1 - Introdução Quando examinado pelo ângulo da formalização do crédito tributário, percebe-se que o nosso sistema tributário tornou-se muito efetivo. Isto pode ser visualizado por duas curvas, sendo a primeira correspondente à carga tributária presente nas normas e a segunda relativa à arrecadação alcançada com base nessas normas. No passado não tão longínquo havia uma grande distância entre essas duas curvas; hoje, elas quase se encontram, significando que as leis tributárias, agora, estão alcançando seus destinatários, certamente pela força dos controles instituídos pelas Administrações Tributárias, a exemplo do acesso aos dados bancários e a instituição da nota fiscal eletrônica que permitem o controle automático sobre a receita auferida (base de cálculo de vários impostos e contribuições), que sempre foi uma variável inacessível ao Fisco. Todavia, o controle sobre a formalização do crédito nem sempre representa a materialização do ingresso dos recursos aos cofres públicos, pois quando não há o recolhimento espontâneo esse ingresso fica na dependência da efetividade das execuções fiscais. Não pode, portanto, ser recebido com surpresa o esforço da Procuradoria da Fazenda Nacional em inovar na sua forma de atuação. É neste cenário que surge a tentativa oficial de incluir outras pessoas jurídicas no pólo passivo da ação de execução, sob o argumento de que elas integram o denominado grupo econômico. Para tanto, além das regras de responsabilidade do Código Tributário, de forma inovadora, a Procuradoria da Fazenda busca apoio no artigo 50 do Código Civil, requerendo a desconsideração da personalidade jurídica da devedora original. Assim, essa tentativa oficial suscita várias dúvidas, direcionando nossa atenção para os critérios de configuração do grupo econômico, quanto aos requisitos legais necessários para a adoção da desconsideração da personalidade, à luz da regra civil, e, principalmente, se esta providência pode ser adotada no âmbito tributário. É o que será ultimado a seguir. 2 - Dos critérios para a formação do grupo econômico. responsabilidade tributária condicionada à participação dos seus integrantes na situação típica do fato gerador. O ilustre professor Jorge Lobo assim define o denominado "grupo de sociedades": "o grupo de sociedades é uma técnica de gestão e de concentração de empresas, que faz nascer um interesse novo, externo e superior ao de cada uma das sociedades isoladas, o qual, muitas vezes, não coincide nem com o interesse perseguido pela sociedade dominante, nem com os propósitos das sociedades dominadas. As sociedades componentes do grupo, mantendo, cada uma, personalidade e patrimônio próprios e autônomos, ao invés de constituírem uma nova entidade econômico-financeira, reúnem-se sob uma direção única, para, somando esforços e valores de várias naturezas, alcançar objetivos comuns, o mais das vezes de difícil consecução pelas sociedades isoladas"(1) Segundo essa precisa lição, a existência do grupo econômico pressupõe a existência de pelo menos uma relação de coordenação entre os entes coligados, de forma que resulte numa orientação empresarial comum. Neste contexto, é preciso que as atividades exercidas tenham algum grau de complementaridade, a fim de possibilitar a maximização no uso dos recursos. É necessário haver uma combinação de recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos com a participação em atividades ou empreendimentos comuns. Surge daí uma sinergia em favor da filiada, com a disponibilização de recursos financeiros, de orientação empresarial e de atividade compartilhada. O grupo econômico pode ser convencional (pactuado segundo os termos do art. 265 e seguintes da Lei nº 6.404/76) ou de fato. Nas duas configurações, o objeto social deixa de ser um empreendimento individual e isolado da sociedade filiada, passando a ser um empreendimento comum, de todo o grupo, revertendo no interesse da sociedade filiada a sinergia criada pelo grupo, como leciona o mestre José Alexandre Tavares Guerreiro (2). A existência de participação societária comum representa um elemento importante na avaliação da matéria sob exame, mas esta circunstância ou esse elemento não é suficiente ou determinante para a configuração do grupo econômico. Tanto isto é verdade que no nosso sistema legal não há hipótese da tributação em conjunto das sociedades integrantes do grupo econômico convencional. O Decreto-Lei nº 1.598, de 1.977, tinha essa previsão, mas ela não chegou a ser aplicada, por força da revogação ultimada pelo art. 5º do Decreto-Lei nº 1.648, de dezembro de 1.978. É curioso! Agora, mediante o artifício da desconsideração da personalidade jurídica da devedora, pretende-se transferir a responsabilidade tributária para as empresas ligadas, o que, no final das contas, resulta na tentativa de alcançar a tributação em conjunto de tais empresas. Seja como for, para a configuração do grupo econômico, além da participação societária, é imprescindível que haja o exercício de atividade conjunta e sob a mesma orientação, o que não se configura quando as atividades são distintas mesmo entre empresas ligadas. Deveras, dispõe o art. 265 da Lei de Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) que a sociedade controladora e suas controladas podem constituir grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obrigam a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. Veja-se, a propósito, o seguinte precedente judicial: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESAS PERTENCENTES A MESMO GRUPO ECONÔMICO. INDÍCIOS DE CONFUSÃO ENTRE OS PATRIMÓNIOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA EXECUTADA. POSSIBILIDADE. Outro aspecto que merece realce é a constatação de que a existência do grupo econômico não pode ser presumida, devendo ser provada. No particular, quadra destacar trecho específico da ementa do REsp 1144884 / SC RECURSO ESPECIAL 2009/0114242- 07/12/2010, publicado em 03/02/2011, relatado pelo Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, por ser muito esclarecedor sobre esse ponto: "3. O Tribunal de origem declarou que "é fato incontroverso nos autos que as três embargantes compartilham instalações, funcionários e veículos. Além disso, a fiscalização previdenciária relatou diversos negócios entre as empresas como empréstimos sem o pagamento de juros e cessão gratuita de bens, que denotam que elas fazem parte de um mesmo grupo econômico . O sócio-gerente da [...], Sr. [...] tem um procuração que o autoriza a praticar atos de gerência em relação às outras empresas, sendo irmão do sócio-gerente delas. Ou seja, no plano fático não há separação entre as empresas, o que comprova a existência de um grupo econômico e justifica o reconhecimento da solidariedade entre as executadas/embargantes" (grifei). 4. Incide a regra do art. 124, inc. II, do CTN c/c art. 30, inc. IX, da Lei n. 8.212/91, nos casos em que configurada, no plano fático, a existência de grupo econômico entre empresas formalmente distintas mas que atuam sob comando único e compartilhando funcionários, justificando a responsabilidade solidária das recorrentes pelo pagamento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores a serviço de todas elas indistintamente. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido" No caso examinado, restou marcada a existência do grupo econômico de fato pela força probante das provas colhidas pelo Fisco. Nota-se, contudo, que, além da prova da existência do grupo econômico de fato, a responsabilização tributária não restou centrada unicamente nessa constatação, tendo ficado igualmente comprovado que, por incidência obrigatória dos limites fixados pelo art. 124 do CTN, as empresas que integravam o aludido grupo econômico tiveram participação na situação configuradora do fato gerador da contribuição previdenciária, uma vez que os funcionários, de forma indistinta, prestaram serviços para as três embargantes. Portanto, a atribuição de responsabilidade não decorreu unicamente da configuração da existência do grupo econômico, mas também da participação conjunta das empresas na situação configuradora do fato gerador da aludida contribuição previdenciária. Este aspecto é muito importante, pois sem a certeza da participação das envolvidas no círculo da configuração do fato gerador, que é a condição exigida pelo art. 124 do CTN, a responsabilização conjunta pelo débito tributário, centrada unicamente na existência do grupo econômico, resultaria no desmantelamento de vários institutos seculares, passando por cima da personalidade jurídica de cada pessoa jurídica e da sua autonomia patrimonial, na qual se insere a responsabilidade por suas dívidas. Não basta, portanto, a comprovação da existência do grupo econômico: a atribuição de responsabilidade depende - condição adicional - da constatação de que as pessoas jurídicas envolvidas tiveram participação na situação configuradora do fato gerador, significando que o último passo exige a avaliação da conformidade com as regras do CTN. Por sintetizar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça neste ponto, é oportuno destacar AgRg no AREsp 21073 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2011/0077935-0, publicado no DJe de 25/05/2011, cuja ementa está assim vertida: "TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ISS. LEGITIMIDADE PASSIVA. GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência do STJ entende que existe responsabilidade tributária solidária entre empresas de um mesmo grupo econômico, apenas quando ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, não bastando o mero interesse econômico na consecução de referida situação. [sublinha acrescida] 2. A pretensão da recorrente em ver reconhecido o interesse comum entre o Banco Bradesco S/A e a empresa de leasing na ocorrência do fato gerador do crédito tributário encontra óbice na Súmula 7 desta Corte. Agravo regimental improvido. ACORDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque." Os Srs. Ministros Herman Benjamin (Presidente), Mauro Campbell Marques e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha." Esse Aresto não podia ser mais preciso: só existe responsabilidade tributária solidária entre empresas de um mesmo grupo econômico, apenas quando ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, não bastando o mero interesse econômico na consecução de referida situação, que é uma condição de difícil constatação e principalmente de prova. 3 - Pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica O tópico anterior tratou da responsabilidade tributária em relação ao grupo econômico, fato observado no contexto da responsabilidade solidária entre as empresas que o compõem. Agora, o exame volta-se para a figura da desconsideração da personalidade jurídica que - apressa-se em anotar - não é um instituto similar ou substituto da solidariedade obrigacional, como às vezes se confunde. Esta distinção precisa ficar bem marcada, mediante rigoroso cotejo entre os institutos que acabam permitindo a afetação do patrimônio do sócio para fazer frente aos débitos sociais. Assim, de plano, cabe observar que a solidariedade decorre da lei ou da vontade das partes, enquanto a desconsideração é a superação pontual da pessoa jurídica, por fatos e atos contidos na lei. Segundo o mestre Fábio de Ulhoa Coelho, há no direito brasileiro duas teorias da desconsideração. Uma teoria mais elaborada, de maior consistência e abstração, intitulada de teoria maior, que condiciona o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto, que é o contexto fático doart. 50 do Código Civil. De outro lado, existe uma teoria menos elaborada, denominada de teoria menor, mediante a qual a desconsideração é adotada em toda e qualquer hipótese de execução do patrimônio de sócio por obrigação social, a exemplo do que ocorre na área trabalhista. Entretanto, embora a desconsideração da personalidade jurídica tenha regime próprio, que não se confunde com a responsabilidade solidária, ela acaba sendo um meio eficaz para afetar o patrimônio de sócio por obrigação da sociedade, circunstância que induz sua forçada adoção como instrumento de ampliação do campo da responsabilidade tributária. E muitas vezes sob a desavisada justificativa de que a pessoa jurídica devedora não tem condições de honrar seus compromissos. Ora, a desconsideração não é um instrumento de cobrança forçada, mas, sim, de reação contra o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, como restará evidenciado do exame da sua estrutura jurídica dada pelo artigo 50 do Código Civil: "Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica." Bem examinado, vê-se que esse artigo não trata diretamente da figura da desconsideração da personalidade. Apenas disponibiliza meios de ação que se aproximam dos efeitos dessa figura. Deveras, a sua atenta leitura evidencia que, em casos pontuais, o Poder Judiciário, desde que configurado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode determinar que os efeitos de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Assim, no rigor desse dispositivo, a ultrapassagem dos limites da personalidade pode ocorrer entre pessoas jurídicas ou entre estas e pessoas físicas, jamais entre pessoas físicas. Também na conformidade do aludido artigo, vê-se que a desconsideração da pessoa jurídica decorre dos fatos ou atos comprovadamente praticados contra a identidade da pessoa jurídica. A aludida desconsideração - embora possa aparentar esse sentido - não representa uma medida contra a separação subjetiva entre a sociedade empresária e seus sócios, contra a personalização das sociedades empresárias, sendo uma reação para preservar esse instituto, quando o seu uso de forma abusiva possa comprometê-lo. Não se trata também de um instituto similar ou substituto da solidariedade obrigacional, como anteriormente observado. A solidariedade decorre da lei ou da vontade das partes, enquanto a desconsideração é a superação pontual da pessoa jurídica, por fatos e atos contidos na lei. No âmbito da sua teoria maior, da desconsideração resulta o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas quando caracterizada a manipulação fraudulenta ou abusiva da aludida autonomia, que é o contexto fático do citado art. 50 do Código Civil. De outro lado, com base na teoria menos elaborada - a teoria menor - a desconsideração dá-se em toda e qualquer hipótese de execução do patrimônio de sócio por obrigação social, a exemplo da sua frequente aplicação na área trabalhista. Ainda nesta fase de aproximação com a matéria, revela-se muito importante marcar a distinção entre a desconsideração episódica da pessoa jurídica, que é o tema sob análise, e a situação da prova material da inexistência da pessoa jurídica, cujas consequências devem ser igualmente distintas. Com efeito, sabe-se que a prova da existência e do reconhecimento da pessoa jurídica se faz com o seu registro nos Órgãos oficiais. Essa prova, contudo, não é definitiva, podendo ser suplantada por provas que evidenciem que a pessoa jurídica não corresponde a um fato da realidade material. Assim, o registro de uma pessoa jurídica que não tenha existência fática, não pode ser recebido com um ato real de uma criação da pessoa jurídica. O mero registro de uma pessoa jurídica que, comprovadamente, não tem existência fática corresponde a ato fictício, que não tem o condão de respaldar titularidade de direitos. Em suma: existência formal da pessoa jurídica precisa ser ratificada pela sua existência material. Neste caso limite, não se trata de desconsideração pontual da pessoa jurídica, na forma regrada no art. 50 do Código Civil, mas, sim, da constatação da inexistência da pessoa jurídica. Não é muito difícil levantar um exemplo para referendar esta hipótese: prova-se que uma empresa passou a operar em lugar da outra; verifica-se que a ligação entre ambas é tão intensa, que surge fundada suspeita de que se trata de um único organismo, provido de duas faces: uma face real e outra aparente ou simulada; constata-se que há apenas nova denominação social; atesta-se que os acionistas da empresa devedora não pretendem criar uma nova forma de atividade, mas apenas uma aparência ou simulacro para esconder e disfarçar a continuidade do exercício da atividade pela antiga empresa. Ora, diante da prova formada por esse conjunto de indícios convergentes, não é o caso da desconsideração casuística da pessoa jurídica, mas a constatação de que ela não existe de fato. Fechado esse parêntese, cabe enfatizar que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica não leva à anulação ou o desfazimento do ato constitutivo da sociedade empresária, mas apenas a determinação de sua ineficácia casuística ou episódica. De fato, a adoção da desconsideração permite a ultrapassagem da pessoa jurídica quando provado o uso fraudulento ou abusivo da autonomia patrimonial que lhe seria própria. Segundo o art. 50 sob destaque, o abuso da personalidade jurídica pode ser caracterizado pelo desvio de finalidade (aspecto subjetivo), ou pela confusão patrimonial (aspecto objetivo). O poder é sempre instrumental e outorgado para alcançar uma finalidade. Isto não é diferente no campo societário. Assim, o administrador agirá com desvio de poder quando, embora observando as formalidades e não cometendo violação de norma expressa, exerce o seu poder com uma finalidade diversa daquela constante do objeto social. Um exemplo bem atual: destinar os recursos da pessoa jurídica para uma temerária aplicação em derivativos. Quanto à figura da confusão patrimonial, geralmente a mais alegada, ela se configura quando não há separação patrimonial entre os bens pertencentes à entidade jurídica e os bens de seus membros. A confusão de patrimônios, que pode decorrer de uma inadequada escrituração contábil do patrimônio, corresponde à situação na qual não se consegue identificar a titularidade desse patrimônio. Entretanto, no rigor do art. 50 do Código Civil, a simples confusão patrimonial não enseja a desconsideração da personalidade jurídica, sendo necessário que dela resulte o abuso à personalidade, com força suficiente para causar dano a terceiro. Vistos, ainda que de forma rápida, os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica, o último esforço visa o exame da possibilidade de sua aplicação no âmbito tributário. 4- Adoção da desconsideração da personalidade jurídica como instrumento de cobrança do crédito tributário. Impossibilidade? Essa questão ainda suscita discussões entre os doutrinadores e também no âmbito do Poder Judiciário, havendo divisão sobre o entendimento da adoção da referida desconsideração no tocante às relações de cunho tributário. Elaborar uma resenha dessas posições não integra o escopo do presente trabalho. Sem embargo, de plano, pode-se anotar que a Administração Tributária, por dispor de meios tão ou mais efetivos para instrumentalizar a cobrança judicial dos créditos, não precisa valer-se desse instituto de índole cível. Seja como for, há vários elementos que apontam para a incompatibilidade da referida desconsideração em relação à natureza especial das relações tributárias. Esses elementos serão, de forma extremamente resumida, destacados a seguir. Como primeiro ponto, cabe observar que a sujeição passiva tributária é matéria sob reserva de lei complementar, por força do disposto no art. 146, III, "b", da Constituição Federal, o que inviabiliza a adoção de uma medida regulada em lei ordinária, a despeito da manifesta autoridade normativa do Código Civil. Ainda mais tendo em conta que o Código Tributário Nacional, que foi recepcionado com natureza de lei complementar pela Constituição de 1988, regula exaustivamente a matéria da sujeição passiva, bem como a responsabilidade atribuída a terceiros. Quando se efetiva a desconsideração da personalidade jurídica da executada, outra pessoa jurídica passa a integrar o pólo passivo da execução, na condição de responsável indireta, surgindo neste momento a colidência entre leis de diferente hierarquia anteriormente referida. Além disso, é inegável que há diferenças abissais entre as relações tributárias e as relações nascidas entre os particulares. A obrigação tributária e o respectivo crédito tributário decorrem de ato unilateral do credor por força da heteronomia da norma jurídica tributária (norma imposta coercitivamente ao contribuinte). Devido a tais particulares, como uma espécie de contrapeso, adota-se o Princípio da Tipicidade fechada ou legalidade cerrada no Direito Tributário, que constituem manifestas garantias ao contribuinte. Ora, com a adoção de uma norma aberta, como é o caso da desconsideração, tais garantias serão vulneradas. Isso não ocorre quando se tem relações entre particulares que, por definição, são paritárias. Além disso, estas relações são originalmente reguladas pelas normas do Código Civil, mais afetas à integração mediante a interveniência do Poder Judiciário. Não se pode também esquecer que o citado art. 50, na sua literalidade, outorga poderes aos juízes para expedir uma norma jurídica individual e concreta com a desconsideração da pessoa jurídica. Portanto, a aplicação dessa norma só será possível mediante o controle jurisdicional, o que constitui um obstáculo instransponível para sua adoção administrativa. Significa que essa regra não pode respaldar a constituição do crédito tributário mediante o lançamento de ofício. Ora, sendo assim, torna-se difícil - para não dizer impossível - a sua legítima postulação na fase de execução fiscal, uma vez que a cobrança forçada tem como suporte um título executivo - a Certidão de Dívida Ativa -, cuja validade depende da validade do lançamento tributário. Poder-se-ia objetar ponderando que a execução fiscal se instrumentaliza mediante um processo judicial, no âmbito do qual se abriria oportunidade à Fazenda Pública para a postulação da referida medida, sob a alegação de que a desconsideração é instrumento para se alcançar a efetividade do processo executivo. Trata-se de um sofisma porque, no final, a desconsideração estaria sendo utilizada para contornar as dificuldades operacionais para se atribuir a responsabilidade tributária já na fase administrativa. Por fim, quadra observar que o parágrafo único do artigo 116 do CTN, acrescentado pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, confere à Administração Tributária poder muito superior à desconsideração da personalidade jurídica do art. 50 do Código Civil, ao dispor que "a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fator gerador". Falta regulamentar esse norma, mas "aí é outra historia" que, surpreendentemente, depende da ação de atores oficiais. Notas (1) LOBO, Jorge Joaquim. Grupo de Sociedades. Rio de Janeiro: Forense, 1978. In LOBO, Jorge Joaquim. Artigo: Extensão da Falência e o grupo de sociedades. Revista eletrônica de Direito nº 79-2009 [on-line]. Disponibilizado no Banco do Conhecimento em 20/08/2010. Disponível em: <http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=4488a966-f11f-43c5-bd83-ee74723c5979&groupId=10136>. Acesso em 17 mai. 2012. (2) Das relações internas no grupo convencional de sociedades. Desconsideração da Personalidade Jurídica em Matéria Tributária. Editora Quartier Latin, obra coordenadas por Heleno Taveira Torres e Mary Elbe Queiroz.
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segunda-feira, 23 de julho de 2012
Responsabilidade tributária de empresa integrante de grupo econômico centrada na desconsideração da personalidade jurídica da executada
Antônio Airton Ferreira, especialista em Direito Constitucional. Professor Universitário. Ex-Delegado da Receita Federal de Julgamento em Campinas. Ex-Sócio da Fiscosoft Editora. Economista. Advogado e consultor tributário.
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