Por Marta Watanabe | De São Paulo Com a promessa de simplificar a cobrança do PIS e da Cofins, o governo federal deixou mais evidente a estratégia da "reforma tributária fatiada". Economistas e especialistas em tributação não são, em geral, contra uma reforma a conta-gotas, porque alterações gradativas podem ser mais eficazes ao pulverizar reações negativas. As "fatias" permitem ainda testar e avançar aos poucos. O problema, dizem alguns, está na falta de divulgação de um programa de mudanças a longo prazo e da falta de publicidade dos critérios que norteiam as prioridades e os setores contemplados com benefícios. José Roberto Afonso, especialista em contas públicas, exemplifica com a desoneração da folha de pagamento, benefício pelo qual as empresas, em vez de recolher 20% sobre folha de salários, pagam contribuição previdenciária que varia de 1% a 2% do faturamento bruto. Há um ano, diz Afonso, quando a desoneração começou, os critérios dos setores beneficiados eram claros. "A desoneração seguia três critérios: era para indústria, para segmentos intensivos em mão de obra e vulneráveis à concorrência internacional", afirma. "Atualmente, o benefício alcança 40 setores e eu não sei mais quais são os critérios." Afonso cita o segmento de hotelaria, beneficiado com a desoneração desde agosto, com recolhimento de contribuição previdenciária a 2% sobre faturamento. "Os hotéis usam muita mão de obra, mas não são indústria e não sofrem concorrência internacional", diz. Além disso, lembra, o setor está com demanda alta. O especialista em contas públicas Amir Khair tem opinião semelhante. Diz que o governo deveria tornar público um programa de reforma tributária, com as alterações planejadas e os prazos de implementação. Isso permitiria verificar se um benefício está sendo aplicado a determinado setor em razão do programa estabelecido ou por conta de um "lobby" eficiente do segmento. Bernard Appy, diretor da LCA Consultores, não enxerga vantagem no anúncio de um programa. "Não sei se essa divulgação ajudaria ou atrapalharia." Para ele, isso poderia antecipar discussões e inviabilizar a implementação da reforma em pedaços, estratégia que considera positiva. O importante, para ele, é que o governo indique que as alterações terão continuidade. "Não vejo problema em mudar aos poucos, desde que não se mude pouco", diz Afonso, sobre a mudança fatiada. A desoneração de folha, argumenta, está em vigor há tempo suficiente - desde dezembro - em alguns setores e não é possível fazer uma avaliação. Diz que os depoimentos das empresas indicam que os efeitos da medida são diversos. "O que importa é o resultado conjunto no setor, mas não temos esses dados, porque não foram divulgados os resultados da arrecadação da contribuição previdenciária nos setores beneficiados", afirma Afonso. Para Khair, a desoneração de folha é medida necessária. Mas e lembra que a contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sustenta o sistema previdenciário. A lei que criou a desoneração estabelece que o Tesouro deve ressarcir o valor de renúncia fiscal à Previdência. "É importante que o governo federal garanta esse ressarcimento." O cenário atual, diz Khair, é propício à redução de carga tributária e consequente renúncia fiscal. Para ele, a redução da taxa básica de juros, que remunera a dívida pública, dá uma folga ao governo federal para elevar a renúncia fiscal. Appy diz que as mudanças pretendidas pelo governo federal dão às alterações em curso dimensão de reforma tributária. Não é pouco, segundo ele, tentar alterar a cobrança do ICMS para o destino e acabar com a cumulatividade do PIS e da Cofins. Ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Appy diz que a tributação no destino de mercadorias com conteúdo importado superior a 40% pode ser considerado um passo na direção de fazer o ICMS todo deixar de ser cobrado na origem. No ano que vem, avalia Appy, haverá "ruídos" para a implementação da alíquota única interestadual de ICMS para importados. Essa experiência, argumenta, pode ser importante para a cobrança de todo o imposto no destino. Ainda sem proposta formal, a promessa de simplificar o PIS e a Cofins gera controvérsias. Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, diz que, para simplificar, basta apenas que se esclareça o que dá ou não direito a crédito. Segundo ele, não seria preciso trazer empresas que atualmente pagam as duas contribuições de forma cumulativa para o sistema não cumulativo. Para Afonso, a discussão atual de PIS e Cofins mostra que a desoneração de folha salarial poderia ter criado uma contribuição previdenciária sobre faturamento líquido e não bruto. É confuso tirar a cumulatividade do PIS e da Cofins, argumenta, e criar uma nova incidência sobre faturamento bruto. Esse tipo de tributação, diz, dá origem a uma nova cumulatividade. Para Afonso, uma mudança no PIS e na Cofins deve incluir também uma solução para os créditos acumulados dos dois tributos. Se for realmente criado um sistema em que tudo que a empresa adquire gera crédito, haverá, alega, aumento dos créditos acumulados.
Tributaristas dizem que a desoneração de folha de pagamento teve efeito muito diverso sobre as empresas e temem que mudanças no PIS e na Cofins provoquem aumento de carga tributária. Fabiana Chagas, do Glézio Rocha Advogados, diz ser possível distinguir medidas emergenciais - redução do IPI para automóveis e linha branca - de instrumentos que parecem ser definitivos, como unificação do ICMS interestadual para importados e a simplificação do PIS e da Cofins, no conjunto de medidas tributárias aplicadas recentemente ou em estudo pelo governo. Para Fabiana, algumas medidas ainda precisam de ajustes, como a desoneração de folha. O efeito do benefício, diz a advogada, varia conforme a empresa. Depende do peso da folha de salários em relação ao faturamento e também do percentual do faturamento que está submetido ao benefício. Algumas empresas, afirma, possuem um mix de atividades e, por isso, pagam parte da contribuição previdenciária sobre folha e parte sobre faturamento. Para José Roberto Martinez, tributarista do escritório L.O. Baptista, a desoneração é uma medida paliativa. O advogado é contra uma reforma em fatias. "Algumas medidas são imediatistas e perdem o foco de uma organização mais geral." Fabiana receia que a prometida simplificação do PIS e da Cofins seja desfavorável para as empresas. Diz que a implantação do PIS e da Cofins não cumulativos, iniciada em 2003, trouxe aumento de carga para as empresas. Para ela, isso poderá acontecer, se empresas, que hoje pagam 3,65% de PIS e Cofins no regime cumulativo, forem obrigadas a recolher 9,25% dos mesmos tributos no sistema não cumulativo. (MW) | |
Valor Econômico | |
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Economistas divergem sobre estratégia de fazer uma reforma tributária 'fatiada'
Acesso de pessoa jurídica a informações sobre débitos tributários tem repercussão geral
STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir sobre o cabimento de habeas data com o objetivo de viabilizar o acesso a informações constantes em banco de dados da Receita Federal, com relação a débitos tributários existentes ou pagamentos efetuados em nome de contribuinte pessoa jurídica. O assunto será tratado no Recurso Extraordinário (RE) 673707, de relatoria do ministro Luiz Fux, que teve repercussão geral reconhecida por meio do Plenário Virtual da Corte.
No caso que será analisado pelo STF, uma empresa de Minas Gerais teve negado pela Secretaria da Receita Federal pedido de informações sobre todos os débitos e recolhimentos realizados em seu nome, desde 1991, e constantes do Sistema de Conta Corrente de Pessoa Jurídica, da Secretaria da Receita Federal (Sincor). A empresa pretendia averiguar a existência de pagamentos feitos em duplicidade para quitação de impostos e contribuições federais controlados por aquele órgão e utilizar eventuais créditos na compensação de débitos.
Após a negativa da Receita Federal, a empresa impetrou o habeas data previsto no artigo 5º, inciso LXXII, da Constituição Federal, que prevê o uso do instrumento para "assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público". O pedido foi negado em primeira instância e a decisão confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com o entendimento de que o registro indicado não se enquadra na hipótese de cadastro público, o que elimina a possibilidade de habeas data.
No RE interposto ao Supremo, a empresa recorrente alega que "é direito constitucional conhecer as anotações registradas em sua conta corrente existente na Receita Federal no que se refere aos pagamentos de tributos federais, de forma que exista transparência da atividade administrativa".
Ao defender a manutenção da decisão do TRF-1, a União, por meio da Procuradoria da Fazenda Nacional, argumenta não haver nem mesmo a necessidade de a empresa recorrer à Justiça, pois as informações requeridas são as mesmas que ela é obrigada a prestar ao Fisco e sobre os quais deveria ter controle, já que a regularidade e a conformidade contábeis são exigência da legislação brasileira para o regular funcionamento das pessoas jurídicas.
Relator
"A meu juízo, o recurso merece ter reconhecida a repercussão geral, pois o tema constitucional versado nestes autos é questão relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, ultrapassando os interesses subjetivos da causa, uma vez que alcança uma quantidade significativa de impetrações de habeas data, com o fim de acesso aos dados constantes no Sincor", concluiu o ministro Fux ao reconhecer a existência de repercussão geral.
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