma realidade, incidindo umas sobre as outras (Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, PIS/Cofins-Importação, ICMSImportação, Cide-Importação), ainda que se argumente terem fins regulatórios e extrafiscais, em defesa de nobres interesses públicos.

As figuras aduaneiras tratadas como regimes especiais são misto de interesse público e privado tanto que preveem modalidades de suspensão da carga tributária, redução, diferimento, isenção, questões de logística e afins, ora calcadas nos interesses nacionais, ora nos interesses dos beneficiários dos regimes.

O Direito Administrativo é presente para os atos de autorização para a prática de atos em comércio exterior, que dependem de exclusiva autorização do Poder Público (Receita Federal do Brasil).

Quando discutidos os crimes de descaminho e contrabando - vulgarmente confundidos - estaríamos no campo do Direito Penal; se abordarmos os casos de subfaturamento, no campo da sonegação fiscal, figura penal prevista por legislação especial (Lei 8.137/1990).

A bordando a remessa ou o recebimento de valores decorrentes do comércio internacional, entramos no campo do direito financeiro e sob a égide do Banco Central, que controla o fluxo de divisas.

Lembrando da famigerada penalidade de perdimento, sanção máxima que prevê a perda de bens em processos administrativos de instância única a cargo da própria autoridade que supostamente constatou a infração, cujas hipóteses ora são reais, ora são fictícias (art. 689 e segs. do Decreto 6.759/09, Regulamento Aduaneiro), estamos diante de figura jurídica híbrida, com cunho sancionador e reparador - este à suposta lesão ao erário.

Pode-se dizer então que realmente existe forte discussão a respeito do que é o Direito Aduaneiro.

Subjetividade

Pacificar-se o entendimento de que é ramo autônomo do Direito, nada diz. Tal assertiva tem cunho didático, servindo apenas para a definição do regime jurídico a ser aplicado. Aliás, classificar, como bem cita o professor Roque Antônio Carrazza (Curso de Direto Constitucional Tributário), tem cunho subjetivo e depende do objeto de referência. Efetivamente não há ramos autônomos na ciência do Direito, todos se entrelaçam como vasos sanguíneos e respiram entre si.

D iferente não é o Direito Aduaneiro. O principal enfoque de sua regulação é disciplinar a relação entre Estado e cidadão decorrente do tráfego de bens e pessoas, com ou sem conotação comercial.

D essa matriz primordial, vislumbra-se, de pronto, o choque de princípios funda-mentais a uma república: o direito do Estado em fiscalizar e aplicar a lei, e o direito de propriedade e ao livre exercício de atividade econômica do contribuinte.

Enquanto o Estado só age conforme a lei - verdadeira utopia -, ao cidadão só se proíbe por meio daquela. A leitura das várias matérias que são tratadas pelo Regulamento Aduaneiro facilmente demonstra o caráter multidisciplinar da matéria, que envolve os mais diversos ramos do direito e ciências outras.

O Direito Aduaneiro possui arsenal de relações jurídicas com os mais variados objetos. O objeto do Direito Aduaneiro, por meio do controle do fluxo de pessoas e bens, seja com vistas ao comércio ou não, visa ao resguardo dos múltiplos interesses públicos do Estado com a saúde, a segurança, o meio ambiente, a economia, a política e afins. Tais interesses são os chamados primários (difusos) - de que efetivamente deveria o Estado se ocupar.

Na relação aduaneira poderíamos adotar três principais relações jurídicas, lembrando a posição da professora Regina Helena em sua recente e abalizada obra (Curso de Direito Tributário). São elas (i) relação jurídica de cunho formal (fazer ou deixar de fazer algo em virtude do interesse da fiscalização e arrecadação); (ii) relação jurídica de dar (pagar tributos); e (iii) relação jurídica sancionadora (aplicação de penalidades decorrentes de infrações).

Portanto, por possuir o Direito Aduaneiro arsenal de relações jurídicas com os mais variados objetos e envolvendo outros ramos jurídicos e ciências, justifica-se seu estudo como ciência autônoma com peculiaridades e regimes próprios.

Felippe Alexandre Ramos Breda e Rogério Zarattini Chebabi Advogados do escritório Emerenciano, Baggio e Associados - Advogados. São Paulo/SP