terça-feira, 24 de abril de 2012

O fim da guerra dos portos é constitucional‬‪

 ‬‪O Senado Federal deve votar a qualquer momento o projeto de resolução nº 72, de 2010, que promete acabar com a guerra fiscal praticada há décadas por diversos Estados brasileiros.

Em sua versão mais recente, denominada guerra dos portos, o que temos verificado é a concessão de benefícios sem a autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) em favor de produtos importados.

‬‪O texto em discussão no Senado prevê que a alíquota do ICMS nas operações interestaduais será de 4%, em lugar das alíquotas de 7% e 12% praticadas. Ao estabelecer uma alíquota menor do que as atuais, o projeto de resolução limita significativamente os efeitos que os benefícios fiscais concedidos nas importações por um Estado podem ter sobre a economia e a arrecadação dos demais.

‬‪Não se pode negar que a concessão de incentivos e o estímulo ao desenvolvimento regional ou setorial são saudáveis e necessários. Entretanto, na maioria das vezes o que se vê são incentivos sem uma razão de ser.‬‪

Um exemplo é o Espírito Santo, que hoje é refém do Fundo de Desenvolvimento de Atividades Portuárias (Fundap), incentivo fiscal combatido por outros Estados, como São Paulo. O Fundap foi criado em 1972 e desonera as importações desembaraçadas no Espírito Santo. No entanto, se alguém quiser descobrir que benefícios efetivos o Espírito Santo recebeu ao longo de 40 anos, em decorrência do programa, terá dificuldade para descobrir isso. O porto do Estado e seu aeroporto são precários, como declarou recentemente o governador Renato Casagrande na imprensa.‬‪

Os argumentos de quem defende a manutenção da guerra fiscal são os seguintes: 1) estaria sendo criada uma distinção tributária ilegítima em favor do produto nacional; e 2) haveria desvio de finalidade, pois o Senado estaria invadindo competência do legislador complementar.‬‪

O primeiro argumento não tem a menor sustentação. A resolução não cria uma distinção tributária ilegítima. Na verdade, a distinção tributária ilegítima já existe e foi criada por aqueles Estados que, sem autorização do Confaz, criaram benefícios fiscais que favorecem tão somente os produtos importados. O "setor" da economia que mais se beneficia dos incentivos fiscais unilaterais é a importação de produtos industrializados para simples revenda. Daí a denominação de guerra dos portos.‬‪

Fica evidente que, ao invés de estimular o desenvolvimento da indústria nacional, com políticas conscientes de estímulo e desoneração fiscal, alguns Estados incentivam a indústria de outros países, que têm como alvo o mercado doméstico brasileiro.

‬‪Os produtos importados competem com ampla vantagem com o produto nacional. Mas não é só. Com o passar dos anos, o produto importado substitui o nacional e a indústria local deixa de produzir. Fica no exterior a geração de emprego e a riqueza gerada pela atividade industrial. Nesse aspecto, a resolução pretende neutralizar os efeitos desses benefícios, estabelecendo condições tributárias idênticas para produtos nacionais e importados.‬‪

Também foi invocado o artigo 152 da Constituição Federal, que impede que os Estados, o Distrito Federal e os municípios estabeleçam diferenças tributárias entre bens e serviços em razão de sua procedência ou destino.

Sucede que essa norma constitucional se dirige a Estados e municípios, e não ao Senado. Não bastasse isso, o tratamento proposto pelo projeto de Resolução 72/2010 encontra seu fundamento de validade na própria Constituição, nos princípios constitucionais da livre concorrência e da busca do pleno emprego (artigo 170, incisos IV e VIII). O segundo argumento não tem melhor sorte.‬‪

A competência para o Senado dispor sobre as alíquotas interestaduais do ICMS é soberana e não lhe pode ser subtraída. É essa competência que o Senado exerce ao fixar a alíquota interestadual de 4% nas operações com produtos provenientes do exterior. A competência do legislador complementar é outra e não se confunde com a do Senado. O legislador complementar, diga-se de passagem, exerceu competência com maestria ao aprovar a Lei Complementar nº 87, de 1996 (Lei Kandir) e a Lei Complementar nº 24, de 1975, que criou o Confaz e estabeleceu os critérios para a concessão de incentivos e benefícios fiscais.‬‪

Se houve violação à competência de alguém, é certo dizer que houve violação à competência do Confaz, pois foram criados diversos benefícios fiscais sem a sua autorização, em que pese a clareza da Lei Complementar nº 24/1975.‬‪

Com o passar dos anos e diante do silêncio do Judiciário, chegamos a situações extremas.

Benefícios fiscais deixaram de ser concedidos para atrair uma indústria ou para desenvolver um setor da economia. Aliás, como alegou a procuradoria do Estado de São Paulo no julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tais benefícios foram criados apenas para retaliar os outros Estados.‬‪

O STF tem reiteradamente declarado a inconstitucionalidade da legislação que concedeu tais benefícios sem a autorização do Confaz.

Apesar disso, há outras leis e decretos contaminados pelo mesmo vício, que ainda não foram declarados inconstitucionais. Ao mesmo tempo, tem se falado na recriação de benefícios anteriores, sob nova roupagem, contrariando o que decidiu o STF.‬‪

Diante desse cenário, o governo federal e a maior parte dos estados deseja a aprovação do projeto de resolução que objetiva acabar com a guerra fiscal.‬‪

Já foi dito e repetido inúmeras vezes que a insegurança jurídica é inimiga de novos e duradouros investimentos. O país vive um boom de investimentos estrangeiros, como nunca na história deste país. A última coisa que se deseja é que a insegurança jurídica seja um freio para estes investimentos.‬‪

Se for aprovado, o projeto de resolução deve inaugurar uma nova era na relação entre Estados (bilateralmente ou por meio do Confaz) e contribuintes e, principalmente, na racionalização da concessão de benefícios fiscais para o desenvolvimento de regiões e setores da economia.‬‪

Que seja bem-vindo.‬‪‬‪‬‪

Opinião de  João Agripino Maia sócio do escritório Veirano Advogados
Valor Econômico 24/04/2012‬‪‬‪

Auto de infração e lançamento tributário: Elementos, pressupostos, vícios e anulação

Eurico Marcos Diniz de Santi 
Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor de Direito Tributário e Financeiro da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - NEF/DireitoGV.


Artigo - Federal - 2012/3170

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Artigo elaborado no NEF - Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas - DIREITO GV.

1. Superando as astúcias da expressão ato administrativo

Como diz LUDWIG WITTGENSTEIN, "os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo".(1) Sem aparelhar nossa ferramenta de trabalho, que é a linguagem, simplesmente não conseguimos detectar as múltiplas nuanças que o direito constrói e de cuja manipulação nos tornamos reféns. Especificamente na ciência do direito, romper os limites da linguagem é alargar os horizontes para a compreensão do direito.

Por isso, é necessário discutir a relevância do problema da ambiguidade das palavras no processo de aplicação do direito. Tomemos como exemplo a afirmação de que "a posse incide sobre a posse e faz nascer a posse", que só poderá ser compreendida por quem souber identificar, no direito civil, as três acepções de posse: norma geral e abstrata veiculada pelo Código Civil, fato jurídico de determinada pessoa exercer facticamente relação com dada coisa com ânimo de proprietário e direito subjetivo decorrente desse fato.(2) Assim, a afirmação seria compreendida: a posse (norma) incide sobre a posse (fato) e faz nascer a posse (relação jurídica).

Assim como ocorre com posse no direito civil, ato administrativo apresenta mais de uma acepção no direito administrativo.(3) Que é ato administrativo? Ato de aplicação do direito? Ou é justamente o produto desse ato, quer dizer uma norma individual e concreta? Ou será o documento legal veiculador desse ato de concreção do direito?

Se em posse é possível distinguir três significados, em ato administrativo, pode-se identificar o que CARLOS SANTIAGO NINO chama de ambiguidade processo/produto e que consiste no fato de que um mesmo termo apresenta dois significados: um relativo à atividade ou ao processo e o outro, ao produto ou resultado dessa atividade ou processo. Como exemplifica o autor, "é o que ocorre com palavras como 'trabalho', 'vivência', 'construção', 'pintura'. Se alguém me diz 'me encontro na pintura', pode-se duvidar de, se o que gosta, é pintar ou contemplar quadros".(4)

Assim, o ato administrativo (processo) produz o ato administrativo (produto), ao passo que o ato legislativo (processo) produz a lei (produto) e o ato judicial (processo) produz a sentença (produto). Note-se que, só no caso de ato administrativo, é que ocorre a ambiguidade processo/produto, à qual imputamos inúmeras das divergências e desencontros nas teorias que tratam do ato administrativo.

Se esse problema não passou despercebido a ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(5) ele fica patente na "definição legal" proposta por HELY LOPES MEIRELES: "Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria".(6) O termo por nós destacado encerra a mesma ambiguidade de ato administrativo: manifestação serve tanto para denotar o ato de se manifestar (processo) como o resultado desse ato (produto).(7)

Assim, quando um guarda de trânsito lavra um auto de infração, ele está realizando um ato administrativo. Ao mesmo tempo, a norma individual e concreta, introduzida pelo guarda mediante o suporte físico do auto de infração, é também um ato administrativo. Note-se, o primeiro ato administrativo é fato: consiste em ato de aplicação do direito. O segundo é o resultado jurídico daquele ato de aplicação do direito. O que entrevemos é a confusão entre (i) o ato de aplicação que cria a norma e a própria norma criada por esse ato; (ii) a fonte material e a norma produzida; (iii) o exercício da competência administrativa e seu resultado; (iv) a enunciação e o enunciado, e (v) o processo de criação do direito e o produto.

Ora, se de um lado essa dualidade é aceita na linguagem técnica do direito, de outro, no plano científico, que prima pela univocidade de seus termos, deve ser esclarecida de antemão. Assim, convencionaremos chamar ato-fato administrativo, ao ato da autoridade administrativa que configura o fato do exercício da competência administrativa, e ato-norma administrativo, à norma individual e concreta produzida por esse ato-fato,(8) deixando a expressão ato administrativo para designar o gênero que envolve essas duas espécies.(9)

Assim, parece-nos pertinente distinguir entre os requisitos do ato administrativo citados por HELY LOPES MEIRELES,(10) os que se encontram no plano do ato-fato administrativo (competência e motivo) e os que se encontram no ato-norma administrativo (forma, finalidade e objeto). Com relação aos atributos, julgamos estarem todos eles (presunção de legimidade, imperatividade e autoexecutoriedade) ligados ao ato-norma administrativo.

2. Elementos do ato-fato administrativo e do ato-norma administrativo

Sem desconsiderar a crítica de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,(11) utilizaremos a noção de elemento tal qual foi definida por WITTEGENSTEIN, como "proposição factual que resulta da decomposição de um fato".(12)

Compatibilizamos desse modo o conceito aristotélico(13) de elementos de BANDEIRA DE MELLO com o de PAULO DE BARROS CARVALHO, para quem elementos são as proposições jurídicas que compõe o fato (proposição linguística), e não entidades da ordem dos acontecimentos (eventos). Assim, adaptamos a proposta que havíamos edificado anteriormente(14) a essa nova perspectiva.(15)

2.1. Elementos do ato-fato administrativo (lançamento e auto de infração)

Os elementos do ato-fato administrativo, como entidades linguísticas que são, encontram-se revestidos em linguagem na enunciação enunciada que compõe a fonte formal, e que sua refutação jurídica está justamente na relação desses enunciados com outros que exprimam de forma diferente esses referenciais empíricos.(16)

São elementos do ato-fato administrativo os fatos jurídicos protocolares que influem positivamente em sua conformação jurídica: (i) o agente público competente, (ii) o motivo do ato, (iii) o procedimento previsto normativamente e (iv) a publicidade.

Agente público competente é a autoridade administrativa juridicamente habilitada para fiscalização e verificação da ocorrência do motivo do ato, para realização do procedimento e da publicidade exigidos pelo direito posto.(17)

Motivo do ato é o fato jurídico provado que autoriza (ato discricionário) ou exige (ato vinculado) a prática do procedimento administrativo.(18)

Procedimento é o fato jurídico que se configura com a ordenação da série de atos e fatos jurídicos que colaboram, de forma sucessiva ou instantânea, sequencial ou não, na formação do ato-fato administrativo. Seria perfeitamente cabível considerar os outros três elementos (a autoridade, a publicidade e a verificação do motivo do ato) como aspectos do procedimento, mas preferimos especificar o sentido de procedimento como a estrutura, e não os fatos em si, de um sistema de fatos ordenamente inter-relacionados e dirigidos a dado fim, ou seja, como a relação que se estabelece entre os vários fazeres.

Publicidade é o fato jurídico que se configura mediante o ato comunicacional para informar ao destinatário que a norma individual e concreta foi produzida em conformidade com os pressupostos legais. Nela, constam os dêiticos da autoridade, do motivo do ato, do procedimento e da própria publicidade.

Basta provar a inexistência jurídica de qualquer desses elementos para se inquinar juridicamente um ato-norma administrativo como inválido. Exemplo, uma multa de trânsito que seja lavrada sem a presença de qualquer desses elementos é de pleno direito invalidável perante o direito positivo.

2.2. Elementos do ato-norma administrativo (lançamento e auto de infração)

Elementos do ato-norma administrativo são os fatos jurídicos que compõem a estrutura dessa norma individual e concreta. Acatando a terminologia de PAULO DE BARROS CARVALHO, são elementos do ato-norma administrativo o fato-evento e o fato-conduta.

Em direito administrativo, o fato-evento é a motivação do ato administrativo, que pode ser expressa ou implícita. A motivação é expressa quando verbalizada no texto do veículo introdutor e implícita, quando num ato administrativo vinculado, possa ser construída a partir do conteúdo do ato em contexto semântico-pragmático com o ato-fato que orientou sua produção. Motivação, desse modo, é uma proposição descritiva do motivo do ato que ocupa o lugar sintático de antecedente numa norma individual e concreta (ato-norma administrativo).(19)

Em direito tributário, fato-evento é a descrição em linguagem jurídica do evento jurídico tributário. No processo de positivação do direito, é o elo jurídico que liga a norma individual e concreta à regra-matriz de incidência tributária, estabelecendo, nessa interação, os referenciais de espaço e tempo imprescindíveis ao controle da legalidade do ato-norma administrativo.

Poderíamos dizer que o fato-evento é o genoma do ato administrativo, e a informação do DNA contida nesse genoma equivale à informação contida no fato-evento. É essa informação que nos permite identificar o evento tributário e a regra-matriz da incidência tributária que lhe confere juridicidade, facultando, assim, o controle da legalidade.

Fato-conduta é a relação jurídica constituída no consequente do ato-norma administrativo. Como relação que é, apresenta a forma xRy, em que x e y representam o sujeito ativo e o sujeito passivo e R, a obrigação, a permissão ou a proibição de dada conduta. No ato-norma administrativo de lançamento tributário, Fisco e contribuinte ocupam os polos dessa relação, que determina a obrigatoriedade de o contribuinte pagar o tributo ao Fisco. Na terminologia de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, o fato-conduta corresponde ao conteúdo do ato administrativo, definido por esse autor como aquilo que o ato dispõe.(20)

3. Lançamento tributário

Lançamento tributário, consoante assinala LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,(21) apresenta vários matizes significativos.(22) Encontram-se vinte e sete ocorrências do vocábulo lançamento no Código Tributário Nacional(23) e uma na Constituição Federal de 1988,(24) basicamente em dois sentidos: (i) como o ato ou o procedimento material de formalização do crédito tributário realizado pelo contribuinte ou pelo Fisco e (ii) como a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte ou pelo Fisco.

A proposta que identifica o ato-fato e o ato-norma como entidades contíguas, mas distintas, permite ampliar a análise do ato administrativo de lançamento tributário. O primeiro sentido é o de o ato-fato administrativo, em que se pode identificar o agente competente, o motivo do ato, o procedimento e a publicidade. O segundo é de ato-norma administrativo, em que se identificam o fato-evento (motivação) e o fato-conduta (relação jurídica tributária).

3.1. Lançamento tributário como norma individual e concreta produzida pelo agente fiscal

Doravante utilizaremos lançamento como a norma individual e concreta que formaliza o crédito tributário e decorre de procedimento administrativo realizado por autoridade administrativa. Observamos que essa tomada de posição não inibe nem desqualifica o uso de lançamento com outras proporções de sentido, mas permite manter coerência com a orientação inicial deste trabalho, que define direito como o conjunto das normas jurídicas válidas.

Essa opção foi orientada também pelo diretivo do art. 142 do CTN, que exclui do sentido de lançamento a norma individual e concreta formalizada pelo sujeito passivo da obrigação tributária.

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

No caput e no parágrafo único desse dispositivo - conforme assinala LÚCIA VALLE FIGUEIREDO(25) -, lançamento está empregado na acepção de procedimento formalizador do crédito tributário. Trata-se, pois, de norma de competência administrativa orientada para a conformação do ato-fato administrativo de lançamento tributário, disciplinando o ato do direito dirigido a constituir o crédito.

Não pode ser confundido com aquilo que se chama de sentido material de lançamento, designando ora a atividade material de formalizar o crédito tributário independentemente da pessoa que o realiza (seja o contribuinte, seja a autoridade judiciária), ora o produto desse ato formalizador do crédito quando não realizado pelo Fisco. Isso porque, nesses dois últimos casos, considera-se que o lançamento pode ser realizado por outra pessoa que não a autoridade administrativa, e isso não está de acordo com o previsto no art. 142.

É sob essa óptica que se discute a índole do chamado "autolançamento" como atividade material, denotando o ato de formalização efetuado pelo contribuinte e que culmina com o pagamento antecipado.

Assim, lançamento será considerado como ato-norma administrativo, com estrutura dual de fato-evento e fato-conduta, introduzido pela autoridade fiscal. Não poderá ser confundido, portanto, com o procedimento administrativo e estará em oposição às demais normas jurídicas que também têm o condão de constituir o crédito tributário, mas que não decorrem de procedimento administrativo realizado pelo Fisco. A cada uma dessas normas, chamaremos norma individual e concreta de formalização do crédito tributário.

3.2. O fato-evento, ou fato jurídico tributário

No fato-evento, encontramos a descrição do motivo do ato e, no caso específico do lançamento tributário, a descrição do fato jurídico tributário. Conforme dispõe o art. 144 do CTN, o fato-evento do ato-norma administrativo de lançamento reporta-se à data da ocorrência do evento tributário e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. Verifica-se, pois, que o fato-evento não só constitui o fato jurídico tributário como também define o direito aplicável. Sem fato-evento não há fato jurídico. Sem fato jurídico que determine as coordenadas espaço-temporais da legislação vigente, o direito aplicável é uma incógnita.

O evento não é o fato-evento, é descrito pelo fato-evento que assim o constitui juridicamente. O evento é, por exemplo, a circunstância de ser proprietário de imóvel no perímetro urbano da cidade de São Paulo no dia 01/01/2000. O fato-evento decorre do ato de enunciação, da lavratura do ato-norma administrativo de lançamento em 20/02/2000. Pode-se dizer, assim, que o evento é conteúdo do fato-evento ou que, juridicamente, o fato-evento descreve o evento.

Identificam-se aí dois momentos: o da enunciação do fato-evento e o do referente constituído por essa proposição. A data do fato é 20/02/2000 e a data no fato é 01/01/2000: esta indica a data da ocorrência do acontecimento tributário; aquela, o momento em que esse acontecimento foi internalizado na linguagem própria do direito.

Vale advertir: pode haver fato-evento sem evento que lhe corresponda. Ora, a história nasceu com a linguagem. A linguagem propicia a representação do real sem com ele se confundir. Como disse CHARLES SANDERS PEIRCE: "signo é algo que representa algo diferente de si mesmo".(26) A linguagem, que é feita de signos, não é aquilo que representa. Qual gêmeos univitelinos, com a linguagem nascem, concomitantemente, a verdade e a mentira. Ainda, nesse mesmo berço, surgem de mãos dadas a história e o direito. Sem linguagem não há verdade, nem mentira; nem história, nem direito. Assim como na história, o direito pode referir-se a um evento que não ocorreu e, para isso, existe no direito o contraditório administrativo, judicial e o mandado de segurança como formas de processamento da verdade construída no interior do direito.

Outra percepção que o estudo mais acurado do fato-evento nos propicia é a de que o direito não volta ao passado, reconstrói o passado no presente, enunciando-o e instalando seus efeitos para o vir a ser deste presente. Essa é a principal função do fato-evento na estrutura da norma individual e concreta do lançamento: trazer o passado para o presente, dimensionando e fundamentando juridicamente o fato-conduta. Assim, são determinados: a lei aplicável, o sujeito ativo, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota.

3.3. O fato-conduta, ou relação jurídica tributária

O fato-conduta é a proposição prescritiva que estipula a relação jurídica tributária entre determinando sujeito ativo e determinado sujeito passivo, quantificando o montante do tributo devido. Como a linguagem prescritiva visa a alterar condutas, o fato-conduta volta-se para o futuro, pois só a conduta futura é passível de alteração.

É impossível prescrever o passado, pois comportamentos passados são inalteráveis. Seria uma absurdo prescrever: "Fulano é obrigado a fazer algo ontem". É um sem sentido pretender alterar aquilo que já se deu. Pode-se dissimular, alterar ou desfigurar sua articulação linguística, o que é outro processo, não o próprio acontecimento.

3.4. O dever de lançar e a responsabilidade funcional, o poder de lançar e a decadência

O dever-poder de produzir o lançamento tributário retrata duas relações jurídicas: uma, a relação que se estabelece entre o Estado-administração e a autoridade administrativa incumbida de realizar o ato-fato de lançamento; outra, entre a autoridade administrativa e o contribuinte. O agente público é, assim, simultaneamente, sujeito de um dever jurídico e titular de um poder jurídico. É polo passivo do dever jurídico de empreender o ato-fato de lançamento tributário, em face do Estado-administração, que é o polo ativo nessa relação. É polo ativo do direito subjetivo público (competência) de efetuar o ato-fato de lançamento, em face do contribuinte, que é o polo passivo nessa outra relação. Assim, o agente público participa dessas duas relações, em que dever e poder modalizam a conduta de realizar o ato-fato de lançamento.(27)

Não há, portanto, que se confundir esse sentido com o uso de dever-poder enquanto liame lógico de subalternação, que estabelece que o dever implica o poder (OpÉPp). Assim, se a conduta é obrigatória, então, a conduta p está permitida, ou seja, a obrigação de fazer algo implica a permissão de fazê-lo. Nesse sentido, a relação dever-poder denota a mera implicação dedutiva da obrigação como modal deôntico.

Essas duas relações jurídicas de direito público são projetadas por duas normas jurídicas diversas e, quando descumpridas, ocorrem, também, efeitos distintos: do descumprimento do dever de lançar, decorrre a responsabilidade funcional (art. 142, parágrafo único do CTN); do não exercício do poder de lançar, decorre a decadência (art. 173 do CTN). Nos dois casos, a figura central é o agente administrativo, que será punido pelo Estado-administração caso não cumpra o dever de lançar no prazo determinado, e que perderá o direito de constituir o crédito, caso não cumpra o prazo determinado para exercer o poder de lançar.

Isso não significa que o contribuinte não seja passível de punição pelo descumprimento do dever de formalizar o crédito no prazo determinado. Mas é preciso considerar que a punição, para o contribuinte, é apenas uma sanção de cunho patrimonial, enquanto que, para o agente administrativo, a pena é de responsabilidade funcional.

O vínculo funcional entre agente e Estado estreita muito mais o controle sobre a atividade de constituição do crédito do que qualquer sanção patrimonial atribuída ao inadimplemento de dever instrumental. Por isso, a figura da autoridade administrativa é tão valorizada no CTN para a realização do ato-fato de lançamento tributário, aparecendo no caput do art. 142.

4. Constituição do crédito realizada pelo contribuinte

O dever de o contribuinte constituir o crédito sem prévio ato de lançamento, realizando o "pagamento antecipado", assim denominado pelo simples fato de anteceder cronologicamente à qualquer atuação do Fisco, está previsto no caput do art. 150 do CTN. Mas isso só ocorre se não houver a tipificação de nenhum dos dispositivos do art. 149 do CTN, caso em que a formalização do crédito será realizada pela autoridade administrativa.

O contribuinte que se encontra obrigado, segundo a forma prevista na legislação, a formalizar o crédito tributário, subsome o evento tributário à regra-matriz de incidência e determina o quantum debeatur. Definido o montante do tributo, efetua o pagamento, que pressupõe a formalização do crédito.

Pode-se concluir, assim, que a constituição do crédito tributário não exige necessariamente ato-norma administrativo de lançamento, pois, conforme expressa determinação do § 1o do art. 150 do CTN, o pagamento antecipado extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação. Nosso direito positivo, portanto, reconhece expressamente a possibilidade jurídica de o contribuinte constituir a relação jurídica tributária (crédito).

Conforme leciona PAULO DE BARROS CARVALHO,(28) quando o sujeito passivo é obrigado, em face de deveres formais expressos, a proceder à formalização do crédito tributário, há a edição de uma norma individual e concreta produzida pelo particular.

São identificáveis, nesse processo de positivação: (i) o ato de formalização do crédito pelo contribuinte; (ii) a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte, nesse procedimento; (iii) o crédito tributário constituído no consequente dessa norma; (iv) o ato de pagamento que extingue esse crédito sob condição resolutória; (v) o ato de homologação expressa efetivado ulteriormente pelo Fisco, ou, na ausência deste, a homologação tácita desse pagamento, ou no caso de irregularidade no pagamento, o procedimento administrativo de formalização do crédito, com edição do respectivo ato-norma de lançamento.

Nesse fluxo, não se confundem: o pagamento antecipado formalizado pelo contribuinte com o pagamento do crédito formalizado pelo lançamento de ofício, nem a norma individual e concreta produzida pelo contribuinte com o ato-norma de lançamento produzido pelo Fisco, nem o procedimento do particular tendente a formalizar o crédito com o procedimento administrativo do Fisco dirigido à formalização do crédito.

5. Constituição do crédito realizada pela autoridade fiscal

Como vimos, o dever de a autoridade fiscal empreender a constituição do crédito tributário está previsto no art. 142 do CTN. Além disso, é determinado, seja por menção expressa da legislação tributária, independentemente de qualquer outro fato (art. 147 e art. 149, Inciso I), seja quando se comprove omissão na declaração prevista no art. 147 (Incisos II, III e IV do art. 149) do CTN ou vício no exercício da atividade prevista no art. 150 (Incisos V, VI e VII do art. 149).

Aí está incluído o chamado "lançamento por declaração", que decorre da edição de um ato-norma administrativo e pertence, portanto, à categoria das modalidades que exigem ato de formalização realizado pela autoridade fiscal.

Outro ponto que merece ser desmistificado é o de que a modalidade de formalização do crédito está ligada à natureza específica do tributo. Se assim fosse, o ICMS seria sempre sujeito ao chamado "lançamento por homologação". No entanto, conforme prescreve o Inciso V do art. 149 do CTN, pelo simples fato de se comprovar a omissão da atividade prevista no art. 150 pela pessoa legalmente obrigada, o ICMS submete-se ao procedimento de formalização do crédito realizado pela autoridade administrativa.

Portanto, só num primeiro momento é que a definição da legislação tributária ordinária é relevante para determinação da modalidade de formalização do crédito. Inúmeras outras circunstâncias fácticas inserem-se como relevantes (ex vi dos incisos do art. 149 do CTN) para impor o processo de formalização do Fisco àqueles tributos que, em razão da legislação originária, eram destinados ao ato de formalização do contribuinte.(29)

Conclui-se, assim, que a modalidade de formalização aplicável a cada caso concreto define-se em função da combinação de vários critérios definidos pelo próprio direito e não, simplesmente, em razão do que é estipulado pela legislação instituidora do tributo.

6. Revisão do ato-norma de lançamento

O crédito tributário, consequente do ato-norma de lançamento tributário, para ser alterado requer outra norma individual e concreta que invalide a norma original instituidora do crédito.(30) Segundo o art. 145 do CTN, o lançamento regularmente notificado ao contribuinte só pode ser alterado em virtude de: "I - impugnação do sujeito passivo; II - recurso de ofício; III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149".

É interessante notar, conforme sublinhou ALBERTO XAVIER,(31) que a lei usa o termo alteração para as três hipóteses de reapreciação do lançamento, reservando revisão, ex vi do art. 149 caput e parágrafo único, para indicar o ato-norma administrativo de reapreciação do ato-norma de lançamento tributário original. Nesse caso, a revisão consiste, juridicamente, em novo lançamento e, por consequência, novo crédito tributário.

Mas revisão pode significar também o procedimento de produção da norma substitutiva, regulado pela norma geral e abstrata de competência administrativa que delineia sua produção. Nesse plano, a norma definidora da competência administrativa para o exercício da revisão pressupõe em sua hipótese a existência jurídica de ato-norma administrativo passível de ser objeto de revisão e, além disso, o acontecimento de pelo menos uma das circunstâncias tipificadas nos incisos III, IV, V, VI, VII, VIII e IX do art. 149 do CTN, que, configuradas, implicam o consequente normativo dessa regra: o dever de realizar novo lançamento.

No patamar das normas individuais e concretas, a norma de revisão equivale a novo lançamento veiculador do crédito. Diferencia-se estruturalmente do lançamento original apenas em razão de sua motivação: naquele, é apenas o fato jurídico tributário, enquanto nesta, é a combinação do fato-evento com pelo menos uma das hipóteses, acima relacionadas.

Assim, a denominada revisão constitui novo ato-norma administrativo que instala, com a devida notificação, nova constituição do crédito, atendendo à hipótese prevista no art. 174 do CTN, funcionando como dies a quo do prazo prescricional.

7. A anulação por vício formal

No fenômeno de produção normativa, forma e matéria entrelaçam-se em mútua relação, como exemplifica RICARDO GUIBOURG: a exceção de incompetência é questão de forma em relação ao direito material, mas, se alegada extemporaneamente, a exceção, em relação ao argumento de sua intempestividade, passa a ser questão de conteúdo (do assunto competência).(32) Assim também, no direito tributário, o ato de lançamento é forma em relação à regra-matriz de incidência, mas é matéria em relação à sua anulação por vício formal.

Numa visão dinâmica, os conceitos de forma e matéria estão relacionados com o processo de positivação do direito. Considerando, por hipótese, quatro normas, sendo: N1 a norma constitucional que cuida do processo de produção de N3; N2 a norma constitucional que informa o conteúdo desse ato; N3 a norma infraconstitucional que cuida do procedimento de lançamento, e N4 a norma individual e concreta do lançamento. N1 será do âmbito da forma em relação a N3, que será do âmbito da matéria em relação a N1 e da forma em relação a N4, e N2 e N4 serão do âmbito da matéria.

Na visão estática do direito, como sistema de normas jurídicas válidas, não se leva em conta essa relatividade: são do âmbito da forma as normas jurídicas sobre processos de produção de outras normas jurídicas, e da matéria, as normas jurídicas que cuidam de prescrever condutas inter-humanas não vinculadas, imediatamente, à produção de outras normas. Fixada essa premissa, identificaríamos N1 e N3 como normas de direito formal, N2 e N4 como normas de direito material.

Importa notar, sob o enfoque da primeira visão, que direito formal e material se unem na realização de um único ato de aplicação do direito. No processo legislativo, por exemplo, estão presentes concomitantemente as normas constitucionais que disciplinam a forma do processo legislativo, bem como as normas constitucionais que delimitam o conteúdo da lei, definindo a competência material de cada ente tributante, de maneira que a lei é o resultado da aplicação da competência formal e da competência material. No processo administrativo, o mesmo ocorre: realizar ato-fato administrativo significa aplicar, concomitantemente, regras que disciplinam procedimento e regras que disciplinam condutas materiais. Exemplo: o guarda que lavra multa de trânsito, aplica, simultaneamente, a regra que disciplina o seu procedimento e a regra que disciplina que aquele que infringir o Código Nacional de Trânsito deve pagar multa.(33)

7.1. Uma proposta de distinção entre nulidade e anulação do lançamento

Partindo-se dessa coincidência do direito material e formal no ato de aplicação do direito, propõe-se ligar anulação aos vícios de forma e nulidade aos vícios de matéria no lançamento. Assim, para construir essa distinção tomaremos o direito posto, conquanto não haja registro expresso do contorno jurídico da anulação ou da nulidade no direito tributário positivo. Entendemos que, como a atividade administrativa é vinculada à lei, os mesmos critérios que determinam a produção do ato-norma de lançamento válido serão aplicáveis para identificar sua invalidade. Afinal, invalidade é o anverso da validade. Portanto, mesmo diante da ausência de enunciados expressos sobre a invalidação do lançamento, a distinção entre nulidade e anulação pode ser edificada a partir dos enunciados normativos que disciplinam as condições de validade do lançamento. Só assim obteremos critérios jurídicos para diferençar nulidade de anulação.(34)

A anulação decorre do descumprimento dos dispositivos que determinam o ato-fato de lançamento, ex vi dos arts. 141,(35) 142 caput e parágrafo único,(36) 145,(37) 146(38) e 149,(39) do CTN. A nulidade decorre de vícios na aplicação da regra-matriz de incidência tributária, introjetados na estrutura do ato-norma administrativo, seja no antecedente (motivação), seja no consequente (crédito), tais como falta de motivação, defeito na composição ou determinação do sujeito ativo, do sujeito passivo, da base de cálculo ou da alíquota aplicáveis ex vi dos arts. 142, 143(40) e 144(41) do CTN.

Assim, se o lançamento anterior objeto de invalidação apresentar vício em seu processo de produção, ato-fato, é caso de anulação; se o vício estiver instalado em seu produto, ato-norma, é caso de nulidade. Vinculamos anulação aos problemas na aplicação dos enunciados prescritivos que se referem ao processo de produção do lançamento (vícios formais) e nulidade aos problemas inerentes ao conteúdo do ato (vícios materiais), ou seja, à norma individual e concreta que estabelece o crédito e sua motivação. Articulando-se esse tema às pesquisas de JOSÉ LUIZ FIORIN,(42) livre-docente do departamento de Línguística da Universidade de São Paulo, pode-se afirmar que a anulação está para os vícios da enunciação, assim como a nulidade está para os vícios do enunciado-enunciado.

Na anulação, figura-se problema na aplicação das normas de produção normativa (direito formal);(43) na nulidade, na aplicação da regra matriz de incidência (direito material). Nos patamares da teoria de PAULO DE BARROS CARVALHO, nulidade é defeito no enunciado da norma individual e concreta, produzida pelo Fisco, seja no antecedente (fato jurídico tributário), seja no consequente (relação jurídica tributária ou crédito tributário); anulação é impropriedade verificada na fonte material, como antecedente da norma individual e concreta do veículo introdutor desse ato administrativo. Em suma, vício no veículo introdutor, anulação; vício no próprio ato-norma de lançamento, nulidade.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO(44) interpretando ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(45) entende que a possibilidade ou impossibilidade de convalidar-se(46) o vício do ato-norma administrativo é o critério superno para discriminar os dois tipos de invalidação: se o ato-norma é convalidável, é passível de anulação; se é inconvalidável, de nulidade.(47)

Diz expressamente CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

"São nulos:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos em que racionalmente impossível a convalidação, pois se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior.
(...)
São anuláveis:
a) os atos que a lei assim os declare;
b) os atos que podem ser repraticados sem vício".(48)

Portanto, convalidável, e anulável, é o ato administrativo que não apresente vício em seu conteúdo decorrente da aplicação distorcida do direito material, mas tão apenas defeito no procedimento administrativo que o formou. Inconvalidável, e sujeito à nulidade, é o ato administrativo que apresente vício em seu conteúdo, de maneira que, mesmo submetido a novo procedimento de aplicação, produziria o mesmo conteúdo viciado e que só seria válido tivesse seu conteúdo alterado. Só que, nesse caso, não seria mais o mesmo ato. Esse raciocínio permite afirmar que, enquanto na anulação o vício se encontra nos pressupostos de constituição do ato, na nulidade encontra-se entre os elementos do ato administrativo (conteúdo do ato), usando a terminologia de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO.

Ora, se, como diz o autor: "Sem os elementos não há ato jurídico algum (administrativo ou não). Sem pressupostos não há ato administrativo formado de maneira válida",(49) então, nada mais coerente que centrar o estudo da invalidação nesses elementos e pressupostos. Na falta dos pressupostos, descumpre-se a norma de competência e o ato fica inquinado de anulação; na ausência dos elementos em conformidade com a lei material, compromete-se o próprio ato jurídico, que fica inquinado de nulidade. Entrementes, advirta-se: ato administrativo nenhum, em decorrência de sua inerente presunção de validade, torna-se nulo ou anulado sozinho. A invalidação requer sempre ato de aplicação do direito que lhe atribua, mediante ato-norma invalidador, uma ou outra dessas qualidades.

Sendo assim, os problemas do lançamento podem estar na aplicação da regra-matriz ou da regra de competência administrativa, ou, respectivamente, do direito material ou do direito formal na terminologia de RUY BARBOSA NOGUEIRA;(50) ou das normas de comportamento ou das normas de estrutura, na terminologia de NORBERTO BOBBIO.(51)

7.2. O procedimento de invalidação do ato-norma de lançamento tributário

Invalidade, como diz LÚCIA VALLE FIGUEIREDO,(52) ainda enquanto professora assistente da PUC/SP, é "a maneira como a Administração Pública corrige de ofício, ou a requerimento da parte, seu ato praticado, em desacordo com a legalidade". Essa ilegalidade diz respeito tanto à regra-matriz de incidência tributária quanto ao exercício da competência administrativa, posto que a produção de ato válido exige a iteração dessas duas normas: a norma de direito material que se pretende aplicar e a que outorga competência para a prática do procedimento administrativo.

Para se corrigir um ato administrativo requer-se outro ato administrativo, como anota a autora. E, ainda, competência para agir, além de norma geral e abstrata que prescreva materialmente a invalidação, estabelecendo a hipótese e a consequência do ato-norma invalidador.(53) Na hipótese dessa norma geral e abstrata que cuida de disciplinar o ato-norma invalidador, encontramos os mesmos critérios de nulidade e anulação.

Será de nulidade o ato-norma invalidador que tiver por suposto vício nos elementos substanciais do ato-norma, fato-evento (motivação) e fato-conduta. Convém adscrever que fato-evento e fato-conduta, não por coincidência, correspondem à concreção do binômio hipótese tributária e consequente tributário presente na regra-matriz de incidência tributária.(54)

Será de anulação o ato-norma invalidador que tiver por pressuposto vício no procedimento administrativo, quer dizer, como sublinham MERKEL e ENTERRÍA,(55) no processo de concreção da competência administrativa tendente a produzir o ato administrativo.(56) Portanto, há anulação por vício formal quando há defeito na confecção do veículo introdutor do ato de lançamento.

7.3. O ato-norma administrativo de anulação

Sob o signo anulação, entendemos o ato-norma administrativo que retira do sistema normativo um lançamento anterior motivado pela verificação jurídica de vício em seu procedimento. Tratando-se de decisão definitiva, como faz, por exemplo, alusão o art. 173, II do CTN, consideramos que é a norma jurídica individual e concreta, veiculada por decisão judicial ou ato administrativo, que tem por objeto a invalidação de lançamento anterior.

Nessa norma individual e concreta de anulação há um antecedente e um consequente. Este último corresponde ao efeito do ato-norma invalidador que decorre do vínculo de imputação, como diria KELSEN. O efeito do ato-norma administrativo não é externo, mas interno à estrutura do ato-norma administrativo. Fora do ato-norma administrativo, como entreviu ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL,(57) não há que se falar em eficácia jurídica, mas em eficácia social.

É este ato decisório final que serve como pressuposto fáctico da regra da decadência do direito de lançar perante anulação do lançamento anterior, como veremos adiante. Assim, o que é efeito pelo prisma da regra geral e abstrata de anulação, passa à condição de fato, previsto na hipótese dessa regra decadencial.

Notas

(1). Tratado lógico-filosófico, p. 114

(2). A ambiguidade do vocábulo posse foi nos revelada por LUIZ CÉSAR DE SOUZA QUEIROZ, autor do livro Sujeição passiva tributária, publicado pela Forense, e hoje professor de direito tributário da UERJ.

(3). No direito civil são, também, exemplos desse mesmo problema: (i) o termo "contrato" que pode significar a norma, o fato do acordo de vontades, o próprio instrumento ou o conteúdo contido no instrumento que firma o acordo de vontades e (ii) o vocábulo "negócio jurídico" que pode conotar o próprio acordo de vontades ou eficácia gerada pelo acordo de vontades. São palavras que propiciam a ambiguidade, cuja atenção sobre elas deve ser redobrada com o fito de se compreender o direito.

(4). Introducción al análisis del derecho, p. 261.

(5). Apercebendo-se dessa situação, em magnifico artigo publicado na RDP 32, esse autor qualifica como inadequada a expresso "ato administrativo", inspirando, assim, de modo original todo o desdobramento do raciocínio que edificamos nesse tópico. Cf. Elementos do ato administrativo, p. 38.

(6). Direito administrativo brasileiro, p. 116-7.

(7). Identificamos o mesmo tipo de ambiguidade no uso de declaração, no conceito proposto por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO: "declaração do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas ao controle de legitimidade por órgão jurisdicional" (Curso de Direito Administrativo, p. 173-4). Entretanto, a poderosa intuição jurídica desse autor não deixou escapar essa dualidade ao efetuar a crítica à expressão requisitos do ato, propondo em seguida uma distinção entre pressupostos do ato e elementos do ato.

(8). A expressão ato-fato implica que se trata de ato humano em que o sentido psicológico da vontade é irrelevante. Cf. MARCOS BERNARDES DE MELLO, Teoria do fato jurídico, p. 106.

(9). Cf. Lançamento tributário, p. 89.

(10). Idem, ibidem. p. 118-22.

(11). Curso de direito administrativo, p. 176-7.

(12). Tratado lógico-filosófico, p. 71.

(13). ARISTÓTELES entende por "elemento" o componente de uma coisa qualquer, que seja uma espécie irredutível a uma espécie diferente: neste sentido, p. ex., os elementos das palavras [isto é, as letras] são os elementos de que consistem as palavras, nos quais se dividem em última análise porque não podem dividir-se em partes de espécie diferente. Se um elemento for dividido, suas partes serão da mesma espécie; p. ex: uma parte de água é água, ao passo que a parte de uma sílaba não é uma sílaba". Metafísica, V, 3, 1014 a 30.

(14). Cf. Lançamento tributário, Capítulo V, itens 7 e 8.

(15). PAULO DE BARROS CARVALHO, Fundamentos jurídicos da incidência tributária, p. 107.

(16). V. infra o Item Fontes do direito.

(17). Não se confunde com o sujeito ativo do crédito, que é elemento do ato-norma administrativo de lançamento, compreendendo sim o conceito de fonte formal enquanto enunciação enunciada da autoridade produtora que necessariamente ocupará lugar no suporte enunciativo do ato administrativo.

(18). Não há de se confundi-lo com a motivação que é proposição fáctica que perfaz o antecedente do ato-norma individual e, portanto, perfaz a função de elemento do ato-norma.

(19). Não obstante descreva fato a motivação não se submete aos valores de verdade e falsidade, pois, enquanto antecedente de proposição normativa subjuga-se aos valores validade/não-validade que estabelecem justamente a relação de pertinência dessa proposição com o sistema jurídico.

(20). Curso de direito administrativo, p. 179.

(21). Curso de direito administrativo, p. 137.

(22). "Uma abordagem semântico-histórica, que refoge aos lindes deste trabalho, colocaria à luz as várias acepções que o termo "lançamento" assumiu perante os diversos contextos histórico-científicos em que foi empregada esta locução. Assim, no uso técnico-comercial-contábil temos o emprego da expressão "lançamento" como: - (i) ação ou (ii) efeito de escriturar uma verba em livros de escrituração comercial; (iii) a própria verba que se escritura; e (iv) efetuar o cálculo, conferir liquidez a crédito ou débito. (§) Em seu desenvolvimento, a legislação e a técnica-dogmática incorporaram aos textos legais e à doutrina o termo "lançamento", acrescentando, com estas novas aplicações, novo matiz de significados à plurivocidade de sentidos de que já gozava o vocábulo, empregando-o assim: (v) como procedimento administrativo da autoridade competente (Art. 142 do CTN), processo, com o fim de constituir o crédito tributário mediante a postura de (vi) um ato-norma administrativo, norma individual e concreta (Art. 145 do CTN, caput), produto daquele processo; (vii) como procedimento administrativo que se integra com o ato-norma administrativo de inscrição da dívida ativa; (viii) lançamento tributário como o ato-fato administrativo derradeiro da série em que se desenvolve um procedimento com o escopo de formalizar o crédito tributário; (ix) como atividade material do sujeito passivo de calcular o montante do tributo devido, juridicizada pela legislação tributária, da qual resulta uma (x) norma individual e concreta expedida pelo particular que constitui o crédito tributário no caso dos chamados "lançamentos por homologação" (Art. 150 do CTN e §§)". Lançamento tributário, p. 145-6. O correspondente em italiano accertamento, segundo BERLIRI, também apresenta vários sentidos, o que seria "um dos motivos que justificam a confusão e os equívocos cometidos pela doutrina italiana na sistematização desta matéria, Principi di diritto tributário, tomo III, p. 7 e 24-33.

(23). Art. 82 § 2o, Art. 85 § 3o, como título da Secção I do Capítulo II, Art. 142 caput e parágrafo único, Art. 143, Art. 144 caput e § 1o, Art. 145, Art. 146, Art. 147 caput e § 1o, Art. 149 caput, incisos VIII, IX e parágrafo único, Art. 150 caput e §§ 1o e 4o, Art. 154, Art. 156 inciso VII, Art. 160, Art. 173 incisos I, II e III e no parágrafo único do Art. 195.

(24). Art. 146, III, b.

(25). Curso de direito administrativo.p. 137.

(26). Semiótica, p. 47.

(27). Esta interpretação de dever-poder nos afigura plenamente compatível com uma visão analítica do pensamento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que fixa por atividade administrativa o desempenho de "função", que é em si a realização de uma conduta prescrita pelo direito, entendendo que: "Para desincumbir-se de tal dever, o sujeito da função necessita manejar poderes, sem os quais não teria como atender à finalidade que deve perseguir para a satisfação do interesse alheio. Assim, ditos poderes são irrogados, única e exclusivamente, para procipiar o cumprimento do dever a que estão jungidos; ou seja: são conferidos como meios impostergáveis ao preenchimento da finalidade que o exercente de função deverá suprir". Curso de direito administrativo, p. 45.

(28). Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 248.

(29). Cf. JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, Lançamento tributário, p. 393.

(30). Cabe aqui a lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES: "A alteração do lançamento corresponde apenas a um aspecto particular do problema mais genérico da alteração dos atos administrativos, transplantado para o campo do Direito Administrativo Tributário ou Direito Tributário Formal". Lançamento tributário, p. 280.

(31). Do lançamento, teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 240.

(32). Forma y fondo, p. 1.

(33). Fato que também o direito cuida de positivar: a realização da regra procedimental comporá o veículo introdutor, a realização da regra material comporá o conteúdo desse ato-norma administrativo.

(34). Cf. OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, a distinção entre atos nulos e anuláveis "embora objeto de sistematização pelos civilistas, não envolve matéria jurídica de direito privado, mas de Teoria Geral do Direito, pertinente à ilegitimidade dos atos jurídicos, e, portanto, perfeitamente adaptável ao direito público, especialmente, ao direito administrativo". Princípios gerais de direito administrativo, p. 651.

(35). Que impõe o princípio da legalidade no processo de anulação: "O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias".

(36). Determinando a autoridade, o procedimento e a vinculação do ato de lançamento: "Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional".

(37). Cuidando das formas em se pode dar a anulação: "O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I - impugnação do sujeito passivo; II - recurso de ofício; III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo. 149".

(38). Disciplinando os critérios jurídicos a serem adotados pela autoridade administrativa na constituição do lançamento: "A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução".

(39). "O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade essencial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública".

(40). "Salvo disposição de lei em contrário, quando o valor tributário esteja expresso em moeda estrangeira, no lançamento far-se á sua conversão em moeda nacional ao câmbio do dia da ocorrência do fato gerador da obrigação".

(41). "O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1o Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. § 2o O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido".

(42). V. Capílulo I, Astúcias da enunciação.

(43). Cf. terminologia de LUIZ CESAR DE SOUSA QUEIROZ com supedâneo em HERBERT HART, Sujeição passiva tributária, p. 53.

(44). CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p. 232.

(45). Registre-se que ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO AMARAL não utiliza nem aceita a terminologia usual (ato anulável e ato nulo) posto que entende que não há atos nulos (todos são anuláveis conforme ensina Kelsen), preferindo, assim, a classificação de ato convalidável e ato não-convalidável. Extinção dos atos administrativos, p. 66.

(46). Tenha-se em tela que segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, convalidação é o suprimento da invalidade de um ato administrativo com efeitos retroativos. Curso de direito administrativo, p. 234.

(47). Cf. adscrevemos, Lançamento tributário, p. 117.

(48). Curso de direito administrativo, p. 257.

(49). Curso de direito administrativo, p. 177.

(50). Cf. Curso de direito tributário, p. 139.

(51). Teoria do ordenamento jurídico, p. 36.

(52). Panorama da extinção dos atos administrativos, p. 142. Entretanto, mais precisa e elaborada é a definição oferecida em seu "Curso": "A invalidação de ato administrativo consiste em sua desconstituição, suprimindo-se seus efeitos típicos, por incompatibilidade com a ordem jurídica, com atribuição de efeitos ex tunc. Curso de direito administrativo, p. 198.

(53). Curso de direito administrativo, p. 200.

(54). Cf. PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 233-8.

(55). Cf. EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA & TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, Curso de direito administrativo, p. 483.

(56). O procedimento seria aqui, segundo ADOLPH MERKEL, o "modo de produção de um ato" por aplicação de normas superiores a esse ato, que enfeixam aquilo que denominamos competência administrativa. Como diz ENTERRÍA: "o procedimento administrativo aparece como uma ordenação unitária de uma pluralidade de operações expressadas em diversos atos realizados heterogeneamente (pela função, pela natureza) por vários sujeitos ou órgãos, operações e atos que, não obstante sua relativa autonomia, se articulam em ordem à produção de um ato decisório final". Idem, ibidem, p. 484.

(57). "Eficácia é, a nosso ver, a produção de efeitos e não a aptidão para produzi-los". Extinção do ato administrativo, p. 38.

 
Eurico Marcos Diniz de Santi*

Receita desmonta fraude de importação de games


Oito pessoas são presas pela PF em SP e MG; prejuízo é de R$ 100 milhões

Fisco investiga importadores e distribuidores para saber agora se varejo integrou esquema

A Receita Federal e a Polícia Federal desmontaram esquema de importação irregular de videogames, consoles e jogos que causou prejuízo de R$ 100 milhões com a sonegação de impostos.

A ação ocorreu em São Paulo, Belo Horizonte (MG) e Foz do Iguaçu (PR), onde foram identificados três importadores, sete depósitos de distribuição e nove empresas de fachada que remetiam dinheiro para o exterior.

Oito pessoas foram presas. Até a conclusão desta edição, outros cinco mandados de prisão eram cumpridos pelos 140 policiais federais que atuaram na operação.

Foram presos dois empresários e dois funcionários de importadoras de São Paulo, além de um gerente de um banco e três laranjas de Minas Gerais. Essas três pessoas recebiam transferências bancárias de empresas de São Paulo e as enviavam ao exterior, mas não tinham patrimônio nem rendimento compatíveis com as remessas.

Durante a operação, batizada de Estrada Real, foram apreendidos 15 carros de luxo (entre eles dois Porshes, um BMW, um Mercedes-Benz e uma Lamborghini) e outros 20 veículos que pertenciam às empresas do esquema.

 

FORA DA ESTRADA

 

O nome da ação foi dado em alusão ao caminho oficial usado na época do Brasil colonial para a circulação de mercadorias. O bem transportado fora dessa via era considerado descaminho.

A investigação começou há três anos quando fiscais e policiais constataram que os eletroeletrônicos entravam no país em caminhões vindos do Paraguai. Os produtos eram retirados das caixas e depois reembalados para dar aparência de que eram legais.

"Consoles, acessórios e jogos eletrônicos de marcas conhecidas eram camuflados em outras cargas e entravam no país sem o pagamento de impostos, o que caracteriza o crime de descaminho", diz Marcos Prado Siqueira, superintendente-adjunto da Receita Federal em São Paulo.

Os nomes dos envolvidos não foram divulgados pelo fisco nem pela PF.

De acordo com Siqueira, as investigações continuam para apurar se redes de varejo faziam ou não parte desse esquema.

 

 Claudia Rolli
Folha de São Paulo
 24/04/2012

 

 

 



TRF julga multa de 50% da Receita

VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
       
      
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região poderá ser o primeiro do país a decidir se é constitucional a cobrança pela Receita Federal de multa dos contribuintes que tiveram negados os pedidos de compensação de créditos tributários. A Corte Especial do TRF - que abrange os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná - avaliará se a penalidade criada em 2010 pela Lei nº 12.249 pode ser aplicada. Apesar de o tema ter consequências para quase todas as empresas, são poucos os casos que já chegaram ao Judiciário. A maior parte está ainda na esfera administrativa.

A norma é questionada no TRF por uma agroindústria cujo pedido preventivo para evitar multas foi negado pela Justiça Federal de Santa Catarina. A advogada do caso, Priscila Dalcomuni, coordenadora do contencioso tributário da Martinelli Advocacia Empresarial, afirma que sua cliente não chegou a ser multada, mas entrou com uma ação para evitar penalidades futuras. Como o pedido foi negado, a empresa recorreu para o tribunal, que suscitou o que processualmente se chama de "incidente de arguição de inconstitucionalidade".

A lei contestada autorizou a Receita Federal a aplicar uma multa de 50% sobre o valor do crédito que o contribuinte tenha pedido para compensar, negado pelo órgão. Os créditos fiscais podem ser usados pelas companhias para pagar a maior parte dos tributos administrados pela Receita.

Atualmente, segundo o advogado Luiz Rogério Sawaya, do Sawaya Nunes Advogados, os contribuintes podem ser multados em três situações: por compensação não homologada (não aceita pelo Fisco), informações falsas (inexistente) e não declarada (sem fundamentação legal). "Mas no caso da não homologada [compensação], a lei simplesmente considera que todos os contribuintes agem de má-fé", afirma. Segundo ele, porém, a maior parte das negativas da Receita ocorre por erros simples dos contribuintes no preenchimento da declaração. "O crédito existe, mas ocorreu um erro formal." O escritório atende hoje cerca de 20 casos de empresas multadas por compensações não homologadas pelo Fisco. Em um deles, a empresa foi multada em R$ 3 milhões.

No recurso que será julgado pelo TRF, Priscila Dalcomuni defende que a imposição da multa viola o direito de petição, os princípios do contraditório e da ampla defesa e que a mesma teria caráter confiscatório, pois o percentual corresponde a 50% do pedido. Outro argumento é o de que o Supremo Tribunal Federal veda a aplicação de medidas cujo intuito seja o de sanção política. A mesma tese foi defendida em outros mandados de segurança propostos para clientes no Rio Grande do Sul. Em setembro e janeiro, o escritório conseguiu sentenças favoráveis para as empresas, que suspenderam a cobrança futura de multas.

"O simples fato de o contribuinte pedir uma compensação, não é uma conduta de sonegação", afirma o advogado Julio de Oliveira, sócio do Machado Associados. Para Oliveira, a tendência é de que a Justiça derrube essa exigência, pois um mero pedido de uso de créditos não causaria qualquer prejuízo à Fazenda Pública. O advogado Marcelo Salomão, sócio do Brasil, Salomão e Matthes Advocacia, tem a mesma opinião. De acordo com ele, o contribuinte está sendo punido pela prática de um ato lícito. "Já existe a multa para a compensação indevida", diz.

Salomão também obteve recentemente uma sentença favorável sobre o assunto. A decisão foi proferida em janeiro pela 14ª Vara Federal Cível de São Paulo e favoreceu os 51 associados da União Brasileira de Avicultura (Ubabef). A Fazenda Nacional já recorreu da sentença, que aguarda o pronunciamento do TRF da 3ª Região, que abrange o Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Zínia Baeta - De São Paulo

Fazenda edita norma sobre créditos

VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS
       
     
   

O Ministério da Fazenda editou uma norma que esclarece a aplicação do limite de 15%, previsto na Portaria nº 348, de 2010, para a liberação de créditos de PIS e Cofins a exportadores que incorporaram empresas. As informações constam da Portaria nº 131, publicada na edição de ontem do Diário Oficial da União (DOU).

Para ter a liberação dos créditos, de acordo com a norma, a incorporada não pode ter pedido de ressarcimento indeferido, nos últimos dois anos, em valor igual ou superior a 15% do montante que a incorporadora quiser solicitar. Segundo o subsecretário de arrecadação e atendimento da Receita Federal, Carlos Roberto Occaso, a portaria foi editada porque, nos casos de incorporação, surgiu a dúvida se as empresas deveriam considerar os pedidos de ressarcimento da incorporada no cálculo dos 15%. "De hoje em diante, sim", diz.

Além do limite de 15%, a Portaria nº 348 elenca os demais requisitos para a liberação de créditos aos exportadores, como a apresentação da Certidão Negativa de Débito (CND) e a Escrituração Fiscal Digital (EFD). "A nova portaria é importante para os que estavam com esse tipo de dificuldade e que já enfrentam uma considerável burocracia para a obtenção do ressarcimento", afirma o advogado Diego Aubin Miguita, do escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados. "Pelo menos em relação às incorporações realizadas antes da Portaria nº 131, a situação parece esclarecida e de forma positiva ao contribuinte", completa.

Obedecidas as condições impostas pelas Portarias 348 e 131, a Receita Federal faz o pagamento de 50% dos valores referentes ao pedido de ressarcimento, no prazo de 30 dias contados da data do pedido do contribuinte.

O advogado Rodrigo Rigo Pinheiro, do escritório Braga & Marafon Consultores e Advogados, lembra, porém, que a Portaria nº 131 não menciona os créditos de IPI. "Isso dá a entender que os créditos indeferidos de IPI não entram na conta dos 15% dos pedidos da incorporada, embora esses créditos também possam ser ressarcidos", diz. Segundo Occaso, o IPI não entra no cálculo porque desde o fim de 2011 todos os pedidos de ressarcimento de créditos são feitos por meio eletrônico.

Laura Ignacio - De São Paulo

Da indevida exigência de tributos federais quitados com créditos de terceiros

Ricardo Piza Di Giovanni 
Advogado Especialista Tributário.

Artigo - Federal - 2012/3168


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Num cenário de insegurança jurídica, empresas estão recebendo notificações sobre a não aceitação de compensações realizadas antes de abril de 2000 pelo simples fato de terem quitados os tributos com créditos de terceiros.

É cediço que na legislação atual não se permite a compensação administrativa de débito próprio com crédito de terceiro perante a Secretaria da Receita Federal. Todavia, não foi sempre assim. Referida compensação era autorizada pela legislação e pela própria Receita Federal e muitas empresas utilizaram desse legítimo procedimento quando a legislação assim permitia. De fato, a Lei nº 11.051 de 29 de dezembro de 2004, que deu redação ao §12º da Lei nº 9.430/96 trouxe a vedação expressa da compensação de débito com crédito de terceiro. A Receita Federal restringiu esse direito dois anos antes. Em abril do ano 2000 a Instrução Normativa 41/2000 vedou a utilização de créditos de terceiros.

No entanto, a própria IN 41/2000 ressalvou que referida vedação não se aplicava aos pedidos de compensação formalizados antes de sua entrada em vigor.

Ou seja, teoricamente, a IN 41 de abril de 2000 não atingiu os Pedidos de Compensação anteriores a abril de 2000, o que significa dizer que segundo as próprias normas da Receita Federal, os Pedidos de Compensação com Créditos de Terceiros, hoje denominados Declaração de Compensação, deveriam ser aceitos se protocolizados antes de abril de 2000.

Mas mesmo assim, diversas empresas estão recebendo atualmente notificações sobre a não aceitação de compensações realizadas antes de abril de 2000.

Ocorre que, se não bastasse o longo tempo para que o então Pedido de Compensação, hoje Declaração de Compensação, fosse analisado ou aceito, muitas empresas estão sendo surpreendidas pela recusa de referida compensação sob o argumento de que a legislação atual não permite a quitação de débito próprio com crédito de terceiro.

Portanto, o presente artigo visa analisar a Compensação com Créditos de Terceiros antes de alterações legislativas e sua validade para pedidos feitos antes de respectivas alterações.

Premissa relevante para nossa análise é compreensão da ação do tempo no espaço. Pedimos autorização para utilizarmos da filosofia para destacarmos a importância do tempo e da sua natural capacidade de definir questões.

Mesmo aqueles que ignoram os efeitos do tempo não podem escapar de seus desígnios.

Uma flor que um dia encanta e seduz, no outro tem apenas na boa lembrança um lugar para morar.

No mesmo caminho a mais bela dama e o mais poderoso governante.

Alfa e Omega.

Tudo tem um começo e um fim.

Tanto a mais profunda dor, como também a mais profunda felicidade terrena, encontram, no tempo, a sua definição.

Talvez poucas searas saibam trabalhar tão bem com o tempo, como o direito. Ele não o ignora.

Pelo contrário, utiliza-o a seu favor para, senão resolver o mérito da injustiça a ele apresentada, ao menos para impedir que esta se alastre no perigoso mundo da indefinição e/ou que a indefinição atinja questões já definidas.

Observar as consequências do transcurso do tempo no espaço, portanto, é perseguir a justiça.

Um dos institutos que utiliza o tempo como ferramenta é o da homologação tácita, previsto nos parágrafos 4º e 5º, do artigo 74, da Lei nº 9.430/96, com a redação dada, respectivamente, pelo artigo 49 da Lei nº 10.637/02 e artigo 17 da Lei nº 10.833/03 a Lei 9.430/96.

Assim, passados cinco anos do pedido de compensação perde o Fisco o direito de não homologá-la, verificando-se a definitiva liquidação do tributo.

Segundo esse mesmo artigo 74, §4º da Lei nº 9.430/96, os Pedidos de Compensação foram convertidos, automaticamente, em declaração de compensação, conforme abaixo transcrito:

Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
(...) § 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.
(...) § 4º Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade administrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu protocolo, para os efeitos previstos neste artigo.
(...) § 5º O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação.

Desta forma, uma vez decorrido período superior a 05 anos entre a data do protocolo do pedido de compensação/restituição/declaração de compensação e a primeira decisão na via administrativa acerca da homologação ou não do direito creditório pleiteado/declarado o direito pretendido deveria ser considerado homologado em definitivo, conforme dispõem os §§2º, 4º, 5º do art. 74 da atual Lei nº 9.430/96.

No entanto, a Receita Federal vem se posicionando no sentido de que os pedidos de compensação de créditos com débitos de terceiros não teriam sido convertidos em Declaração de Compensação e, consequentemente, não se aplicaria a eles regra da homologação tácita. Esse raciocínio não é aceitável porque as alterações referentes à utilização de créditos de terceiros ocorreram muito depois da entrada em vigor da legislação que trata da homologação tática. Não se pode afrontar a segurança jurídica e o direito adquirido, dentre outros diversos dispositivos legais.

Isso significa que as restrições quanto a compensação com créditos de terceiros trazidas pela Lei nº 11.051 de 29 de dezembro de 2004, que deu redação ao §12º da Lei nº 9.430/96, não podem ser aplicadas para fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor. O Código Tributário Nacional é muito claro ao disciplinar a questão em seu artigo 144 do CTN abaixo transcrito.

Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.

Ademais, as próprias normas da Secretaria da Receita Federal do Brasil permitiam referida compensação.

De acordo com a Instrução Normativa SRF nº 41, de 07 de abril de 2000, para ser admitida a compensação, o pedido deveria ter sido formalizado perante a Secretaria da Receita Federal até o dia 10 de abril de 2000.

Portanto, os pedidos de compensação, mesmo sendo com créditos de terceiros, devem ser considerados Declaração de Compensação, o que significa dizer que deveriam ser analisados dentro de 05 anos contados da data do referido pedido, sob pena de serem considerados homologados tacitamente, nos termos do art. 74, §5º da Lei nº 9.430/96.

É oportuno destacar que a vedação de conversão do pedido de restituição em Declaração de Compensação para "créditos de terceiros" somente fora instituído em Dezembro de 2004, pela Lei 11.051.

Assim, ao ser analisada a lei da época tanto se deve aceitar a homologação tácita, como se deve aceitar o próprio pedido de compensação com crédito de terceiro, devendo ser refutado os argumentos da Receita Federal no sentido de que o pedido de compensação com crédito de terceiro não foi convertido em Declaração de Compensação e que, portanto, a compensação não seria válida.

De fato, sem levar em consideração a lei tributária, e olhando apenas as normas da Receita Federal, o período de tempo ao qual foi permitida a utilização de crédito de terceiros foi um pouco menor. Em abril do ano do 2000 a Instrução Normativa 41 vedou a utilização de créditos de terceiros.

No entanto, a IN 41 ressalvou que referida vedação não se aplicava aos pedidos de compensação formalizados antes de sua entrada em vigor.

Ou seja, a IN 41 de abril de 2000 não atingiu os Pedidos de Compensação anteriores a abril de 2000. Mas mesmo assim, diversas empresas estão recebendo notificações sobre a não aceitação de compensações realizadas antes de abril de 2000.

Note-se que os termos da IN 41, vedando a compensação com crédito de terceiro, foi legitimado somente 2 anos depois pela publicação da MP 66/02. Referida MP 66/02 alterou a redação do artigo 74 da Lei 9.430/96, sendo que em sua exposição de motivos (de referida alteração) é disposto que não foi intenção do legislador criar duas espécies de pedido de compensação.

Assim, não há como negar que o legislador não excluiu o pedido de compensação com Créditos de Terceiros da sistemática da Declaração de Compensação.

Pelo contrário, o legislador mencionou que os pedidos de compensação antigos seriam (todos) transformados em Declaração de compensação. Não disse que a essa regra não se enquadravam qualquer espécie de pedido de compensação.

A Lei 10.637/02, conversão da MP 66/02, também não excluiu o pedido de compensação com crédito de terceiro. Somente em 2004 a Lei 11.051 o fez.

Mas, por óbvio, referida disposição não pode retroagir para a época do protocolo do pedido de compensação.

Não se pode mudar a regra do jogo quando ele já se encerrou ou está para se encerrar.

Note-se que se todos os pedidos de compensação do país tivessem sido julgados até 2002 os créditos, se válidos, teriam sido aceitos, porque até então não havia ocorrido qualquer alteração normativa, nem mesmo da Receita Federal.

Não podem os contribuintes ser punidos pela demora no julgamento dos autos dos processos administrativos. Não podem os contribuintes ser vítimas das mudanças da legislação e muito menos não pode a Receita Federal deixar de seguir as próprias regras que ela mesma regulamentou.

Ora, a antiga redação do caput do art. 74 da Lei nº 9.430/96 e da própria IN 21/97 da SRFB mencionavam que poderia ser utilizado créditos de terceiros para compensação tributária, conforme abaixo transcrito.

"Art. 15. A parcela do crédito a ser restituído ou ressarcido a um contribuinte, que exceder o total de seus débitos, inclusive os que houverem sido parcelados, poderá ser utilizada para compensação com débitos de outro contribuinte, inclusive se parcelado (Revogado pela IN 41 de 07/04/2000).
(...)

Art. 25. Ficam aprovados os formulários "Pedido de Restituição", "Pedido de Ressarcimento", "Pedido de Compensação", "Pedido de Compensação de Crédito com Débito de Terceiros" e "Documento Comprobatório de Compensação", constantes dos Anexos I, II, III, IV e V, respectivamente."

De fato, ocorreu, tempo depois, a vedação da compensação com créditos de terceiros.

Todavia, referida alteração não poderia afetar um ato jurídico perfeito ou infringir um direito adquirido daquele contribuinte.

O próprio Fisco disciplinou um período de transição delimtando incidência das vedações de utilização dos créditos de terceiros.

Ademais, depois de referida IN 21/97 outras Instruções Normativas mantiveram o mesmo direito, conforme pode ser constado dos artigos 30 e 35 caput, §2º da IN 210/02 e, artigos 40 e 48 caput e §2º da IN 460/04.

Portanto segundo as próprias Instruções Normativas os pedidos de compensação protocolizados até 07 de abril de 2000 estavam totalmente protegidos.

O STJ já definiu que a norma que rege a compensação é a vigente no momento em que se realiza o encontro de contas, conforme dispõe Recurso Especial Nº 587.508 - SE

Segundo o STJ, a lei que rege a compensação é a vigente no momento em que se realiza o encontro de contas, e não aquela em vigor na data em que se efetiva o pagamento indevido.

A decisão do STJ convalida a transformação do pedido de compensação em declaração de compensação, inclusive os de créditos de terceiros.

Por sua vez, o CARF já analisou a questão e já proferiu decisão favorável em, no mínimo, dois casos, aos quais tivemos oportunidade de sustentar oralmente, quais sejam processos administrativos 10380.028085/1999-49 e 10830.0006452/99-07 julgados em 2010 e 2011 respectivamente.

Detalhe interessante é o fato de que os recursos dos processos administrativos 10380.028085/1999-49 e 10830.0006452/99-07 foram julgados favoráveis não pelos argumentos da homologação tácita e/ou da aplicação da lei da época no momento da compensação (acima expostos) e sim pelo argumento da configuração da prescrição.

Afirmaram os ilustres julgadores que se, no entendimento do próprio Fisco, não havia na época suspensão de exigibilidade, então, transcorreram mais de 5 anos para o Fisco cobrar o contribuinte. Isto porque segundo os nobres julgadores "os débitos informados em DCTF não podem ser objetos de decadência, em virtude do caráter confessional que permeia aquela declaração. Ainda assim, não pode a Fazenda postergar, ad infinitum, o exercício de sua pretensão creditória. Na ausência de circunstâncias que suspendam a exigibilidade dos débitos, deve o Fisco adotar qualquer das medidas aptas à cobrança da dívida, sob pena de aperfeiçoamento da prescrição extintiva preceituada pelo artigo 174 do CTN".

Ou seja, se os Pedidos de Compensação não se enquadram na sistemática da Declaração de Compensação (sujeitas à sistemática da homologação tácita), então, o Fisco deveria, segundo o artigo 174 do CTN, ter enviado para a cobrança judicial dentro do prazo de 5 anos após a formalização do débito em DCTF. O que não ocorreu nos processos administrativos 10380.028085/1999-49 10830.0006452/99-07 e muito provavelmente não deve ser ocorrido em todos os demais casos brasileiros de cobrança de tributos pagos com créditos de terceiros em sistemática de compensação administrativa.

De qualquer forma, para os contribuintes deve ficar o conceito de que o transcurso do tempo é o maior garantidor do direito de se quitar tributos federais com créditos de terceiros por meio de compensação administrativa protocolizada até abril de 2000 (no mínimo) porque ou ocorreu a homologação tácita ou ocorreu a prescrição ou ocorreu a decadência.

 
Ricardo Piza Di Giovanni*