Compra e venda
Uma nova lei promulgada no último 27 de junho pode dificultar ainda mais o caminho daqueles que pretendem compensar precatórios. A partir de agora, está vedada a compensação entre débito e crédito de pessoas jurídicas diversas. Isto é, a empresa que comprar precatório de outra não poderá compensar o valor. A medida não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Pública Federal deva fazer em virtude de sentença transitada em julgado.
A mudança veio acompanhada de diversas outras, em uma legislação que o advogado Flávio Brando, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP e vice-presidente da Comissão de Precatórios do Conselho Federal, classifica como "peça frankenstein". Isso porque, ao mesmo tempo em que trata desses débitos da administração pública, também disciplina temas como Imposto de Renda, incentivos para usinas nucleares, plano nacional de banda larga e adicional ao frete para renovação da marinha mercante.
A Lei 12.431, de 2011, tem 56 artigos no total. A questão dos precatórios é tratada em 14 deles, a partir do 30. De acordo com o parágrafo 6º do dispositivo, somente poderão ser objeto da compensação os créditos e os débitos oriundos da mesma pessoa jurídica devedora do precatório.
O advogado explica que o objetivo da Fazenda, com a lei, é impedir "um mercado secundário de precatórios, mais uma vez limitando e dificultando a compensação". Ou seja, o credor original "não poderá oferecer para compensação precatórios que tenha adquirido ou recebido de terceiros".
Para Brando, o legislador teve uma visão de mão única sobre o problema, uma vez que reabriu prazos para recálculos e para novas manifestações da Fazenda e novos recursos, "criando mais uma instância de discussão, para procrastinar como sempre o não-pagamento das dívidas judiciais". Para ele, "a compensação deveria ser automática, créditos e débitos federais, sejam próprios ou de terceiros".
É de opinião semelhante Nelson Lacerda, especialista em precatórios e advogado da Associação Nacional dos Servidores Públicos. De acordo com ele, agora, a compensação passa a ser compulsória, não havendo necessidade de passar pelo crivo do Judiciário, como acontecia antes.
Ao mesmo tempo, como ponto negativo, ele aponta justamente a impossibilidade de compensação nos casos em que houve cessão do título. Ou seja, o terceiro que adquiriu o precatório não poderá compensar seus débitos com o INSS, por exemplo, por meio daquele título. Da mesma forma, o INSS só poderá compensar débitos com credores que estiverem devendo, ao mesmo tempo, para a autarquia.
Como conta Lacerda, os precatórios são, como um cheque, títulos passíveis de cessão. Por isso, opina, a lei também deveria autorizar a cessão nesses casos. Para Eduardo Diamantino, presidente da comissão de Defesa dos Credores Públicos do Conselho Federal da OAB e presidente da comissão de Dívida Pública da OAB-SP, a lei é parcial, já que privilegia apenas a administração pública. "No lugar de falar de pessoas jurídicas diferentes, a lei deveria limitar a compensação entre orçamentos diferentes."
Leia abaixo o trecho da Lei 12.431 que trata sobre os precatórios:
Art. 30. A compensação de débitos perante a Fazenda Pública Federal com créditos provenientes de precatórios, na forma prevista nos §§ 9o e 10 do art. 100 da Constituição Federal, observará o disposto nesta Lei.
§ 1o Para efeitos da compensação de que trata o caput, serão considerados os débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa da União, incluídos os débitos parcelados.
§ 2o O disposto no § 1o não se aplica a débitos cuja exigibilidade esteja suspensa, ressalvado o parcelamento, ou cuja execução esteja suspensa em virtude do recebimento de embargos do devedor com efeito suspensivo, ou em virtude de outra espécie de contestação judicial que confira efeito suspensivo à execução.
§ 3o A Fazenda Pública Federal, antes da requisição do precatório ao Tribunal, será intimada para responder, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre eventual existência de débitos do autor da ação, cujos valores poderão ser abatidos a título de compensação.
§ 4o A intimação de que trata o § 3o será dirigida ao órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica devedora do precatório na ação de execução e será feita por mandado, que conterá os dados do beneficiário do precatório, em especial o nome e a respectiva inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).
§ 5o A informação prestada pela Fazenda Pública Federal deverá conter os dados necessários para identificação dos débitos a serem compensados e para atualização dos valores pela contadoria judicial.
§ 6o Somente poderão ser objeto da compensação de que trata este artigo os créditos e os débitos oriundos da mesma pessoa jurídica devedora do precatório.
Art. 31. Recebida a informação de que trata o § 3o do art. 30 desta Lei, o juiz intimará o beneficiário do precatório para se manifestar em 15 (quinze) dias.
§ 1o A impugnação do beneficiário deverá vir acompanhada de documentos que comprovem de plano suas alegações e poderá versar exclusivamente sobre:
I — erro aritmético do valor do débito a ser compensado;
II — suspensão da exigibilidade do débito, ressalvado o parcelamento;
III — suspensão da execução, em virtude do recebimento de embargos do devedor com efeito suspensivo ou em virtude de outra espécie de contestação judicial que confira efeito suspensivo à execução; ou
IV — extinção do débito.
§ 2o Outras exceções somente poderão ser arguidas pelo beneficiário em ação autônoma.
Art. 32. Apresentada a impugnação pelo beneficiário do precatório, o juiz intimará, pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, o órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica devedora do precatório na ação de execução, para manifestação em 30 (trinta) dias.
Art. 33. O juiz proferirá decisão em 10 (dez) dias, restringindo-se a identificar eventuais débitos que não poderão ser compensados, o montante que deverá ser submetido ao abatimento e o valor líquido do precatório.
Parágrafo único. O cálculo do juízo deverá considerar as deduções tributárias que serão retidas pela instituição financeira.
Art. 34. Da decisão mencionada no art. 33 desta Lei, caberá agravo de instrumento.
§ 1o O agravo de instrumento terá efeito suspensivo e impedirá a requisição do precatório ao Tribunal até o seu trânsito em julgado.
§ 2o O agravante, no prazo de 3 (três) dias, requererá juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso.
§ 3o O agravante, no prazo de 3 (três) dias, informará o cumprimento do disposto no § 2o ao Tribunal, sob pena de inadmissibilidade do agravo de instrumento.
Art. 35. Antes do trânsito em julgado da decisão mencionada no art. 34 desta Lei, somente será admissível a requisição ao Tribunal de precatório relativo à parte incontroversa da compensação.
Art. 36. A compensação operar-se-á no momento em que a decisão judicial que a determinou transitar em julgado, ficando sob condição resolutória de ulterior disponibilização financeira do precatório.
§ 1o A Fazenda Pública Federal será intimada do trânsito em julgado da decisão
que determinar a compensação, com remessa dos autos, para fins de registro.
§ 2o No prazo de 30 (trinta) dias, a Fazenda Pública Federal devolverá os autos instruídos com os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação referentes aos débitos compensados.
§ 3o Recebidos os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação pelo juízo, este intimará o beneficiário, informando os registros de compensação efetuados pela Fazenda Pública Federal.
§ 4o Em caso de débitos parcelados, a compensação parcial implicará a quitação das parcelas, sucessivamente:
I — na ordem crescente da data de vencimento das prestações vencidas; e
II — na ordem decrescente da data de vencimento das prestações vincendas.
§ 5o Transitada em julgado a decisão que determinou a compensação, os atos de cobrança dos débitos ficam suspensos até que haja disponibilização financeira do precatório, sendo cabível a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa.
§ 6o Os efeitos financeiros da compensação, para fins de repasses e transferências constitucionais, somente ocorrerão no momento da disponibilização financeira do precatório.
§ 7o Entende-se por disponibilização financeira do precatório o ingresso de recursos nos cofres da União decorrente dos recolhimentos de que trata o § 4o do art. 39.
§ 8o Os valores informados, submetidos ao abatimento, serão atualizados até a data do trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a compensação, nos termos da legislação que rege a cobrança dos créditos da Fazenda Pública Federal.
Art. 37. A requisição do precatório pelo juiz ao Tribunal conterá informações acerca do valor integral do débito da Fazenda Pública Federal, do valor deferido para compensação, dos dados para preenchimento dos documentos de arrecadação e do valor líquido a ser pago ao credor do precatório, observado o disposto no parágrafo único do art. 33.
Art. 38. O precatório será expedido pelo Tribunal em seu valor integral, contendo, para enquadramento no fluxo orçamentário da Fazenda Pública Federal, informações sobre os valores destinados à compensação, os valores a serem pagos ao beneficiário e os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação.
Art. 39. O precatório será corrigido na forma prevista no § 12 do art. 100 da Constituição Federal.
§ 1o A partir do trânsito em julgado da decisão judicial que determinar a compensação, os débitos compensados serão atualizados na forma do caput.
§ 2o O valor bruto do precatório será depositado integralmente na instituição financeira responsável pelo pagamento.
§ 3o O Tribunal respectivo, por ocasião da remessa dos valores do precatório à instituição financeira, atualizará os valores correspondentes aos débitos compensados, conforme critérios previstos no § 1o, e remeterá os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação à instituição financeira juntamente com o comprovante da transferência do numerário integral do precatório.
§ 4o Ao receber os dados para preenchimento dos documentos de arrecadação de que trata o § 3o, a instituição financeira efetuará sua quitação em até 24 (vinte e quatro) horas.
§ 5o Após a disponibilização financeira do precatório, caberá restituição administrativa ao beneficiário de valores compensados a maior.
Art. 40. Recebidas pelo juízo as informações de quitação dos débitos compensados, o órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica devedora do precatório na ação de execução será intimado pessoalmente, mediante entrega dos autos com vista, para registro da extinção definitiva dos débitos.
Art. 41. Em caso de cancelamento do precatório, será intimada a Fazenda Pública Federal para dar prosseguimento aos atos de cobrança.
§ 1o Em se tratando de débitos parcelados, uma vez cancelado o precatório, o parcelamento será reconsolidado para pagamento no prazo restante do parcelamento original, respeitado o valor da parcela mínima, se houver.
§ 2o Se o cancelamento do precatório ocorrer após a quitação dos débitos compensados, o Tribunal solicitará à entidade arrecadadora a devolução dos valores à conta do Tribunal.
Art. 42. Somente será objeto do parcelamento de que trata o art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) o valor líquido do precatório a ser pago ao beneficiário, após abatimento dos valores compensados com os créditos da Fazenda Pública Federal e das correspondentes retenções tributárias.
Parágrafo único. Os débitos compensados serão quitados integralmente, de imediato, na forma do § 4o do art. 39.
Art. 43. O precatório federal de titularidade do devedor, inclusive aquele expedido anteriormente à Emenda Constitucional no 62, de 9 de dezembro de 2009, poderá ser utilizado, nos termos do art. 7o da Lei no 11.941, de 27 de maio de 2009, para amortizar a dívida consolidada.
Art. 44. O disposto nesta Lei não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Pública Federal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 4 de agosto de 2011
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