segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Desembargadores do TJ-SP se dividem quanto à EC 62

ANUÁRIO DA JUSTIÇA


Por Pedro Canário

O julgamento da constitucionalidade de Emenda Constitucional 62/2009 foi incluído na pauta desta quarta-feira (20/2) do Supremo Tribunal Federal. A emenda estabeleceu regime especial para o pagamento de precatórios e deu ao poder público 15 anos para saldar suas dívidas, com reserva de percentuais mínimos nos orçamentos estaduais e municipais.

Por esticar o prazo para o pagamento das dívidas públicas, o dispositivo foi apelidado de "emenda do calote". Em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil afirma que a emenda atenta contra a separação dos Poderes: transfere para o Judiciário a administração de dívida contraída pelo Executivo, além de violar o direito dos credores de receber as verbas a que têm direito, violando, segundo a ADI, o ato jurídico perfeito.

A Procuradoria-Geral da República já deu parecer pedindo o provimento da ADI, que recebeu o número 4.357 e foi distribuída ao ministro Ayres Britto, aposentado. Antes de deixar o Supremo, Britto declarou a inconstitucionalidade da EC 62. Disse que ela viola os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade da administração pública.

Para os desembargadores da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, isso não muda o fato de que não há consenso quanto à constitucionalidade da EC 62. Levantamento feito a partir das respostas dadas ao Anuário da Justiça São Paulo 2013 mostra respostas diversas à questão. São Paulo é o estado que conta com o maior precatório do país. Segundo quadro publicado pela Secretaria de Fazenda do estado, a dívida, apurada em 31 de dezembro de 2012, é de R$ 16,5 bilhões, distribuídos em cerca de 8 mil processos.

O desembargador Antonio Carlos Malheiros, da 3ª Câmara de Direito Público, nem chega analisar a constitucionalidade. Para ele, "o precatório por si só é uma imoralidade". "Enquanto o cidadão tem de trabalhar para pagar suas dívidas, o Estado paga quando tem interesse. Se o Estado não pode pagar, não provoque a dívida", critica. Já o desembargador Rui Stoco, da 4ª Câmara, não tem dúvida quanto à inconstitucionalidade.

O presidente da Seção de Direito Público, desembargador Samuel Alves de Melo Júnior, afirma que o Órgão Especial do TJ já se manifestou pela inconstitucionalidade da emenda. Pelo fato de a EC 62 tratar de processos já julgados e dívidas já declaradas existentes pelo Judiciário, Samuel Alves afirma que ela viola o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

O desembargador Décio de Moura Notarangeli, da 9ª Câmara Pública, classifica a questão como "polêmica". Diz que o regime especial é um dos pontos "discutíveis" da EC, pois "atenta contra a garantia constitucional de que a desapropriação far-se-á mediante justa e prévia indenização em dinheiro, conforme diz o artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição".

Jeito maroto
De outro lado, o desembargador Leonel Carlos da Costa, da 5ª Câmara de Direito Público, diz que a emenda é constitucional. Mas nem por isso concorda com ela. "A EC 62 é uma expressão jurídica do comportamento maroto que tem dominado a consciência nacional. Nem tudo o que é legal ou constitucional é eticamente correto. Ela duvida do dever do Estado de ser moralmente correto."

Há outra questão intrínseca ao debate sobre a constitucionalidade da EC 62: sua retroação. O desembargador Sérgio Jacintho Guerrieri Rezende, membro do Órgão Especial e da 7ª Câmara de Direito Público, conta que o colegiado de cúpula do TJ tem entendido que a EC não pode retroagir. "A EC não pode violar os princípios vetores do direito adquirido e da coisa julgada, como tem decidido a maioria dos membros do Órgão Especial deste tribunal", afirma. Mas defende que, para fatos posteriores, "ela é totalmente constitucional e está sendo aplicada com exação pelo TJ-SP".

O desembargador Armando Camargo Pereira, da 3ª Câmara, é de opinião semelhante em relação à retroatividade da EC 62. Para ele, ela fere duas cláusulas constitucionais pétreas: a ofensa ao direito adquirido e à coisa julgada.

No entanto, para o desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro, da 11ª Câmara de Direito Público, a EC 62 deve ser aplicada a precatórios já vencidos. "Se o próprio texto constitucional é que determina o ingresso do precatório vencido e não pago no regime especial de pagamento, não há que falar em direito adquirido ou em violação ao princípio da segurança jurídica", diz.

Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 18 de fevereiro de 2013

 

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