BRASÍLIA - O governo brasileiro pode impor sanções para barrar a entrada indiscriminada de celulares chineses no País, que explodiu em 2011 e ameaça a indústria local. Levantamento da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) a que o "Estado" teve acesso mostra que a participação da China em celulares importados saltou de 54% em fevereiro para 85% em agosto do ano passado.
Fabricantes nacionais acusam os chineses de concorrência desleal, pois há aparelhos sendo importados ao custo de US$ 12, enquanto no Brasil o menor custo de produção desses terminais é de US$ 38.
Há suspeita de que as fábricas chinesas estejam usando o benefício de exportação concedido pelo governo chinês para conquistar espaço no mercado brasileiro. O Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior investiga o caso.
Os celulares importados, que representavam 9% da base de aparelhos vendidos no Brasil em 2009, saltaram para 20% no primeiro semestre de 2011 e devem ter atingido 35% no fim do ano. Em 2011, devem ter sido vendidos 57 milhões de aparelhos, dos quais 20 milhões são chineses, pelos cálculos da Abinee.
Alvos. Os principais alvos de reclamações são as chinesas Alcatel One Touch, Huawei e ZTE, responsáveis por 95% das importações de celulares chineses, revelou uma fonte do setor.
Os terminais com funções para dois ou três chips representaram os maiores volumes de compras externas em 2011, com um salto de 346% ante 2010. "O grande volume de celulares importados da China são populares, com funções para dois ou três chips e não estão entrando no mercado pelo preço que são produzidos", reforçou a fonte.
No levantamento da Abinee, os menores preços de aparelhos foram os da ZTE, que teve mais de 40% dos 2,24 milhões de celulares importados a preços que variam entre US$ 12,44 e US$ 16,67. A Huawei registrou o maior valor de celulares importados: US$ 82,1 milhões, seguida da Alcatel One Touch (US$ 50,4 milhões).
Os fabricantes brasileiros questionam os preços baixos cobrados por essas empresas. "Os preços dos componentes são commodities. Se os componentes representam 80% do custo, como um aparelho chega ao Brasil por US$ 12? O mais barato que conseguiria chegar é US$ 27", afirmou a fonte.
O governo está preocupado com o aumento significativo de celulares chineses a preços baixos no mercado brasileiro. Os dados apresentados pela Abinee estão sendo analisados pelo Ministério do Desenvolvimento.
"A importação de celulares tem chamado a atenção, pois está fora da curva. Estamos estudando quais as medidas serão adotadas para preservar a competitividade da indústria nacional, caso seja averiguado que esses celulares estão entrando no mercado de uma forma nociva", avisa Nelson Fujimoto, secretário de Inovação do ministério. Segundo ele, várias empresas procuraram o Ministério do Desenvolvimento, relatando que US$ 12 refere-se praticamente apenas ao custo da bateria
Reação
As empresas chinesas reagiram contra as acusações de concorrência desleal da indústria nacional. O presidente da Alcatel One Touch, Marcus Daniel, disse ao Estado que os preços de aparelhos importados pela empresa são resultado de grandes negociações e da estratégia de adotar uma margem pequena de lucro e ganhar em volume.
"É uma estratégia legítima. As empresas chinesas importadoras podem pagar até mais impostos que as nacionais, que têm até certos incentivos para produzir no País", afirmou o executivo. "Nós importamos pagando absolutamente todos os impostos."
O executivo afirma que as empresas brasileiras perderam espaço no mercado porque deixaram de produzir celulares populares, que a despeito da disparada das vendas de smartphones, ainda representam cerca de 75% do mercado.
"Se você não oferece aparelhos mais baratos, é lógico que vai perder 25% do mercado", provocou. "A meu ver, os fabricantes locais estão querendo ter uma reserva de mercado e tirar opções do consumidor. Isso seria um péssimo negócio para as operadoras também", ressaltou.
O executivo reconhece, no entanto, que a empresa adotou uma estratégia mais agressiva em 2011. "Fomos mais agressivos em termos de estoque, pessoas, marketing, em tudo. Mas não é nada que coloque em risco a permanência de empresas no País. O Brasil é a bola da vez e todo mundo quer ter uma participação no País", destacou.
Ele avisa que, caso seja tomada alguma medida contra a importação de celulares, o preço ao consumidor vai subir.
Contestação. Marcelo Najnudel, gerente de marketing da área de terminais da Huawei do Brasil, contesta os preços de importação de celulares levantados pela Abinee. "O dólar FOB (cotação de referência na importação) usado pela Abinee não é o valor de comercialização do produto no Brasil. Sobre esse valor, incide também o custo de importação e outros, que representam quase 60% a mais", argumenta.
O executivo sustenta que, desde que se pague todos dos impostos devidos, não há concorrência desleal. Najnudel pondera que ainda é mais vantajoso produzir na China. "Para competir de igual para igual com a indústria nacional, teríamos de construir uma planta local. Esse é um dos planos, mas, até que isso aconteça, vamos importar." Procurada durante uma semana, a ZTE não se manifestou.
Karla Mendes
O Estado de S. Paulo
10/01/2012
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