quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

STJ: Cabe à Justiça Federal julgar questões fundadas em tratado internacional

 
A Constituição Federal prevê que causas fundadas em tratado internacional, em especial quando a União é parte interessada (artigo 109, incisos I e III), devem ser julgadas pela Justiça Federal. 

Com esse entendimento, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a competência da Vara Única da Seção Judiciária de Varginha (MG) para julgar os pedidos de busca e apreensão e de guarda de duas crianças francesas trazidas pela mãe ao Brasil, onde permanecem sem a anuência do pai, que comunicou o desaparecimento e a indevida retenção das menores à polícia francesa. 

A União propôs ação de busca e apreensão, julgada procedente pela Seção Judiciária de Varginha. O juízo federal determinou o repatriamento imediato das menores à França, destacando que matérias relativas à guarda das crianças devem ser julgadas no domicílio de quem exerce a guarda provisória, deferida ao pai pelo juízo de família do Tribunal de Grande Instância de Pontoise, na França. 

O ministro Villas Bôas Cueva explicitou em seu voto que a decisão de primeira instância observa o teor dos artigos 12 e 17 da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, com força supralegal no Brasil desde o Decreto 3.413, de 14 de abril de 2000. 

Segundo o tratado internacional, se decorrido menos de um ano entre a data de transferência ou retenção indevida da criança e a data de início do processo judicial ou administrativo, deve ser ordenado o retorno imediato da criança, reconhecendo-se a competência do juízo francês para decidir qualquer matéria relativa à guarda das crianças. 

No caso, as duas menores, nascidas na França, foram trazidas ao Brasil em setembro de 2010 e a ação foi proposta em julho de 2011, ou seja, em intervalo inferior a 12 meses. 

Sentença internacional 

Segundo os autos, desde setembro de 2010 há uma sentença internacional, proferida pela juíza de família do Tribunal de Grande Instância de Pontoise. Essa decisão definia que o poder familiar sobre as menores seria exercido exclusivamente pelo pai e estabelecia o domicílio dele como a residência das filhas, impedindo a saída das menores do território francês sem autorização de ambos os genitores. 

No mesmo ano, em dezembro de 2010, a Justiça estadual de Minas Gerais julgou a medida cautelar na separação de corpos e concedeu, após a decisão da Justiça francesa, a guarda provisória das menores à mãe. Por ter proferido essa decisão, a Vara de Família e Sucessões de Varginha argumentou, em conflito de competência, que seria competente para julgar todas as questões atinentes ao direito de família envolvendo as menores e seus pais. 

Justiça Federal 

Para o ministro Cueva, a jurisprudência do STJ é pacífica quanto à competência da Justiça Federal para julgar causas fundadas em tratado internacional – especialmente como no caso analisado, que versa acerca da Convenção de Haia, internalizada por intermédio do Decreto 3.413, sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças. 

Em seu voto, Villas Bôas Cueva determina que os pedidos de guarda definitiva formalizado pela mãe das crianças, tanto na medida cautelar de separação de corpos como na ação de divórcio que tramitam na Justiça estadual, devem ser conhecidos e julgados pela Justiça Federal, remanescendo as demais questões subjacentes no juízo de família, competente para julgar os pedidos de divórcio e pensão alimentícia. 

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Ex-Tarifário. Vigência a Partir da Publicação da Resolução Camex.

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 134, DE 25 DE MAIO DE 2011

Assunto: Imposto sobre a Importação - II

 

Ex-Tarifário. Vigência a Partir da Publicação da Resolução Camex.

 

A redução do Imposto de Importação resultante da concessão de Ex-tarifário somente é aplicável a fatos geradores ocorridos posteriormente à data de publicação, no Diário Oficial da União, da Resolução Camex que o concedeu. Não há hipótese de aproveitamento da redução do Imposto de Importação na pendência do processo de concessão do Ex no MDIC.

Dispositivos Legais: Constituição Federal, art. 153, inciso I e § 1º; Lei nº 5.172, de 1966 (CTN), art. 179; Lei nº 3.244, de 1957, art. 3º; Decreto-lei nº 2.472, de 1988, art. 12; Decreto nº 4.732, de 2003, art. 2º, inciso XIV; Decreto nº 6.759, de 2009 (RA), art. 121, caput e § 4º; Resolução Camex nº 35, de 2006.

 

MARCO ANTÔNIO FERREIRA POSSETTI - Chefe

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Fazenda Pública: litigância de má-fé e depósito prévio de multa

Fazenda Pública: litigância de má-fé e depósito prévio de multa - 2

A 1ª Turma retomou julgamento de embargos de declaração opostos de decisão, proferida em agravo regimental em recurso extraordinário, a qual impusera multa recursal à Fazenda Pública. O Município embargante sustenta a dispensabilidade do recolhimento prévio do valor da multa aplicada, tendo em vista o disposto no art. 1º-A da Lei 9.494/97 ("Estão dispensadas de depósito prévio, para interposição de recurso, as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e municipais") — v. Informativo 624. Em voto-vista, o Ministro Luiz Fux acompanhou o Ministro Ricardo Lewandowski, relator, para não conhecer dos embargos. Destacou que a jurisprudência da Corte seria assente no sentido de que o prévio depósito da multa aplicada, com base no art. 557, § 2º, do CPC, configuraria pressuposto objetivo de recorribilidade. Apontou que a ausência do respectivo depósito inviabilizaria o recurso, ainda que tivesse sido interposto para afastar a mencionada multa. Asseverou que esse requisito seria aplicável inclusive à Fazenda Pública. Aduziu que, como os embargos de declaração estariam previstos no CPC, no capítulo dos recursos — e os primeiros declaratórios foram considerados inadmissíveis e protelatórios —, o depósito da multa seria requisito de admissibilidade de um recurso posterior e, por isso, exigível nos presentes embargos de declaração. Em divergência, os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli conheciam do recurso. Asseveraram que os embargos de declaração, por visarem esclarecer ou integrar a decisão proferida, não comportariam a exigência do depósito da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC. Sublinharam que a jurisdição ainda não teria se completado. Após, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.
RE 414963 ED-AgR/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.11.2013. (RE-414963)

Complementação de precatório e citação da Fazenda Pública

Complementação de precatório e citação da Fazenda Pública - 2

O pagamento de complementação de débitos da Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal, decorrentes de decisões judiciais e objeto de novo precatório não dá ensejo à nova citação da Fazenda Pública. Com base nessa orientação, a 1ª Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, reformou decisão do Ministro Ricardo Lewandowski, que, ao conhecer de recurso extraordinário, determinara a expedição de novo precatório derivado do reconhecimento, pelo tribunal de origem, de saldo remanescente de parcelas de acordo, com a conseguinte citação da Fazenda Pública — v. Informativo 623. A Turma destacou que o recurso extraordinário fora interposto em data anterior à regulamentação do instituto da repercussão geral. Asseverou que, ante a insuficiência no pagamento do precatório, bastaria a requisição do valor complementar do depósito realizado. Pontuou que eventual erro de cálculo não impediria que a Fazenda Pública viesse aos autos para impugná-lo. O Ministro Ricardo Lewandowski reajustou o voto proferido anteriormente. Vencido o Ministro Dias Toffoli, que negava provimento ao recurso, por entender necessária a citação da Fazenda Pública.
AI 646081 AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.11.2013. (AI-646081)

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

ICMS e “leasing” internacional

ICMS e "leasing" internacional - 4

O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade da incidência de ICMS sobre operações de importação de mercadorias, sob o regime de arrendamento mercantil internacional, em face do art. 155, II e § 2º, IX e XII, a e d, da CF — v. Informativo 629. A Ministra Cármen Lúcia, em voto-vista, acompanhou a divergência e negou provimento ao recurso. De início, aduziu que os fatos narrados neste processo teriam ocorrido antes das alterações perpetradas pela EC 33/2001. Portanto, a norma originária do texto constitucional deveria ser utilizada como parâmetro para a solução da controvérsia. Salientou que a circunstância de se tratar de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida não autorizaria desconsiderar as características do caso concreto em exame. Aduziu que se poderia, no máximo, fazer observações sobre o novo regime instituído pela referida emenda constitucional, mas se deveria aplicar o direito à espécie com base no quadro normativo vigente na data em que o fato gerador do tributo surgira. Destacou a necessidade de se observar a interpretação conjunta do inciso II e do § 2º, IX, a, do art. 155 da CF. Advertiu que examinar a alínea a do inciso IX do § 2º do art. 155 da Constituição, isoladamente, implicaria concluir que qualquer entrada de mercadoria importada estaria sujeita ao ICMS.
RE 540829/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 20.11.2013. (RE-540829)


Audio 

ICMS e "leasing" internacional - 5

A Ministra Cármen Lúcia consignou que o STF sempre afirmara que o ICMS incide sobre a circulação econômica de mercadorias. Assim, se não houvesse aquisição da mercadoria, mas mera posse decorrente do arrendamento, não se poderia cogitar de circulação econômica. Desta forma, sublinhou que caberia à Fazenda Pública examinar o contrato de arrendamento para verificar a incidência de ICMS. Assinalou que não haveria incidência de ICMS sobre a operação de arrendamento mercantil sempre que a mercadoria fosse passível de restituição ao proprietário e enquanto não fosse efetivada a opção de compra. Por outro lado, afirmou que sobre a operação de arrendamento a envolver bem insuscetível de devolução, seja por circunstâncias naturais ou físicas ou por se tratar de insumo, incidiria ICMS, porque nessa hipótese o contrato teria apenas a forma de arrendamento, mas conteúdo de compra e venda. Apontou que, nos termos do acórdão recorrido, o caso dos autos seria de contrato de arrendamento mercantil internacional de bem suscetível de devolução, sem opção de compra. Ademais, enfatizou que o entendimento de que o ICMS incidiria sobre toda e qualquer entrada de mercadoria importada poderia resultar em situações configuradoras de afronta ao princípio constitucional da vedação de confisco (CF, art. 150, IV). Isso porque, no caso de mercadoria que não constitua o patrimônio do arrendatário, o tributo, ao invés de integrar o valor da mercadoria, como seria da natureza do ICMS, expropriaria parcela do efetivo patrimônio da empresa. Após, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.
RE 540829/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 20.11.2013. (RE-540829)

Remetida a 1ª instância causa sobre cobrança de ICMS por dois estados



A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), aplicou jurisprudência da Corte para remeter os autos da Ação Cível Originária (ACO) 2116 para apreciação pela Justiça paulista de primeira instância. O processo discute o lançamento de débito do Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pelo Estado de São Paulo, quando a empresa cobrada alega já ter recolhido o tributo no Estado de Goiás, sobre a mesma base de tributação, em montante até superior ao lançado em Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) pelo Estado de São Paulo.

Na decisão, a ministra citou a Súmula 503/STF que dispõe que "a dúvida, suscitada por particular, sobre o direito de tributar, manifestado por dois estados, não configura litígio da competência originária do Supremo Tribunal Federal". A relatora também citou a ACO 1843, de relatoria do ministro Dias Toffoli, sobre caso análogo. Naquela decisão, o ministro destacou que a Corte, interpretando o artigo 102, inciso I, letra "f", da Constituição Federal (CF), entendeu que sua competência originária para analisar ações que versem sobre conflito federativo entre estados-membros "depende da intensidade do conflito", somente ocorrendo quando abalar o pacto federativo.

Ainda naquele precedente, também envolvendo conflito entre dois estados sobre a cobrança de tributo, destacou-se que "a controvérsia que se reduz a questão particularizada e individual não tem o efeito de causar conflito federativo". Portanto "não é apta a provocar a manifestação do STF, na qualidade de Tribunal da Federação".
Com base nesses argumentos, a ministra Cármen Lúcia determinou a remessa dos autos para juízo da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, para que a primeira instância conduza o regular processamento e análise da causa.

O caso
A ação discute a titularidade da receita do ICMS decorrente de operações de industrialização de mercadorias de uma indústria no Estado de São Paulo e remetidas a estabelecimento da empresa localizado no Estado de Goiás. Relata que lhe teria sido imputado o descumprimento da obrigação de recolhimento de ICMS sobre saídas de mercadorias de sua propriedade que eram industrializadas por terceira empresa em Arthur Nogueira (SP), no período entre agosto de 2003 e dezembro de 2004. Alega que todas as obrigações tributárias já teriam sido cumpridas por ela no Estado de Goiás, com base em autorização estadual, em montante até superior ao lançado no AIIM/ICMS por São Paulo.

O juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo indeferiu o pedido de liminar formulado na ação. Apresentadas as contestações, aquele juízo declinou de sua competência e remeteu os autos ao STF, com fundamento no artigo 102, inciso I, alínea "f", da CF.


ACO 2116

domingo, 15 de dezembro de 2013

AGU garante controle de importação de equipamentos usados para a indústria automobilística

A Advocacia-Geral da União (AGU) manteve a segurança jurídica do mercado
brasileiro ao derrubar liminar que ordenou a liberação de importação de
equipamentos usados para a indústria automobilística. A atuação também
conseguiu suspender multa diária de R$ 5.000 contra Secretaria de Comércio
Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(Secex/MDIC) até que a legalidade da aquisição das máquinas por uma empresa
seja julgada em definitivo.

O processo judicial começou após a Secex indeferir o pedido da Sodecia Minas
Gerais Indústria de Componentes Automotivos para importar duas prensas
usadas. A licença foi negada em razão de manifestação positiva dos
fabricantes nacionais de que os equipamentos eram produzidos no Brasil.

A empresa ingressou com Mandado de Segurança alegando vício de ilegalidade e
descumprimento da regulação interna, uma vez que, segundo ela, seriam partes
do mesmo equipamento fabril. A 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do
Distrito Federal concedeu a liminar entendendo que haveria prejuízo à autora
por estar proibida de trazer ao país partes de uma mesma máquina, sendo que
as demais já foram importadas. O juízo considerou, ainda, a impossibilidade
dos fabricantes brasileiros produzirem a mesma parte, em prazo e qualidade
compatíveis. A decisão fixou multa diária no valor de R$ 5.000,00 e
determinou o cumprimento da liminar em 48 horas.

Antes de vencer o prazo, a Procuradoria-Regional da União da 1ª Região
(PRU1) recorreu para derrubar a ordem. Representantes da unidade da AGU e da
Secex ressaltaram que o controle exercido pelo Poder Público no caso se
fundamenta na proteção ao mercado produtor nacional, a fim de se evitar
competição irreversível de bens usados vindos do exterior.

Os advogados da União reforçaram a vedação imposta para "concessão de
liminar que tenha por objeto, dentre outras hipótese, a entrega de
mercadorias e bens provenientes do exterior, nos termos do parágrafo segundo
do artigo 7º da Lei nº 12.016/09, que rege o Mandado de Segurança".

As justificativas foram acatadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região
(TRF1) e a liminar foi suspensa. A desembargadora que relatou o recurso da
Advocacia-Geral concordou que há dispositivos legais que vedam a concessão
de liminares nesses casos, destacando as regras previstas na Lei nº
12.016/09 e Lei nº 2.770/56, que tratam da concessão de liminares em casos
de importação.

Além disso, a magistrada ressaltou que "as importações de bens usados
recebem um tratamento específico no ordenamento jurídico pátrio tendo em
vista que essas importações podem ter efeitos nocivos ao desenvolvimento da
indústria nacional e também podem causar danos ao meio ambiente, a
importação indiscriminada de objetos usados".

Agravo de Instrumento nº 0072999-29.2013.4.01.0000 - TRF1.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Faltou discussão na guinada sobre o delito de descaminho

MUDANÇA DE ENTENDIMENTO
Faltou discussão na guinada sobre o delito de descaminho
Por Joaquim Pedro M. Rodrigues, Fabrício Campos e Conceição Aparecida Giori

Uma das muitas "mudanças de posição" do Superior Tribunal de Justiça deveria merecer reflexão atenta, seja por contradições internas, seja pela incoerência com os propósitos que deveriam ser respeitados pelas regras da ordem jurídica penal. A partir do julgamento do Habeas Corpus 218.961/SP (não conhecido), a 5ª Turma do STJ alterou entendimento consolidado sobre a natureza do delito de descaminho (2ª figura do artigo 334 do Código Penal), firmando entendimento pelo qual não se faz mais necessário o encerramento da discussão administrativo/tributária para fins de persecução do delito. Segundo o precedente, a natureza formal do crime faz prescindir qualquer verificação administrativa de eventuais tributos iludidos quando da entrada da mercadoria no país.

A classificação ganha mais importância por conta da Súmula Vinculante 24, do Supremo Tribunal Federal, que, em que pese voltada para os delitos previstos no artigo 1º da Lei 8.137 de 1990, afirma que não se tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo. Em diversos precedentes do STJ, a súmula vinculante 24 é apontada como baliza norteadora do raciocínio pelo qual a configuração de delito de descaminho, tipo penal a vulnerar a ordem tributária (pela supressão de tributo) depende de prévia e consolidada apreciação administrativa (constituição definitiva do crédito tributário).

Isso significa que entendimento que vinha sendo mantido pelo STJ, agora oscilante pelo posicionamento da 5ª turma, afirmava que o descaminho é delito de natureza material: tem como componente a ocorrência de um resultado lesivo, tal como ocorre com o homicídio, roubo, furto etc. Se é capital para a configuração desse tipo de delito a ocorrência do resultado naturalístico e sendo esse resultado o desfalque do erário pela ilusão do tributo, decorre logicamente que a configuração final do tributo depende do resultado do procedimento fiscal correspondente. Essa configuração, que interpreta o delito de descaminho como material também permite que se extinga a punibilidade, tal como em outros delitos de repercussão tributária, em caso de pagamento integral do tributo, a teor do que decorre do artigo 34 da Lei 9.249/95 e artigo 9º e parágrafo 2º da Lei 10.684/2003.

A compreensão da natureza material do crime de descaminho e de sua nítida configuração tributária não é novidade, embora a afirmação jurisprudencial dessa característica possa ser identificada num aglutinado de precedentes mais próximos entre si no tempo. Hungria já comentava a primazia da defesa ao erário que caracterizava a finalidade do tipo penal, afirmando, ao citar Impallomeni e Puglia que o descaminho e o contrabando são "autênticos crimes, ofensivos de um incontável direito subjetivo do Estado, qual o de cobrar impostos, que lhe são necessários para a consecução de seus próprios fins, e o de manter a ordem jurídica, que não pode pactual com o ensejo à ofensa de vitais interesses sociais ou a uma traiçoeira competição no mercado interno." A afirmação é contundente no sentido de orientar-se à relevância da causação de ato lesivo ao fisco, pela ilusão de um tributo. No Superior Tribunal de Justiça, desde 2007, pelo menos, a inteligência sobre o fato de que o delito de descaminho é material gerou a reboque o entendimento de que sua configuração é lesiva contra a ordem tributária, com a consequência que vinha sendo mantida desde então, vinculada à perspectiva de que o processo envolvendo apuração desse tipo de delito depende de prévia consolidação do entendimento administrativo sobre a existência de tributo.

A 6ª Turma do STJ, no HC 48.805 (em 2007), afirmou que "não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral." O score do precedente foi apertado (o empate favoreceu o paciente, por força regimental). No RHC 25.228, em 2010, o mesmo entendimento angariou a unanimidade. A 5ª Turma, por sua vez, também em 2010, por unanimidade no HC 139.998 consignou que: "O delito previsto na segunda parte do caput do artigo 334 do Código Penal configura crime material, que se consuma com a liberação da mercadoria pela alfândega, logrando o agente ludibriar as autoridades e ingressar no território nacional em posse das mercadorias sem o pagamento dos tributos devidos...". O reconhecimento dessa característica permite aplicar-se à figura do descaminho, na dicção da própria ementa, o raciocínio dos delitos materiais contra a ordem tributária.

Até o recente julgamento do HC 218.961 da 5ª Turma e desde a consolidação do debate, o entendimento vinha sendo mantido sem percalços: o delito de descaminho tem natureza material, o resultado decorrente do tipo penal é a lesão ao erário pelo não recolhimento dos tributos devidos e, por força desse raciocínio, ao delito deve-se aplicar a mesma lógica dos demais crimes materiais contra a ordem tributária, exigindo-se o prévio reconhecimento administrativo da constituição do crédito tributário.

A abrupta mudança de entendimento, no entanto, causa perturbação na expectativa dos operadores do direito sobre o modo como o Superior Tribunal de Justiça trata delitos dessa natureza e seu próprio papel para um direito penal mais próximo de uma ordem democrática e estável.

Em parte, o novo entendimento invocou precedente do Supremo Tribunal, datado de 2010, em que o ministro Ayres Brito consignou na ementa que "(...) o delito de descaminho é rigorosamente formal, de modo a prescindir da ocorrência do resultado naturalístico." O precedente do STF debatia, é verdade, a hipótese de descaminho na modalidade da alínea "c" do parágrafo 1º do artigo 334 do Código Penal. Essa peculiaridade facilitou bastante o entendimento do delito como formal, porque essa específica "modalidade" do delito compreende tão somente a guarda, exposição à venda ou venda de mercadoria sabidamente introduzida clandestinamente no país.

Entretanto, o mesmo Supremo Tribunal Federal, em julgado mais recente, explicitamente reconheceu a possibilidade de extinção da punibilidade do delito de descaminho pelo pagamento, entendimento que dependeu do entendimento do delito de descaminho como crime material. Na discussão, configurou-se que o pagamento do tributo é suficiente para fazer desaparecer a pretensão punitiva, afirmando-se também que a norma penal traz como resultado naturalístico justamente a supressão do tributo: o que implica no reconhecimento do caráter material da conduta incriminada.

No STJ, ainda neste ano de 2013, nenhum sinal havia de alteração de entendimento, que seguia unânime, como no HC 255.617/RS, relatado pelo ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 19/03/2013, DJe 26/03/2013. Outras decisões monocráticas, como as exemplificadas acima, evidenciavam a estabilidade dessa compreensão.

As razões para a mudança de entendimento colide com ao menos uma posição consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça no que diz respeito ao próprio descaminho e sua relação com o reconhecimento de hipóteses de insignificância da lesão ao bem jurídico. O acórdão que determinou a mudança de posicionamento chega a debater a insignificância — não a aplicou pela suposta alta reprovabilidade da conduta do agente — mas não a incompatibiliza com a condição de crime formal, recém adotada. A princípio não haveria incompatibilidade se não fosse o critério de insignificância ainda persistente nas duas turmas criminais do STJ com relação ao descaminho.

É pacífico o entendimento de que o delito de descaminho, quando corresponde a lesão ao fisco de ordem inferior ao valor mínimo para prosseguimento da execução fiscal pela Fazenda Pública, fica amparado pela insignificância por causa de um raciocínio prático e simples: não há sentido em declarar-se a lesão ao bem jurídico que não corresponda ao próprio interesse do Estado em buscar sua respectiva reparação.

Embora não haja óbice ao reconhecimento da insignificância em crimes formais, por vezes essa própria característica tem impulsionado a inaplicabilidade dessa forma de reconhecimento da atipicidade. Veja-se recurso especial do Ministério Público Federal que foi unanimemente admitido e provido para desconsiderar o princípio da insignificância em caso de gestão fraudulenta (artigo 4º caput da Lei 7.492/86). No raciocínio empregado naquele Recurso Especial, a norma jurídica tem por finalidade manter a "estabilidade e higidez do Sistema Financeiro Nacional", bens que "não podem ser quantificados". Mesmo critério recebe o próprio delito de contrabando.

A despeito dessas considerações e das novas premissas estabilizadoras sobre a compreensão do delito de descaminho, o crime continua, nos termos de decisões da própria 5ª Turma a ser amparado pela hipótese de aplicação da insignificância do resultado. Nesse sentido, entende-se que "o princípio da insignificância aplica-se (com relação ao artigo 334 do CP) apenas ao delito de descaminho, que corresponde à entrada ou à saída de produtos permitidos, elidindo, tão somente, o pagamento do imposto." Também a mudança de paradigma não abalou o entendimento de que "é possível a aplicação do princípio da insignificância ao delito previsto no artigo 334, do Código Penal, desde que o total do tributo iludido não ultrapasse o patamar de R$ 10 mil previstos no artigo 20, da Lei 10.522/02." Em outras palavras, o aspecto da insignificância considerado pela 5ª Turma, no que respeita ao delito de descaminho, continua sendo o resultado lesivo ao erário, quantificado em termos de valor do suposto tributo devido, mantendo incólume a expressão do leading case no STJ.

Ao que parece, portanto, não há uma convicção, na 5ª turma, que permita olhar sob todos os ângulos que o delito de descaminho tem natureza formal. Em julgados posteriores à data da mudança de parâmetro, o reconhecimento da insignificância a partir da leitura da Lei 10.522/02 evidencia que sua natureza material persiste.

Somente essa colisão de parâmetros seria suficiente para demonstrar o quanto a mudança de posição de uma Corte Superior pode causar embaraços à expectativa de estabilização de entendimentos sobre a norma criminal. Mas a pergunta sobre "de que espécie de direito penal estamos falando?" sofre outras perturbações. Vejamos como fio de raciocínio a própria aplicação da insignificância ao direito penal. As turmas criminais do STJ passaram a reconhecer como critério de tipicidade a insignificância material da conduta ou do resultado a partir de orientações ideológicas que buscam imprimir ao direito penal a mínima intervenção e a fragmentariedade. No que diz respeito às conexões entre o direito penal e a preservação do erário pela tipificação de condutas contra a ordem tributária, o STJ, do mesmo modo, observou que a incidência da criminalização deve obedecer à realidade de ser a "ultima ratio" do ordenamento jurídico. Se há um explícito direcionamento no sentido de adotar-se um manifesto direito penal mínimo, parece que o critério do mínimo foi generosamente inflacionado no HC 218.691.

No julgado que determinou a abrupta mudança de raciocínio sobre a natureza do crime de descaminho, razões de uma política criminal inflacionária fizeram parte das razões para a alteração da postura. A "integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país", que evidentemente não pode ser considerado um "bem jurídico", passa a encontrar no direito penal um mecanismo de proteção a latere dos sistemas administrativos de sanção, sistemas que já pressupõem o perdimento da mercadoria, multa e cobrança de tributos e que tem o poder de realizar aquilo que o Superior Tribunal de Justiça afirmou que também cabe ao direito penal: controlar entrada e saída de mercadorias do país, proteger o comércio regular da concorrência ilegal etc. Enfim, uma lógica que abraça um direito penal voltado ao controle de resultados de controle da balança comercial ou a concorrência desleal confia que um sistema de criminalização será tudo, menos a "ultima ratio" para a obtenção de determinados resultados economicamente interessantes.

É evidente que não se descarta que há uma tendência ampla na sociedade brasileira em aceitar-se um direito penal que chegue à frente de qualquer outro sistema estatal de intervenção. Não se descarta também que existem propostas teóricas que buscam suportar logicamente uma intervenção penal sobre a economia, independentemente dos mecanismos administrativos voltados ao mesmo controle. Entretanto, a flutuação vista no caso do delito de descaminho não transitou por nenhuma discussão sobre o papel que a harmonização jurisprudencial a cargo do STJ pretende para esse delito. Sem aviso, o que foi objeto de discussão e conclusão foi revirado à unanimidade, sem diálogo com o que foi deixado para trás, sem os "poréns" próprios daquilo que passa de uma ponta à outra de um espinhoso caminho teórico e que deveria abarcar todos os cuidados requeridos para alterar-se uma peça de um sistema delicado e complexo.

A esperada organização hermenêutica do sistema penal, parcialmente incumbida ao STJ em virtude de suas funções constitucionais deve ser fruto de uma atenta reflexão. Espera-se que essa reflexão tenha como parâmetro que funções ou que limites podem ser afirmados para um direito penal (aparentemente) democrático e de que forma esses limites podem ser compreendidos e aplicados nas diuturnas situações onde, dentro ou abaixo do Tribunal da Cidadania, suas decisões servem, para repetir uma expressão antológica do falecido ministro Humberto Gomes de Barros, como um farol.

À mão do STJ, pareciam consolidadas todas as razões para afirmar, sem maiores percalços, a natureza material e tributária do delito de descaminho e, a partir disso, suas conexões com a súmula vinculante 24 e a dependência da verificação administrativa do crédito tributário como parâmetro verificador da existência de um dos elementos do tipo objetivo (a saber, o tributo). As razões para continuar afirmando dessa forma persistem em escala muito superior àquelas que, reduzindo o direito penal a um mecanismo de controle da balança comercial, ditaram essa perturbação no que parecia ser jurisprudência pacífica. Espera-se que a temática, até agora polemizada por uma das turmas criminais, seja definitivamente recolocada nos trilhos em que vinha tramitando quando o colegiado maior tiver de enfrentar o problema.

Joaquim Pedro M. Rodrigues é advogado em Brasília/DF.

Fabrício Campos é advogado, sócio do escritório Oliveira Campos Advogados e conselheiro da OAB-ES.

Conceição Aparecida Giori é advogada, sócia do escritório Oliveira Campos & Giori Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2013
Faltou discussão na guinada sobre o delito de descaminho
Por Joaquim Pedro M. Rodrigues, Fabrício Campos e Conceição Aparecida Giori

Uma das muitas "mudanças de posição" do Superior Tribunal de Justiça deveria merecer reflexão atenta, seja por contradições internas, seja pela incoerência com os propósitos que deveriam ser respeitados pelas regras da ordem jurídica penal. A partir do julgamento do Habeas Corpus 218.961/SP (não conhecido), a 5ª Turma do STJ alterou entendimento consolidado sobre a natureza do delito de descaminho (2ª figura do artigo 334 do Código Penal), firmando entendimento pelo qual não se faz mais necessário o encerramento da discussão administrativo/tributária para fins de persecução do delito. Segundo o precedente, a natureza formal do crime faz prescindir qualquer verificação administrativa de eventuais tributos iludidos quando da entrada da mercadoria no país.

A classificação ganha mais importância por conta da Súmula Vinculante 24, do Supremo Tribunal Federal, que, em que pese voltada para os delitos previstos no artigo 1º da Lei 8.137 de 1990, afirma que não se tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo. Em diversos precedentes do STJ, a súmula vinculante 24 é apontada como baliza norteadora do raciocínio pelo qual a configuração de delito de descaminho, tipo penal a vulnerar a ordem tributária (pela supressão de tributo) depende de prévia e consolidada apreciação administrativa (constituição definitiva do crédito tributário).

Isso significa que entendimento que vinha sendo mantido pelo STJ, agora oscilante pelo posicionamento da 5ª turma, afirmava que o descaminho é delito de natureza material: tem como componente a ocorrência de um resultado lesivo, tal como ocorre com o homicídio, roubo, furto etc. Se é capital para a configuração desse tipo de delito a ocorrência do resultado naturalístico e sendo esse resultado o desfalque do erário pela ilusão do tributo, decorre logicamente que a configuração final do tributo depende do resultado do procedimento fiscal correspondente. Essa configuração, que interpreta o delito de descaminho como material também permite que se extinga a punibilidade, tal como em outros delitos de repercussão tributária, em caso de pagamento integral do tributo, a teor do que decorre do artigo 34 da Lei 9.249/95 e artigo 9º e parágrafo 2º da Lei 10.684/2003.

A compreensão da natureza material do crime de descaminho e de sua nítida configuração tributária não é novidade, embora a afirmação jurisprudencial dessa característica possa ser identificada num aglutinado de precedentes mais próximos entre si no tempo. Hungria já comentava a primazia da defesa ao erário que caracterizava a finalidade do tipo penal, afirmando, ao citar Impallomeni e Puglia que o descaminho e o contrabando são "autênticos crimes, ofensivos de um incontável direito subjetivo do Estado, qual o de cobrar impostos, que lhe são necessários para a consecução de seus próprios fins, e o de manter a ordem jurídica, que não pode pactual com o ensejo à ofensa de vitais interesses sociais ou a uma traiçoeira competição no mercado interno." A afirmação é contundente no sentido de orientar-se à relevância da causação de ato lesivo ao fisco, pela ilusão de um tributo. No Superior Tribunal de Justiça, desde 2007, pelo menos, a inteligência sobre o fato de que o delito de descaminho é material gerou a reboque o entendimento de que sua configuração é lesiva contra a ordem tributária, com a consequência que vinha sendo mantida desde então, vinculada à perspectiva de que o processo envolvendo apuração desse tipo de delito depende de prévia consolidação do entendimento administrativo sobre a existência de tributo.

A 6ª Turma do STJ, no HC 48.805 (em 2007), afirmou que "não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral." O score do precedente foi apertado (o empate favoreceu o paciente, por força regimental). No RHC 25.228, em 2010, o mesmo entendimento angariou a unanimidade. A 5ª Turma, por sua vez, também em 2010, por unanimidade no HC 139.998 consignou que: "O delito previsto na segunda parte do caput do artigo 334 do Código Penal configura crime material, que se consuma com a liberação da mercadoria pela alfândega, logrando o agente ludibriar as autoridades e ingressar no território nacional em posse das mercadorias sem o pagamento dos tributos devidos...". O reconhecimento dessa característica permite aplicar-se à figura do descaminho, na dicção da própria ementa, o raciocínio dos delitos materiais contra a ordem tributária.

Até o recente julgamento do HC 218.961 da 5ª Turma e desde a consolidação do debate, o entendimento vinha sendo mantido sem percalços: o delito de descaminho tem natureza material, o resultado decorrente do tipo penal é a lesão ao erário pelo não recolhimento dos tributos devidos e, por força desse raciocínio, ao delito deve-se aplicar a mesma lógica dos demais crimes materiais contra a ordem tributária, exigindo-se o prévio reconhecimento administrativo da constituição do crédito tributário.

A abrupta mudança de entendimento, no entanto, causa perturbação na expectativa dos operadores do direito sobre o modo como o Superior Tribunal de Justiça trata delitos dessa natureza e seu próprio papel para um direito penal mais próximo de uma ordem democrática e estável.

Em parte, o novo entendimento invocou precedente do Supremo Tribunal, datado de 2010, em que o ministro Ayres Brito consignou na ementa que "(...) o delito de descaminho é rigorosamente formal, de modo a prescindir da ocorrência do resultado naturalístico." O precedente do STF debatia, é verdade, a hipótese de descaminho na modalidade da alínea "c" do parágrafo 1º do artigo 334 do Código Penal. Essa peculiaridade facilitou bastante o entendimento do delito como formal, porque essa específica "modalidade" do delito compreende tão somente a guarda, exposição à venda ou venda de mercadoria sabidamente introduzida clandestinamente no país.

Entretanto, o mesmo Supremo Tribunal Federal, em julgado mais recente, explicitamente reconheceu a possibilidade de extinção da punibilidade do delito de descaminho pelo pagamento, entendimento que dependeu do entendimento do delito de descaminho como crime material. Na discussão, configurou-se que o pagamento do tributo é suficiente para fazer desaparecer a pretensão punitiva, afirmando-se também que a norma penal traz como resultado naturalístico justamente a supressão do tributo: o que implica no reconhecimento do caráter material da conduta incriminada.

No STJ, ainda neste ano de 2013, nenhum sinal havia de alteração de entendimento, que seguia unânime, como no HC 255.617/RS, relatado pelo ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 19/03/2013, DJe 26/03/2013. Outras decisões monocráticas, como as exemplificadas acima, evidenciavam a estabilidade dessa compreensão.

As razões para a mudança de entendimento colide com ao menos uma posição consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça no que diz respeito ao próprio descaminho e sua relação com o reconhecimento de hipóteses de insignificância da lesão ao bem jurídico. O acórdão que determinou a mudança de posicionamento chega a debater a insignificância — não a aplicou pela suposta alta reprovabilidade da conduta do agente — mas não a incompatibiliza com a condição de crime formal, recém adotada. A princípio não haveria incompatibilidade se não fosse o critério de insignificância ainda persistente nas duas turmas criminais do STJ com relação ao descaminho.

É pacífico o entendimento de que o delito de descaminho, quando corresponde a lesão ao fisco de ordem inferior ao valor mínimo para prosseguimento da execução fiscal pela Fazenda Pública, fica amparado pela insignificância por causa de um raciocínio prático e simples: não há sentido em declarar-se a lesão ao bem jurídico que não corresponda ao próprio interesse do Estado em buscar sua respectiva reparação.

Embora não haja óbice ao reconhecimento da insignificância em crimes formais, por vezes essa própria característica tem impulsionado a inaplicabilidade dessa forma de reconhecimento da atipicidade. Veja-se recurso especial do Ministério Público Federal que foi unanimemente admitido e provido para desconsiderar o princípio da insignificância em caso de gestão fraudulenta (artigo 4º caput da Lei 7.492/86). No raciocínio empregado naquele Recurso Especial, a norma jurídica tem por finalidade manter a "estabilidade e higidez do Sistema Financeiro Nacional", bens que "não podem ser quantificados". Mesmo critério recebe o próprio delito de contrabando.

A despeito dessas considerações e das novas premissas estabilizadoras sobre a compreensão do delito de descaminho, o crime continua, nos termos de decisões da própria 5ª Turma a ser amparado pela hipótese de aplicação da insignificância do resultado. Nesse sentido, entende-se que "o princípio da insignificância aplica-se (com relação ao artigo 334 do CP) apenas ao delito de descaminho, que corresponde à entrada ou à saída de produtos permitidos, elidindo, tão somente, o pagamento do imposto." Também a mudança de paradigma não abalou o entendimento de que "é possível a aplicação do princípio da insignificância ao delito previsto no artigo 334, do Código Penal, desde que o total do tributo iludido não ultrapasse o patamar de R$ 10 mil previstos no artigo 20, da Lei 10.522/02." Em outras palavras, o aspecto da insignificância considerado pela 5ª Turma, no que respeita ao delito de descaminho, continua sendo o resultado lesivo ao erário, quantificado em termos de valor do suposto tributo devido, mantendo incólume a expressão do leading case no STJ.

Ao que parece, portanto, não há uma convicção, na 5ª turma, que permita olhar sob todos os ângulos que o delito de descaminho tem natureza formal. Em julgados posteriores à data da mudança de parâmetro, o reconhecimento da insignificância a partir da leitura da Lei 10.522/02 evidencia que sua natureza material persiste.

Somente essa colisão de parâmetros seria suficiente para demonstrar o quanto a mudança de posição de uma Corte Superior pode causar embaraços à expectativa de estabilização de entendimentos sobre a norma criminal. Mas a pergunta sobre "de que espécie de direito penal estamos falando?" sofre outras perturbações. Vejamos como fio de raciocínio a própria aplicação da insignificância ao direito penal. As turmas criminais do STJ passaram a reconhecer como critério de tipicidade a insignificância material da conduta ou do resultado a partir de orientações ideológicas que buscam imprimir ao direito penal a mínima intervenção e a fragmentariedade. No que diz respeito às conexões entre o direito penal e a preservação do erário pela tipificação de condutas contra a ordem tributária, o STJ, do mesmo modo, observou que a incidência da criminalização deve obedecer à realidade de ser a "ultima ratio" do ordenamento jurídico. Se há um explícito direcionamento no sentido de adotar-se um manifesto direito penal mínimo, parece que o critério do mínimo foi generosamente inflacionado no HC 218.691.

No julgado que determinou a abrupta mudança de raciocínio sobre a natureza do crime de descaminho, razões de uma política criminal inflacionária fizeram parte das razões para a alteração da postura. A "integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país", que evidentemente não pode ser considerado um "bem jurídico", passa a encontrar no direito penal um mecanismo de proteção a latere dos sistemas administrativos de sanção, sistemas que já pressupõem o perdimento da mercadoria, multa e cobrança de tributos e que tem o poder de realizar aquilo que o Superior Tribunal de Justiça afirmou que também cabe ao direito penal: controlar entrada e saída de mercadorias do país, proteger o comércio regular da concorrência ilegal etc. Enfim, uma lógica que abraça um direito penal voltado ao controle de resultados de controle da balança comercial ou a concorrência desleal confia que um sistema de criminalização será tudo, menos a "ultima ratio" para a obtenção de determinados resultados economicamente interessantes.

É evidente que não se descarta que há uma tendência ampla na sociedade brasileira em aceitar-se um direito penal que chegue à frente de qualquer outro sistema estatal de intervenção. Não se descarta também que existem propostas teóricas que buscam suportar logicamente uma intervenção penal sobre a economia, independentemente dos mecanismos administrativos voltados ao mesmo controle. Entretanto, a flutuação vista no caso do delito de descaminho não transitou por nenhuma discussão sobre o papel que a harmonização jurisprudencial a cargo do STJ pretende para esse delito. Sem aviso, o que foi objeto de discussão e conclusão foi revirado à unanimidade, sem diálogo com o que foi deixado para trás, sem os "poréns" próprios daquilo que passa de uma ponta à outra de um espinhoso caminho teórico e que deveria abarcar todos os cuidados requeridos para alterar-se uma peça de um sistema delicado e complexo.

A esperada organização hermenêutica do sistema penal, parcialmente incumbida ao STJ em virtude de suas funções constitucionais deve ser fruto de uma atenta reflexão. Espera-se que essa reflexão tenha como parâmetro que funções ou que limites podem ser afirmados para um direito penal (aparentemente) democrático e de que forma esses limites podem ser compreendidos e aplicados nas diuturnas situações onde, dentro ou abaixo do Tribunal da Cidadania, suas decisões servem, para repetir uma expressão antológica do falecido ministro Humberto Gomes de Barros, como um farol.

À mão do STJ, pareciam consolidadas todas as razões para afirmar, sem maiores percalços, a natureza material e tributária do delito de descaminho e, a partir disso, suas conexões com a súmula vinculante 24 e a dependência da verificação administrativa do crédito tributário como parâmetro verificador da existência de um dos elementos do tipo objetivo (a saber, o tributo). As razões para continuar afirmando dessa forma persistem em escala muito superior àquelas que, reduzindo o direito penal a um mecanismo de controle da balança comercial, ditaram essa perturbação no que parecia ser jurisprudência pacífica. Espera-se que a temática, até agora polemizada por uma das turmas criminais, seja definitivamente recolocada nos trilhos em que vinha tramitando quando o colegiado maior tiver de enfrentar o problema.

Joaquim Pedro M. Rodrigues é advogado em Brasília/DF.

Fabrício Campos é advogado, sócio do escritório Oliveira Campos Advogados e conselheiro da OAB-ES.

Conceição Aparecida Giori é advogada, sócia do escritório Oliveira Campos & Giori Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2013

Calçadistas buscam liberação de cargas retidas

Jornal do comercio

COMÉRCIO EXTERIOR Notícia da edição impressa de 11/12/2013

 

Calçadistas buscam liberação de cargas retidas

 

Empresários pressionam por uma solução para os 700 mil pares de calçados parados na fronteira com a Argentina

GABINETE DEPUTADO RENATO MOLLING/DIVULGAÇÃO/JC

 

Uma comitiva de entidades do setor e lideranças políticas reuniu-se ontem no MDIC

 

Uma comitiva de calçadistas e lideranças políticas e setoriais foi recebida ontem pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, em Brasília. Em pauta, novamente, a Argentina. Na oportunidade, o titular do MDIC reiterou o discurso da semana passada, quando em encontro com a nova equipe econômica do governo argentino, sentiu a "boa vontade" na resolução do problema que já acumula mais de 700 mil pares de calçados brasileiros já negociados impedidos de entrar no país vizinho por conta das burocracias na concessão das licenças para importação.

 

Na oportunidade, Pimentel ressaltou que o governo argentino reconhece a situação do comércio bilateral entre os dois países, mas que existe uma preocupação muito grande com o superávit brasileiro na balança comercial dos vizinhos "O ministro repassou que existe a disposição de dar um novo ritmo às importações brasileiras", contou o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein.

 

O executivo apontou, ainda, para a importância do retorno da previsibilidade nos negócios, lembrando a Comissão de Monitoramento do Comércio Bilateral entre os dois países, mecanismo que estabelecia uma cota de 15 milhões de pares de calçados brasileiros a serem importados anualmente para lá, iniciativa desativada há quatro anos. "A comissão funcionava muito bem, especialmente porque existia uma sinergia entre os governos e os empresários", destacou Klein. A ideia foi acatada pelo ministro Pimentel, que irá levar o assunto para Buenos Aires.

 

Os calçadistas reiteraram a importância da liberação dos pares retidos e que já provocam um prejuízo imediato de US$ 13 milhões. Apesar de não apontar data para a liberação, o titular do MDIC destacou que o prazo solicitado pela nova equipe econômica já passou e que entrará em contato com os representantes da Casa Rosada até o final desta semana para ter uma posição efetiva.

 

O ministro ressaltou, ainda, que os governos dos dois países poderão organizar missões empresariais de intercâmbio de informações comerciais, o que poderia criar um ambiente de conversação interessante para a manutenção das boas relações. As primeiras missões devem ocorrer a partir de janeiro do próximo ano.

 

http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=142161

REPERCUSSÃO GERAL ICMS: Importação e EC 33/2001

REPERCUSSÃO GERAL

ICMS: Importação e EC 33/2001 - 7

 

Após a EC 33/2001, é constitucional a instituição do ICMS incidente sobre a importação de bens, sendo irrelevante a classificação jurídica do ramo de atividade da empresa importadora. Ademais, a validade da constituição do crédito tributário depende da existência de lei complementar sobre normas gerais e de legislação local de instituição do ICMS incidente sobre operações de importação realizadas por empresas que não sejam comerciantes, nem prestadoras de serviços de comunicação ou de transporte interestadual ou intermunicipal. Além disso, a incidência do tributo também depende da observância das regras de anterioridade e de irretroatividade, aferidas em cada legislação local de instituição dos novos critérios materiais, pessoais e quantitativos da regra-matriz. Também não se poderia falar em constitucionalidade superveniente para legitimar legislação local anterior à EC 33/2001 ou à Lei Complementar 114/2002, com o único objetivo de validar crédito tributário constituído em momento no qual não haveria permissão constitucional. Com base nesse entendimento, o Plenário negou provimento ao RE 474267/RS, interposto pela Fazenda Pública, e deu provimento ao RE 439796/PR, interposto pelo contribuinte. No caso, discutia-se a constitucionalidade da incidência do ICMS sobre operações de importação de bens realizadas por pessoas jurídicas que não se dedicariam habitualmente ao comércio, durante a vigência da EC 33/2001 — v. Informativos 569 e 613.

RE 439796/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-439796)

RE 474267/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-474267)

 

 

Audio

 

ICMS: Importação e EC 33/2001 - 8

 

Rememorou-se que nenhuma das três restrições observadas pela Corte no julgamento de precedentes relacionados ao tema, firmados antes da EC 33/2000, continuaria aplicável. Afirmou-se que a caracterização de bem como mercadoria independeria da qualidade jurídica do adquirente. Apontou-se a inexistência de cumulatividade a ser equilibrada com a compensação, na medida em que haveria apenas uma única operação. Além disso, mencionou-se que, com a alteração realizada no texto constitucional em 2000, a falta do critério para definição do sujeito ativo teria sido suprida com a inserção da palavra "domicílio" no art. 155, § 2º, IX, a, da CF [Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: ... II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior ... § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte. ... IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço"]. Lembrou-se que, de acordo com a jurisprudência desta Corte, a existência de competência tributária seria insuficiente para justificar a cobrança do tributo e a constituição do crédito tributário. Sublinhou-se que a competência legislativa deveria ser observada e que se deveria seguir o procedimento legislativo previsto. Essa diretriz jurisprudencial viria desde a antiga discussão sobre a incidência do ICM no fornecimento de alimentos e bebidas por restaurantes e congêneres (Enunciado 574 da Súmula do STF). Consignou-se que a própria norma que instituísse o tributo deveria encontrar fundamento de validade nas normas gerais para assegurar estabilidade e previsibilidade.

RE 439796/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-439796)

RE 474267/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-474267)

 

ICMS: Importação e EC 33/2001 - 9

 

Asseverou-se que, para se considerar válida a constituição do crédito tributário, a sua incidência deveria ocorrer na presença concomitante de três condicionantes: existência de competência; exercício dessa competência pela União, com base em norma geral em matéria tributária; e exercício de competência por cada um dos Estados-membros e pelo Distrito Federal, resultante na regra-matriz de incidência tributária. Observou-se que alguns entes federados teriam se precipitado, ora à EC 33/2001, ora à LC 114/2002, e teriam criado regras-matrizes sem o necessário fundamento de validade. Nesses casos, entendeu-se aplicável a orientação firmada por esta Corte no julgamento do RE 346084/PR (DJU de 1º.9.2006) e do RE 390840/MG (DJU de 15.8.2006), que teria afastado o fenômeno da constitucionalidade superveniente do sistema jurídico pátrio. Reputou-se que, para ser constitucionalmente válida a incidência do ICMS sobre operações de importação de bens, as modificações no critério material na base de cálculo e no sujeito passivo da regra-matriz deveriam ter sido realizadas em lei posterior à EC 33/2001 e à LC 114/2002. O relator reajustou, parcialmente, o voto.

RE 439796/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-439796)

RE 474267/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.11.2013. (RE-474267)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Impostos crescem mais que a economia

Impostos crescem mais que a economia
 IEscrito por Karina Lignelli
 
Amato:  "É hora de o governo começar a fazer mais com menos." / Fotos Paulo Pampolin / Hype

A marca de R$ 1,5 trilhão pago em impostos pelos brasileiros em 2013, que foi alcançada ontem por volta das 10h da manhã, conforme registrado pelo Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), mostra que, mais uma vez, a arrecadação cresce mais que a economia.

O montante, atingido 19 dias antes de 2012 (na época, a marca foi alcançada em 28 de dezembro), confirma que o total de tributos destinados aos cofres do governo este ano já registrou alta real em torno de 3%, conforme apontou Rogério Amato, presidente da ACSP e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp). O percentual é maior que o PIB previsto para 2013, de 2,35%, cuja revisão para menor, de acordo com pesquisa Focus do Banco Central, foi divulgada ontem.

"Comparando a inflação do ano, que deve ficar em torno de 5,5%, e a arrecadação, que já aumentou mais ou menos 8% (só com a antecipação da marca), temos uma arrecadação real em torno de 3% – o que já é muito", destaca Amato. "Já estamos com a capacidade do contribuinte no limite, e essa é uma espiral que não cessa. Sem contar que em nenhum mês de 2013 foi registrada arrecadação menor em comparação a iguais meses do ano passado".

Para o presidente da ACSP, a situação é preocupante. Se há sinalização de que o País vai crescer menos este ano, o que se conclui é que a carga tributária tem crescido mais do que proporcionalmente ao crescimento da economia. "Ou seja, é como se estivessem 'drenando' os recursos da sociedade", afirma Amato, que reforça que o grande problema é "gestão".

"É hora de o governo começar a fazer mais com menos, de promover integração entre os três níveis de governo, partidos, secretarias, ministérios, além de evitar duplicidades e descontinuidades em processos que refletem no dia a dia. Não somos contra o pagamento de impostos", ressalta Amato. "O problema é que esse crescimento acelerado não é revertido em infraestrutura e bons serviços de saúde ou educação".

O Impostômetro, inaugurado em abril de 2005 como parte da campanha de conscientização tributária iniciada pela ACSP e outras entidades empresariais, mostra a arrecadação em tempo real. Pelo site www.impostometro.com.br, é possível levantar o quanto os habitantes de cada estado ou município pagaram em tributos para as três esferas de governo no ano, além de visualizar o que seria possível fazer com o montante arrecadado.

Natal 'salgado' – Nem as festividades de fim de ano escapam: levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) apurou a carga tributária embutida no preço final dos produtos natalinos, e confirmou que ela é mais alta entre os mais consumidos. Exemplo disso é o espumante, com 59,49% de carga. No caso do vinho, é de 54,73%, e da sidra, de 48,24%.

Os enfeites de Natal vêm na sequência, com 48,02%, seguidos pela árvore de natal, com 39,23%. Para (não) lembrar na hora da comilança, 34,63% do preço do panetone é composto por impostos, e outros 29,32% estão embutidos no valor do peru, chester e pernil. O prêmio de consolação fica com as frutas frescas, que têm só 11,78% de carga.

Alteração constitucional para ICMS Importação é insuficiente

SEM AMPARO

Alteração constitucional para ICMS Importação é insuficiente

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A incidência do ICMS Importação após a Emenda Constitucional 33/2001 foi recentemente abordada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião dos julgamentos do RE 474.267[1]e RE 439.796[2], em sessão do Plenário no dia 6/11[3]. No julgamento, o relator, ministro Joaquim Barbosa, referindo-se a voto vista do ministro Dias Toffoli, ponderou sobre a "suficiência da legislação infraconstitucional para dar densidade às normas gerais em matéria tributária", bem como à regra matriz de incidência do tributo analisado, qual seja, o ICMS Importação incidente na aquisição de mercadorias ou bens por pessoas físicas e contribuintes não habituais. A questão posta naqueles casos e que aqui trazemos ao debate é: a insuficiência da alteração constitucional para dar densidade à regra matriz de incidência do ICMS, sendo necessária a alteração superveniente das normas gerais de Direito Tributário.

A alteração do texto constitucional com a Emenda 33/2001 conferiu nova competência tributária aos estados e ao Distrito Federal, acrescentando nova materialidade, bem como novos sujeitos passivos à regra matriz do ICMS Importação, de modo a perfazer a incidência jurídica sobre bens, e não apenas mercadorias, ampliando o critério pessoal as pessoas físicas e pessoas jurídicas que não contribuintes habituais do ICMS. A Lei Complementar 87/1996, no entanto, ainda delineava os contornos do exercício de uma competência tributária que carecia de atualização.

Pouco mais de um ano transcorreu até que as normas gerais de Direito Tributário fossem atualizadas pela Lei Complementar 114/2002, sedimentando o percurso de incidência tributária, principiado a partir da Constituição Federal até a norma individual e concreta, pois presentes todos os elos na cadeia de positivação do ICMS Importação reformulado, numa perspectiva eminentemente dinâmica[4].

Alguns estados, contudo, optaram por não aguardar a atualização das normas gerais de Direito Tributário, reputando suficiente a alteração no texto constitucional para conferir o fundamento de validade necessário à adequação das leis ordinárias estaduais ou distritais.

Com a citada modificação constitucional quis o constituinte garantir inexoravelmente que, das operações oriundas do exterior, o contribuinte do ICMS fosse toda e qualquer pessoa física ou jurídica que importasse mercadorias ou bens, sendo que a inclusão deste último vocábulo tornou desnecessária a inserção do produto nacionalizado na cadeia de comércio para a configuração do critério pessoal passivo da regra matriz.

Embora tal instituto garanta na prática melhores condições de oferta e demanda, com o significativo equilíbrio dos preços[5], a tentativa dos estados e do Distrito Federal de tributar as pessoas físicas e jurídicas contribuintes não habituais do ICMS data de antes da Emenda Constitucional 33/2001.

Tal atitude não passou despercebida pelo Supremo Tribunal Federal, que, em sessão plenária realizada em 24/9/2003, consolidando a interpretação da época, expediu a Súmula 660, em que se lê: "não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto". Vale ressalvar que os precedentes da excelsa corte cuidam de fatos jurídicos tributários que antecederam a alteração constitucional.

No que pertine ao advento da Emenda Constitucional 33/2001, oportuna a ponderação de Roque Antonio Carrazza[6], ao asserverar que "é a velha política do Governo, que sempre que perde uma questão, máxime na Suprema Corte, modifica a Constituição".

Sobreveio pouco mais de um ano depois, em 16/12/2012, a Lei Complementar 114, que alterou o artigo 4° da Lei 87/1996, permitindo uma incidência do ICMS nas operações de importação a toda e qualquer pessoa física ou jurídica que importasse mercadoria ou bem, independentemente da destinação dada ao objeto.

Assim, diferençavam três categorias de normas estaduais atinentes ao ICMS, a saber: i) aquelas que tributavam a importação de bens antes do permissivo constitucional; ii) aquelas instituídas logo após a alteração no texto constitucional, mas antes do advento da Lei Complementar 114/2002; iii) por fim, as normas estaduais instituídas após a modificação das normas gerais de Direito Tributário atinentes ao ICMS.

Quanto ao primeiro grupo, o ministro Joaquim Barbosa rememorou o quanto já decido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 346.084[7] e RE 390.84[8], oportunidade que restou sedimentado exegese de que o sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente, de forma que a norma jurídica posta deve encontrar seu fundamento de validade constitucional no momento em que integra o sistema, a saber, no de sua validade.

Esta é a circunstância fática que se quadra ao RE 474.267, oriundo do Rio Grande do Sul, em que a Lei RS 8820/1989, com alteração da Lei RS 10.908/1996, pretérita à Emenda 33/2001, regula a incidência do ICMS Importação tendo por sujeitos passivos pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, sem fundamento de validade constitucional à época de sua publicação[9].

Na mesma esteira está o RE 439.796, originado do Paraná, onde a Lei 11.580/1996 regulava a mesma materialidade, sem respaldo constitucional[10].

Assim, restou rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal o exercício de competência estadual sem a previsão constitucional, que só viria em 2001, o que delineia os contornos do julgamento do RE 594.996[11], oriundo do Rio Grande do Sul, em que fora reconhecida a repercussão geral e seguirá os entendimentos retro mencionados.

Outra é a situação dos estados que, motivados pela Emenda Constitucional 33/2001, que lhes ampliava a competência tributária, passaram a tributar tal materialidade, todavia, antes da previsão nas normas gerais de Direito Tributário, conforme resta evidenciado na tabela abaixo:

Estado

Norma alteradora

Data da alteração

Alagoas

Lei 6.319

03/07/2002

Espírito Santo

Lei 7.295

01/08/2002

Goiás

Lei 14.057

21/12/2001

Mato Grosso

Lei 7.611

28/12/2001

Mato Grosso do Sul

Lei 2.534

21/11/2002

Rio de Janeiro

Lei 3.733

13/12/2001

Santa Catarina

Lei 12.498

12/12/2002

São Paulo

Lei 11.001

21/12/2001

O exercício de tal competência fora efetivado antes da alteração da Lei Complementar 87/96, norma geral em Direito Tributário que regula o ICMS, com duplo fundamento de validade[12], e que só viria em 16/12/2002 com a Lei Complementar 114.

Muito embora a autorização constitucional para o exercício da novel competência tributária já compusesse o ordenamento pátrio desde dezembro de 2011, faltava aos Estados retro mencionados um elo na cadeia de positivação, a densidade necessária à incidência tributária, perfazendo tal fase integrativa.

Não há que se falar em competência concorrente diante da ausência de atualização da Lei Complementar 87/96, pois a própria Constituição Federal, em seu artigo 24, inciso I, e parágrafos 1º e 3º, denota a mitigação da competência diante da existência de normas gerais de Direito Tributário e que, de fato, existiam, mas não davam azo à instrumentalização por parte de seus entes tributantes, carecendo de adequação legislativa que veio cerca de um ano depois.

O que se verifica nas normas expedidas entre 11/12/2001 e 16/12/2002, diante da falta de um elo na cadeia de positivação é o exercício irregular da competência tributária[13], uma vez que não observada a higidez no fluxo de positivação da regra matriz do ICMS.

Note-se que o ICMS excepciona a característica de facultatividade das competências tributárias, como convergem Paulo de Barros Carvalho[14] e, num segundo momento, Roque Antonio Carrazza[15]. Tal se dá ante a índole eminentemente nacional do ICMS.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já tratou de situação análoga, por ocasião do julgamento do RE 136.215[16], oportunidade em que fora analisada a competência conferida aos estados e ao Distrito Federal para instituir adicional de imposto de renda[17], arguindo-se a possibilidade dos estados legislarem sobre a matéria na ausência de lei complementar[18].

Diante da arenga, o ministro Octávio Gallotti, pugnando pela necessidade de existência de lei complementar, de caráter nacional, para dirimir conflito de competência, expediu a seguinte ementa: "Adicional estadual do imposto sobre a renda (ART. 155, II, DA C.F.). Impossibilidade de sua cobrança, sem prévia Lei Complementar (ART. 146 DA C.F.). Sendo ela materialmente indispensável a dirimência de conflitos de competência entre os estados da federação, não bastam, para dispensar sua edição, os permissivos inscritos no art. 24, par. 3, da Constituição e no art. 34, e seus parágrafos, do ADCT. Recurso extraordinário provido para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 1.394, de 2-12-88, do estado do Rio De Janeiro, concedendo-se a segurança".

Assim, muito embora tenham alguns estados alterado as regras matrizes de ICMS Importação, amparados já em permissivo constitucional, as novas normas estaduais encontraram um óbice, a falta de lei complementar autorizativa, de norma geral tributária, configurando assim flagrante inconstitucionalidade. Nulidade[19] que não poderia ser corrigida com a publicação da Lei Complementar 114/2002, tendo em vista a vedação à constitucionalização superveniente prescrita pelo Supremo Tribunal Federal.

Nota-se que a competência concorrente disposta no artigo 24, parágrafo 3º, da Constituição Federal, só pode ser exercida para, nos dizeres do ministro Gallotti, "atender a peculiaridades locais", o que se coaduna com a feição nacional que circunscreve o ICMS e que não pode ser livremente tratada pelos Estados ou Distrito Federal, sob pena de incorrer em conflitos de competência, servindo, pois, a norma geral como iter imprescindível para a consecução da incidência jurídica tributária.

O Tribunal de Justiça de São Paulo tem aplicado o mesmo entendimento em questões atinentes ao ITCMD, diante da ausência de lei complementar prevista no artigo 155, parágrafo 1º, inciso III, da Constituição Federal, de modo a prescrever a irregularidade o exercício da competência concorrente estadual, como se verifica no seguinte aresto[20]:

"MANDADO DE SEGURANÇA ITCMD SOBRE HERANÇA DE FALECIDO QUE POSSUÍA BENS, ERA RESIDENTE OU DOMICILIADO OU TEVE SEU INVENTÁRIO PROCESSADO NO EXTERIOR Ausência de Lei Complementar disciplinando a competência para a sua instituição (art. 155, § 1º, III, "B", CF) Omissão legislativa que não pode ser suprida pelos Estados Inconstitucionalidade do art. 4º, II, "b", da Lei Estadual nº 10.705/2000 reconhecida pelo Colendo Órgão Especial Indevida a incidência do imposto. Recursos improvidos."

 

Quanto ao terceiro grupo de estados, figuram os que manejaram a alteração legislativa somente com o advento da Lei Complementar 114/2002. Tais normas encontraram, outrossim, fundamento de validade constitucional, seguido da correspectiva fase integrativa a criar todos os elos necessários à implementação do processo de positivação, tendo em vista a consecução, somente neste momento, da necessária densificação da competência tributária.

A ampliação do espectro de incidência do ICMS Importação promovido pela Emenda Constitucional 33/2001 é condição necessária, mas não suficiente, para o exercício da competência tributária, notadamente com relação ao ICMS, cuja importância excepciona a facultatividade como característica das competências e condiciona sua incidência ao aperfeiçoamento através de lei complementar, exigida genericamente no artigo 146, e especificamente no artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, ambos da Constituição Federal.

Nota-se, portanto, nos recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal a necessidade das normas gerais de Direito Tributário, principalmente para o ICMS, como fase integrativa do processo de positivação, de modo a assegurar a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento pátrio.


[1] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 474.276, Relator Ministro Jaoquim Barbosa, Julgamento 06/11/2013, DJe 14/11/2013, Tribunal Pleno.

[2] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 439.796, Relator Ministro Jaoquim Barbosa, Julgamento 06/11/2013, DJe 14/11/2013, Tribunal Pleno.

[3] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Pleno - Concluído julgamento sobre incidência de ICMS na importação de bens sem fins comerciais. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=rmqkjkD_wDE&list=WL4F59D6DC6545D4D7>. Acesso em: 23 de novembro de 2013.

[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 92.

[5] MOREIRA, André Mendes . A Não-Cumulatividade dos Tributos. São Paulo: Noeses, 2011. p. 254. 

[6] CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 83

[7] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 346.084, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgamento 09/11/2005, DJe 01/09/2006, Tribunal Pleno.

[8] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 390.840, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento 09/11/2005, DJe 15/08/2006, Tribunal Pleno.

[9] O Estado do Rio Grande do Sul promoveu adequação legislativa com a promulgação da Lei RS 13.099/2008.

[10] O Estado do Paraná promoveu adequação legislativa com a promulgação da Lei PR 14.050/2003.

[11] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 594.966, Relator Ministro Luiz Fux.

[12] Os artigos 146 e 155, parágrafo 2º., inciso XII, ambos da Constituição Federal.

[13] GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p.101-103.

[14] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva,, 2007, p. 244.

[15] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 593.

[16] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 136.215, Relator Ministro Octávio Gallotti, julgamento 18/02/1993, DJe 16/04/1993, Tribunal Pleno.

[17]Revogada pela Emenda Constitucional 3/1993.

[18] SCHOUERI. Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 78-79.

[19] GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, passim.

[20] BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação 0024074-72.2012.8.26.0625, Relator Desembargador Moacir Peres, julgamento 16/09/2013, DJe 20/09/2013, 7ª. Câmara de Direito Público.

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Jean Paolo Simei e Silva é doutorando e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, professor no curso de especialização em Direito Tributário do Ibet, sócio do Simei Favacho Advogados Associados.

Revista Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2013

http://www.conjur.com.br/2013-dez-09/jean-paolo-simei-alteracao-constitucional-icms-importacao-insuficiente