O Presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP, Augusto Fauvel de Moraes, destacou problemas vivenciados pelos importadores, no "Seminário Desafios da Judicialização da Defesa da Concorrência, da Regulação e do Comércio Internacional" em evento do Centro de Estudos Judiciários – Conselho da Justiça Federal.
Dr. Augusto destacou que os operadores do comércio internacional sofrem com a demora da liberação das mercadorias quando há ação judicial, com os prazos excessivos outorgados à Fazenda, com a deficiência das leis que se aplicam ao comércio internacional, com a falta de especialidade dos juízes que apreciam a matéria, com os altos custos com demurrage e armazenagem, propondo algumas soluções.
Segue manifestação:
"É a primeira vez que participo de uma interação e de um evento tão importante, onde se dá a oportunidade de trazer o lado da advocacia, o lado do operador de Direito que está no dia a dia buscando a tutela jurisdicional, envolvendo as questões de Direito Aduaneiro e do comércio internacional.
Quando iniciamos um trabalho da Comissão de Direito Aduaneiro na OAB/SP, há quatro anos, um dos nossos desafios, além de debater sempre os temas de Direito Aduaneiro, era sempre buscar, junto ao Judiciário, uma melhor interpretação, melhor conhecimento das demandas que envolvem o comércio internacional. Essa é uma grande dificuldade.
Conforme bem colocado pela Ministra Maria Isabel, esta é uma oportunidade de ouvir a parte, ouvir quem realmente está aqui no dia a dia e levar essa discussão para que o Judiciário possa, de certa forma, entender melhor algumas necessidades.
Quando falamos de Direito Aduaneiro e de comércio internacional, temos aqui professores e mestres que sabem que, infelizmente, nas matérias curriculares das faculdades, pouco se fala, pouco se ensina. E, muitas vezes, o próprio magistrado, no seu curso de formação, é carente de informações, é carente de situações específicas, que muitas vezes podem trazer enormes prejuízos para os importadores, para os exportadores e para todos que operam no comércio internacional.
Como hoje o tempo é curto para essa opinião, o nosso principal objetivo é trazer exemplos de casos que demonstram exatamente esta situação: a necessidade de aprimoramento e de melhor entendimento pelo Judiciário das demandas que envolvem o comércio internacional.
Passarei para os senhores poucas, mas situações que realmente servirão para que hoje seja o início desse debate, dessa interação, para que o Judiciário possa estar atento e levar em consideração essas questões.
Quando se fala de comércio internacional, creio que, atualmente, a principal situação é a urgência. Hoje, quando se fala em celeridade, não se tem ideia, muitas vezes, do que isso significa. Quando se busca uma tutela antecipada ou uma liminar em mandado de segurança, quando se coloca prazo decadencial e se cobra urgência, muitas vezes se desconhece, a fundo, o real motivo daquela situação.
É importante destacar questões relevantes, como a demurrage, armazenagem, e lembrar sempre que todas as empresas que operam no comércio internacional têm fornecedores, têm contratos. Então, são fatores que vão atuar diretamente nessa necessidade de urgência e celeridade da prestação jurisdicional.
Como exemplo, a demurrage, que é a locação do contêiner, é cobrada por período. A armazenagem também. Lembrando que esses períodos são cumulativos. Então, a cada semana que ele passa, a cada semana que ele é ultrapassado, os valores têm uma multiplicação a demanda que está sendo buscada.
Uma situação que preocupa muito é a questão do prazo que a Fazenda tem para contestar. Na prática, quem milita na área, sabe o que é isso. Em muitas ações, deparamo-nos com despachos antes da apreciação das tutelas para a oitiva da parte contrária, no caso a Fazenda. Lembrando que, como esse prazos são em quádruplo, o operador do comércio internacional fica, no mínimo, sessenta dias com todos os custos de armazenagem, de demurrage, muitas vezes com multas contratuais, aguardando uma resposta para que possa, até então, ter a prestação jurisdicional.
Concordo também que o Judiciário tem que se atentar. Ele não pode simplesmente apreciar, de imediato, muitas questões. Então, gostaria também de deixar bem claro que o que se busca aqui não é que não haja, num primeiro momento, a oitiva da parte contrária. Defendo e entendo que é imprescindível. O que defendemos e sugerimos nesta opinião, até diante da informação desses prejuízos e que a celeridade determina, é que esse prazo seja um pouco mais curto. Ao invés de intimar a Fazenda para ter a contestação no prazo legal, que seria uns sessenta dias, tentar, de certa forma, provocar uma manifestação em menor tempo. Até mesmo porque sabemos que, infelizmente, existe muita fraude, e é imprescindível uma análise preliminar, muitas vezes do Judiciário, até para poder fazer o juízo de convicção. É muito importante que se atenha e tenha uma flexibilidade nesse prazo, porque sessenta dias é muita coisa. E quem opera no comércio internacional e arca com todos esses custos sabe, na prática, o que isso significa. Então, fica aqui uma sugestão, uma reflexão, para que seja, caso a caso, flexibilizado e de certa forma reduzido o prazo de resposta.
Até como exemplo, em alguns casos, temos solicitado uma manifestação no prazo de 72 horas só em relação às tutelas de urgência, liminares e antecipadas. E isso, na prática, tem ocorrido. Inclusive, posso citar casos práticos aqui no Distrito Federal. Muitos juízes têm feito e tem relativamente melhorado muito essa questão do prazo.
Isso é muito relevante e quem está operando sabe da necessidade e dos prejuízos que o prazo excessivo causa, levando, muitas vezes, à perda de objeto da ação, ao perdimento por abandono da mercadoria, por ficarem mais caras as despesas do que o custo da mercadoria.
Outro caso, que foi objeto de discussão no ENAServ, e aconteceu em São Paulo, no começo do ano, é a questão do recolhimento de tributos no comércio exterior. Sempre conto esse caso, que chamou muita atenção e até preocupa, em função da falta de conhecimento de alguns órgãos. É preciso esclarecer que o recolhimento dos tributos no comércio exterior não é feito por guia Darf, e sim por registro de declaração de importação, através do Siscomex, com as empresas devidamente habilitadas. Então, deixo bem claro que o pagamento das guias Darf não se aplica no comércio exterior.
Voltando a essa necessidade de uma maior discussão da matéria com o Judiciário, cito mais um exemplo que aconteceu, envolvendo a Justiça Federal de São Paulo, num caso prático de ação declaratória de inexigibilidade de relação jurídico-tributária do IPI recolhido na importação de um veículo para uso próprio, em que o contribuinte buscou o Judiciário para que fosse ressarcido e tivesse a repetição do indébito desses valores. Após o ajuizamento da ação, devidamente instruída, com todos os documentos referentes à importação e à prova do recolhimento dos tributos, através da declaração de importação, fomos surpreendidos.
Fiz ali um breve resumo do despacho inicial da magistrada, que leio para os senhores: Instada a comprovar o recolhimento do tributo, a parte autora informou que não existe guia, tendo em vista que o recolhimento ter sido feito via Siscomex. A decisão de fls. 91 determinou à autora a comprovação do recolhimento do tributo. A autora informou que o recolhimento do IPI restou provado por meio da juntada da declaração de importação, devidamente registrada.
A consequência disso foi um novo esclarecimento e o julgamento improcedente da ação, tendo em vista que, mesmo a magistrada concordando com o mérito da ação, indicando e citando inclusive jurisprudência pacificada nos tribunais superiores, ela entendeu que foi instada a comprovação do recolhimento e não considerou a juntada, insistindo no recolhimento da guia Darf.
É isso o que nos preocupa e nos motiva a solicitar uma maior atenção do Judiciário nessas demandas. Vejam o tamanho do prejuízo que esse contribuinte terá para buscar a reforma dessa decisão num tribunal. Isso mostra um completo desconhecimento e despreparo, de algumas situações, envolvendo essa matéria.
Outra questão também que é muito debatida, envolvendo o contencioso na área de comércio internacional, é a limitação imposta pelo § 2º do art. 7º da Lei do Mandado de Segurança, em relação à questão de liberação de mercadorias. Essa é uma situação muito debatida. Existem inúmeras ações já discutidas. A grande maioria dos magistrados já reconhece a inaplicabilidade. Inclusive, este Conselho Federal da OAB possui hoje, em trâmite, perante o Supremo Tribunal Federal, uma ação nesse sentido, para que seja declarada a inconstitucionalidade de tal dispositivo.
Mas ele ainda persiste e muitas vezes tem sido aplicado aí, de forma fria e sem análise de outros elementos, obstando liberações de mercadorias, deixando a apreciação de situações de mérito, e consequentemente caímos na falta de celeridade inicial, com todas as consequências que já foram colocadas.
Aqui há alguns dos argumentos que demonstram o porquê da inconstitucionalidade do § 2º, o porquê dessa limitação, o que acarreta, o que entra em contradição, o exercício da atividade econômica, os altos custos de armazenagem, a razoabilidade, o confronto também com o art. 170 da Constituição Federal, que protege o livre exercício da atividade econômica, inclusive na questão das mercadorias perecíveis destinadas ao uso urgente, e o sério risco que isso acarreta. É de suma importância a atenção também a esse dispositivo para que ele não seja analisado de forma fria e sem o contexto de todo o processo. Como eu já disse no início, quanto ao trabalho desenvolvido na Comissão de Direito Aduaneiro da OAB de São Paulo, dentre todas as atividades, o nosso plano de trabalho, até em função de relatos de colegas e situações como esses exemplos, quais seriam as eventuais soluções para isso?
Acredito que um debate como esse já é o início de uma solução para levar ao Judiciário essas situações muitas vezes desconhecidas da grande maioria. Mas, se houvesse possibilidade de criação de varas especializadas em comércio internacional, em Direito Aduaneiro ou, na falta dessa possibilidade, que no mínimo houvesse uma concentração de demandas em determinadas varas, para que o juiz possa ter mais contato com a matéria, aprofundar-se, ter mais conhecimento, e também cursos, treinamentos de formação dos magistrados com Direito Aduaneiro, com comércio internacional, com uma maior discussão e interação com a OAB e com os doutrinadores da área, acredito que decisões como essa seriam evitadas, prejuízos seriam amenizados e, com certeza, esse desafio da judicialização do comércio exterior seria bem mais fácil, e todos ganhariam com isso.
Eu teria muito mais assuntos, muito mais exemplos para falar para os senhores, mas o tempo é curto. A ideia realmente era dar esse pontapé inicial para chamar a atenção do Judiciário para o que tem acontecido, para a necessidade de maior discussão das questões envolvendo Direito Aduaneiro e comércio exterior, destacando a celeridade, que é imprescindível, e situações que merecem relevância e devem ser debatidas mais vezes.
Muito obrigado a todos pela oportunidade."
Texto publicado originalmente na série Cadernos do CEJ, nº 32 – Conselho da Justiça Federal – 2017
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