Sem "malícia"
Um comissário de bordo preso em flagrante por importar da Alemanha remédios controlados e não aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária conseguiu liberdade provisória, mesmo depois de assumir que não era a primeira vez que fazia isso. Segundo a decisão, ao mencionar, em depoimento, detalhes da prática que poderiam incriminá-lo, o acusado mostrou não ter "a malícia típica daqueles que são envolvidos com a criminalidade".
O valor dos remédios que renderam a prisão do comissário foi estimado pela Receita Federal em R$ 23 mil. Segundo a defesa, os medicamentos são para tratamento de câncer e foram trazidos para familiares.
Preso no último dia 13, no aeroporto de Guarulhos, o profissional da TAM foi solto na última sexta-feira (18/5). Os advogados Cid Pavão Barcellos e Luciana Tagliati Foltran argumentaram que o comissário tem bons antecedentes, residência fixa e colaborou com o processo, afirmando sempre que ele não comercializava os produtos.
O crime, que tem pena prevista em reclusão de dez a 15 anos e multa, foi classificado como hediondo pela Lei 9.677, de 1998. A lei incluiu no artigo 273 do Código Penal (falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais), quem importa medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente.
Os advogados alegam que o tipo penal não está relacionado aos crimes hediondos, cabendo a ele o relaxamento da prisão preventiva caso se comprove primariedade, residência fixa e ocupação lícita.
Ao pedir a mudança da prisão preventiva para as medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, como comparecimento periódico em juízo, a defesa invocou o princípio constitucional da inocência, constante no artigo 5º, LVII ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória").
O Ministério Público foi contrário à mudança de regime da prisão provisória, alegando que o réu realiza constantes viagens ao exterior (pela questão profissional) e assumiu já ter realizado "transportes irregulares de bens, anteriormente".
O juiz federal Alessandro Diaferia, da 4ª Vara Federal Criminal da capital paulista, entendeu, porém, que o acusado "não aparenta ser alguém que se possa denominar realmente possuído pela malícia típica daqueles que são envolvidos com a criminalidade". A afirmação é feita com base nas declarações do comissário, que revelou, segundo o juiz, disposição em contar os fatos, agregando novos elementos que, em tese, poderiam prejudicar a ele mesmo, como a menção a outras viagens em que houve transporte ilícito de medicamentos.
"A situação em exame está a indicar que o risco de reiteração delitiva (violando a ordem pública) e de fuga (afetando a aplicabilidade da lei penal) está mais para o improvável do que o Ministério Público afirma em sua manifestação", afirma o juiz.
Segundo o advogado, a decisão vai ao encontro de recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, no qual os ministros da corte derrubaram, no dia 10 de maio, a regra da chamada Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) que impedia juízes de conceder liberdade provisória a presos em flagrante por tráfico de drogas. Na ocasião, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, chegou a dizer que a proibição de que o juiz analise a possibilidade de o acusado por tráfico responder ao processo em liberdade "transgride o princípio da separação de Poderes".
Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 23 de maio de 2012
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