Sócio fundador da Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos - Cepejur. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo e ex-Diretor da Escola Paulista de Advocacia.
Progressividade fiscal do IPTU
Kiyoshi Harada*
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Elaborado em 03/2011
1. Natureza e fato gerador do IPTU
O IPTU é um imposto de natureza real segundo a classificação da doutrina clássica. A exemplo da classificação em impostos diretos e indiretos, não há critério legal para classificação de impostos em pessoais e reais.
No passado, o legislador respeitava a classificação doutrinária. A doutrina de então elegia como protótipos de imposto de natureza real, o IPTU e o ITR, assim como considerava o imposto de renda das pessoas físicas como protótipo de imposto de natureza pessoal.
Hoje são tantas as leis isentivas do IPTU em função dos mais diversos aspectos subjetivos do contribuinte que a clássica divisão do imposto em impostos reais e impostos pessoais perdeu a sua nitidez por completo.
Somente o exame detido do respectivo fato gerador da obrigação tributária em todos os seus aspectos permite saber se trata de imposto de natureza real ou de imposto de natureza pessoal.
O IPTU tem fundamento no art. 156, I da CF segundo o qual "compete aos Municípios instituir impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana". Por isso, alguns estudiosos acoimam de inconstitucional a incidência do imposto sobre o domínio útil e a posse. Sem razão, no entanto.
Na verdade, o IPTU tem como fato gerador a disponibilidade econômica da propriedade, do domínio útil ou da posse do bem imóvel situado em zona urbana. É o que se depreende da interpretação sistemática do art. 32 do CTN. Sendo o imposto um tributo do tipo captação de riqueza produzida pelo particular não faz sentido tributar uma propriedade desprovida de utilidade econômica (imóvel situado na zona de mananciais, reservas florestais etc.) e deixar de tributar a posse com conteúdo econômico (posse do compromissário comprador, posse de quem apreendeu fisicamente o imóvel pelo prazo necessário a gerar usucapião etc.).
Daí a constitucionalidade da inclusão do titular do domínio útil e do possuidor a qualquer título no polo passivo da obrigação tributária, como faz o art. 34 do CTN.
2. Modalidades de progressividade do IPTU
A progressividade do IPTU comporta duas modalidades: a progressividade fiscal, fundada no interesse arrecadatório do Município, e a progressividade extrafiscal, fundada no poder regulatório do Município para ordenar as funções sociais da propriedade urbana. É a progressividade de natureza ordenatória.
3. Progressividade fiscal do IPTU
Examinaremos essa progressividade antes e depois da EC nº 29/2000.
3.1 Progressividade antes da EC nº 29/2000
Anteriormente a essa Emenda a progressividade fiscal tinha amparo no art. 145, § 1º, da CF:
"§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".
Essa progressividade tem amparo, pois, na capacidade contributiva do proprietário.
Entretanto, o STF apegando-se à antiga classificação dos impostos em reais e pessoais firmou posição no sentido da irrelevância da capacidade econômica do proprietário para dosagem da carga tributária, por se tratar de imposto de natureza real: RREE nºs. 153.771, 192.737, 193.997, 194.036, 197.676 e 204.827.
Em razão disso, o Município de São Paulo, a partir da Lei nº 12.782/98, passou a adotar alíquota fixa.
Uma coisa é o objeto do IPTU - bem imóvel; outra coisa é a obrigação tributária que é sempre pessoal.
O próprio STF reconhecendo a influência do aspecto subjetivo no quantum do imposto editou a Súmula 539 do STF:
"É constitucional a lei do município que reduz o Imposto Predial Urbano sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário, que não possua outro".
A expressão "que não possua outro" representa clara manifestação do aspecto subjetivo do contribuinte a influir na redução do IPTU.
3.2 Progressividade após a EC nº 29/2000
Prescreve o art. 156, § 1º, da CF:
"§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel".
A distinção entre as alíquotas aplicáveis para os imóveis residenciais e para os comerciais é tradicional. Ela nunca foi questionada na Justiça.
A progressividade em função da localização já está contida na progressividade em função do valor venal, pois este varia em função de sua localização também.
A progressividade do inciso I, em função do valor venal, limita-se a exteriorizar o que está implícito no § 1º, do art. 145, da CF.
4. Legislação do Município de São Paulo
Examinaremos em rápidas pinceladas a legislação municipal antes e depois da EC nº 29/2000;
4.1 Progressividade do IPTU instituída pela Lei nº 10.921/90 e mantida pela Lei nº 11.152/91
A Lei nº 10.921/90 editada anteriormente à EC nº 29/2000 instituiu a tributação progressiva do IPTU nos seguintes termos:
"Art. 7º O imposto calcula-se sobre o valor venal do imóvel à razão de:
I - tratando-se de imóvel utilizado exclusivamente ou predominantemente como residência:
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II - demais casos:
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§ 1º O imposto é calculado sobre a porção do valor venal do imóvel compreendendo em cada uma das faixas estabelecidas em Unidades de Valor Fiscal do Município de São Paulo - UFM, mediante a aplicação da alíquota correspondente.
§ 2º O valor do imposto é determinado pela soma dos valores apurados na conformidade deste artigo".
Para imóveis não edificados (terrenos) a mesma lei previa a progressividade cujas alíquotas variavam de 0,75% até 5,00% em função do valor venal.
Essa progressividade não tinha amparo na progressividade fiscal, fundada na capacidade contributiva do proprietário, por estabelecer três tabelas distintas de progressão de alíquotas. De fato, nesse tipo de tributação progressiva importa apenas o valor venal do imóvel, independentemente de sua destinação, e do fato de estar construído ou não. É o valor venal do imóvel, dado objetivo, que espelha a capacidade contributiva de seu o proprietário. Também não tinha fundamento na progressividade extrafiscal, pois, nada estava regulando. Na tributação progressiva extrafiscal é essencial que a lei decline a razão da progressividade, como é óbvio.
Por tais razões, a referida lei foi declarada inconstitucional pelo 1º TAC que editou a Súmula 43. O STF, também, declarou a sua inconstitucionalidade conforme RE nº 199.281-6, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 12-3-1999 (ADI Estadual proposta pelo Procurador-Geral da Justiça do Estado de São Paulo).
4.2 Progressividade do valor venal do imóvel com suposto amparo na EC nº 29/2000
A legislação do Município de São Paulo, a pretexto de implementar o disposto na EC nº 29/2000, afronta o texto dessa Emenda ao progredir o valor venal do imóvel - um dado objetivo - em função da presumível capacidade econômica de seu proprietário, enquanto mantém fixa a alíquota que poderia progredir em função do valor venal.
Examinemos a Lei nº 13.250, de 28-12-01 que introduziu a tributação progressiva do IPTU com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.475/02:
"Art. 7º O imposto calcula-se à razão de 1,0% (hum por cento) sobre o valor venal do imóvel, para imóveis utilizados exclusiva ou predominantemente como residência" (Redação dada pela Lei nº 13.250/01).
Art. 7º A. Ao valor do imposto, apurado na forma do artigo 7º, adiciona-se o desconto ou o acréscimo, calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendida em cada uma das faixas de valor venal da tabela a seguir, sendo o total do desconto ou do acréscimo determinado pela soma dos valores apurados na conformidade deste artigo.
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(Artigo acrescentado pela Lei nº 13.475, de 30-12-02).
Artigo 8º O imposto calcula-se à razão de 1,5% sobre o valor venal do imóvel, para imóveis construídos com utilização diversa da referida no artigo 7º (Redação dada pela Lei nº 13.250/01).
Artigo 8º A. Ao valor do imposto, apurado na forma do artigo 8º, adiciona-se o desconto ou o acréscimo, calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendida em cada uma das faixas de valor venal da tabela a seguir, sendo o total do desconto ou do acréscimo determinado pela soma dos valores apurados na conformidade deste artigo.
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Para imóveis inedificados a mesma lei prevê a tributação progressiva da base de cálculo nos termos dos arts. 27 e 28 a seguir transcritos:
"Art. 27. O imposto calcula-se à razão de 1,5% sobre o valor venal do imóvel" (Redação dada pela Lei nº 13.250/02).
"Art. 28. Ao valor do imposto, apurado na forma do artigo 27, adiciona-se o desconto ou o acréscimo, calculados sobre a porção do valor venal do imóvel compreendida em cada uma das faixas de valor venal da tabela a seguir, sendo o total do desconto ou do acréscimo determinado pela soma dos valores apurados na conformidade deste artigo.
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(Redação dada pela Lei nº 13.475/02)
Verifica-se que a referida lei prevê a regressão ou progressão da base de cálculo (valor venal do imóvel) em função da presumível capacidade contributiva do proprietário. Ela editou três tabelas em que a progressão se faz diferentemente, conforme se trate de imóvel residencial, de imóvel não residencial e de terreno. Enquanto que para imóvel residencial a progressão tem início em relação ao imóvel com valor venal na faixa de R$107.001,00 que fica acrescido de mais 0,2%, para imóvel não residencial e para imóvel não edificado a progressão tem início em relação ao imóvel com valor venal situado na faixa de R$128.401,00 que fica acrescido de mais 0,1%. E mais, o limite máximo de progressão do valor venal para imóvel residencial é de 0,6%, ao passo que, para imóvel não residencial e para o terreno a progressão máxima do valor venal é de 0,3%. Tudo incida estar diante de três impostos distintos ao invés de um único imposto como prescreve a Constituição Federal.
Ainda que em termos matemáticos esse confuso e nebuloso critério esteja correto, em termos de direito não se pode confundir progressão do valor venal, um dado objetivo, com a progressão da alíquota. Para saber o valor venal de um imóvel nem é preciso identificar seu proprietário. O que a Emenda nº 29/2000 autorizou é a progressão da alíquota em função do valor venal do imóvel, que objetivamente espelha a capacidade contributiva de seu proprietário.
Por que não progredir a alíquota em função do valor venal como determina a Constituição? Por que a elevação da carga tributária ficaria transparente? Mas, a transparência tributária não é um princípio constitucional?
Sinalizando que a tributação progressiva fiscal só é admissível a partir do advento da EC nº 29/2000, o STF editou a Súmula 668:
"É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional nº 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana".
Só que a autorização constitucional para instituir a tributação progressiva fiscal do IPTU fundada na capacidade contributiva do proprietário, de forma alguma, autoriza a progressão da base de cálculo. Quando o novo Texto Constitucional faculta a progressão do imposto "em razão do valor venal do imóvel" parece óbvio que não está facultando a progressão da valor venal. Isso é elementar e ao mesmo tempo de capital importância para o exame do tema, conforme passaremos a expor.
Valor venal é base de cálculo do IPTU, conforme prescreve o art. 33 do CTN.
A definição da base de cálculo é matéria submetida ao princípio da reserva legal (art. 97, IV do CTN), precedida de prévia definição em caráter de norma geral, por lei complementar (art. 146, III, a da CF).
Mas, será suficiente que a lei municipal prescreva que a base de cálculo é o valor venal do imóvel, como pondera parcela da doutrina especializada?
Parece-nos que não, pois, a base de cálculo espelha o aspecto quantitativo do tributo, que representa um conceito determinado, sendo, portanto, elemento essencial à sua existência.
Como se sabe, o elemento quantitativo do fato gerador compõe-se de base de cálculo e alíquota. A base de cáculo é uma ordem de grandeza sobre a qual incide a alíquota.
Logo, não basta dizer que a base de cálculo é o valor venal do imóvel para possibilitar o procedimento administrativo do lançamento tributário.
Conceituamos o valor venal como sendo aquele preço que seria alcançado em uma operação de compra e venda à vista, em condições normais do mercado imobiliário, admitindo-se a diferença de até 10% para mais ou para menos (Cf. nosso Direito financeiro-tributário, 20. edição, Atlas, 2011, p. 454).
Essa conceituação, da qual não discrepa a doutrina especializada, se trata de um mero parâmetro dirigido ao legislador, a quem incumbe a definição da base de cálculo, de sorte a não extrapolar o valor de mercado, admitindo-se a diferença aí apontada. Sendo o tributo um conceito determinado, o que é raro em Direito, resta evidente que descabe a cogitação de incidência de uma alíquota sobre um valor que não seja certo. Quem exige tributo deve apontar o seu exato valor, o que se obtém por meio do lançamento tributário, um procedimento administrativo vinculado, na forma do art. 142 do CTN. E não há como proceder ao lançamento tributário do IPTU sem que a sua base de cálculo, que é o valor venal, não seja traduzida em expressão monetária.
Logo, pressupõe preexistência de lei definindo critérios objetivos para a apuração do valor unitário do metro quadrado da construção e do terreno considerando os diferentes tipos e padrões de construção, bem como sua localização nas diferentes zonas fiscais em que se subdividem a zona urbana do Município.
Cabe ao agente administrativo tributário competente promover o enquadramento de cada imóvel a ser tributado pelo IPTU nas definições da lei para apuração de seu valor venal, aplicando sobre o imóvel considerado os valores unitários do metro quadrado de construção e de metro quadrado do terreno correspondentes.
No Município de São Paulo vigora a Lei nº 10.235/86 que aprovou seis tabelas anexas contendo listagem de valores, possibilitando a apuração do valor unitário do metro quadrado de construção e de terreno (art. 2º). Essa lei é conhecida, também, como a lei que aprova a Planta Genérica de Valores (PGVs).
Por conseguinte, o valor venal do imóvel para fins de tributação pelo IPTU é aquele que resulta da aplicação da lei de regência da matéria. Os dispositivos da Lei nº 10.235/86, que prescrevem critérios objetivos para apuração do valor do metro quadrado de construção e de terreno, são vinculantes no exercício da atividade administrativa do lançamento (parágrafo único, do art. 142, do CTN).
O abandono da lei de regência na apuração da base de cálculo do IPTU para se apegar a critérios outros, na verdade aleatórios, fundados na possível capacidade contributiva do proprietário, contrariando o princípio da razoabilidade(1), abala o princípio da segurança jurídica.
A Lei nº 13.250, de 28-12-2001, é inconstitucional pelas razões retroapontadas. Nada justifica fazer variar um dado objetivo - valor venal do imóvel - em função de aspectos subjetivos de seu proprietário para fins de lançamento de IPTU, um imposto que o STF considera como sendo de natureza real.
Entretanto, o STF julgando a progressividade fiscal instituída pela Lei nº 13.250/2001, do Município de São Paulo considerou-a constitucional por ter amparo na EC nº 29/2000. O julgamento ocorreu no dia 1-12-2010 e pende, ainda, de publicação do V. acórdão. Mas, tudo indica que a Corte Suprema não adentrou no exame da progressão da base de cálculo estabelecida pela referida lei, que sequer foi ventilada na inicial. A EC nº 29/2000 diz com todas as letras que o imposto pode progredir "em função do valor venal do imóvel" em uma claríssima demonstração de que não é valor venal que pode progredir.
Mas, é bastante preocupante a tendência de equiparar categorias jurídicas distintas pelo resultado que elas provocam. O valor venal de um imóvel, que resulta da aplicação da lei de regência (PGVs), não pode sofrer alteração para diminuir ou aumentar a carga tributária. Tal função deve ser reservada à aplicação da alíquota progressiva sobre o valor venal, até mesmo por uma questão de preservar o princípio da transparência tributária.
Nota
(1) Não é razoável supor que determinado imóvel valha mais ou valha menos em função de seu proprietário. Na avaliação de um imóvel nem é preciso saber quem é o seu proprietário.
Kiyoshi Harada*
- Publicado pela FISCOSoft em 12/08/2011
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