A sanção é ato que se volta contra o querido pela norma jurídica, na lição do mestre de Viena (Kelsen, Teoria Pura do Direito).
Assim, a infração jurídica cuida exatamente do comportamento contrário ao previsto pela norma como regra de conduta a ser seguida, imputando ao infrator uma sanção (pena) - norma jurídica maior-, pela qual o Direito mostra toda a sua força, a coercibilidade.
Dependendo do ramo jurídico que se trate, teremos uma infração de natureza administrativa, civil, penal etc.
Nesse sentido, as infrações aduaneiras são gênero, cujas espécies serão: infração aduaneiro-tributária; infração aduaneira-não-tributária e infração aduaneira de caráter misto.
Todas elas podem derivar de um único fato e desencadear sanções de naturezas diversas, aplicadas cumulativamente, o que é inadequado, desnecessário e injusto (proporcionalidade em sentido estrito).
Sempre se doutrinou que no campo das penalidades a mais grave é a que deve prevalecer e absorver as mais brandas.
Nesse panorama, o Direito Aduaneiro comporta inúmeras infrações decorrentes do ingresso de bens e pessoas.
Na relação aduaneira poderíamos adotar três principais relações jurídicas, lembrando a posição da prof. Regina Helena em sua recente e abalizada obra (Curso de Direito Tributário). São elas (i) relação jurídicas de cunho formal (fazer ou deixar de fazer algo em virtude do interesse da fiscalização e arrecadação); (ii) relação jurídica de dar (pagar tributos); e (iii) relação jurídica sancionadora (aplicação de penalidades decorrentes de infrações).
A última relação jurídica, a sancionadora, é a que abordaremos singelamente.
Identificamos nas infrações relativas ao valor aduaneiro a maior polêmica a se estudar, pois de um só fato atrair-se-ia, em tese, a incidência de diversas relações jurídicas sancionadoras (administrativa, tributária e penal).
A cobrança de tributo pelo fato signo importação, consequência e eventualmente efeito dos cuidados com os interesses primários, é a principal ocupação atual do Direito Aduaneiro no campo das infrações.
Principal pergunta de todo aquele que importa ou exporta é como eliminar a carga tributária, redundando-se nesse espectro o amesquinhamento do Direito Aduaneiro, infelizmente.
Nesse sentido, o comércio exterior tem um efeito principal de que, ao se importar, pagam-se tributos. E como se pagam.
É sabido que a prática comercial tem regras próprias dissonantes da realidade fiscal. Leve-se ao exemplo o Lucro Real das empresas, o contábil e o fiscal, que andam em universos paralelos, cada qual em sua realidade, a bem do fisco, claro.
Historicamente é indissociável a função de guarda do passo da fronteira (extrafiscalidade) com as do arrecadador ou coletor de tributos.
Em razão desse fenômeno histórico, restou a idéia premente de que o controle aduaneiro tinha por finalidade a arrecadação de recursos ao Erário, pelo quê o estado encheria à burra seus cofres.
Tudo à época do mercantilismo, em que os impostos aduaneiros assumiam caráter extrafiscal não desnaturado de sua qualificação como exação fiscal.
Nos dias de hoje, a necessidade de arrecadação do governo e do controle da balança comercial demanda atenção especial dos tributos na importação.
Diante da regra universal de que o valor aduaneiro - aquele sobre o qual recairão os tributos – é o valor da transação comercial de compra e venda, acrescido do valor pago com o frete e seguro, muito divergência tem surgido entre fisco e contribuinte.
Essas divergências são o ponto de partida de todas as infrações aduaneiras, pois será sempre uma classificação fiscal errônea, a ausência de uma informação, o desvio de finalidade de um regime especial, um equívoco de interpretação na aplicação das regras legais, independente da intenção do agente (dolo), motivo para reprimenda (sanção).
Por vezes a reprimenda é desproporcional ao bem jurídico tutelado.
Não entendemos ter cabimento a famigerada penalidade de perdimento em caso de cobrança de tributos. Tal pena não seria adequada, necessária ou justa.
O perdimento de bens é uma aberração, pois sendo sanção máxima no Direito Aduaneiro, implica na perda de bens em processos administrativos de instância única a cargo da própria autoridade que supostamente constatou a infração. As hipóteses para a sua aplicação ora são reais, ora são fictícias (art. 689 e seg. do Dec. 6.759/09, Regulamento Aduaneiro). É figura jurídica híbrida, cujo objeto jurídico sanciona e repara - este à suposta lesão ao erário.
Não raro, entendimentos diversos entre contribuintes e fisco quanto ao valor aduaneiro, ou seja, o valor efetivo da transação comercial pela compra e venda de mercadorias, enseja acusação de subfaturamento, que levaria ao enquadramento no crime de descaminho (iludir no todo ou em parte o pagamento de tributos devidos com a importação).
O móvel delituoso do agente infrator das fronteiras, certamente, é introduzir ou retirar do território mercadorias com o intuito de não pagar tributos (descaminho) ou, ainda, introduzir ou retirar àquelas proibidas de entrada ou saída do território (contrabando).
Tais situações, portanto, são modos de burlar o controle aduaneiro, cujo modus operandis se diversifica (descaminho ou contrabando).
O descaminho é a mais comum infração aduaneira.
Não obstante ser o descaminho a subtração ao controle aduaneiro visando a eliminar o encargo fiscal, com ofensa ao Erário, diante da subtração dos recursos financeiros devidos ao caixa do Estado, meras irregularidades formais e documentais são o principal motivo de acusação tão grave.
O tributo, em Aduanas, determina-se à vista da declaração de valor e da identificação da alíquota a ser aplicada.
Esse último elemento – a alíquota – é determinada pela classificação da mercadoria no código tarifário (TEC), ou pela prevalência de acordos comerciais e tarifários que tenham avençado, para a espécie, alíquotas diferenciadas.
A fatura comercial, então indicativa do preço da mercadoria na condição negocial, não é necessariamente representativa do valor aduaneiro (suporte da incidência), definido este pelo preço declarado ajustado por inclusões e exclusões (artigo 8º do Acordo de Valoração – GATT).
Pode-se, à vista dessa tentativa de classificação, correlacionar a infração com o tipo de ofensa à ordem jurídica.
Se a infração for identificada como aduaneiro-tributária, a conduta será tida como ofensa ao erário público, hipótese que, nos casos mais gravosos, contempla o descaminho de direitos e a sonegação.
Logo, se a infração aduaneiro-tributária mantiver nexo de identidade com a infração-tributária, isto é, se a conduta infracional ofender o Erário, traduzindo-se em impostos declarados e não pagos, não declarados, inadimplências, obrigações tributárias acessórias descumpridas e outras situações nesse sentido, o campo de apuração, determinação e exigência será o do Processo Administrativo Fiscal, sem necessidade e cabimento a aplicação da pena de perdimento ou apuração da prática de crimes.
Não se pode permitir, em nome do Estado de Direito, atribuir-se à Aduana o poder de qualificar o dano generalizado, a ponto de se lhe permitir punir com o perdimento infrações tipicamente fiscais.
Daí que incabível pretender-se mera rusga quanto à diferença de preços torne-se a principal causa para a acusação de subfaturamento e inculpação ao auspício da prática de descaminho pela apresentação de documento falso (a alegada falsidade seria o valor inserto quanto ao preço, aquém daquele entendido pela fiscalização).
Acusações essas que implicam em outras gravíssimas, como a evasão de divisas, a sonegação fiscal, a falsificação de documentos e afins.
É fato consabido que as condutas infracionais-tributárias são sancionadas com multas e cominações legais que hão de ter uma base de cálculo, normalmente, o valor do imposto ou da mercadoria.
A determinação do quantum é, pois, fundamental para a incidência da norma sancionatória, que a partir daí passa a ter um caráter punitivo.
Desde a Roma antiga a relação tributária passou a ter natureza patrimonial. O não recolhimento de tributos, seja porque foram sonegados, omitidos ou esquecidos, envolve obrigação de dar, a ser sentida pelo inadimplente em seu patrimônio.
As sanções extrapatrimoniais são rechaçadas por nosso ordenamento conforme o Supremo já por mais de uma oportunidade manifestou (Súmulas nºs. 70, 323 e 547, do STF).
Aliás, o próprio perdimento de bens, na seara aduaneira, tem por finalidade ressarcir o erário e, concomitantemente, castigar o infrator: "A histórica perda de bens ou mercadorias, como sanção fiscal, tem natureza jurídica mista. Objetiva ao mesmo tempo ressarcir o erário – caráter compensatório – e castigar o infrator – caráter repressivo". (Rony Ferreira, in Importação e Exportação do Direito Brasileiro, obra coordenada por Vladimir Passos de Freitas, Ed.Revista dos Tribunais, 2004, pgs. 168 e segs.)
Assim, torna-se inaceitável, a senso jurídico, possa um procedimento fiscal ou aduaneiro que pretenda inquinar ao contribuinte a prática de um Dano ao Erário levar em conta acusação da prática de diversas fraudes pela simples divergência quanto ao preço dos bens importados que redundariam no pagamento de tributos, em ausente qualquer prova de fraude e intenção.
Somos da opinião de que meras irregularidades formais e fiscais deverão admitir sempre a correção.
Não podemos admitir que mera divergência quanto ao preço das mercadorias e o valor aduaneiro se configurem em Dano ao Erário.
O Dano ao Erário é um efeito cuja causa eficaz é a má-conduta tributária, competindo à autoridade fiscal obrigatoriedade na determinação da intensidade do dano e a intencionalidade da ação infracional, por meio do competente lançamento fiscal e a cobrança da diferença de tributos, jamais a pena de perdimento e a representação fiscal para o fim de iniciar eventual ação penal.
O Dano ao Erário é resultado de ofensa patrimonial, de natureza tributária ou financeira, devendo ser ressarcido pelo infrator na exata medida do dano infligido, acrescido das multas e cominações de lei.
Tudo porque toda e qualquer sanção de perdimento por Dano ao Erário é suscetível de ser elidida, nas esferas administrativa e penal, pelo pagamento do tributo. O que demonstra, aliás, seu caráter de ressarcimento e castigo, pelo acréscimo das cominações de lei.
Deveras, ainda é de se ressaltar que, caso a infração cometida tenha por núcleo quaisquer condutas tipificadas na Lei n 8.137/90 (artigos 1º e 2º), que trata dos crimes tributários, obrigatório se torna a definição do valor atribuído de dano, pois o pagamento a qualquer tempo do tributo subtraído comporta o benefício da extinção da punibilidade.
O que se nota, nessa briga entre fisco e contribuintes, é uma ação estatal voltada à aplicação da penalidade de perdimento e o posterior leilão das mercadorias. Ou seja, a arrecadação pelo fisco de forma indireta, mediante os recursos advindos da venda dos bens, que são arrematados com preço muito inferiores aos reais.
Queremos crer que esse cenário favorável ao arbítrio fiscal seja revisto pela fiscalização e autoridades públicas intervenientes no Comércio Exterior, a fim de que o Direito Aduaneiro recomponha-se em seu verdadeiro papel, no interesse dos interesses primários da coletividade.
Felippe Alexandre Ramos Breda - FARB
Exclente apresentação do autor, essa militância é fundamental na construção de uma sociedade mais justa…
ResponderExcluirDestaque-se, sob minha ótica, que torna fundamental a discução legislativa e, diria, inovação do direito aduaneiro, que começa por uma construção moderna que leve em conta os valores extraídos da necessidade de efetivo controle de entradas e saídas de bens, mercadorias e pessoas e, de outra senda, comporte respeito pelos direitos e garantias individuais e fundamentais que constam de nossa carta maior, além e igualmente importante, o incentivo à exploração do capital.
O Estado, ao efetivar o controle do fluxo de comércio exterior, precisa de uma lei moderna que conjugue todos os valores sociais e individuais, e isso precisa estar claro na legislação, pois, a tendência dos agentes desse mesmo estado, levando em conta seu vínculo de atividade, é a de aplicação mais direta possível da norma, e isso remete à uma análise mais literal, embora não desejável…
Em resumo, creio que a sociedade como um todo precisa evoluir, há falhas claras na legislação, há falhas claras no exercício do poder de polícia do estado, contudo, digo, há falhas claras também nas condutas sociais… Infelizmente, temos leis rígidas e antigas, sua aplicação muitas vezes literal por parte do Estado, mas também há condutas sociais deploráveis como trazer LIXO HOSPITALAR para o próprio país de orígem, alguém conhece algum outro nacional que faça isso??