segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Os limites da defesa comercial‬‪

‬‪ ‬‪Quando já acabava 2011, o governo anunciou a sexta decisão, no ano, contra produtos importados com falsa etiqueta Made in Taiwan, fabricados, possivelmente, na China. Os fabricantes de lápis chineses, desde a década de 90, são acusados de dumping, exportação a preços abaixo do normal, e sujeitos a sobretaxas. Para contornar o sobrepreço desses e de outros produtos com dumping, alguns importadores usam falsas declarações de origem para trazer produtos ao Brasil. A medida anunciada há dias consolida uma estratégia que afetará, em 2012, produtos de maior peso no comércio externo.‬‪

A decisão tomada em dezembro contra os lápis chineses falsamente importados de Taiwan tem efeito pequeno sobre o volume do comércio exterior, embora seja de forte significado para a política comercial. O governo, ao investigar a denúncia e comprovar que a exportadora estrangeira não fabricava os lápis que supostamente vendera ao Brasil, barrou a licença de importação, no valor de US$ 87 mil, e proibiu a compra de novos produtos da empresa, a Chang Jia, que já era responsável por sete de cada cem lápis importados com origem declarada em Taiwan. O caso é significativo por mostrar, ao mesmo tempo, a importância e os limites das medidas de defesa comercial.‬‪

"Vamos aperfeiçoar o processo, reduzir prazos e reforçar a equipe de analistas de comércio exterior", anuncia o diretor de Negociações Internacionais do Ministério do Desenvolvimento, Daniel Godinho. Ele coordena seis investigações que deverão dar resultados ainda no primeiro semestre, e analisa três pedidos de providências contra outros produtos ("alguns vão ter impacto forte", afirma). "A tendência é crescerem exponencialmente os casos de dumping, e, com eles, os de declaração falsa de origem", prevê o diretor.‬‪

Em 2011, foram seis casos concluídos, e em pelo menos um deles, o que barrou importações de imãs de ferrite, usados principalmente em alto-falantes, a medida contra os importados foi fundamental para a sobrevivência das empresas fabricantes no país. Como no caso dos lápis, os valores envolvidos são irrisórios se comparados com o volume total das importações brasileiras, de quase US$ 225 bilhões, mas significativos para as empresas envolvidas.‬‪

Dos seis casos investigados em 2011 por falsa declaração de origem, um deles, envolvendo um fabricante de escovas, não rendeu o resultado esperado pelos concorrentes brasileiros. A empresa de Taiwan conseguiu mostrar ser a real fabricante do produto aos investigadores brasileiros, que se instalaram por três dias nas instalações taiwanesas e vasculharam a contabilidade da companhia. Godinho teve o cuidado de procurar as autoridades de Taiwan, nesse e em outros casos, para informar que não havia uma ofensiva do Brasil contra o país, mas a legítima defesa contra uma prática ilegal. A iniciativa permitiu ao governo brasileiro ter a cooperação das autoridades locais na busca de documentos e informações.‬‪

Até o ano passado, a investigação de declarações de origem era feita somente em caso de produtos vindos de países com os quais o Brasil tem acordos de redução tarifária, os chamados acordos preferenciais de comércio. Desde 2011, adotou-se a prática de investigar também as fraudulentas declarações de origem em produtos sujeitos a medidas antidumping. O governo tem, inclusive, tomado a iniciativa de investigar alguns produtos, antes mesmo das reclamações de concorrentes brasileiros afetados.‬‪

A experiência na exploração desse novo campo da defesa comercial é complementada pela ação da Receita Federal, que, agindo com o Ministério de Desenvolvimento, abre investigações para avaliar se os importadores brasileiros foram iludidos ou agiram de má fé. Esse caso é um bom exemplo da qualidade adquirida pelo Brasil na ação contra importações desleais ou ilegais: as investigações são feitas em cooperação entre diversos órgãos públicos, seguem critérios técnicos, praticamente invulneráveis à contestação por parte dos países afetados pelas barreiras no Brasil levantadas contra os importados, e atendem às preocupações das empresas brasileiras prejudicadas.‬‪

Ao contrário do que algumas autoridades brasileiras parecem acreditar, porém, dificilmente ações como essa vão ter impacto significativo no volume total de importações do Brasil, e pouco ou nada poderão fazer contra produtos baratos que vêm ao país beneficiados pela agressividade exportadora de países de grande competitividade.‬‪

O Brasil não pode confundir política industrial com defesa comercial, nem prejudicar a qualidade e honestidade do trabalho que vem sendo feito nesse campo para compensar a falta de condições adequadas para os produtores nacionais conquistarem compradores no exterior e defenderem sua posição no cobiçado mercado brasileiro.‬‪

As ações contra declarações falsas de origem mostram que o Brasil deve reforçar, como vem fazendo, seus mecanismos contra a competição desleal e ilegal. Esse reforço tem de ser acompanhado, no entanto, por uma política clara e coerente de remoção dos entraves aos investimentos e à produção.‬‪‬‪

Sergio Leo
Valor Econômico 02/01/2012‬

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