quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Fisco não pode usar créditos como garantia para parcelamento


O Fisco não pode usar créditos do contribuinte como garantia para concessão de parcelamento de dívida tributária. Assim decidiu a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A turma analisou a Arguição de Inconstitucionalidade suscitada pela 2ª Turma da corte, que julga matéria tributária.

Segundo o relator, desembargador Otávio Roberto Pamplona, o parágrafo único do artigo 73, da Lei 9.430/96, que permite ao Fisco a utilização de créditos na compensação de débitos tributários não parcelados ou parcelados sem garantia, é inconstitucional.

Para ele, o dispositivo afronta a Constituição em seu artigo 146, inciso III, letra ''b'', que diz que somente lei complementar pode estabelecer normas gerais sobre crédito tributário e que o parágrafo em questão, incluído em lei ordinária, não pode criar/permitir a compensação de créditos como condição de parcelamento de dívida tributária. 

TRF-4

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

DIREITO PROCESSUAL PENAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA E RECURSO DE TERCEIRO PREJUDICADO.


Se, em decisão transitada em julgado, decide-se pela improcedência de embargos de terceiro opostos contra apreensão de veículo automotor – em razão de não ter sido comprovada a propriedade, a posse ou a origem lícita dos recursos utilizados na aquisição do automóvel – o autor dos referidos embargos, na condição de terceiro prejudicado, não tem interesse de recorrer contra parte da sentença condenatória que, ao final da ação penal, decretou o perdimento do bem em favor da União. Isso porque há identidade de demandas entre os embargos de terceiro que se dirigiram contra a apreensão do veículo e a apelação interposta contra a decretação de perdimento do automóvel em favor da União. Isto é, há identidade de partes e de pedidos (devolução do bem), bem como em relação à causa de pedir (a suposta propriedade do automóvel). Desse modo, constatado o trânsito em julgado da decisão que julga improcedente os embargos de terceiro, observa-se a ocorrência de coisa julgada que retira o interesse do autor dos embargos de recorrer, na condição de terceiro prejudicado, contra a parte da sentença condenatória que, ao final da ação penal, decretou o perdimento do veículo. REsp 1.247.629-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 6/11/2014. 

 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO PREJUDICIAL EXTERNA E CRIME DE DESCAMINHO.

Ainda que o descaminho seja delito de natureza formal, a existência de decisão administrativa ou judicial favorável ao contribuinte – anulando o auto de infração, o relatório de perdimento e o processo administrativo fiscal – caracteriza questão prejudicial externa facultativa que autoriza a suspensão do processo penal (art. 93 do CPP). O STF, por ocasião do julgamento do HC 99.740-RJ (DJe 1º/2/2011), firmou compreensão no sentido de que a consumação do delito de descaminho e a abertura de processo-crime não estão a depender da constituição administrativa do débito fiscal porque o delito de descaminho é formal e prescinde do resultado. E, secundando o entendimento do Pretório Excelso, este STJ, por ambas as Turmas com competência em matéria penal, vem também decidindo que o descaminho é crime formal, e que a persecução penal independe da constituição do crédito tributário, como se colhe em reiterados precedentes. Do exposto, resulta que, sendo desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário para a tipificação do delito, não fica a ação penal – instaurada para a apuração de crime de descaminho – no aguardo de processo administrativo, ação judicial ou execução fiscal acerca do crédito tributário, tendo em vista a independência entre as esferas. Todavia, a existência de decisão administrativa ou judicial favorável ao contribuinte provoca inegável repercussão na própria tipificação do delito, caracterizando questão prejudicial externa facultativa que autoriza a suspensão do processo penal (art. 93 do CPP). REsp 1.413.829-CE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 11/11/2014. 


DIREITO TRIBUTÁRIO. REQUISITOS PARA A MEDIDA DE INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS (ART. 185-A DO CTN). RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).


A indisponibilidade de bens e direitos autorizada pelo art. 185-A do CTN depende da observância dos seguintes requisitos: (i) citação do devedor; (ii) inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; e (iii) a não localização de bens penhoráveis após o esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, ficando este caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN. Quanto aos requisitos para indisponibilidade de bens e direitos, infere-se do art. 185-A do CTN que a ordem judicial para a decretação da indisponibilidade de bens e direitos do devedor ficou condicionada aos seguintes: (i) citação do executado; (ii) inexistência de pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fim, (iii) não forem encontrados bens penhoráveis. (Nesse sentido: AgRg no REsp 1.409.433-PE, Primeira Turma, DJe 18/12/2013). Especificamente em relação ao último requisito, a Primeira Seção do STJ firmou entendimento no sentido de que o credor deve comprovar o esgotamento das diligências aptas à localização dos bens do devedor, quando pretender a indisponibilidade de bens e direitos com base no art. 185-A do CTN (AgRg no AREsp 343.969-RS, Segunda Turma, DJe 3/12/2013; e AgRg no AREsp 428.902-BA, Primeira Turma, DJe 28/11/2013). Nessa medida, importa ponderar a respeito das diligências levadas a efeito pela Fazenda Pública, para saber se as providências tomadas correspondem, razoavelmente, a todas aquelas que poderiam ser realizadas antes do requerimento de indisponibilidade de bens requerida no âmbito do Poder Judiciário (art. 185-A do CTN). Sob essa perspectiva, tem-se que o acionamento do Bacen Jud e a expedição de ofícios aos registros públicos de bens no cartório do domicílio do executado são medidas razoáveis a se exigir do Fisco quando este pretender a indisponibilidade de bens do devedor. Além dessas medidas, tem-se ainda por razoável a exigência de prévia expedição de ofício ao Departamento de Trânsito Nacional ou Estadual (DENATRAN ou DETRAN), pois, se houver um veículo na titularidade do executado, facilmente se identificará. REsp 1.377.507-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 26/11/2014.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REQUISITOS PARA RECONHECIMENTO DA FRAUDE À EXECUÇÃO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

Corte Especial


No que diz respeito à fraude de execução, definiu-se que: (i) é indispensável citação válida para configuração da fraude de execução, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 615-A do CPC; (ii) o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente (Súmula 375/STJ); (iii) a presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume, a má-fé se prova; (iv) inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, § 4º, do CPC; e (v) conforme previsto no § 3º do art. 615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo. De início, deve prevalecer a posição majoritariamente adotada por este Tribunal ao longo do tempo, a qual exige a citação válida como pressuposto para caracterização da fraude de execução (AgRg no REsp 316.905-SP, Quarta Turma, DJe 18/12/2008; e REsp 418.109-SP, Terceira Turma, DJ 2/9/2002). Quanto ao ônus da prova da intenção do terceiro adquirente, não é razoável adotar entendimento que privilegie a inversão de um princípio geral de direito universalmente aceito, o da presunção da boa-fé, sendo mesmo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. A propósito, ensina a doutrina que, para o terceiro, é perfeitamente possível admitir que tenha adquirido o bem alienado pelo litigante ignorando a existência do processo e do prejuízo que este veio a sofrer. Vale dizer: é possível que tenha agido de boa-fé, e à ordem jurídica, em princípio, não interessa desprezar a boa-fé. Ademais, o STJ também já se posicionou no sentido de que "não tendo o registro imobiliário recebido a notícia da existência da ação, a presunção de licitude da alienação milita em favor do comprador. Entendimento contrário geraria intranquilidade nos atos negociais, conspiraria contra o comércio jurídico, e atingiria a mais não poder a confiabilidade nos registros públicos" (REsp 113.871-DF, Quarta Turma, DJ 15/9/1997). De mais a mais, significaria tornar letra morta o disposto no art. 659, § 4º, do CPC entender que há uma presunção relativa de má-fé do adquirente nos casos em que a penhora não for registrada, atribuindo-lhe o ônus de provar sua boa-fé. De que valeria essa norma? O registro não é elemento indispensável à constituição da penhora, conforme já se assentou na doutrina e na jurisprudência. Se é também dispensável para comprovação da ciência de terceiro quanto ao ônus processual, que, na sua ausência, terá de fazer prova de que não sabia da existência do gravame, qual a razão da norma? Qual credor vai arcar com o ônus financeiro do registro se caberá ao terceiro fazer a prova negativa de sua ciência em relação à existência do gravame? Na verdade, a lei tratou de dar plenas garantias ao credor diligente, assegurando-lhe presunção absoluta de conhecimento, por terceiros, da existência de ação em curso mediante a inscrição da penhora no registro público (art. 659, § 4º, do CPC). No entanto, se não agiu com cautela, registrando o gravame, não pode ser beneficiado com a inversão do ônus da prova. Nesse caso, terá ele de provar que o adquirente tinha conhecimento da constrição. O mesmo raciocínio se aplica quando se tem presente a regra estabelecida no art. 615-A do CPC, segundo o qual: "o exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto". O § 3º do art. 615-A ainda complementa ao asseverar que se presume a fraude de execução na alienação ou oneração de bens efetuada após a referida averbação. Ora, se a lei proporciona ao credor todos os meios para que ele prossiga com segurança na execução e ele se mostra desidioso, não se utilizando daqueles meios, não pode, então, ser beneficiado com a inversão do ônus da prova. REsp 956.943-PR, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20/8/2014.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DECLARAÇÃO DE INAPTIDÃO DO CADASTRO DO CNPJ DE EMPRESA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DE RECURSOS UTILIZADOS EM OPERAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR.INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA (ART. 23, § 2º, DO DL N. 1.455/76 C/C 81, § 2º, DA LEI N. 9.430/96) X CESSÃO DE NOME PARA A REALIZAÇÃO DE OPERAÇÃO DE COMÉRCIO DE TERCEIROS (ART. 33 DA LEI N. 11.488/07). VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. AFERIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE NA HIPÓTESE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DESTA CORTE.



1. O presente recurso especial originou-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão do juiz a quo que indeferiu o pedido de tutela antecipada formulado pela empresa em autos de ação ordinária no sentido de determinar o retorno do seu CNPJ à condição de ATIVO.

2. Cumpre afastar a alegada ofensa ao art. 535, II, do CPC, visto que o Tribunal de origem se manifestou de forma clara e fundamentada sobre a questão posta à sua apreciação, ainda que a conclusão adotada tenha sido contrária à pretensão da ora recorrente. A Corte a quo consignou expressamente que a defesa formulada administrativamente pela empresa foi analisada pelo Fisco, porém, as alegações não foram suficientes para impossibilitar a procedência da representação fiscal e a consequente suspensão da inscrição do CNPJ da empresa.

3. O Tribunal de origem concluiu que a ausência de comprovação da origem dos recursos utilizados em operação de comércio exterior - que foi tipificada pelo Fisco como sendo infração de interposição fraudulenta, na forma do art. 23, § 2º, da DL n. 1.455/76 - se equipara à hipótese prevista no art. 33 da Lei n. 11.488/07 que trata da cessão do nome da empresa para a realização de operação de comércio de terceiros com vistas ao acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários. Segundo o parágrafo único do referido dispositivo, tal infração não é daquelas que permitem a declaração de inaptidão do cadastro no CNPJ prevista no art. 81 da Lei n. 9.430/96.

4. A decisão da Corte a quo apenas deferiu a antecipação de tutela pleiteada, haja vista a verossimilhança das alegações da agravante e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, eis que, conforme consta do relatório do decisum, havia 432,40 toneladas de arroz para exportação paralisadas no Porto de Rio Grande em razão da inaptidão do CNPJ da empresa, impossibilitando o adimplemento de obrigações contratuais assumidas pela ela e exposto o produto ao risco de deteriorar-se. À vista de tal contexto, não é possível a esta Corte infirmar a conclusão adotada no acórdão recorrido,seja porque o conceito de "interposição fraudulenta" trazido pela recorrente nas razões recursais é muito similar ao disposto no art. 33 da Lei n. 11.488/07, o que recomenda o deferimento da tutela de urgência pleiteada pela empresa a fim de reativar seu CNPJ até a decisão de mérito na ação ordinária, seja porque o revolvimento dos requisitos do art. 273 do CPC, para fins de concessão de tutela antecipada, é providência que encontra óbice no teor da Súmula n. 7 desta Corte.

5. Recurso especial não provido. (G.N.)

(REsp 1144751/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,

SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 15/03/2011)

 

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 185-A DO CTN. INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO DEVEDOR. ANÁLISE RAZOÁVEL DO ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR. NECESSIDADE.


1. Para efeitos de aplicação do disposto no art. 543-C do CPC, e levando em consideração o entendimento consolidado por esta Corte Superior de Justiça, firma-se compreensão no sentido de que a indisponibilidade de bens e direitos autorizada pelo art. 185-A do CTN depende da observância dos seguintes requisitos: (i) citação do devedor tributário; (ii) inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; e (iii) a não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN.

2. O bloqueio universal de bens e de direitos previsto no art. 185-A do CTN não se confunde com a penhora de dinheiro aplicado em instituições financeiras, por meio do Sistema BacenJud, disciplinada no art. 655-A do CPC.

3. As disposições do art. 185-A do CTN abrangerão todo e qualquer bem ou direito do devedor, observado como limite o valor do crédito tributário, e dependerão do preenchimento dos seguintes requisitos: (i) citação do executado; (ii) inexistência de pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fim, (iii) não forem encontrados bens penhoráveis.

4. A aplicação da referida prerrogativa da Fazenda Pública pressupõe a comprovação de que, em relação ao último requisito, houve o esgotamento das diligências para localização de bens do devedor.

5. Resta saber, apenas, se as diligências realizadas pela exequente e infrutíferas para o que se destinavam podem ser consideradas suficientes a permitir que se afirme, com segurança, que não foram encontrados bens penhoráveis, e, por consequência, determinar a indisponibilidade de bens.

6. O deslinde de controvérsias idênticas à dos autos exige do magistrado ponderação a respeito das diligências levadas a efeito pelo exequente, para saber se elas correspondem, razoavelmente, a todas aquelas que poderiam ser realizadas antes da constrição consistente na indisponibilidade de bens.

7. A análise razoável dos instrumentos que se encontram à disposição da Fazenda permite concluir que houve o esgotamento das diligências quando demonstradas as seguintes medidas: (i) acionamento do Bacen Jud; e (ii) expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN.

8. No caso concreto, o Tribunal de origem não apreciou a demanda à luz da tese repetitiva, exigindo-se, portanto, o retorno dos autos à origem para, diante dos fatos que lhe forem demonstrados, aplicar a orientação jurisprudencial que este Tribunal Superior adota neste recurso.

9. Recurso especial a que se dá provimento para anular o acórdão impugnado, no sentido de que outro seja proferido em seu lugar, observando as orientações delineadas na presente decisão.

RECURSO ESPECIAL Nº1.37.507 -SP

 

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

DIREITO PENAL. PARÂMETRO PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE DESCAMINHO.


Terceira Seção


O valor de R$ 20 mil fixado pela Portaria MF 75/2012 – empregado como critério para o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos inscritos na Dívida Ativa da União – não pode ser utilizado como parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância aos crimes de descaminho. Inicialmente, importante ressaltar que o entendimento, tanto do STF quanto do STJ (REsp 1.112.748-TO, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, DJe 13/10/2009), tem sido o de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 10 mil, valor este fixado pela Lei 10.522/2002 para servir como piso para arquivamento, sem baixa nos autos, de execuções fiscais. Mais recentemente, o Ministério da Fazenda editou a Portaria MF 75/2012, a qual elevou o valor de arquivamento para R$ 20 mil. Desde então, o STF tem, em alguns de seus julgados, empregado o referido patamar para reconhecer a aplicação do princípio da insignificância ao descaminho, quando o valor dos tributos iludidos não ultrapassar o montante de R$ 20 mil. Não obstante esse entendimento, importante analisar a validade formal da elevação do parâmetro pela Portaria MF 75/2012. Nesse passo, ressalte-se que, atualmente, com o advento da Lei 10.522/2002, o Ministro da Fazenda possui autonomia tão somente para estabelecer o cronograma, determinando as prioridades e as condições a serem obedecidas quando forem remetidos os débitos passíveis de inscrição em Dívida Ativa da União e cobrança judicial pela Procuradoria da Fazenda Nacional. A lei não previu a competência para que o Ministro da Fazenda, por meio de portaria, altere o valor fixado como parâmetro para arquivamento de execução fiscal, sem baixa na distribuição. Com isso, a alteração do valor para arquivamento de execução fiscal só pode ser realizada por meio de lei, não sendo a referida portaria, portanto, meio normativo válido para esse fim. Ademais, da leitura da aludida portaria, extrai-se que o valor foi estabelecido para orientar a ação em sede executivo-fiscal, com base apenas no custo benefício da operação; claramente, portanto, como uma opção de política econômico-fiscal. Em vista disso, importante ponderar: pode-se aceitar que o Poder Judiciário se veja limitado por parâmetro definido por autoridade do Poder Executivo, estabelecido unicamente por critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais e/ou do débito? Afigura-se inusitada a compreensão de que o Ministro da Fazenda, por meio de portaria, ao alterar o patamar de arquivamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Pública, determine o rumo da jurisdição criminal de outro Poder da República. Por fim, não há como aplicar os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade do Direito Penal ao caso analisado. O caráter fragmentário orienta que o Direito Penal só pode intervir quando se trate de tutelar bens fundamentais e contra ofensas intoleráveis; já o caráter subsidiário significa que a norma penal exerce uma função meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de suas sanções quando os demais ramos do Direito não mais se mostrem eficazes na defesa dos bens jurídicos. Os referidos princípios penais ganhariam relevo se o atuar do Direito Administrativo eliminasse a lesão ao erário, e não na situação ora analisada, em que, por opção decorrente da confessada ineficiência da Procuradoria da Fazenda Nacional, queda-se inerte a Administração Pública quanto ao seu dever de cobrar judicialmente os tributos iludidos. REsp 1.393.317-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/11/2014.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

OPERADOR ECONÔMICO AUTORIZADO (OEA)

Autor(a): VANESSA VENTURA
Advogada, especialista em Direito Tributário, com atuação na área de Comércio Exterior.

OPERADOR ECONÔMICO AUTORIZADO (OEA)

A Receita Federal do Brasil vem caminhando com o projeto do Operador Econômico Autorizado (OEA), que é um dos elementos do movimento internacional de cargas no âmbito dos programas de segurança da cadeia logística, idealizado por um país ou conjunto de países, com base nas orientações da Organização Mundial das Aduanas (OMA). De adesão voluntária, sua implantação está prevista para o dia 10 de dezembro de 2014, em Recife, onde as empresas que participaram de um projeto-piloto com a aduana brasileira em parceria com a aduana dos Estados Unidos receberão a certificação no programa.

O projeto-piloto teve como foco as exportações brasileiras, sendo que a implantação completa de toda a cadeia está prevista para o final de 2016, quando todas as etapas do projeto já tiverem sido superadas. Evidentemente que, mesmo parcialmente implantado, esse instituto já trará ótimos resultados, na medida em que a segurança da cadeia logística das operações de comércio exterior restará demonstrada, reduzindo a intervenção da aduana.

Ademais, deverão ser firmados tratados internacionais, por meio dos quais o tratamento aqui recebido será idêntico ao oferecido à mercadoria no país de destino, materializando o chamado reconhecimento mútuo. Uruguai e Estados Unidos já se demonstraram interessados em firmar esse tipo de acordo com o Brasil.

Mundialmente difundido, o Operador Econômico Autorizado permite classificar os seus participantes como de baixo risco, razão pela qual recebem tratamento diferenciado em suas operações de comércio exterior, agilizando o trâmite aduaneiro, dada a mínima intervenção da fiscalização. Simplificação e agilidade decorrentes da segurança demonstrada são os objetivos da Receita Federal do Brasil, que vem trabalhando nesse projeto desde 2010.

Por isso, paralelamente, vem sendo desenvolvido o projeto "Single Window" que visa à unificação do sistema de outros órgãos do governo, anuentes nas operações de comércio exterior, objetivando a parametrização integrada das cargas.

Assim, totalmente estruturado, será possível garantir uma maior eficiência na proteção à sociedade, melhorando a imagem do Brasil, atraindo investimentos estrangeiros, fomentando o interesse internacional para as relações bilaterais, gerando negócios e desenvolvendo oportunidades. Tudo isso, indubitavelmente, será usufruído pelas empresas certificadas no programa.

A certificação dar-se-á mediante atendimento de requisitos de admissibilidades, critérios de elegibilidade e critérios de segurança, exposto em um Questionário de Autoavaliação (QAA), cujo detalhamento será determinado por meio de Instrução Normativa a ser ainda publicada e cuja operacionalidade está prevista a partir de março de 2015.

http://www.aduaneiras.com.br/noticias/artigos/artigos_texto.asp?ID=26241440&acesso=2


segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

DEFINIDOS REQUISITOS PARA DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS EM EXECUÇÃO FISCAL


Para obter a decretação de indisponibilidade de bens em execuções fiscais, a Fazenda Pública terá de comprovar ao juiz o esgotamento de diligências em busca de bens penhoráveis. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, em julgamento de recurso repetitivo, que entre as diligências da Fazenda devem estar o acionamento do Bacen-Jud (penhora on-line) e a expedição de ofícios aos registros públicos  do domicílio executado e ao Departamento de Trânsito Nacional ou Estadual (Denatran ou Detran), para que informem se há patrimônio em nome do devedor.

 

A tese passa a orientar as demais instâncias do Judiciário que tratarem do tema e sinalizam que, havendo decisão em acordo com o que foi definido pelo STJ, recurso contra ela não será mais admitido na corte superior.

 

O centro da controvérsia é a interpretação do artigo 185-A do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual, na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos.

 

O ministro Og Fernandes, relator do recurso repetitivo, destacou que a ordem judicial para decretação da indisponibilidade é, portanto: citação do executado; inexistência de pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fim, não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligênciasrealizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN..

 

Quanto ao último requisito, o ministro relator observou que a decisão define as diligências que podem ser consideradas suficientes para permitir que se afirme, com segurança, que não foram encontrados bens penhoráveis.

 

Recusa

 

No caso julgado como recurso repetitivo, mesmo diante dos requisitos previstos nesse dispositivo (citação do devedor, ausência de pagamento, não apresentação de bens à penhora e infrutífera tentativa de localizar bens penhoráveis), o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou pedido formulado pela Fazenda para bloquear bens e direitos do devedor para fins de indisponibilidade.

 

No recurso, a Fazenda sustentou que realizou diligências que estavam ao seu alcance, sendo elas, contudo, infrutíferas. Por essa razão, entende ser o caso do bloqueio cautelar de bens previsto no artigo 185-A do CTN, ante a não localização de bens passíveis de penhora.

 

O caso

 

Em 2004, o INSS ajuizou execução fiscal contra uma empresa para saldar dívida tributária no valor de R$ 346.982,12. Com a notícia de decretação da falência da empresa, o juiz incluiu os dois sócios no polo passivo da execução. Foi pedida, então, a indisponibilidade dos bens dos executados, até o limite do débito acrescido de custas processuais e demais encargos, atualizados monetariamente.

 

O juiz negou o pedido, e o TRF3 ratificou a decisão sob o argumento de que "não houve esgotamento das diligências para localização de bens passíveis de penhora, especialmente com relação aos coexecutados [sócios]", o que não autorizaria a adoção da "medida excepcional e extrema" de decretação da indisponibilidade dos bens e direitos dos executados.

 

Recurso

 

Ao analisar o recurso repetitivo, o ministro Og Fernandes ressaltou que esse artigo foi inserido no código tributário como medida para aumentar a probabilidade de pagamento do devedor, por razões de interesse público. Por isso, a leitura do dispositivo legal, no seu entender, deve ser feita sob essa perspectiva.

 

No recurso analisado, o ministro relator verificou que, apesar de o TRF3 ter considerado não haver o esgotamento das diligências, não há indicação a respeito das medidas já adotadas pela Fazenda Nacional, nem daquelas que o tribunal regional entenderia como suficientes para caracterizar o esgotamento das diligências e, por consequência, determinar a indisponibilidade de bens.

 

Por isso, no caso concreto, a Primeira Seção determinou o retorno dos autos ao TRF3 para que reanalise a questão, agora com base nos critérios definidos pelo STJ no recurso repetitivo.

 

REsp 1377507

 

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

STJ: É indispensável a comunicação ao devedor antes de sua inscrição no Cadin


A comunicação prévia ao devedor é etapa fundamental do procedimento de inscrição no Cadin e deve ser observada pela administração pública. Contudo, nas situações de não pagamento voluntário de prestações em programa de parcelamento tributário, em que ocorre a reativação do registro no Cadin, não haverá necessidade de nova comunicação ao devedor, bastando para isso a primeira notificação. Somente se não houve essa primeira notificação será preciso fazê-la.

 

A decisão é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que proveu parcialmente recurso de uma empresa para excluí-la do registro de inadimplentes.

 

O recurso era contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que entendeu ser desnecessária a comunicação, devido ao conhecimento do débito pelo contribuinte que voluntariamente deixou de pagar o parcelamento.

 

A empresa afirmou que foi incluída no Cadin sem a intimação prévia prevista no artigo 2°, parágrafo 2°, da Lei 10.522/02, e que o princípio da legalidade estrita impede que a administração deixe de cumprir o mandamento legal.

 

Procedimento

 

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, destacou que a comunicação prévia do débito ao devedor é etapa fundamental para o procedimento de inscrição no Cadin. A administração deve estar atenta ao processo, já que o devedor tem 75 dias, entre a comunicação e o registro no Cadin, para regularizar sua situação.

 

De acordo com Campbell, a situação da empresa é diversa daquela em que ocorre a reativação do registro no Cadin. Quando isso acontece, não há necessidade de nova comunicação ao devedor, conforme orientação já adotada pela Primeira Turma do STJ.

 

REsp 1470539

Julgamento sobre prescrição nesta quarta (26) afetará milhões de execuções fiscais

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará nesta quarta-feira (26) um recurso especial que terá importante reflexo sobre o andamento das execuções fiscais no Brasil – um universo de 27 milhões de processos, segundo o último relatório "Justiça em Números", do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Só no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a decisão a ser tomada pelos dez ministros do colegiado impactará 1,81 milhão de execuções fiscais atualmente suspensas.

No recurso, submetido ao rito dos repetitivos, o STJ vai definir a correta aplicação do artigo 40 e parágrafos da Lei de Execução Fiscal – LEF (Lei 6.830/80) e a sistemática para a contagem da prescrição intercorrente (prescrição após a propositura da ação). O entendimento a ser firmado abrangerá as execuções fiscais propostas por municípios, estados e pela União.

As execuções fiscais, segundo o CNJ, correspondem à maior fatia dos 95 milhões de processos que tramitavam no país no ano passado. O volume é tão expressivo que os próprios tribunais de segunda instância têm dificuldade em identificar a quantidade de ações atualmente suspensas em razão de previsão da LEF e que serão afetadas direta e imediatamente pelo julgamento do repetitivo.

Os Tribunais Regionais Federais da 4ª Região, sediado em Porto Alegre, e da 5ª Região, em Recife, fizeram esse levantamento e apontaram, respectivamente, 111 mil e 171 mil execuções suspensas. Somado o TJSP, chega-se a 2,092 milhões em apenas três dos 32 tribunais sob jurisdição do STJ.

Quatro pontos

O recurso sobre a LEF (REsp 1.340.553) foi afetado à Primeira Seção como representativo de controvérsia repetitiva (artigo 543-C do Código de Processo Civil) pelo ministro Mauro Campbell Marques, tendo em vista a alta repercussão da matéria e o grande número de recursos que chegam ao tribunal para discussão do tema.

O colegiado definirá quatro pontos controversos: qual o pedido de suspensão por parte da Fazenda Pública que inaugura o prazo de um ano previsto no artigo 40, parágrafo 2º, da LEF; se o prazo de um ano de suspensão somado aos outros cinco anos de arquivamento pode ser contado em seis anos por inteiro para fins de decretar a prescrição intercorrente; quais são os obstáculos ao curso do prazo prescricional da prescrição prevista no artigo 40 da LEF; e se a ausência de intimação da Fazenda quanto ao despacho que determina a suspensão da execução fiscal (artigo 40, parágrafo 1º), ou o arquivamento (artigo 40, parágrafo 2º), ou para sua manifestação antes da decisão que decreta a prescrição intercorrente (artigo 40, parágrafo 4º) ilide a decretação da prescrição.

As teses firmadas pelo colegiado servirão de orientação às demais instâncias, e não mais serão admitidos recursos para o STJ quando os tribunais de segundo grau tiverem adotado esse mesmo entendimento.

O caso

No processo destacado pelo relator, a Fazenda Nacional recorreu contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que reconheceu de ofício a prescrição intercorrente e extinguiu a execução fiscal com base no artigo 40, parágrafo 4º, da LEF.

No recurso, a Fazenda Nacional alega que houve violação desse artigo, uma vez que não transcorreu o prazo de cinco anos exigido para a configuração da prescrição intercorrente, já que o TRF4 considerou como data para início da prescrição o momento em que foi determinada a suspensão do processo por 90 dias.

Sustenta que a falta de intimação da Fazenda quanto ao despacho que determina suspensão da execução fiscal (parágrafo 1º), ou arquivamento (parágrafo 2º), bem como a falta de intimação para sua manifestação antes da decisão que decreta a prescrição intercorrente (parágrafo 4º) não acarreta nenhum prejuízo à exequente, tendo em vista que ela pode alegar possíveis causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional a qualquer tempo.

Na decisão que afetou o recurso repetitivo, o ministro Mauro Campbell abriu oportunidade para manifestação das Procuradorias dos Estados, da Associação Brasileira de Secretarias de Finanças (Abrasf), da Confederação Nacional dos Municípios e do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal.

Imposto sobre férias

Também está na pauta da Primeira Seção para esta quarta-feira o julgamento, como repetitivo, do REsp 1.459.779, que trata da incidência do Imposto de Renda (IR) sobre o adicional de um terço de férias gozadas.

Nesse caso, o estado do Maranhão questiona acórdão do Tribunal de Justiça local que decidiu que o abono, no caso de férias gozadas, não está sujeito ao IR por ter natureza indenizatória.

O estado recorreu ao STJ, sustentando que o IR incide sobre o adicional por se tratar de verba remuneratória e enfatizando a necessidade de distinguir entre férias gozadas e indenizadas.

O ministro Mauro Campbell ressaltou que o caso é diferente do já enfrentado em julgamento anterior pela Primeira Seção, também em recurso repetitivo, quando foi firmada a tese de que não incide IR sobre adicional de um terço de férias não gozadas.

Neste novo julgamento, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atuará na condição de amicus curiae com a possibilidade de fazer sustentação oral. Segundo o relator, a participação da PGFN é relevante diante do evidente interesse da Fazenda Nacional no caso, por envolver um tributo de competência da União e que vem incidindo sobre o adicional de férias gozadas dos servidores públicos federais.

Por causa da afetação desse tema como repetitivo, 750 recursos especiais estão sobrestados nas cortes de segunda instância aguardando a decisão do STJ.

STJ

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

TRF da 4ª Decisão mantém decisão do CARF questionada pela União

A 1ª turma do TRF da 4ª região deu provimento, na última semana, a recurso da União e da empresa West Coast Calçados e considerou válida decisão do Carf que constituiu créditos tributários do PIS/PASEP e Cofins à empresa.

A ação, movida pelo MPF contra a decisão do Carf, foi julgada procedente pela JF de Novo Hamburgo/RS em setembro do ano passado. De acordo com a sentença, a West Coast teria simulado a existência de outra pessoa jurídica para pagar menos contribuições sociais e gerar créditos de PIS e Cofins. A outra empresa, chamada Sunbelt, optante do Simples, formaria uma só com a West Coast. Ainda segundo a sentença, a decisão do Carf estaria em total dissonância à prova produzida pela fiscalização. A decisão levou a União e a empresa a apelaram ao tribunal. O relator, desembargador federal Jorge Antônio Maurique chegou a entendimento diverso e reformou a sentença.

No TRF da 4 região, o desembargador Jorge Antonio Maurique afirmou que admitir que a Fazenda Nacional ou o Ministério Público possam pedir a anulação de decisão do CARF, sob o fundamento de estar dissociado da verdade real e desconsiderar provas, é tornar esse órgão inútil, retirando-lhe a razão de existir, que é dar a solução final acerca da validade do lançamento tributário.

Maurique apontou ainda que, caso fosse anulada a decisão do Carf, a Fazenda estaria obrigada a submeter ao crivo do Poder Judiciário todas as decisões do conselho de fiscalização que implicassem o afastamento ou a redução do valor do tributo originalmente exigido, pois não poderia ficar a depender de um juízo de conveniência a escolha dos casos que seriam submetidos ao Judiciário. "Não se pode considerar ato danoso ao erário a decisão de conselho administrativo que desonera o contribuinte, sob pena de afirmar-se que esses conselhos somente podem manter exigências tributárias e não afastá-las, o que não faz sentido".

Processo: 5006973-93.2013.404.7108

Fraude tributária com títulos públicos supera R$ 100 milhões


 

A Delegacia da Receita Federal em Presidente Prudente alerta sobre fraude praticada por empresas de consultoria e de advocacia contra contribuintes da região e do Brasil.

 

Com nova apresentação, os contribuintes são iludidos com a proposta de quitação de tributos mediante a utilização de títulos da dívida pública. De acordo com a proposta, o empresário adquire um montante de créditos das tais dívidas públicas pagando à empresa de consultoria com um percentual de desconto ou deságio. Para em seguida, utilizar o valor integral para compensar tributos devidos.

 

Nesta fraude, os contribuintes são orientados a não declarar os "débitos compensados" na DCTF (Declaração de Débitos e Créditos de Tributos Federais) ou na Declaração do Simples Nacional, uma vez que esses débitos "seriam quitados" diretamente no Siafi – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal. Para os débitos previdenciários, a orientação é que na GFIP seja informado o suposto pagamento no campo "compensação".

 

Os fraudadores fundamentam seus argumentos em legislação e informação que não se aplicam aos supostos créditos oferecidos. Com isto, os contribuintes são iludidos de forma semelhante ao chamado Golpe do Bilhete Premiado. Os golpistas já utilizaram desde títulos do início do século passado até precatórios trabalhistas estaduais.

 

A Receita Federal orienta as empresas que aderiram a esta prática, a corrigir espontaneamente as declarações já entregues, incluindo os débitos não declarados e eventualmente parcelar estes valores. Esse é o caminho para evitar o aumento do prejuízo, pois caso contrário os débitos não declarados pelos contribuintes serão objeto de lançamento de ofício, com multas que variam entre 75% a 225%, além de outras sanções e encargos estabelecidos na legislação.

 

As ações de fiscalização e cobrança já estão em andamento e por isso o contribuinte irregular deve se apressar na correção da sua situação. A título de exemplo, em apenas um contribuinte o valor lançado, incluído multa, ultrapassou a R$ 5 milhões. Levantamentos iniciais indicam que os valores envolvidos superam R$ 100 milhões.

 

Lembramos que a Receita Federal, além de fiscalizar e acompanhar a arrecadação de tributos, sempre está à disposição para esclarecer sobre a legislação. Em caso de dúvida pode entrar em contato com a Receita Federal, por meio do Plantão Fiscal existente na Delegacia em Presidente Prudente.

 

Nos sites da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional, estão disponíveis avisos visando a orientar o contribuinte:

 

http://www.receita.fazenda.gov.br/Novidades/Informa/AvisoFraude.htm

 

ASSESSORIA DE IMPRENSA / Delegacia da Receita Federal de Presidente Prudente

Suspenso julgamento sobre IPI em importação de veículo para uso próprio

Pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu, nesta quinta-feira (20), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 723651, em que o Supremo Tribunal Federal irá decidir se o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incide nas operações de importação de veículos automotores, por pessoa física, para uso próprio. O tema teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual e a decisão terá impacto em pelo menos 394 processos sobrestados em outras instâncias. A análise foi suspensa após o voto do relator, ministro Marco Aurélio, que considerou constitucional a incidência do tributo sobre produtos importados.

O recurso foi interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que considerou legítima a cobrança do IPI na importação de um veículo. O consumidor recorreu alegando que, por ser pessoa física que não exerce atividade empresarial de comercialização de automóveis, não poderá também recuperar créditos, o que tornaria o tributo cumulativo, contrariando dispositivos constitucionais, principalmente o da não-cumulatividade. Defendeu que haveria no caso dupla tributação, referente ao IPI e ao Imposto de Importação sobre a mesma base de cálculo.

Na tribuna, o representante da Fazenda Nacional argumentou que o princípio da não cumulatividade não pode ser aplicado ao consumidor final. Afirmou ainda que o IPI incide sobre o produto pelo fato de ser industrializado e o fato de a cobrança ocorrer na importação se dá unicamente porque no país de origem o bem, por ser destinado à exportação, deixou de ser tributado. Segundo ele, a não incidência do tributo representaria desvantagem para toda indústria nacional, pois o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a qualquer produto importado por pessoa física.

Voto
Ao negar provimento ao RE, o ministro Marco Aurélio observou que, embora a Constituição Federal estabeleça a imunidade do IPI para produtos exportados, o mesmo não ocorre em relação aos produtos importados. Destacou, ainda, não haver no texto constitucional qualquer distinção entre o contribuinte do imposto, se pessoa física ou jurídica, não sendo relevante o fato de o importador não exercer o comércio e adquirir o bem para uso próprio.

O ministro afastou o argumento da bitributação, pois segundo a jurisprudência do STF, o princípio da não cumulatividade só pode ser acionado para evitar a incidência sequencial do mesmo tributo, mas como se trata de importação de bem para uso próprio, caso ele venda o produto posteriormente, não haverá nova incidência do IPI. "O princípio da não cumulatividade não pode ser invocado para lograr-se, de forma indireta, imunidade quanto à incidência tributária", sustentou.

O relator salientou que políticas de mercado visando à isonomia devem estimular a circulação do produto nacional, sem prejuízo do produto de origem estrangeira. Mas observa que a natureza da incidência do IPI é sobre os produtos industrializados e não sobre a produção, e a não incidência do imposto sobre os produtos importados acarretaria tratamento desigual em relação à produção nacional, pois a prática internacional é a da desoneração da exportação. No entendimento do ministro, a isenção do imposto representa sério fator de ameaça à livre concorrência, com prejuízos à economia nacional, pois quem importasse diretamente levaria vantagem em relação aos que comprassem no mercado interno.

"Então, a toda evidência, a cobrança do tributo, pela vez primeira, não implica o que vedado pelo princípio da não cumulatividade, ou seja, a cobrança em cascata", sustentou o relator.
Em seguida, o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista dos autos.


RE 723651

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA APESAR DO REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL PARA SÓCIO-GERENTE.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PERMANÊNCIA DA RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA APESAR DO REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL PARA SÓCIO-GERENTE.

Nos casos de dissolução irregular da sociedade empresária, o redirecionamento da Execução Fiscal para o sócio-gerente não constitui causa de exclusão da responsabilidade tributária da pessoa jurídica. O STJ possui entendimento consolidado de que "Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei" (EREsp  174.532-PR, Primeira Seção, DJe 20/8/2001). Isso, por si só, já seria suficiente para conduzir ao entendimento de que persiste a responsabilidade da pessoa jurídica. Além disso, atente-se para o fato de que nada impede que a Execução Fiscal seja promovida contra sujeitos distintos, por cumulação subjetiva em regime de litisconsórcio. Com efeito, são distintas as causas que deram ensejo à responsabilidade tributária e, por consequência, à definição do polo passivo da demanda: a) no caso da pessoa jurídica, a responsabilidade decorre da concretização, no mundo material, dos elementos integralmente previstos em abstrato na norma que define a hipótese de incidência do tributo; b) em relação ao sócio-gerente, o "fato gerador" de sua responsabilidade, conforme acima demonstrado, não é o simples inadimplemento da obrigação tributária, mas a dissolução irregular (ato ilícito). Além do mais, não há sentido em concluir que a prática, pelo sócio-gerente, de ato ilícito (dissolução irregular) constitui causa de exclusão da responsabilidade tributária da pessoa jurídica, fundada em circunstância independente. Em primeiro lugar, porque a legislação de Direito Material (CTN e legislação esparsa) não contém previsão legal nesse sentido. Ademais, a prática de ato ilícito imputável a um terceiro, posterior à ocorrência do fato gerador, não afasta a inadimplência (que é imputável à pessoa jurídica, e não ao respectivo sócio-gerente) nem anula ou invalida o surgimento da obrigação tributária e a constituição do respectivo crédito, o qual, portanto, subsiste normalmente. Entender de modo diverso, seria concluir que o ordenamento jurídico conteria a paradoxal previsão de que um ato ilícito – dissolução irregular –, ao fim, implicaria permissão para a pessoa jurídica (beneficiária direta da aludida dissolução) proceder ao arquivamento e ao registro de sua baixa societária, uma vez que não mais subsistiria débito tributário a ela imputável, em detrimento de terceiros de boa-fé (Fazenda Pública e demais credores).REsp 1.455.490-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/8/2014.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

STJ corrige distorção na aplicação do princípio da insignificância em descaminho


 

Migalha, bagatela e ninharia são alguns sinônimos para o termo "insignificante" – uma definição que, para qualquer cidadão, não retrata valores como dez ou vinte mil reais. Mas quando o bolso é do estado brasileiro, os valores podem ser considerados insignificantes, a ponto de descaracterizar como crime o descaminho que sonega essas quantias?

 

Há mais de dez anos o Brasil vem deixando de promover o ajuizamento de ações de execução por dívidas ativas da União oriundas de impostos sonegados em crimes de descaminho (artigo 334 do Código Penal) quando o valor devido é considerado pequeno diante do custo da cobrança.

 

Seguindo a Lei 10.522/02, a Fazenda Nacional adotou, em 2004, o limite mínimo de R$ 10 mil para considerar a cobrança executável. Em 2012, por meio de uma portaria, aumentou o limite para R$ 20 mil por entender que não é economicamente vantajoso para o erário ajuizar demanda cujo valor seja inferior a esse parâmetro.

A consequência jurídica dessa opção fiscal chegou aos tribunais. Os magistrados passaram a aceitar a tese da absolvição sumária dos réus acusados de descaminho quando o valor dos impostos sonegados não ultrapassasse o limite utilizado pela Fazenda Nacional para desencadear a execução da dívida.

Até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta semana, disparou uma resposta ao que muitos críticos vêm chamando de distorção na aplicação do princípio da insignificância para o crime de descaminho. A Terceira Seção, em julgamento que rebate a jurisprudência construída nos tribunais superiores, brecou, em parte, o uso do limite administrativo como parâmetro para a punição pelo crime de descaminho.

Seguindo a posição do ministro Rogerio Schietti Cruz, a Seção decidiu, por maioria, que o princípio da insignificância somente deve ser aplicado quando o valor do débito tributário for inferior a R$ 10 mil, tal qual julgado pelo STJ em recurso repetitivo de 2009 (REsp 1.112.748). Com isso, o STJ afasta o novo valor de R$ 20 mil, adotado pela administração federal na Portaria MF 75/12, e reacende a discussão sobre o próprio parâmetro anteriormente adotado, o qual, em face do objeto e dos limites do recurso especial julgado, não pôde ser revisto pela Terceira Seção.

"Soa imponderável, contrária à razão e avessa ao senso comum uma tese que, apoiada em mera opção de política administrativo-fiscal, movida por interesses estatais conectados à conveniência, à economicidade e à eficiência administrativas, acaba por subordinar o exercício da jurisdição penal à iniciativa de uma autoridade fazendária", refletiu Schietti em seu voto.

Respeito aos precedentes

O ministro destacou que o tema já não encontra mais dissidência nas cortes superiores quanto ao patamar de R$ 10 mil, ainda que com ressalvas pessoais de alguns magistrados – como as que faz em seu voto. Ele esclareceu que esta nova posição do STJ, ao rejeitar o valor de R$ 20 mil, pretende demostrar que as questões podem – e devem – estar sob permanente reavaliação.

"A mudança é conatural ao direito, que vive na cultura e na historicidade", disse o ministro, citando doutrina de Daniel Mitidiero. Schietti entende que essa reavaliação pode eventualmente dar novos contornos à questão, por meio de alguma peculiaridade que distinga (distinguishing) ou mesmo leve à superação total (overruling) ou parcial (overturning) do precedente.

O ministro considera importante a ampla e exauriente motivação das decisões judiciais, "por meio da qual seja possível demostrar aspectos jurídicos e fáticos novos, que justifiquem reavivar a discussão", e se diz esperançoso de que no Supremo Tribunal Federal (STF) essa jurisprudência já consolidada – que considera como penalmente insignificante a ilusão de tributos de até R$ 10 mil – seja reavaliada.

Opção administrativa

Quando foi editada a Lei 10.522, o seu artigo 10 dizia que seriam arquivados sem baixa na distribuição os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União (DAU) de valor consolidado igual ou inferior a R$ 2.500. Dois anos depois, a Lei 11.033/04 elevou o valor para R$ 10 mil.

Em 2012, por meio da Portaria MF 75, o valor foi novamente majorado, dessa vez para R$ 20 mil. Isso significa dizer que a dívida até esse patamar não é executada judicialmente. O relator enfatizou, porém, que não há renúncia ou perdão do tributo pelo estado, que apenas opta por não fazer a cobrança judicial em dado momento porque, na sua avaliação, o valor a executar não justifica o custo da operação.

O aumento do valor decorreu de um estudo promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizado de novembro de 2009 a fevereiro de 2011. Conforme os resultados, o custo unitário médio total de uma ação de execução fiscal é de R$ 5.606,67; o tempo médio é de nove anos e nove meses, e a probabilidade de recuperação integral do crédito é de 25,8%.

O objetivo do aumento do limite é "aprimorar a gestão da Dívida Ativa da União e otimizar os processos de trabalho, aumentando a efetividade da arrecadação". A partir desse estudo, o Ipea afirmou que R$ 21.731,45 é o ponto a partir do qual é economicamente justificável promover a execução judicial. Abaixo disso, é bem provável que a União não consiga recuperar o valor do custo do processamento judicial.

No mesmo estudo, no entanto, o Ipea externa a preocupação com a implantação de uma política de recuperação de créditos, "sob pena de sinalizar à sociedade a desimportância do correto recolhimento de impostos e contribuições".

Dívida executável

Apesar de poder ser requerido o arquivamento sem a baixa das execuções fiscais já ajuizadas, a dívida não é cancelada e permanece inscrita na DAU. A Fazenda, então, adota outros meios de cobrança mais econômicos para esses créditos. Isso também está previsto na Portaria MF 75. Entre elas está o protesto extrajudicial da Certidão da Dívida Ativa.

"Não houve renúncia do tributo. Como aceitar como insignificante para fins penais um valor estabelecido para orientar a ação executivo-fiscal, com base apenas no custo-benefício da operação?", questionou o ministro Schietti durante o julgamento.

Ao tratar do caso nesta semana, a Terceira Seção assinalou que o princípio da insignificância não deve estar atrelado à dívida ativa executável pela Fazenda Nacional. O ministro Schietti considera inconsistente a tese que se amparou em dispositivos que tratam da execução para conferir autoridade quase judicial a uma conveniência administrativa.

"É como se o procurador da Fazenda determinasse o que a polícia deve investigar, o que o Ministério Público deve acusar e, o que é mais grave, o que – e como – o Judiciário deve julgar", argumentou.

 

Limitações da portaria

 

Além disso, Schietti questionou a própria competência do ministro da Fazenda para, mediante simples portaria, alterar um valor que havia sido fixado em lei. A legislação anterior autorizava o titular da Fazenda a dispensar a inscrição ou a execução de dívidas quando o custo administrativo da cobrança não valesse a pena, mas a partir de 2002, com a promulgação da Lei 10.522, foi estabelecido um limite máximo para essa dispensa (então de R$ 2.500, mais tarde aumentado para R$ 10 mil pela Lei 11.033).

 

A fixação legal de um valor máximo, segundo o magistrado, não mais permite que ele seja elevado por ato administrativo, mas apenas por lei.

 

Em relação ao caso julgado pela Terceira Seção, a aplicação do limite de R$ 20 mil – mesmo que fosse válida sua instituição pela Portaria 75 – esbarrava ainda em outro problema: o caso ocorreu antes da edição desse ato. Conforme destacou o ministro do STJ, a Constituição assegura a retroatividade da "lei penal" mais benéfica para o réu, mas a portaria não é lei, nem é penal.

 

Mais: nem na área fiscal a portaria retroage, pois seu texto deixa claro que o novo limite só é aplicável às execuções futuras.

 

Crimes contra o patrimônio

Os crimes patrimoniais "de rua", de que são exemplos mais corriqueiros o furto e o estelionato, têm recebido tratamento jurídico completamente diverso e bem mais rigoroso se comparado ao que se dispensa aos crimes contra a ordem tributária e, em particular, ao crime de descaminho.

A constatação é do ministro Schietti, que destacou as diferenças não só quanto aos critérios gerais – definidos em vários julgados do STF para o reconhecimento da insignificância penal –, como também quanto ao valor máximo a permitir a incidência do princípio da bagatela.

A Sexta Turma do STJ, por exemplo, deixou de aplicar a absolvição para casos como: furto de objetos avaliados em R$ 35 subtraídos de uma loja, de madrugada, com arrombamento (HC 192.530); furto de uma bicicleta, mas em concurso de agentes (HC 213.827); furto de uma colher de pedreiro avaliada em R$ 4, mediante escalada de muro (HC 253.360).

Na Quinta Turma, o repúdio à insignificância da conduta nos casos de furto também é pacífico para determinadas hipóteses: bens avaliados em R$ 27, mas com arrombamento de porta (HC 173.543); dois sabonetes avaliados em R$ 48, mas cujo autor era reincidente (HC 221.927); ferramentas avaliadas em R$ 100, furtadas do interior de uma residência (REsp 1.331.563).

 

Violação da isonomia

O ministro Schietti observou que, nos critérios usualmente empregados para afastar a tipicidade das condutas analisadas pelo STJ e pelo STF, não se encontra nenhum amparo para abarcar sob a mesma principiologia a tese da insignificância dos crimes de sonegação fiscal e de descaminho inferiores a R$ 10 mil.

Nos casos de furto, mesmo quando recuperado o bem subtraído ou quando se verifica a concordância da vítima em não ver o autor punido, a jurisprudência não adere à tese de insignificância. A comparação leva alguns doutrinadores a entender que há desrespeito aos princípios da isonomia e da proporcionalidade.

 

O voto também menciona  pesquisa coordenada pelo professor Pierpaolo Cruz Bottini, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que lançou o olhar sobre os julgados envolvendo o princípio da insignificância que chegaram ao STF.

O levantamento revelou que, entre 2005 e 2009, em 86% dos casos de crimes contra o patrimônio o valor do bem esteve na faixa de até R$ 200, quantia infinitamente menor do que a tomada como referência quando o crime praticado é descaminho.

O bem jurídico

Em seu voto, o ministro Schietti também chama a atenção para outro aspecto que distingue o crime de descaminho: o objeto jurídico protegido pela norma penal. Ele explica que não se trata apenas do erário.

Os tributos aduaneiros, que incidem nas operações de entrada e saída de mercadorias do país, destinam-se também a regular a atividade econômica. O Imposto de Importação (II) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) têm, portanto, natureza extrafiscal – são instrumentos fiscais utilizados para outros fins.

Da mesma opinião compartilha o professor de direito penal Luiz Regis Prado, da Universidade Estadual de Maringá. O doutrinador ressalta na obra "Curso de Direito Penal Brasileiro" que o bem tutelado, no que tange ao delito de descaminho, é o interesse econômico estatal. "Busca-se proteger o produto nacional e a economia do país", diz.

Assim também pensa o penalista Cezar Bitencourt, em seu livro "Tratado de Direito Penal", onde acentua que a conduta prevista no artigo 334 do Código Penal afeta a regulação da balança comercial, a proteção à indústria nacional e o prestígio da administração pública, especialmente "sua moralidade e probidade administrativa".

Conduta relevante

A procuradora da República Monique Chequer igualmente defende a necessidade de haver a desvinculação do bem jurídico tutelado no crime de descaminho do interesse meramente econômico-fiscal de ajuizamento das execuções. Em artigo publicado em 2008 no Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, a procuradora ressaltou o caráter extrafiscal dos impostos sonegados no crime de descaminho.

Monique Chequer entende que o fato de a Fazenda Nacional, por questões processuais, estruturais e administrativas, optar por não executar as dívidas inferiores ao patamar de R$ 20 mil não indica insignificância sob o aspecto subjetivo material. Daí porque ela defende que cada caso concreto seja analisado, para que se entenda seu aspecto global em relação à extensão da lesão produzida.

No recurso analisado pela Terceira Seção do STJ, o Ministério Público recorreu de decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que manteve a sentença de absolvição sumária de um réu acusado de descaminho.

Morador de Minas Gerais, ele foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal numa estrada do interior do Paraná. Retornava de Foz do Iguaçu, em um táxi, com quase R$ 30 mil em mercadorias importadas clandestinamente. Os tributos iludidos (IPI e II) foram calculados em R$ 13.224,63.

Absurdos

O entendimento de submeter o prosseguimento da ação penal à decisão administrativa da Fazenda faz com que absurdos judiciais aconteçam. O ministro Schietti cita como exemplo o caso de descaminho realizado com o auxílio de funcionário público. Enquadrando-se o valor do tributo sonegado no limite administrativo, haveria a estranha absolvição de um réu e a condenação do servidor público pelo crime de facilitação de contrabando ou descaminho (artigo 318 do Código Penal).

Em outro exemplo, no caso de produtos importados à margem da lei, seria possível ter a absolvição do réu acusado de descaminho, mas a condenação do autor do crime de violação de direitos autorais (artigo 184/CP) ou de receptação (artigo 180/CP).

O ministro Schietti ainda ressaltou o compromisso assumido pelo Brasil de combater o contrabando e o descaminho na Convenção sobre Repressão do Contrabando (Decreto 2.646/38) e na Convenção para Combater a Evasão Fiscal (Decreto 972/03), esta firmada com o Paraguai. Ou seja, o Brasil se comprometeu a combater e, mediante o devido processo legal, responsabilizar e punir autores de crimes de contrabando e descaminho.

O relator vê na posição que até aqui vem sendo adotada pelo Judiciário o risco de sinalizar à sociedade que o estado não tem interesse em cobrar tributos sonegados ou iludidos e, mais ainda, que não se interessa em punir quem pratica crimes de sonegação de tributos e de descaminho. Rogerio Schietti entende que é precisamente porque não houve efetiva atuação da esfera administrativa que a intervenção penal é mais necessária.

"Para um país que sonha em elevar sua economia a um grau de confiabilidade, em distribuir renda de modo justo e dar tratamento isonômico a todos os seus cidadãos (artigo 5º, caput, da Constituição da República), é incompreensível que se consolide uma jurisprudência tão dúctil na interpretação de condutas que, ao contrário de tantas outras tratadas com rigor infinitamente maior, causam tamanho desfalque ao erário e, consequentemente, às políticas públicas e sociais do país", concluiu o ministro.

Leia a íntegra do voto do ministro Schietti.

Acompanharam o relator os ministros Felix Fischer e Maria Thereza de Assis Moura e os desembargadores convocados Ericson Maranho e Walter de Almeida Guilherme. Votaram em sentido contrário, para que se negasse o recurso do MP, os ministros Sebastião Reis Júnior, Nefi Cordeiro, Gurgel de Faria e o desembargador convocado Newton Trisotto.

 

REsp 1393317