O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário, interposto pelo Estado do Rio de Janeiro, em que se discute, à luz do art. 155, II, da CF, a constitucionalidade, ou não, da incidência de ICMS sobre o fornecimento de água encanada por empresa concessionária. Ao ratificar jurisprudência do STF, o Min. Dias Toffoli, relator, desproveu o recurso. Aduziu que o tema fora objeto de análise na ADI 567 MC (DJU de 4.10.91), com decisão unânime pela suspensão liminar do ICMS sobre o fornecimento de água no Estado de Minas Gerais. Ressaltou, ainda, que, no julgamento da ADI 2224/DF (DJU de 13.6.2003) — embora não conhecida, na discussão do mérito, por questões processuais —, o Supremo acenara a tese da não-tributação, pelo citado imposto, da água fornecida como serviço público. Na seqüência, apontou que, nos autos, foram impugnados tanto o Convênio 98/99, que concedera a isenção, como o Convênio Confaz 77/95, ratificado pelo Governador daquele ente federado por meio do Decreto 21.845/95, além das Resoluções 2.679/96 e 3.526/99, ambas da Secretaria Estadual de Fazenda, que determinaram a exação adversada sobre os serviços de fornecimento de água canalizada na aludida unidade da Federação. Na esteira dos precedentes desta Corte, entendeu que a incidência do ICMS prevista na legislação fluminense geraria uma situação eivada de inconstitucionalidade, a destoar da materialidade deste tributo, inserta no art. 155, II, da CF ("Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: ... II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior"). Observou que, conquanto o fato gerador estivesse descrito na lei instituidora, o legislador infraconstitucional sujeitar-se-ia aos limites da hipótese de incidência estabelecida na Constituição. Concluiu, no ponto, que analisar a extensão dessa hipótese seria indispensável para identificar o que constitui, ou não, fato gerador do imposto em questão.
RE 607056/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.9.2011. (RE-607056)
No que concerne à noção de mercadoria, para fins dessa tributação, enfatizou que se trataria de bem móvel sujeito à mercancia ou, conforme a preferência, objeto de atividade mercantil. Consignou que as águas públicas derivadas de rios ou mananciais são qualificadas juridicamente como bem de uso comum do povo, consoante os artigos 20, III, e 26, I, da CF, não equiparáveis a uma espécie de mercadoria, sobre a qual incidiria o ICMS. Dessa forma, o tratamento químico necessário ao consumo não teria o condão de descaracterizar a água como um bem público de uso comum de todos. Assinalou que os conceitos de "operação", "circulação" e "mercadoria" permaneceriam umbilicalmente ligados. No caso, reputou ausentes os elementos que adjetivariam o aspecto material da hipótese de incidência do ICMS, quais sejam: "circulação" e "mercadoria", na medida em que as concessionárias — promotoras da operação de fornecimento de água — não deteriam poderes jurídicos de disposição sobre ela, tampouco poderiam lhe dar destinação comercial, dada a sua natureza de bem público. Afirmou, então, que esse entendimento seria corroborado pelo art. 18 da Lei 9.433/97, que "institui a Política Nacional de Recursos Hídricos", ao deixar claro que a concessão do serviço público de distribuição de água canalizada constituiria mera outorga dos direitos de uso, sem implicar a alienação das águas, uma vez que se trata de bem de uso comum do povo, inalienável. No mesmo sentido, o Código de Águas (Decreto 24.643/34, art. 46: "concessão não importa, nunca, a alienação parcial das águas públicas, que são inalienáveis, mas no simples direito ao uso destas águas").
RE 607056/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.9.2011. (RE-607056)
Asseverou que, ao tributar o fornecimento de água potável, estar-se-ia a conferir interpretação inadequada ao conceito de mercadoria, conduzindo, erroneamente, à classificação de água canalizada como bem de comércio. Salientou que a água natural encanada, ao contrário do que aconteceria com a água envasada, não seria objeto de comercialização, e sim de prestação de serviço público. Inexistiria, portanto, uma operação relativa à circulação de água, como mercadoria. Destacou que, em verdade, os concessionários detentores do direito ao uso desse bem prestariam serviços públicos essenciais de competência estatal, mediante a captação, o tratamento e o abastecimento de água – os quais compreenderiam um conjunto de serviços que visariam assegurar a universalidade e a qualidade de seu consumo, promovendo, desse modo, a saúde pública. Frisou que a doutrina abalizada não destoaria desse posicionamento. Registrou a jurisprudência consolidada nesta Corte no sentido de que o serviço de fornecimento de água é submetido ao regime de preço público e não de taxa, como manifesto no RE 54491 ED/PE (DJU de 16.6.65); RE 85268/PR (DJU de 1º.7.77) e RE 77162/SP (DJU de 9.8.77). Sublinhou que, no entanto, essa discussão seria irrelevante, pois incontroverso que se cuidaria de um serviço público posto à disposição da população, o qual, independentemente do regime jurídico remuneratório, não estaria sujeito à tributação. Além disso, considerou, por fim, que a incidência do ICMS sobre o serviço de água tratada não atenderia ao interesse público; ao contrário, poderia, inclusive, prejudicar políticas públicas de universalização do acesso a esse serviço. Após, pediu vista dos autos o Min. Luiz Fux.
RE 607056/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.9.2011. (RE-607056)