Nº EDIÇÃO: 779 | Economia | 06.SET.12 - 20:30
Caos total
Comércio exterior continua refém da paralisia nas alfândegas e nas fronteiras. Quem consegue ser competitivo nesse ambiente?
Por Luís Artur NOGUEIRA, Guilherme QUEIROZ e Carla JIMENEZ
Desde a abertura da primeira loja da Ladurée no Brasil, há dois meses, no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo, o diretor da marca francesa no Brasil, Luís Camanducci, convive com a incerteza sobre o fornecimento dos tradicionais macarons que vêm de Paris. E o pior: com a decepção dos clientes que, ávidos por experimentar dezenas de sabores do catálogo, só encontravam cinco tipos à disposição no fim de agosto – e nenhum de chocolate, que seria, em tese, o carro-chefe das vendas. Pois, para garantir o abastecimento da iguaria, a empresa precisou entrar com um mandado de segurança e finalmente conseguiu autorização da Anvisa para trazer da França um lote capaz de suprir a loja pelos próximos 45 dias.
Prejuízo milionário: empresas brasileiras arcam com o custo da demora na liberação
de peças e mercadorias importadas
"Para ganhar tempo, decidimos trazer de avião em vez de navio", diz Camanducci. O doce, que vem congelado à temperatura de 24 graus negativos, desembarcou na semana passada no Aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo, uma operação 48% mais cara do que se viesse por via marítima. Os contratempos vividos por Camanducci são o efeito colateral mais nefasto da maior greve do funcionalismo público da história recente. Nos últimos 60 dias, 36 categorias de servidores tentaram paralisar a economia para pressionar o governo federal a conceder polpudos reajustes salariais. Não conseguiram, mas a conta dessa queda de braço foi paga pelo setor privado.
A Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) estima em, pelo menos, US$ 500 milhões os prejuízos decorrentes da paralisação dos auditores da Receita Federal, de fiscais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério do Agricultura – as duas últimas voltaram ao batente na segunda 3 –, todos responsáveis por inspecionar e liberar mercadorias para importação e exportação. O valor corresponde ao custo pago pelos 150 navios que tiveram de aguardar na costa para embarcar e desembarcar mercadorias nos portos ao longo da greve. "São US$ 12 milhões de perdas diárias, pagas pelos importadores e exportadores", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da AEB.
Al Makul, da Fortaleza: "A importação, que já é morosa, ficou mais complicada"
Com as cargas se acumulando nos principais portos, postos de fronteira e aeroportos do País, muitos empresários passaram a conviver com a escassez de insumos para as linhas de produção. Laboratórios se viram obrigados a cancelar exames devido à falta de kits para diagnósticos. A indústria farmacêutica chegou a contar 700 lotes de princípios ativos parados nos aeroportos de Guarulhos e Campinas, os mais movimentados terminais de carga aérea do País. No setor de equipamentos médicos, a saída também foi apelar à Justiça para conseguir que a Anvisa liberasse suprimentos importados. "São matérias-primas e produtos acabados sem similar nacional", diz Paulo Fraccaro, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo).
O empresário Orlando Orlandi Melo de Carvalho, da indústria Carci, de equipamentos de fisioterapia, no entanto, tenta há 45 dias obter uma licença da Anvisa para importar equipamentos, mas não teve sucesso. "Até mesmo produtos simples, como bengalas e muletas, estão parados há 60 dias nos portos", diz Carvalho, que estima em 20% o aumento dos custos com as mercadorias paradas. De acordo com Fraccaro, da Abimo, o setor hospitalar soma prejuízo de R$ 350 milhões, o equivalente a 3,5% do faturamento do setor, devido a atrasos na produção e à perda de materiais estocados. A previsão é de que os estoques sejam normalizados dentro de oito semanas.
Carvalho, da Carci: "Bengalas e muletas estão paradas
há 60 dias nos portos"
Ou seja, até que o trabalho atrasado seja posto em dia, a indústria ainda terá de conviver com a falta de insumos. A Anvisa estima de dez a 15 dias o tempo necessário para normalizar o ritmo de inspeção de cargas em portos e aeroportos. Ainda assim, alguns prejuízos são irreversíveis. A Casa Fortaleza Home Office, de São Paulo, rede de lojas que revende tapetes nacionais e importados, viu seus clientes cancelar, durante o mês de agosto, seis pedidos que encalharam no Porto de Santos, no litoral paulista. "Os empresários ficaram reféns dos grevistas", diz Daniel Al Makul, sócio do grupo.
Ele observa, entretanto, que a greve apenas acentuou um quadro difícil para quem depende de mercadorias estrangeiras. "A importação, que já é um processo moroso, ficou mais complicada ainda." As paralisações fizeram até as montadoras perder vendas no mês de agosto. Para Flávio Meneghetti, presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), a greve atrapalhou a importação de alguns modelos e travou a entrada de autopeças. "Há filas de carros inacabados nas montadoras", diz. Assim como o setor privado, o governo também tenta calcular as perdas geradas pela greve para o comércio exterior do País.
"O resultado está influenciado, mas é difícil quantificar seu impacto", disse Alessandro Teixeira, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), na segunda-feira 3. Está claro, porém, que o principal efeito das paralisações ocorreu sobre as importações. Um sinal da desaceleração está na queda do valor médio diário dos desembarques, que foi de US$ 832,8 milhões, ante US$ 927,4 milhões em junho, quando não havia greve. Segundo a Secretaria de Portos, responsável por 34 portos federais do País, já não há fila de navios na costa brasileira. Mas reconhece que os terminais de contêineres dos portos de Santos, Itajaí (SC), Suape (PE) e Vitória (ES) estão acima de sua capacidade e que a situação deve ser normalizada nos próximos dias.
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