Advogado Especialista Tributário.
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Num cenário de insegurança jurídica, empresas estão recebendo notificações sobre a não aceitação de compensações realizadas antes de abril de 2000 pelo simples fato de terem quitados os tributos com créditos de terceiros.
É cediço que na legislação atual não se permite a compensação administrativa de débito próprio com crédito de terceiro perante a Secretaria da Receita Federal. Todavia, não foi sempre assim. Referida compensação era autorizada pela legislação e pela própria Receita Federal e muitas empresas utilizaram desse legítimo procedimento quando a legislação assim permitia. De fato, a Lei nº 11.051 de 29 de dezembro de 2004, que deu redação ao §12º da Lei nº 9.430/96 trouxe a vedação expressa da compensação de débito com crédito de terceiro. A Receita Federal restringiu esse direito dois anos antes. Em abril do ano 2000 a Instrução Normativa 41/2000 vedou a utilização de créditos de terceiros.
No entanto, a própria IN 41/2000 ressalvou que referida vedação não se aplicava aos pedidos de compensação formalizados antes de sua entrada em vigor.
Ou seja, teoricamente, a IN 41 de abril de 2000 não atingiu os Pedidos de Compensação anteriores a abril de 2000, o que significa dizer que segundo as próprias normas da Receita Federal, os Pedidos de Compensação com Créditos de Terceiros, hoje denominados Declaração de Compensação, deveriam ser aceitos se protocolizados antes de abril de 2000.
Mas mesmo assim, diversas empresas estão recebendo atualmente notificações sobre a não aceitação de compensações realizadas antes de abril de 2000.
Ocorre que, se não bastasse o longo tempo para que o então Pedido de Compensação, hoje Declaração de Compensação, fosse analisado ou aceito, muitas empresas estão sendo surpreendidas pela recusa de referida compensação sob o argumento de que a legislação atual não permite a quitação de débito próprio com crédito de terceiro.
Portanto, o presente artigo visa analisar a Compensação com Créditos de Terceiros antes de alterações legislativas e sua validade para pedidos feitos antes de respectivas alterações.
Premissa relevante para nossa análise é compreensão da ação do tempo no espaço. Pedimos autorização para utilizarmos da filosofia para destacarmos a importância do tempo e da sua natural capacidade de definir questões.
Mesmo aqueles que ignoram os efeitos do tempo não podem escapar de seus desígnios.
Uma flor que um dia encanta e seduz, no outro tem apenas na boa lembrança um lugar para morar.
No mesmo caminho a mais bela dama e o mais poderoso governante.
Alfa e Omega.
Tudo tem um começo e um fim.
Tanto a mais profunda dor, como também a mais profunda felicidade terrena, encontram, no tempo, a sua definição.
Talvez poucas searas saibam trabalhar tão bem com o tempo, como o direito. Ele não o ignora.
Pelo contrário, utiliza-o a seu favor para, senão resolver o mérito da injustiça a ele apresentada, ao menos para impedir que esta se alastre no perigoso mundo da indefinição e/ou que a indefinição atinja questões já definidas.
Observar as consequências do transcurso do tempo no espaço, portanto, é perseguir a justiça.
Um dos institutos que utiliza o tempo como ferramenta é o da homologação tácita, previsto nos parágrafos 4º e 5º, do artigo 74, da Lei nº 9.430/96, com a redação dada, respectivamente, pelo artigo 49 da Lei nº 10.637/02 e artigo 17 da Lei nº 10.833/03 a Lei 9.430/96.
Assim, passados cinco anos do pedido de compensação perde o Fisco o direito de não homologá-la, verificando-se a definitiva liquidação do tributo.
Segundo esse mesmo artigo 74, §4º da Lei nº 9.430/96, os Pedidos de Compensação foram convertidos, automaticamente, em declaração de compensação, conforme abaixo transcrito:
Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
(...) § 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.
(...) § 4º Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade administrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu protocolo, para os efeitos previstos neste artigo.
(...) § 5º O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação.
Desta forma, uma vez decorrido período superior a 05 anos entre a data do protocolo do pedido de compensação/restituição/declaração de compensação e a primeira decisão na via administrativa acerca da homologação ou não do direito creditório pleiteado/declarado o direito pretendido deveria ser considerado homologado em definitivo, conforme dispõem os §§2º, 4º, 5º do art. 74 da atual Lei nº 9.430/96.
No entanto, a Receita Federal vem se posicionando no sentido de que os pedidos de compensação de créditos com débitos de terceiros não teriam sido convertidos em Declaração de Compensação e, consequentemente, não se aplicaria a eles regra da homologação tácita. Esse raciocínio não é aceitável porque as alterações referentes à utilização de créditos de terceiros ocorreram muito depois da entrada em vigor da legislação que trata da homologação tática. Não se pode afrontar a segurança jurídica e o direito adquirido, dentre outros diversos dispositivos legais.
Isso significa que as restrições quanto a compensação com créditos de terceiros trazidas pela Lei nº 11.051 de 29 de dezembro de 2004, que deu redação ao §12º da Lei nº 9.430/96, não podem ser aplicadas para fatos ocorridos antes da sua entrada em vigor. O Código Tributário Nacional é muito claro ao disciplinar a questão em seu artigo 144 do CTN abaixo transcrito.
Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
Ademais, as próprias normas da Secretaria da Receita Federal do Brasil permitiam referida compensação.
De acordo com a Instrução Normativa SRF nº 41, de 07 de abril de 2000, para ser admitida a compensação, o pedido deveria ter sido formalizado perante a Secretaria da Receita Federal até o dia 10 de abril de 2000.
Portanto, os pedidos de compensação, mesmo sendo com créditos de terceiros, devem ser considerados Declaração de Compensação, o que significa dizer que deveriam ser analisados dentro de 05 anos contados da data do referido pedido, sob pena de serem considerados homologados tacitamente, nos termos do art. 74, §5º da Lei nº 9.430/96.
É oportuno destacar que a vedação de conversão do pedido de restituição em Declaração de Compensação para "créditos de terceiros" somente fora instituído em Dezembro de 2004, pela Lei 11.051.
Assim, ao ser analisada a lei da época tanto se deve aceitar a homologação tácita, como se deve aceitar o próprio pedido de compensação com crédito de terceiro, devendo ser refutado os argumentos da Receita Federal no sentido de que o pedido de compensação com crédito de terceiro não foi convertido em Declaração de Compensação e que, portanto, a compensação não seria válida.
De fato, sem levar em consideração a lei tributária, e olhando apenas as normas da Receita Federal, o período de tempo ao qual foi permitida a utilização de crédito de terceiros foi um pouco menor. Em abril do ano do 2000 a Instrução Normativa 41 vedou a utilização de créditos de terceiros.
No entanto, a IN 41 ressalvou que referida vedação não se aplicava aos pedidos de compensação formalizados antes de sua entrada em vigor.
Ou seja, a IN 41 de abril de 2000 não atingiu os Pedidos de Compensação anteriores a abril de 2000. Mas mesmo assim, diversas empresas estão recebendo notificações sobre a não aceitação de compensações realizadas antes de abril de 2000.
Note-se que os termos da IN 41, vedando a compensação com crédito de terceiro, foi legitimado somente 2 anos depois pela publicação da MP 66/02. Referida MP 66/02 alterou a redação do artigo 74 da Lei 9.430/96, sendo que em sua exposição de motivos (de referida alteração) é disposto que não foi intenção do legislador criar duas espécies de pedido de compensação.
Assim, não há como negar que o legislador não excluiu o pedido de compensação com Créditos de Terceiros da sistemática da Declaração de Compensação.
Pelo contrário, o legislador mencionou que os pedidos de compensação antigos seriam (todos) transformados em Declaração de compensação. Não disse que a essa regra não se enquadravam qualquer espécie de pedido de compensação.
A Lei 10.637/02, conversão da MP 66/02, também não excluiu o pedido de compensação com crédito de terceiro. Somente em 2004 a Lei 11.051 o fez.
Mas, por óbvio, referida disposição não pode retroagir para a época do protocolo do pedido de compensação.
Não se pode mudar a regra do jogo quando ele já se encerrou ou está para se encerrar.
Note-se que se todos os pedidos de compensação do país tivessem sido julgados até 2002 os créditos, se válidos, teriam sido aceitos, porque até então não havia ocorrido qualquer alteração normativa, nem mesmo da Receita Federal.
Não podem os contribuintes ser punidos pela demora no julgamento dos autos dos processos administrativos. Não podem os contribuintes ser vítimas das mudanças da legislação e muito menos não pode a Receita Federal deixar de seguir as próprias regras que ela mesma regulamentou.
Ora, a antiga redação do caput do art. 74 da Lei nº 9.430/96 e da própria IN 21/97 da SRFB mencionavam que poderia ser utilizado créditos de terceiros para compensação tributária, conforme abaixo transcrito.
"Art. 15. A parcela do crédito a ser restituído ou ressarcido a um contribuinte, que exceder o total de seus débitos, inclusive os que houverem sido parcelados, poderá ser utilizada para compensação com débitos de outro contribuinte, inclusive se parcelado (Revogado pela IN 41 de 07/04/2000).
(...)
Art. 25. Ficam aprovados os formulários "Pedido de Restituição", "Pedido de Ressarcimento", "Pedido de Compensação", "Pedido de Compensação de Crédito com Débito de Terceiros" e "Documento Comprobatório de Compensação", constantes dos Anexos I, II, III, IV e V, respectivamente."
De fato, ocorreu, tempo depois, a vedação da compensação com créditos de terceiros.
Todavia, referida alteração não poderia afetar um ato jurídico perfeito ou infringir um direito adquirido daquele contribuinte.
O próprio Fisco disciplinou um período de transição delimtando incidência das vedações de utilização dos créditos de terceiros.
Ademais, depois de referida IN 21/97 outras Instruções Normativas mantiveram o mesmo direito, conforme pode ser constado dos artigos 30 e 35 caput, §2º da IN 210/02 e, artigos 40 e 48 caput e §2º da IN 460/04.
Portanto segundo as próprias Instruções Normativas os pedidos de compensação protocolizados até 07 de abril de 2000 estavam totalmente protegidos.
O STJ já definiu que a norma que rege a compensação é a vigente no momento em que se realiza o encontro de contas, conforme dispõe Recurso Especial Nº 587.508 - SE
Segundo o STJ, a lei que rege a compensação é a vigente no momento em que se realiza o encontro de contas, e não aquela em vigor na data em que se efetiva o pagamento indevido.
A decisão do STJ convalida a transformação do pedido de compensação em declaração de compensação, inclusive os de créditos de terceiros.
Por sua vez, o CARF já analisou a questão e já proferiu decisão favorável em, no mínimo, dois casos, aos quais tivemos oportunidade de sustentar oralmente, quais sejam processos administrativos 10380.028085/1999-49 e 10830.0006452/99-07 julgados em 2010 e 2011 respectivamente.
Detalhe interessante é o fato de que os recursos dos processos administrativos 10380.028085/1999-49 e 10830.0006452/99-07 foram julgados favoráveis não pelos argumentos da homologação tácita e/ou da aplicação da lei da época no momento da compensação (acima expostos) e sim pelo argumento da configuração da prescrição.
Afirmaram os ilustres julgadores que se, no entendimento do próprio Fisco, não havia na época suspensão de exigibilidade, então, transcorreram mais de 5 anos para o Fisco cobrar o contribuinte. Isto porque segundo os nobres julgadores "os débitos informados em DCTF não podem ser objetos de decadência, em virtude do caráter confessional que permeia aquela declaração. Ainda assim, não pode a Fazenda postergar, ad infinitum, o exercício de sua pretensão creditória. Na ausência de circunstâncias que suspendam a exigibilidade dos débitos, deve o Fisco adotar qualquer das medidas aptas à cobrança da dívida, sob pena de aperfeiçoamento da prescrição extintiva preceituada pelo artigo 174 do CTN".
Ou seja, se os Pedidos de Compensação não se enquadram na sistemática da Declaração de Compensação (sujeitas à sistemática da homologação tácita), então, o Fisco deveria, segundo o artigo 174 do CTN, ter enviado para a cobrança judicial dentro do prazo de 5 anos após a formalização do débito em DCTF. O que não ocorreu nos processos administrativos 10380.028085/1999-49 10830.0006452/99-07 e muito provavelmente não deve ser ocorrido em todos os demais casos brasileiros de cobrança de tributos pagos com créditos de terceiros em sistemática de compensação administrativa.
De qualquer forma, para os contribuintes deve ficar o conceito de que o transcurso do tempo é o maior garantidor do direito de se quitar tributos federais com créditos de terceiros por meio de compensação administrativa protocolizada até abril de 2000 (no mínimo) porque ou ocorreu a homologação tácita ou ocorreu a prescrição ou ocorreu a decadência.
Ricardo Piza Di Giovanni*
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