sexta-feira, 5 de março de 2010

Lei 11.280/06: reprisemos as mudanças

Reprisemos as principais mudanças imprimidas pela Lei n. 11.280/06 ao Código de Processo Civil:

 

- o juiz pode conhecer de ofício da incompetência de foro a favor do domicílio do réu, nos casos de contrato de adesão (par. único, art. 112 e art. 114);

 

- permite que os Tribunais regulem em seus regimentos internos a prática de atos por meio eletrônico (par. único, do art. 154);

 

- torna a prescrição passível de conhecimento ex officio pelo magistrado, quando do recebimento da ação, ainda na análise dos pressupostos de validade e existência do processo (§ 5º, do art. 219);

 

- prevê novas restrições à distribuição direcionada às ações com pluralidade de litisconsortes (art. 253, II e III);

 

- mitiga formalidade para a suscitação da exceção de incompetência (par. único, do art. 305);

 

- acaba com a celeuma da suspensibilidade à ação rescisória, prevendo expressamente ser ela possível quando conferida tutela antecipada ou medida cautelar, situação esta já verificada em certas decisões judiciais mas contestada em outras (art. 489);

 

- disciplina o pedido de vista aos relatores de recursos (Tribunais), impondo-lhes prazo para a devolução de processos -10 (dez) dias-, e imediato julgamento em caso de não observância do prazo e devolução dos autos (§ 2º e § 3º, do art. 555).

 

Felippe Alexandre Ramos Breda

Solução de Consulta DISIT/SRRF9ª Nº 51

Solução de Consulta DISIT/SRRF9ª Nº 51

 

Declara que na importação por conta e ordem de terceiros, incide o IPI no desembarco aduaneiro, na saída da mercadoria do estabelecimento importador e na saída do estabelecimento adquirente por conta e ordem, a emissão da nota fiscal de saída pelo importador por conta e ordem de terceiros será no valor da nota fiscal de entrada, acrescido do ICMS incidente na saída e do valor do IPI recalculado em razão do acréscimo de sua base de cálculo com o ICMS, o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação e com a exclusão do IPI vinculado à importação, este poderá ser descontado como crédito na determinação do IPI a pagar.

Valor Aduaneiro x PIS/COFINS-importação

 

Aguarda-se o julgamento da inconstitucionalidade da definição do valor aduaneiro para fins de incidência do PIS/COFINS-importação pelo Supremo (rito da repercussão geral).

 

A base de cálculo criada para essas contribuições, artigo 7º, da Med. Prov. nº 164/2004, estabeleceu o valor aduaneiro como o valor que servisse de cálculo do imposto de importação, acrescido do montante deste próprio imposto, do ICMS e do valor das próprias contribuições (semelhante à famosa cobrança por dentro tão debatida no ICMS, com a inclusão das contribuições e do imposto de importação).

 

Quando a MP em questão foi convertida na Lei nº 10.865/04, considerando a letra “a”, do inciso III, do § 2º, do artigo 149, da Constituição Federal de 1.988, a base de cálculo teve nova definição, pela qual o valor aduaneiro ficou definido como o valor do imposto de importação, do ICMS e das próprias contribuições (art. 7º, da lei n. 10.865/04). Ali se repetiu a cobrança por dentro, ao colocar-se na base de cálculo os valores devidos com as próprias contribuições, mas tirando-se a dupla cobrança do imposto de importação.

 

Diante da multiplicidade de recursos questionando a matéria, o E. STF entendeu pela repercussão geral, objeto da decisão explanada no RE-RG 559607/SC.

 

Ocorre, contudo, data venia, que a definição questionada é absolutamente inconstitucional, por afronta expressa ao artigo 149, § 2º, inciso II, da CF, com a redação conferida pela EC n. 42/03, que possibilitou à União criar o PIS/COFINS incidentes sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços cujo resultado se verifique no País por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior (hipótese esta idêntica à cobrança do ISS sobre tal serviço).

 

Isto porque, a definição jurídica de valor aduaneiro para o Direito brasileiro é aquela conferida pelo Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio – GATT, acordo multilateral do qual o Brasil é signatário, promulgado pelo Decreto Legislativo nº 1.355/1994, que determina que o valor aduaneiro é: “o valor de transação, isto é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, em uma venda para exportação para o país de importação.”

 

É ilegal, portanto, inconstitucional, que a lei tributária altere a definição, conteúdo e alcance de institutos, conceitos e formas de Direito Privado, utilizados expressa ou implicitamente pela Constituição Federal (art. 110, do CTN), como aquele que define o valor aduaneiro (art. 149, § 2º, inciso II, da CF).

 

No acordo do GATT foram feitas ressalvas, pelas quais os países signatários poderiam incluir no conceito de valor aduaneiro os custos necessários para a realização da importação, como aqueles com transporte, carga, descarga e seguro.

 

Por essa ressalva foi que o Brasil adotou o valor aduaneiro com a inclusão dos custos inerentes à importação, que prevê a inclusão dos custos com o transporte da mercadoria importada até a entrada no território aduaneiro, dos gastos relativos à carga, descarga e manuseio associados ao transporte, acrescidos ainda do seguro da mercadoria durante essas operações.

 

Felippe Alexandre Ramos Breda

 

 

 

Quebra do Sigilo Bancário em processo fiscal: só com ordem judicial ?

 

Questão pontual é a quebra do sigilo bancário pela administração pública em processos fiscais.

 

Tudo por conta do art. 6º, da Lei complementar n. 105/01, do Dec. 3.724/2001, e Lei n. 10.174/01.

 

É de se ressaltar que a Lei n. 10.174/01 alterou a primitiva Lei n. 9.311/96 (CPMF), passando a permitir o que antes era vedado expressamente, i.e., a utilização das informações decorrentes do cruzamento entre os dados da CPMF e as declarações de renda.

 

O artigo 11, parágrafo 3º, da Lei nº 9.311/96, que instituiu a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, tinha a seguinte redação:

 

Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação. (…)

 

parágrafo 3º - A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos. (g.n.)

 

A Lei nº 10.174/01, alterando-o, disciplinou:

 

"Art. 11- (…) § 3o - A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.  (g.n.)

 

 

Essa mudança legislativa frustrou o pacto social, político e jurídico feito à época da promulgação da lei da CPMF, em 1996.

 

Nele se acordara que as informações financeiras obtidas com a CPMF, principalmente as bancárias (conta-corrente), não poderiam jamais ser utilizadas para a constituição de impostos.

 

Tudo porque, movimentação financeira em conta corrente não reflete renda adquirida ou disponível.   O fisco já atua com presunção a mais, imagina se tivesse acesso à conta bancária das pessoas sem necessidade de ordem judicial !?  Que Festa !

 

Pois bem.   Com o advento da LC n. 105/01, em seu art. 6º, regulamentado pelo Dec. 3.724/2001, e a posterior mudança acima citada pela Lei n. 10.174/01, começou a vigorar entendimento que os agentes fiscais, de ofício, estavam autorizados a requisitar movimentações (extratos) bancárias diretamente às instituições financeiras, sem necessidade de ordem judicial.

 

Trocando em miúdos, os agentes fiscais passariam a poder quebrar o sigilo bancário dos contribuintes, desde que existente procedimento fiscalizatório em curso (MPF), e as informações requeridas fossem indispensáveis ao procedimento.

 

O problema dessa autorização/interpretação é a odiosa presunção contida no art. 42, da Lei no 9.430/96, que antes era prova a ser produzida pelo Fisco; agora, com a desnecessidade de autorização judicial, o contribuinte é quem faz prova contra a presunção do art. 42 !

 

A LC n. 105/01 e o Dec. 3.724/2001 são objeto de várias Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (2390-0/DF; 2386-1/DF, dentre outras).

 

Enquanto elas não são julgadas (quando forem as questões de estado/econômicas prevalecerão sobre os direitos fundamentais, como se costuma verificar), a peleja no Judiciário tem beneficiado a administração.

 

Não raro são os julgados que entendem correta a autorização de quebra ao fisco.   Os argumentos utilizados são muitos (prevalência do interesse público sobre o individual; que o direito fundamental ao sigilo não é absoluto; que o sigilo não é quebrado porque a administração resguarda as informações para ela própria, delimitadas ao procedimento de fiscalização em curso, etc.).

 

Há, inclusive, decisões judiciais entendendo pela retroatividade da quebra de sigilo pela administração antes da LC n. 105/01, ao estapafúrdio argumento de que se trata de novo critério de apuração ou fiscalização do crédito tributário, na forma do § 1º, do art. 144, do CTN !!!!!

 

Concorda-se com a supremacia do interesse público e de que o sigilo bancário não é absoluto, mas, quanto ao resto, não.

 

Alguns doutrinadores afirmam que os direitos fundamentais são exemplificativos, nesse campo se inserindo o sigilo bancário.

 

O prof. Nelson Nery, além de reputá-lo garantia fundamental, aduz que sua quebra é insuscetível até por meio de ordem judicial, já que, interpretando-se a parte final do art. 5, XII, só o sigilo telefônico admite quebra com autorização judicial.

 

A quebra de sigilo bancário veio prevista pela Lei n. 4.595/64 (Sistema Financeiro, aquela em que os Bancos se escudam para não se sujeitarem ao Código de Defesa do Consumidor), que foi recepcionada pela Constituição com status de Lei Complementar (art. 192, caput, da CF).

 

Essa lei previa a quebra de sigilo bancário só por meio de ordem judicial (art. 34).   Quebra esta que também é prevista às Comissões Parlamentares de Inquérito-CPI (art. 58, § 3º, da Constituição Federal), e ao Ministério Público (art. 129, VI, da Constituição Federal), desde que com autorização judicial.

 

Portanto, como o Fisco tem muito poder para o exercício de sua atividade, é certo que a autorização judicial não limitaria esse poder tampouco inviabilizaria sua atividade de fiscalização.   Pelo contrário, colocaria um breque em desmandos e presunções odiosas.

 

Ademais, a quebra bancária pela administração coloca o contribuinte em desvantagem absoluta, invertendo, sobremaneira, as regras de presunção subsumidas às normas legais.

 

Após toda essa celeuma, o debate reacendeu pela não prorrogação da CPMF e com a edição da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 802/08.

 

A Instrução Normativa 802/2007 passou a obrigar às instituições financeiras a repassar informações dos correntistas que movimentem, por semestre, mais de R$ 5 mil – ou R$ 10 mil, no caso de pessoas jurídicas-, com fundamento na LC n. 105/01 e no Dec. 3.724/01.

 

O ministro do STF Marco Aurélio Mello, em matéria publicada no final de dezembro de 2007 no Jornal de Brasília/DF, atacou a citada IN, comentando: "Essa generalização da quebra do sigilo bancário, que é cláusula pétrea do artigo 5º da Constituição, presume que todos sejam salafrários, e chega a ser bisbilhotice. A presunção é de que sejamos minimamente honestos. Se houver indícios de sonegação, a Receita e o Ministério Público têm de recorrer ao Judiciário, que tem o poder de decretar a quebra de sigilos bancários."

 

A Confederação Nacional das Profissões Liberais ingressou no STF com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4006, com pedido de liminar, pugnando que a quebra de sigilo autorizada pela IN desrespeita a Constituição, que em seu artigo 5º, XII, afirma que o sigilo só pode ser afastado por ordem judicial, nas hipóteses que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

 

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também toucou uma ADIN, mas aduzindo argumento novo, no sentido de que Instrução Normativa da Receita é novo efeito ilegal da aplicação da lei LC 105/01.

 

Aguardamos a posição do STF e a nova CSS...

 

Felippe Alexandre Ramos Breda