sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Sentença mantém tributação sobre lucros no exterior

   

CONJUR - 1/2/2012

   

   

Por Alessandro Cristo

Aguardando desde 2003 por uma decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da tributação, no Brasil, de lucros de empresas no exterior coligadas ou controladas por brasileiras, os contribuintes continuam tentando, na Justiça Federal, evitar os recolhimentos de IRPJ e CSLL nesses casos. O Judiciário, no entanto, tem visto a tese com resistência. A Whirlpool, fabricante de eletrodomésticos dona de marcas como Brastemp e Consul, amargou uma das primeiras sentenças de 2012 favoráveis à cobrança. A Justiça Federal de São Paulo indeferiu Mandado de Segurança da empresa contra exigências de R$ 195 mil em tributos. O advogado da empresa, Tercio Chiavassa, do escritório Pinheiro Neto Advogados, já recorreu.

O valor se refere aos lucros de 2006 das coligadas e controladas estrangeiras Lawsa, Whirlpool Argentina, Whirlpool Chile, Embraco Europa e Ealing. No Mandado de Segurança ajuizado em 2007, a Whirlpool afirma que o montante aguardava deliberação social sobre seu destino e que os investimentos haviam sido reconhecidos pela controladora no Brasil pelo Método da Equivalência Patrimonial. Por isso, pedia que fossem excluídos da base tributável do IRPJ e da CSLL da controladora brasileira.

A Medida Provisória 2.158-35/2001 obriga as controladoras a recolher os tributos assim que apurados no exterior, contradizendo a Lei 9.532/1997, que define que o valor só deve ser apurado no ano-calendário em que for disponibilizado para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil. A regra foi usada pela Receita Federal para manter a cobrança contra a Whirlpool. A empresa afirma que a MP é ilegal e inconstitucional.

Repetindo decisões recorrentes na Justiça Federal, a sentença da 24ª Vara Cível da Capital paulista, lavrada no dia 19 de janeiro, favorável ao Fisco, considerou que mesmo quando os lucros não são disponibilizados às sócias pessoas jurídicas, eles já são tributáveis por gerarem acréscimo ao seu patrimônio. Admitiu também, de forma expressa, a legalidade da avaliação dos investimentos pelo Método da Equivalência Patrimonial.

O sistema contábil da equivalência patrimonial é a forma pela qual o fisco federal sabe o quanto empresas brasileiras têm em investimentos no exterior. As subsidiárias e coligadas em outros países informam anualmente a posição de seu patrimônio ao fecharem o balanço. A Instrução Normativa 247, de 1996, da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), define o cálculo da equivalência pelo "valor do investimento determinado mediante a aplicação da percentagem de participação no capital social sobre o patrimônio líquido da coligada, sua equiparada ou controlada". Porém, entre os fatores de alteração no saldo de investimentos estão elementos que não significam, necessariamente, lucro.

A tributação de lucros auferidos no exterior por controladoras e coligadas brasileiras é, para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o tema nacional número um. Segundo o procurador-geral adjunto de consultoria e contencioso tributário da PGFN, Fabrício da Soller, essa é a causa de maior impacto hoje em discussão. "É um tema de bilhões de reais, que envolve empresas que se valem de controladas no exterior para pagar menos tributos", diz.

Para combater dribles tributários, o fisco adiantou o momento do fato gerador do Imposto de Renda no caso de disponibilização dos valores das coligadas e controladas às suas respectivas ligações no Brasil. É a data do balanço das controladas, e não a da real distribuição dos lucros, que é aceita para o cálculo do IR, segundo o artigo 74 da Medida Provisória 2.158 — tido como inconstitucional para a Confederação Nacional da Indústria na ADI 2.588. A entidade também questiona a constitucionalidade da Lei Complementar 104/2001, que inseriu o parágrafo 2º no artigo 43 do Código Tributário Nacional. O dispositivo dá à lei a competência de dizer as condições e o momento em que rendimentos no exterior serão tributados.

Segundo o fisco, a MP foi uma forma de fechar a porta para empresas que estavam remetendo lucro para paraísos fiscais, como o Caribe, onde a tributação é inexistente. Por meio da norma, a Receita passou a tributar antes da distribuição do lucro.

O STF estuda a questão desde 2003. A corte se divide na votação da ADI 2.588. Dos nove votos já proferidos, quatro são pela inconstitucionalidade total, outros quatro pela constitucionalidade integral e um atende o pedido parcialmente. Metade dos que votaram já está aposentada, como Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Ellen Gracie, relatora. A ministra considerou a inconstitucionalidade apenas em relação às coligadas, em que a empresa brasileira tem participação nos lucros, mas não decide o seu destino. Nelson Jobim, Eros Grau, Ayres Britto e Cezar Peluso rejeitaram a ação integralmente. Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello entenderam que a regra é incompatível com o fato gerador do imposto sobre a renda, previsto no artigo 43 do Código Tributário Nacional, que exige a efetiva aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda. O processo está suspenso por um pedido de vista de Joaquim Barbosa. Gilmar Mendes está impedido de votar.

Jurisprudência
Enquanto o STF não arremata, os tribunais se posicionam a favor da Fazenda Nacional. Há acórdãos admitindo a cobrança em quatro dos cinco tribunais regionais federais. Em março do ano passado, a Vale perdeu um recurso no TRF-2 referente a tributos que chegavam a R$ 25 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Fazenda. Em 2009, decidiram a favor do Fisco o TRF-4 e o TRF-1. No TRF-3, há pelo menos 13 acórdãos admitindo a tributação, colacionados pelo Núcleo Estratégico da Divisão de Acompanhamento Especial da Procuradoria da Fazenda Nacional na 3ª Região.

"Todas as decisões reconhecem que a Medida Provisória 2.158-35/2001 pode determinar que a incidência de IRPJ e CSLL sobre os lucros auferidos por sociedades brasileiras em coligadas e controladas será estabelecida na data do levantamento do balanço no exterior, independentemente do ingresso dos valores no país", avalia o procurador da Fazenda Leonardo Curty, que faz parte do núcleo.

Embora não vejam inconstitucionalidade na Medida Provisória, as decisões se dividem quanto ao Método de Equivalência Patrimonial. Como o procedimento, ao avaliar investimentos e captar mutações que aumentam os ativos, transporta os valores para os balanços das sociedades sediadas no Brasil, a Receita poderia estar tributando mais do que lucros.

"Mas a Fazenda Nacional defende que o artigo 25 da Lei 9.249/1995 menciona, para além de lucros, também tributáveis os rendimentos e os ganhos de capital auferidos no exterior. Essa disposição é objeto de expressa referência pelo artigo 74 da MP 2.158-35/01, no que se entende que a utilização do MEP em todos os seus termos é legítima", lembra Curty. O debate ainda amadurece uma questão que, embora adjacente, pode dar trabalho à Justiça se o Supremo definir que a MP é constitucional. Se, no entanto, a ADI for julgada procedente, a Receita não poderá mais exigir os recolhimentos enquanto os valores não estiverem nas mãos dos sócios no Brasil.

No Superior Tribunal de Justiça, há pelo menos três acórdãos ratificando a legalidade da cobrança, o último proferido em setembro de 2011 pela 2ª Turma. Em 2008, o ministro Castro Meira, ao relatar o Recurso Especial 983.134, decidira que "não se deve confundir disponibilidade econômica com disponibilidade financeira da renda ou dos proventos de qualquer natureza. Enquanto esta última se refere à imediata 'utilidade' da renda, a segunda está atrelada ao simples acréscimo patrimonial, independentemente da existência de recursos financeiros".

Para ele, o lucro não precisa estar disponível em dinheiro aos sócios para que, só então, componha a base de cálculo dos tributos. Se houver acréscimo patrimonial, existe fato gerador. Em 2007, o ministro Humberto Martins afirmava, no RE 907.404, que "não importa que o direito ainda não seja exigível (um título de crédito ainda não vencido), ou que o crédito seja de difícil e duvidosa liquidação (contas a receber). O que importa é que possam ser economicamente avaliados e, efetivamente, acresçam ao patrimônio".

Ainda segundo o STJ, o prejuízo de empresa controlada ou coligada no exterior não pode ser deduzido da base de cálculo do IR e da CSLL da empresa controladora ou coligada no Brasil, de acordo com decisão no Recurso Especial 1.161.003. A 2ª Turma da corte entendeu que a MP 2.158, ao afirmar que os lucros no exterior seriam considerados disponíveis para a controladora no Brasil na data do balanço em que tiverem sido apurados, não revogou vedação de aproveitamento de prejuízos prevista no artigo 25, parágrafo 5º, da Lei 9.249/1995.

No ano passado, a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, tribunal administrativo do Ministério da Fazenda, manteve decisão da 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, favorável à companhia de bebidas Eagle, subsidiária da Ambev, autuada em R$ 500 milhões. Em questão estava um tratado entre Brasil e Espanha contra a bitributação pelo Imposto de Renda, mas o mérito da questão não foi analisado no julgamento. O recurso foi rejeitado por não haver divergência entre colegiados do órgão sobre o assunto. Ainda há outros recursos a respeito na Câmara Superior.

Argumentos no STF
Repousa no Supremo a esperança dos contribuintes. Membro do Carf e advogado da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso, amicus curiae na ADI 2.588, Alexandre Nishioka lembra que a corte já se posicionou contra a tributação do lucro antes que chegue às mãos dos sócios, ao julgar o Recurso Extraordinário 172.058. Os ministros reconheceram a inconstitucionalidade do artigo 35 da Lei 7.713, de 1988, que obrigava os acionistas a recolher o IR com base no lucro líquido apurado — mesmo que ainda não distribuído — pelas pessoas jurídicas na data do encerramento do exercício. "A discussão é muito parecida. A diferença é que, em 1995, tratava-se de lucros auferidos no Brasil. O entendimento deveria prevalecer em benefício da segurança jurídica", afirma.

"Será um dos grandes julgamentos do ano", diz o tributarista Eduardo Salusse, do escritório Salusse Marangoni Advogados. "Auferir lucro no exterior não significa que empresa controladora ou coligada tenha disponibilidade econômica ou jurídica, tal como dispõe o artigo 43 do Código Tributário Nacional", defende. "Se a coligada pagou o imposto no seu país, o fato de a sócia no Brasil reconhecer o lucro pela equivalência patrimonial não dá ao Fisco o direito de tributar de novo."

Ele exemplifica que empresas controladas no Brasil que geram lucros para controladoras também no Brasil não precisam recolher tributos duas vezes. "Por que controladas no exterior deveriam?" Além disso, segundo ele, tratados internacionais proíbem a bitributação do IR em diversos países. Os tratados preveem formas de compensação do IR pago.

Para o procurador Leonardo Curty, o Fisco brasileiro não tem como saber se está havendo pagamento do IR no exterior. "Há paraísos fiscais que não tributam", diz. Segundo ele, a princípio, a Lei 9.249/1995 prevê formas de compensação do que foi pago em outros países, mas o entendimento da PFN é que o Brasil não está tributando em dobro. "A empresa tributada aqui é diferente da tributada lá."

Criado como quartel-general contra estratégias de contribuintes no Judiciário, o grupo de acompanhamento especial da PFN na 3ª Região tem 12 procuradores focados em teses como preços de transferência; aumento da CSLL para instituições financeiras pela Medida Provisória 413, convertida na Lei 11.727/2009; uso de créditos para abatimento de PIS e Cofins não cumulativos e a incidência do PIS e da Cofins sobre o faturamento de instituições financeiras, depois que o Supremo declarou inconstitucional o aumento da base de cálculo determinado pela Lei 9.718/1998. Em março do ano passado, o STF reconheceu o tema como de repercussão geral, trazido pelo RE 609.096.

Mandado de Segurança 0001338-76.2007.4.03.6100

Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico

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