*Por Felippe Alexandre Ramos Breda
A denúncia espontânea tem previsão no art. 138 do Código Tributário Nacional, nos termos seguintes:
"A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração."
Assim, implica, grosso modo, em (i) confissão espontânea da infração; (ii) pagamento do tributo devido ou depósito da importância arbitrada, quando o montante depender de apuração, se o caso; (iii) pagamento dos juros eventualmente devidos, se o caso; (iv) alcança outras infrações; e (v) não se aplica após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionados com a infração.
Destaque-se a discussão existente sobre se o alcance da palavra infração refere-se a toda e qualquer penalidade - exemplo é a discussão de que só se aplica às multas de ofício, mas não as moratórias, mera recomposição do capital e não infração propriamente dita.
No âmbito aduaneiro, a denúncia espontânea tinha previsão na redação original do artigo 102, do Decreto-Lei 37/66, nos termos seguintes:
A denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do imposto e dos acréscimos, excluirá a imposição da correspondente penalidade.
Logo, mera repetição do conceito previsto pelo Código Tributário Nacional e, portanto, sem qualquer distinção de a qual penalidade se aplicaria.
Posteriormente, o artigo 102 do Decreto-Lei 37/66 foi modificado pelo Decreto-Lei 2.472/88, passando a constar a seguinte redação:
A denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do imposto e dos acréscimos, excluirá a imposição da correspondente penalidade. § 1º - Não se considera espontânea a denúncia apresentada: a) no curso do despacho aduaneiro, até o desembaraço da mercadoria; b) após o início de qualquer outro procedimento fiscal, mediante ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, tendente a apurar a infração. § 2º - A denúncia espontânea exclui somente as penalidades de natureza tributária.
Com a mudança acima, verificou-se a delimitação do conceito de infração, para o fim de que a denúncia aduaneira apenas alcançasse as de natureza tributária.
Na medida em que as relações aduaneiras são calcadas em forte conceito regulatório (extrafiscal), já que a arrecadação de tributos é mera conseqüência, mas não fim, muito se discutia a restrição da utilização da denúncia espontânea aduaneira apenas às infrações de natureza tributária.
Exemplo do que comentamos são as penalidades aplicáveis ao embaraço da fiscalização ou descumprimento do controle aduaneiro, a exemplo da multa de 1% sobre o valor aduaneiro por erro de declaração do NCM na importação (classificação fiscal); e a quantificação da Unidade de Medida Estatística.
Reprisemos meteoricamente as relações aduaneiras para compreensão:
(i) relação jurídicas de cunho formal (fazer ou deixar de fazer algo em virtude do interesse da fiscalização e arrecadação), dado ao caráter regulatório (extrafiscal) do Comércio Exterior e suas imposições tributárias; (ii) relação jurídica de dar (pagar tributos); e
(iii) relação jurídica sancionadora (aplicação de penalidades decorrentes de infrações).
A divergência não era sem razão, pois onde a lei não distinguiu, não caberia ao interprete fazê-lo. Logo, não se nota no art. 138 do Código Tributário Nacional qualquer distinção quanto à natureza da infração para fins de aplicação da denúncia espontânea.
Mesmo porque, recorde-se que as demais legislações tributárias dos entes políticos devem observar a Lei Complementar que é o Código Tributário Nacional, ao editar legislação tributária prevendo sanções tributárias, caso do instituto da denúncia espontânea no âmbito aduaneiro, nos termos do art. 146, inciso III, da CRFB/88.
Ademais, para aplicação de penalidade, a Lei tributária determina que a interpretação se dê de forma mais favorável ao acusado (art. 112 do CTN).
Daí a razão para essa discussão render posições diferentes da fiscalização, ora aceitando o instituto da denúncia aduaneira as infrações de natureza não-tributária, ora não.
Nesse contexto é que nos chamou atenção a redação do artigo 102, do Decreto-Lei 37/66, com a modificação da Medida Provisória 497, de 27 de julho de 2010, em seu art. 18, na forma seguinte:
"Os arts. 1º, 23, 25, 50, 60, 75 e 102 do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, passam a vigorar com a seguinte redação: (...) Art. 102. (...) § 2º A denúncia espontânea exclui a aplicação de penalidades de natureza tributária ou administrativa, com exceção das penalidades aplicáveis na hipótese de mercadoria sujeita a pena de perdimento."
Verificamos, assim, que a nova legislação reconheceu a impropriedade da restrição da denúncia espontânea no âmbito aduaneiro.
Mas, o curioso disso tudo é que implicará na aplicação do magno princípio da irretroatividade da Lei Tributária, na medida em que se trata de legislação favorável ao contribuinte, que estabeleceu penalidade e desconsiderou determinado fato como infração.
Portanto, aos processos em curso, ainda que se aguarde a conversão da MP em Lei, essa questão deverá ser levantada ex officio. * *Felipe Breda é Advogado, consultor e professor, especialista em Direito Tributário e Aduaneiro, professor do Curso de Pós-Graduação (Lato Sensu) da PUC/SP, gerente jurídico da área Aduaneira do Emerenciano, Baggio & Advogados – Associados. |
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