domingo, 2 de setembro de 2012

Descaminho: perdimento de mercadoria e ausência de justa causa para a ação penal


Jus Navigandi

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Publicado em 09/2012

A apreensão de mercadoria interrompe o despacho aduaneiro e a aplicação da pena de perdimento afasta a hipótese de incidência da norma tributária. Impossibilitada a constituição do tributo cujo pagamento teria sido iludido, não há justa causa para a ação penal.

1    Introdução

O presente artigo constitui um reforço de argumentação a trabalho anterior que publicamos sobre o mesmo tema[1], após maiores reflexões por ocasião de recente palestra que tivemos a honra de proferir na I Jornada de Direito Penal da Escola de Magistratura Federal da 1ª Região[2].

A tese central que buscamos aperfeiçoar assevera que o descaminho (CP, art. 334, caput, 2ª parte) é crime material contra a ordem tributária, não havendo justa causa para a ação penal nos casos em que tenha ocorrido o perdimento administrativo da mercadoria sem lançamento do tributo, em coerência com a política criminal brasileira no tocante à ordem tributária e o entendimento adotado pelo STF no HC 81.611/DF e na Súmula Vinculante 24.

A jurisprudência segue conflitante no que concerne a sua natureza jurídica, a começar pelo fato de o descaminho não ter sido tipificado como um crime contra a ordem tributária (Lei 8.137/90), mas, sim, em capítulo específico do Código Penal que trata dos crimes contra a administração pública, visando supostamente à proteção de outros bens jurídicos que não a mera arrecadação de tributos. E mesmo para os que consideram o descaminho como um crime contra a ordem tributária, a divergência persiste sobre tratar-se de crime formal ou material, havendo certa inclinação jurisprudencial e doutrinária pela primeira hipótese.

Tais divergências acarretam implicações na incidência ou não do regime jurídico já reconhecido aos crimes fiscais, basicamente sob dois aspectos: i) necessidade de prévio esgotamento da via administrativo-fiscal (lançamento em definitivo) como elemento objetivo do tipo penal ou condição objetiva de punibilidade, consoante decidiu o STF em 10/12/2003 (HC 81.611-8/DF), entendimento que deu origem à Súmula Vinculante 24; ii) extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo ou suspensão da pretensão punitiva em caso de parcelamento de tributo (art. 9º da Lei 10.684/2003).

O cerne da questão está em saber se uma pessoa acusada de descaminho (que, geralmente, tem toda a sua mercadoria sumariamente apreendida e confiscada pelo órgão fazendário, sem opção de pagamento dos tributos correspondentes) deve de logo responder a um processo criminal, enquanto grandes sonegadores (que muitas vezes se valem de complexos esquemas fraudulentos para esquivar-se das obrigações fiscais, inclusive com emprego de "laranjas") somente respondem criminalmente após o lançamento em definitivo do tributo e, ainda assim, com a oportunidade de efetuar a qualquer tempo o pagamento da dívida tributária, livrando-se da responsabilidade criminal.

Um argumento pautado na busca por justiça e equidade, conforme os ditames constitucionais, já seria suficiente a conferir um tratamento isonômico ao descaminho, em relação aos demais crimes tributários. Não bastasse isso, a solução aqui defendida encontra fundamento jurídico na própria legislação, bem como em parâmetros traçados pela jurisprudência, apesar da resistência dos que enxergam, nessa solução, uma porta aberta à criminalidade fiscal.

Mas antes de enunciarmos as premissas da tese exposta, cumpre-nos provocar o leitor a uma breve reflexão preliminar: será que eventuais críticas dirigidas a nossa conclusão não deveriam, na verdade, voltar-se contra a política criminal adotada no Brasil em relação aos delitos materiais contra a ordem tributária e o atual posicionamento do STF?

Uma sincera resposta a esta indagação talvez ajude a perceber que o pano de fundo dessa resistência teórica pode estar refletindo um inconformismo com todo o sistema e não propriamente com um aspecto pontual dele.

A incansável luta jusfilosófica em se apontar um método de conhecimento próprio que afirme o Direito enquanto ciência moderna, para além de um mero modelo subjetivista de justiça, demanda que haja ao menos lógica nos fundamentos do sistema jurídico. Em última palavra é o que aqui se busca: coerência.


2   Insuficiência do argumento legal-topográfico.

O fato de o descaminho estar tipificado em capítulo do Código Penal que trata dos crimes contra a administração pública obviamente não é suficiente a concluir que deva merecer tratamento jurídico diferenciado dos demais crimes contra a ordem tributária atualmente previstos na Lei 8.137/90.

Primeiro por uma razão histórica, porque à época da edição do Código Penal de 1940 ainda não havia tipificação geral dos crimes contra a ordem tributária, existindo apenas o tipo do art. 334 referente ao contrabando e descaminho. Naquele tempo, as condutas violadoras da ordem tributária somente poderiam mesmo ser enquadradas como crimes contra a administração ou talvez como estelionato ou falsidade.

Somente com o advento da Lei 4.729/65 a matéria passou a ser tratada em legislação penal específica, porém ainda assim o legislador optou por manter a tipificação do descaminho no art. 334 do CP, alterando apenas a redação do texto original com a inclusão de parágrafos. Essa topografia não foi alterada pela Lei 8.137/90.

Em segundo lugar, o argumento legal-topográfico cai por terra na medida em que outros tipos penais vieram a ser também inseridos na redação do Código Penal, não obstante lhes tenha sido conferido o tratamento jurídico comum a todos os crimes fiscais. É o que ocorre, v.g., com a sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do CP, introduzido pela Lei 9.983/2000 no mesmo capítulo dos crimes contra administração pública) e a apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, no capítulo dos crimes contra o patrimônio). Saliente-se que, antes da introdução deste dispositivo no Código Penal, a tipicidade da conduta se dava nos termos da referida legislação penal especial (art. 1º, I, da Lei 8.137/90 c/c art. 95 da Lei 8.212/91).

Não é a localização do tipo que define a natureza do crime tributário, mas sim o bem jurídico que se busca prioritariamente tutelar com a norma penal.  Logo, nada impede que um crime contra a ordem tributária encontre a sua tipificação no texto do Código Penal, assim como existem legislações especiais tipificando delitos que poderiam ser genericamente classificados como crimes contra a administração pública, citando-se, por exemplo, os tipos previstos na Lei de Licitações (Lei 8.666/93).


3 O descaminho como um crime contra a ordem tributária

Para a adequada classificação da norma criminal com base no bem jurídico prioritariamente tutelado, sobretudo nos chamados crimes complexos – que "são em geral crimes pluriofensivos por lesarem ou exporem a perigo de lesão mais de um bem jurídico tutelado"[3] – deve-se observar o elemento subjetivo do tipo penal segundo a teoria finalista da ação. O latrocínio, por exemplo, apesar de ser um crime hediondo que viola também o bem jurídico vida, encontra-se tipificado no Código Penal no capítulo dos crimes contra o patrimônio (art. 157, §3º, 2ª parte), razão pela qual não é considerado como da competência do tribunal do júri (Súmula 603 do STF).

Ao se examinar o tipo penal do art. 334 do CP (caput, 2ª parte), com atenção ao elemento subjetivo do tipo, constata-se que o bem jurídico prioritariamente tutelado é o mesmo dos demais crimes fiscais, ou seja, a ordem tributária, consubstanciada num ambiente de regular arrecadação de receitas estatais para fazer frente às necessidades coletivas, bem como, em alguns casos, assegurar interesses públicos extrafiscais. De certa forma todos os crimes contra a ordem tributária são pluriofensivos, pois, do aspecto fiscal, protegem a administração pública, o comércio, a indústria nacional, a livre concorrência e outros interesses difusos, o mesmo se podendo dizer dos crimes contra a ordem econômica (Lei 8.176/90) e contra a ordem financeira (Lei 7.492/86). O que importa verificar é o bem jurídico prioritariamente tutelado, com destaque para o referido núcleo do tipo, que no caso dos crimes contra a ordem tributária concentra-se na vontade deliberada de fraudar a arrecadação fiscal.

O caput do artigo 334 do Código Penal descreve a conduta proibida nos seguintes termos:

Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

A segunda parte do dispositivo refere-se ao tipo legal do descaminho, enquanto a primeira parte tipifica o contrabando.

Uma simples leitura do texto legal permite inferir que, enquanto no contrabando a vontade deliberada do agente visa a introdução de mercadorias proibidas no país – as quais, portanto, não têm como ser importadas ou exportadas regularmente –, no descaminho o elemento subjetivo do tipo concentra-se apenas na sonegação de tributos aduaneiros que podem ser pagos, mas não o são. Vale dizer, no contrabando a irregularidade está na própria importação ou exportação, ao passo que no descaminho se pratica uma fraude na arrecadação fiscal, sem o que a importação ou exportação poderia ocorrer regularmente. 

Daí afirmarmos não haver diferença substancial entre os núcleos do tipo na sonegação fiscal prevista no art. 1º da Lei 8.137/90 ("suprimir ou reduzir tributo") e no descaminho ("iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto").

Descaminho é uma espécie de crime contra a ordem tributária, ao lado de outros delitos. Segundo aponta a doutrina,

os crimes contra a ordem tributária podem ser divididos, para fins didáticos, em quatro grupos a saber: a) sonegação; b) apropriação indébita; c) descaminho e, d) crimes funcionais". Em todos eles, o bem jurídico prioritariamente protegido "é a ordem tributária, entendida como o interesse do Estado  na arrecadação dos tributos, para a consecução de seus fins. Cuida-se de bem macrossocial, coletivo. Secundariamente, protegem-se a Administração Pública, a fé pública e a livre concorrência, consagrada pela Constituição como um dos princípios da ordem econômica (art.170,VI), uma vez que o empresário sonegador poderá ter preços melhores do que aquele que recorre seus tributos, caracterizando uma verdadeira concorrência desleal.[4]

É, fundamentalmente, um ilícito de natureza fiscal, lesando somente o erário público - particularmente a aduana nacional -, constituindo, numa linguagem não-técnica, um contrabando contra o fisco.[5]

A discussão sobre a natureza tributária do crime de descaminho é antiga no Brasil. O tema esteve sempre presente quando da exegese conferida a dispositivos legais prevendo o benefício da extinção de punibilidade nos crimes fiscais, sendo que, ainda durante a vigência do Decreto-lei 157/67, tratando da extinção de punibilidade em relação a todos os crimes envolvendo dívidas tributárias[6], o STF editou a Súmula 560 reconhecendo que o benefício haveria de ser aplicado também ao crime de descaminho.[7]

Em voto proferido num dos precedentes que deu origem ao enunciado (RE 76.071-RN), o ministro Bilac Pinto assim considerou:

O legislador, nas fraudes fiscais, tem-se contentado, mesmo valendo-se da ameaça penal, com o pagamento do tributo e multas, desde que ocorram determinados pressupostos. É o que se depreende da citada Lei 4.729 e do Decreto-lei n. 157, de 1967, numa demonstração, bem anotada pelo professor Heleno Fragoso, de relutância do legislador na incriminação desta fraude. Inscrevendo-se o descaminho entre os atos de fraude ao fisco (Galdino Siqueira, Magalhães Noronha, Heleno Fragoso, Victor Nunes Leal), deve ele, também, ser alcançado pelo benefício da extinção de punibilidade.

No mesmo feito, assim se manifestou o ministro Rodrigues Alckmin:

Ora, o descaminho consiste, exatamente, numa sonegação de tributo, ou em iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. Tenho, pois, que a norma do art.18, parágrafo 2º, do DL 157/67 a ele se refere. Alega-se que essa interpretação seria estímulo ao descaminho ou ao contrabando, pela segurança de que, apanhados os delinqüentes, aberta lhes estaria a saída para a impunidade. Mas há distinguir: a extinção da punibilidade está restrita aos casos - não, de importação de mercadorias proibidas - mas de não haver pagamento de tributo devido. O argumento de que o benefício acoroçoará a criminalidade parece-me provar demasiadamente: da mesma forma, a extinção da punibilidade prevista no art. 2º da L 4729/65 viria a estimular - a acolher-se o argumento - a criminalidade, no tocante à sonegação fiscal. Revelando critério de política legislativa, propenso a obter o pronto recolhimento de tributos e multas, sem punição penal, a orientação da lei foi a de, verificada a sonegação ou verificado o descaminho, - delitos, ambos que, como ponderou Viveiros de Castro quanto ao descaminho, atentam 'contra as rendas públicas, contra os meios de subsistência da Nação', - a orientação da lei foi a de declarar extinta a punibilidade, diante de voluntário e pronto pagamento dos tributos e das multas.

Convém transcrever, também, os judiciosos argumentos do ministro Aliomar Baleeiro naquela mesma oportunidade:

Não temos o direito de passar atestado de inépcia ao legislador, cuja política penal não nos é dado rejeitar, mas apenas cumprir como nela se contém, ainda que de sua sabedoria discordemos como simples cidadãos. Então, seriam absurdos os institutos da anistia e do indulto. Afinal, poderá parecer um contrasenso que se gaste dinheiro público numa enorme fadiga de policiais, promotores, juízes, meirinhos e carcereiros para condenar um pobre diabo, que afinal o Presidente da República indulta ou o Congresso anistia. Mas está na Constituição. (...) O eminente Ministro Thompson teme que o Decreto-lei 157 se torne um 'convite ao descaminho'. Nesse caso, esse diploma será também um convite à sonegação do imposto de renda, ou do IPI, escancaradamente remível da cadeia pelo pagamento do tributo e multa. Raramente, um contrabando pode atingir a somas elevadas, ao passo que já tivemos oportunidade de julgar aqui sonegações fiscais de outros impostos em milhões de cruzeiros. Data venia, esse argumento, afinal, julga e condena o legislador e não o sujeito acusado de sonegação tributária.

Esse entendimento, majoritário à época do DL 157/67, bem revelou a identidade de bens jurídicos protegidos tanto na imputação de descaminho quanto nos crimes de sonegação que eram tratados na Lei 4.729/65, não obstante tenha depois a Lei 6.910/81 afastado o benefício penal em relação àquele.

Posteriormente, os Decretos-Lei 2.446/88 e 2.457/88 passaram a admitir a extinção de punibilidade pelo pagamento de tributo no crime de descaminho, porém apenas para as situações envolvendo veículos automotores e bens de capital. Esta violação ao princípio da isonomia foi rechaçada pela jurisprudência, que apressou-se em assegurar o benefício penal em todas as hipóteses de descaminho, como se infere do seguinte julgado:

PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. DL 2446/88 E DL 2457/88. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. JUSTIÇA IN CONCRETO. APELAÇÃO PROVIDA. I – A autoria e materialidade do descaminho se acham comprovadas. A apelante, com a promulgação dos Decretos-leis 2446/88 e 2457/88, que permitiram o pagamento de tributos por determinados bens descaminhados (veículo automotor, bens de capital etc.), requereu também o pagamento de tributos em virtude de ter trazido bens do Paraguai sem o pagamento de impostos aduaneiros (mercadoria de pequeno valor, pouco acima da quota). Seu pedido foi indeferido ao argumento de que seus bens não se achavam contemplados pelo Decreto-lei 2446/88. Condenação no caput do art.334 do CP. Num Estado de Direito, fundado na democracia, não pode o legislador (Presidente da República) tratar diferentemente quem se achava na mesma situação jurídica. A igualdade é a pedra de toque da democracia. Princípio da isonomia. Se a grandes sonegadores abriu-se a oportunidade de pagamento de tributos, com extinção da punibilidade, o mesmo tratamento, por maior razão, deve ser dado ao pequeno sonegador. (TRF da 1ª Região, ACR 01065215, rel. Juiz Adhemar Maciel, DJ 01/10/1990).

Com a edição da Lei 8.137/90, previu-se uma regra geral de extinção de punibilidade para os crimes contra a ordem tributária (art. 14). Apesar de o legislador não ter feito aí menção ao descaminho, permaneciam em vigor os referidos DL 2.446/88 e 2.457/88, situação que somente teve fim com a edição da Lei 8.383/91, cujo art. 98 afastou todos os casos de extinção de punibilidade.

Não demorou muito até que a Lei 9.249/95 (art. 34) reintroduzisse em nosso sistema o benefício penal pelo pagamento do tributo nos crimes previstos nas Leis 8.137/90 e 4.729/65, antes do recebimento da denúncia. A Lei 9.964/2000 (art. 15), por sua vez, contemplou a suspensão da pretensão punitiva nos casos de parcelamento (REFIS), inclusive na sonegação previdenciária (Lei 8.212/91). Depois disso, a Lei 10.684/2003 (art. 9º) manteve a suspensão da pretensão punitiva nos casos de parcelamento, inclusive nos casos de apropriação indébita (CP, artigos 168-A e 337-A), admitindo a aplicação do benefício a qualquer tempo, mesmo após a condenação. Na mesma esteira vieram as Leis 11.941/2009 e 12.382/2011.

Em nenhuma dessas legislações posteriores à Lei 9.249/95 houve menção ao descaminho, o que, todavia, não impede que a regra de extinção da punibilidade lhe seja também aplicada, ainda que por analogia, conforme já feito pelo STF na década de 70. Deveras, parece-nos que a mesma razão de tratamento isonômico que justificou a edição da antiga Súmula 560 deve agora prevalecer, mormente em vista dos ditames igualitários da Carta Magna de 1988, não havendo razão jurídica para se diferenciar o descaminho e os demais crimes de natureza fiscal, conforme será ventilado em tópico posterior desse estudo.

Já foram editados alguns precedentes do STJ caminhando na linha do entendimento aqui defendido, como se infere no teor das seguintes ementas:

PENAL – HABEAS CORPUS – DESCAMINHO – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – AUSÊNCIA DE PRÉVIA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA – NATUREZA TRIBUTÁRIA DO DELITO – ORDEM CONCEDIDA. 1. Consoante recente orientação jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal, seguida por esta Corte, eventual crime contra a ordem tributária depende, para sua caracterização, do lançamento definitivo do tributo devido pela autoridade administrativa. 2. O crime de descaminho, por também possuir natureza tributária, eis que tutela, dentre outros bens jurídicos, o erário público, deve seguir a mesma orientação, já que pressupõe a existência de um tributo que o agente logrou êxito em reduzir ou suprimir (iludir). Precedente. 3. Ordem concedida para trancar a ação penal ajuizada contra os pacientes no que tange ao delito de descaminho, suspendendo-se, também, o curso do prazo prescricional. (HC 109205/PR, rel. Min. Jane Silva, DJ de 09/12/2008).

HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL). INVESTIGAÇÃO CRIMINAL INICIADA ANTES DA CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Tal como nos crimes contra a ordem tributária, o início da persecução penal no delito de descaminho pressupõe o esgotamento da via administrativa, com a constituição definitiva do crédito tributário. Doutrina. Precedentes. 2. Embora o delito de descaminho esteja descrito na parte destinada aos crimes contra a Administração Pública no Código Penal, motivo pelo qual alguns doutrinadores afirmam que o bem jurídico primário por ele tutelado seria, como em todos os demais ilícitos previstos no Título IX do Estatuto Repressivo, a Administração Pública, predomina o entendimento de que com a sua tipificação busca-se tutelar, em primeiro plano, o erário, diretamente atingido pela ilusão do pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.  (...) 3. O delito previsto na segunda parte do caput do artigo 334 do Código Penal configura crime material, que se consuma com a liberação da mercadoria pela alfândega, logrando o agente ludibriar as autoridades e ingressar no território nacional em posse das mercadorias sem o pagamento dos tributos devidos, não havendo, por conseguinte, qualquer razão jurídica para não se lhe aplicar o mesmo entendimento já pacificado no que se refere aos crimes materiais contra a ordem tributária, cuja caracterização só ocorre após o lançamento definitivo do crédito fiscal. (...) 5. Na hipótese vertente, ainda não houve a conclusão do processo administrativo por meio do qual se apura a suposta ilusão do pagamento de tributos incidentes sobre operações de importação por parte dos pacientes, pelo que não se pode falar, ainda, em investigação criminal para examinar a ocorrência do crime de descaminho. (HC 139.998, rel. Min. Jorge Mussi, DJ de 14/02/2011).

Reforçando esta tese, podemos ainda mencionar as recentes decisões do STF considerando que o tipo penal do descaminho não incide nas situações em que o valor tributário envolvido torna dispensável a cobrança fiscal, aplicando-se, por conseguinte, o princípio da insignificância.[8] Assim foram julgados diversos casos em que o montante estimado dos tributos respectivos não ultrapassou a cifra de R$ 10 mil, haja vista que a legislação prevê o arquivamento das execuções fiscais abaixo desse limite (art. 20 da Lei 10.522/02, com a redação dada pela Lei 11.033/04). Atualmente, tal patamar mínimo para a execução fiscal está fixado em R$20 mil, com base na Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda.

Dita aplicação do princípio da insignificância nas hipóteses de descaminho, tendo por base o valor equivalente ao tributo iludido, faz sobressair bem a natureza patrimonial do bem juridicamente protegido, quando se sabe que a jurisprudência tem afastado a aplicação deste princípio nos casos em que a lei penal protege valores não patrimoniais[9].

O STF não vem admitindo a aplicação do princípio da insignificância nas situações de contrabando (mercadoria proibida), fundamentando não tratar-se aí de delito puramente fiscal[10]. A contrario sensu, portanto, é de se concluir que a nossa Suprema Corte considera o simples descaminho como um delito puramente fiscal.


4  O descaminho como um crime material

Tal como ocorre com as modalidades de sonegação fiscal tratadas no art. 1º da Lei 8.137/90, o descaminho há de ser considerado um crime material, porque exige, para a sua consumação, a efetiva ilusão, integral ou parcial, no pagamento do direito ou imposto.

A simples leitura do tipo (art. 334, caput, 2ª parte), comparando-o com o tipo do art. 1º da Lei 8.137/90, deixa transparecer que não se trata de crime formal. O núcleo "iludir o pagamento" (do art. 334) pressupõe a existência de "direito ou imposto devido", assim como o elemento "suprimir ou reduzir" (art. 1º) pressupõe a existência de "tributo".

A lei fala em iludir o pagamento e não apenas em adotar medidas materiais com essa finalidade. Serve aqui o mesmo raciocínio já empregado pela doutrina para distinguir os crimes materiais e formais tipificados na Lei 8.137/90, assinalando que os tipos penais, nos crimes tributários formais, costumam ser construídos com expressões tais como "para", "com o fim de", "a fim de" etc.

Consoante salienta José Paulo Baltazar Júnior,

a diferenciação mais aceita é no sentido de que o art. 1º é um crime material por exigir a efetiva supressão ou redução do tributo, contribuição ou qualquer acessório para sua consumação. Já no art. 2º inexiste essa referência no caput, estando mencionada a supressão ou redução do tributo no próprio inciso I, antecedido da proposição para. Ora, sempre que o tipo for construído com expressões tais como para, com o fim de, a fim de, etc., a elementar que se seguir constitui elemento subjetivo do tipo. Basta que o agente tenha aquela finalidade, ou seja, não é preciso que o que está descrito depois da preposição efetivamente se concretize para consumar o crime. Desse modo, se o contribuinte é autuado pela fiscalização tributária após ter cometido a falsidade tendente a reduzir o valor do tributo, estará consumado o delito do art. 2º, I, ainda que não tenha vencido o prazo para o recolhimento (Seixas Filho: 426). Daí resulta que o inciso I do art. 2º é a forma tentada do art. 1º. Assim, em vez de utilizar o art.14 do CP, para fazer a adequação típica da tentativa, utiliza-se o inciso I do art. 2º.[11]

E ainda que se discorde da aplicação desse raciocínio ao tipo do descaminho, entendendo-se que o verbo iludir remeteria apenas à conduta fraudulenta[12], é preciso atentar que a aplicação do princípio da insignificância, tal como veio sendo acolhida pelo STF, acabou atribuindo importância substancial ao resultado naturalístico, aspecto que soa incompatível com uma mera tipificação formal.

É lição preliminar do Direito Penal a de que, enquanto nos tipos materiais, o resultado é elemento necessário, sem o qual o crime não se consuma, nos tipos formais, eventual resultado, apesar de possível em momento posterior, é indiferente à consumação. Ora, na medida em que, ao aplicar o princípio da insignificância, a Corte Suprema vem levando em conta um resultado necessário e consistente em determinado valor mínimo do tributo que deixou de ser recolhido, é inevitável a conclusão de que o descaminho passou a ser tratado como um crime material, não se consumando sem a efetiva ocorrência desse resultado significativo. Fosse um crime formal, esse dado seria irrelevante, ou, ao menos, não teria tamanha importância na tipificação.

Em suma, ao considerar o montante equivalente do tributo sonegado como um dos elementos integrantes do tipo penal, o STF acabou condicionando a consumação do crime ao seu resultado, atestando com isso o caráter material do descaminho. Logo, na linha de entendimento daquela mesma Corte, a justa causa para a ação penal por descaminho também deve depender da existência de crédito tributário lançado em definitivo ("direito ou imposto devido"), conforme abordaremos no tópico seguinte.


5  Necessidade de prévio processo administrativo-fiscal na hipótese de descaminho

Antes de adentrarmos especificamente no tema da justa causa para a ação penal no crime de descaminho, cumpre-nos abordar, ainda que ligeiramente, alguns aspectos da fenomenologia dos crimes contra a ordem tributária, segundo o atual posicionamento jurisprudencial.

O recente entendimento do STF acerca do processamento dos crimes fiscais, tal como veio a ser consolidado na Súmula Vinculante 24, pode ser considerado um divisor de águas para a compreensão da incidência das normas penais que tratam dos tipos tributários formais e materiais, notadamente quanto à análise do iter criminis e o momento da consumação do delito, nas situações envolvendo tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que, como se sabe, o contribuinte antecipa o pagamento (CTN, art. 150).

Urge perceber que apesar de haver concluído pela ausência de justa causa para a ação penal nos crimes tributários materiais antes do lançamento definitivo do tributo, o Pretório Excelso não avançou de modo conclusivo na discussão teórica subjacente, que havia sido levantada desde o HC 81.611/DF, sobre tratar-se (o tributo definitivamente constituído) de um elemento do tipo penal ou de uma condição objetiva de punibilidade.

Do que restou consignado na ementa daquele julgado (relator Min. Sepúlveda Pertence), o plenário limitou-se a ponderar que uma ou outra solução em nada alteraria o resultado ali proclamado, quando se concluiu que

falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.

Não obstante, o texto da Súmula Vinculante 24, ao falar que o crime "não se tipifica", parece haver adotado a linha de que seria um elemento objetivo do tipo.

Pois bem, antes desses novos ventos que sopraram sobre a Corte Suprema, apontava-se que a consumação dos crimes fiscais materiais (art. 1º da Lei 8.137/90) se dava no momento em que o contribuinte deixasse de recolher o tributo devido ou o recolhesse à menor, valendo-se de conduta fraudulenta. Sendo assim, nas situações envolvendo tributos sujeitos a lançamento por homologação, os tipos dos crimes tributários formais (art. 2º, I, da Lei 8.137/90) somente incidiriam quando a fraude tivesse sido detectada antes de efetuado o recolhimento à menor ou quando ainda não esgotado o prazo para o devido recolhimento, porque após isso já estaria consumado o crime material.

Em outras palavras, no campo tributário, os crimes formais sempre foram tratados como tentativas de cometimento dos crimes materiais, já que o legislador, ao invés de remeter a situação à regra geral de tentativa do art. 14 do CP, optou por criar tipos penais específicos, de natureza formal. Assim, por exemplo, ao falsificar um documento com potencialidade para propiciar futura redução ou supressão de tributo, o contribuinte já estaria incidindo na situação tipificada no art. 2º, I, sendo que tal incidência perdurava até o momento do recolhimento a menor ou do final do prazo para recolhimento. Se o contribuinte fosse flagrado pela fiscalização antes de efetuar qualquer recolhimento e ainda havendo prazo para tanto, estaria incurso na pena do art. 2º, I (crime formal). Quando, porém, o contribuinte fosse além, antecipando-se em recolher tributo a menor ou deixando de recolher qualquer valor no prazo legal, a situação passava a ser tipificada no art. 1º (crime material).

Nessa exegese, até então perfeitamente coerente com os institutos da teoria geral do crime, não havia solução de continuidade entre os momentos consumativos dos crimes tributários formais e materiais. O crime formal se exauria exatamente no momento em que operada a consumação do crime material, com absorção daquele por este.

Ocorre que tudo isso parece haver mudado com o atual entendimento do STF, sobretudo como extraído do texto da Súmula Vinculante 24, que ao falar em "tipicidade", terminou por criar um verdadeiro "limbo" entre os momentos consumativos dos crimes formais e materiais. Na linha defendida pelo ministro Cezar Peluso, o crime tributário material "não se tipifica" antes do lançamento definitivo do tributo, ou seja, enquanto não esgotado o processo administrativo fiscal, ainda que o contribuinte tenha recolhido valor a menor ou nada tenha recolhido no prazo legal, lembrando que nos tributos sujeitos a lançamento por homologação a antecipação de pagamento pelo próprio sujeito passivo ocorre sem prévio exame da autoridade fazendária.

Partindo dessa nova orientação, passou-se a defender que a expressão "tributo", como elemento do tipo penal, teria o mesmo significado de crédito tributário, ou seja, tributo definitivamente constituído e passível de cobrança.

Levado ao extremo esse entendimento, pode-se cair no absurdo de considerar que nenhuma das condutas anteriores ao final do processo fiscal teria repercussão criminal, o que praticamente acabaria com qualquer possibilidade de incidência dos tipos tributários formais, já que também dependeriam do esgotamento do processo fiscal para fins de aferição do elemento objetivo do tipo. Ou seja, o sujeito jamais poderia ser processado criminalmente enquanto não esgotada a discussão na seara administrativa.

Num outro extremo, defende-se a tese de que todas as condutas anteriores ao esgotamento do processo fiscal estariam incursas no tipo formal do art. 2º, I, já que não dependeriam do efetivo resultado, sendo que somente se consumaria o crime material no momento em que o contribuinte deixasse de recolher, no novo prazo assinalado pela autoridade fazendária, o tributo definitivamente lançado (quando suprimido) ou a sua complementação (quando reduzido). Mas essa posição entra em choque com o entendimento já consagrado na jurisprudência no sentido de que, uma vez não tendo sido efetuado o devido recolhimento pelo contribuinte no prazo legal (lançamento por homologação), a fraude que consubstanciaria o crime formal (meio) é considerada absorvida pelo crime material (fim), segundo o princípio da consunção.

Uma terceira posição exegética, menos extremada, mas igualmente desastrosa, considera que os crimes formais apenas se consumariam até o momento do recolhimento ou o transcurso do respectivo prazo, após o que já se avançaria no iter criminis dos tipos materiais, cuja consumação, entrementes, estaria na pendência do esgotamento da via administrativa. Ocorreria aí uma solução de continuidade entre o momento consumativo dos crimes formais e o dos crimes materiais, surgindo um espaço temporal em que o sujeito não estaria enquadrado em qualquer dos tipos previstos na Lei 8.137 (o aludido "limbo").

Nesse tormentoso quadro exegético e à falta de melhor opção de coerência, seria de bom alvitre ao menos seguir o entendimento esposado pelo ministro Sepúlveda Pertence em seu voto no HC 81.611, assimilando o lançamento definitivo não como um elemento do tipo, mas, sim, como uma condição objetiva de punibilidade, considerando então que a consumação do crime material dá-se em momento anterior à conclusão do processo administrativo-fiscal, ficando pendente apenas a verificação da punibilidade, que seria uma circunstância exterior ao crime, mas igualmente impeditiva da ação penal.

Aplicando tal consideração ao delito sob estudo, tem-se que, sendo como já dito um crime material de natureza tributária, cujo núcleo do tipo está em iludir o pagamento de direito ou imposto, a punibilidade no descaminho pressupõe que a autoridade fiscal competente constitua o crédito tributário por meio de um processo administrativo fiscal em que seja assegurada a ampla defesa e o contraditório, por coerência à linha de entendimento adotada pelo STF.

Não se trata mais de apontar o desacerto do posicionamento da Corte Maior, mas, sim, tomá-lo como premissa para o raciocínio, buscando, a partir daí, prolongar o debate jurídico sob argumentos que, numa lógica sistemática, tornem forçosa a aplicação do mesmo entendimento às hipóteses de descaminho. Nesse diapasão, apesar de o texto da Súmula Vinculante 24 fazer menção à modalidade de sonegação fiscal prevista no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, defendemos que a mesma razão deve conferir idêntico tratamento jurídico em relação aos demais crimes fiscais materiais, em homenagem ao princípio constitucional da isonomia – uma vez que a política criminal na área fiscal tem notadamente se voltado à arrecadação como fator preponderante –, bem como aos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, porquanto, nos casos de descaminho que já comportem a mais pesada das sanções administrativas (o confisco), tal já se revela suficiente a inibir a prática de novos delitos, bastando, para isso, que haja a devida fiscalização pela polícia administrativa.


6 Perdimento de bens como obstáculo à incidência do tipo penal do descaminho

Segundo a legislação aduaneira no Brasil, afora as situações em se procede ao desembaraço aduaneiro em zona primária[13], o Fisco deve dar início a um procedimento confiscatório.

Verificada a hipótese de descaminho, a autoridade fiscal, após apreender a mercadoria, dá seguimento a um processo administrativo que quase sempre culmina com a pena de perdimento, uma sanção administrativa prevista em norma legal (art. 105 do DL 37/66) e em regulamento aduaneiro (art. 689 do Decreto 6.759/2009), mas que acaba por impedir o próprio lançamento fiscal. Vale dizer, ao invés de simplesmente permitir a liberação da mercadoria mediante a constituição e cobrança do crédito tributário sonegado, acrescido de penalidades pecuniárias, a legislação impõe que a Receita Federal instaure, de logo, outro processo administrativo para legitimar o confisco dos bens.

Ao assim proceder, o órgão fazendário não pode lançar o tributo quando a lei prevê a expropriação de bens, os quais inclusive poderão ser objeto de alienação ou incorporação[14], ressarcindo ao Erário o que deixou de ser recolhido. Tributar, nessa situação, configuraria até mesmo um enriquecimento sem causa por parte do Estado. De fato, a importação de mercadorias, ao desamparo de guia de importação ou documento de efeito equivalente, é qualificada como "dano ao erário" punido com a pena de perdimento, consoante previsto no art. 23, I e §1º do Decreto 1.455/76, com a redação dada pela Lei 10.637/2002, bem como no art. 689 do Decreto 6.759/2009. E o "dano ao erário", por si só, não pode servir como hipótese de incidência tributária. Se a mercadoria importada ilegalmente vem a ser confiscada pela Administração, não cabe cobrança de tributo a ela referente[15]. Aliás, a mesma razão pela qual não se deve utilizar tributo com efeito de confisco (CF/88, art. 150, IV) justifica que não se deva fazer incidir tributo sobre bem confiscado.

Saliente-se que não se fala aí propriamente em "tributo", quando não houve sequer prévio lançamento. O que há, nesses casos, é uma mera estimativa do valor que poderia ter sido lançado caso tivesse havido o regular desembaraço aduaneiro, ou seja, do dano que seria experimentado pelo Erário e que é compensado pelo perdimento. Daí porque o art. 776 do Regulamento Aduaneiro estabelece que, na formalização do processo administrativo fiscal, para aplicação da pena de perdimento, a autoridade poderá indicar um "montante correspondente" àquele que "seria devido" na importação regular[16]. E essa locução "seria devido", no texto do regulamento, denota bem a idéia de que, com o confisco, nada pode ser cobrado a título de tributo.

Não por acaso que, se porventura tiver havido declaração de importação, a posterior decretação de perdimento do bem dá ao antigo proprietário o direito de pedir de volta o tributo que tenha adiantado ao fazer a declaração. Confira-se, nesse sentido, os seguintes trechos de julgados:

A pena de perdimento dos bens é consectário lógico da situação ora desfavorável aos agravantes, em face da reforma da sentença concessiva do mandado de segurança, segundo orientação do Excelso Pretório. Os tributos pagos, por ocasião da internação dos automóveis no País, não têm o condão de tornar legal a importação e podem ser recuperados pelos agravantes mediante ação de repetição de indébito. Precedentes. (TRF da 1ª Região, AI 01000231438, Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro, 11/11/1997).

(...) 4. A insubsistência do fato tributável, com a completa supressão de seus efeitos econômicos, implica inexoravelmente a impossibilidade de exigência do tributo, porque leva ao desaparecimento do suporte fático de incidência da norma de tributação, que é o signo presuntivo de capacidade contributiva. Assim, tanto do ponto de vista da lógica jurídica formal não se pode mais falar de obrigação tributária, à míngua do fato gerador respectivo, como do ponto de vista axiológico não se pode mais falar de capacidade contributiva, que desaparece com o perdimento da riqueza sobre a qual incidiria o tributo. (TRF da 4ª Região, AC 2000.72.01.000306-5/SC, rel. Des. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, DJ 15/12/2004).

Como dito, o confisco de bens é incompatível com a tributação. Se houver decretação de perdimento, tem-se uma espécie de extinção antecipada da potencial obrigação tributária que sequer vem a ser constituída, pois a pena administrativa impede a incidência do tributo ou, como se prefira, a ocorrência do fato gerador do imposto aduaneiro, obstando o próprio desembaraço.

É o que se extrai inclusive do Regulamento Aduaneiro, que ao tratar do imposto de importação assim dispõe:

Art.71. O imposto não incide sobre: (...)

III - mercadoria estrangeira que tenha sido objeto da pena de perdimento, exceto na hipótese em que não seja localizada, tenha sido consumida ou revendida (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 1º, § 4º, inciso III, com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003, art. 77).

O texto do dispositivo revela que os bens apreendidos pela Administração Fiscal e submetidos a processo administrativo de perdimento de mercadoria[17] não sofrem a incidência do imposto de importação. A tributação só seria cabível se, na hipótese de perdimento, não houvesse meios para se apreender a mercadoria e concretizar o confisco. O mesmo se diga do imposto de produtos industrializados (IPI), cujo fato gerador na importação somente ocorre com a conclusão do desembaraço aduaneiro[18], assim como a contribuição para o PIS/PASEP-importação e a COFINS-importação.[19]


7  O perdimento de mercadoria como causa de extinção da punibilidade

Do que restou exposto no tópico anterior, a decretação de perdimento da mercadoria afasta a própria hipótese de incidência tributária, não se podendo falar em ilusão do pagamento de imposto ou direito. Logo, não se realiza o núcleo fático do tipo penal do art.334.

Forçoso reconhecer como inusitada tal exegese, se confrontada com o tradicional entendimento de que o descaminho se consumaria pela simples entrada ou saída da mercadoria no país sem a devida declaração à autoridade alfandegária[20]. Todavia, como já reiterado à exaustão no decorrer desse estudo, a interpretação aqui esposada está em perfeita consonância com o atual posicionamento jurisprudencial que condiciona a justa causa para ação penal por crime tributário material à constituição em definitivo do crédito tributário, inexistindo razão para excluir dessa categoria o delito de descaminho.

Por outro lado, mesmo ainda havendo certa resistência em se estender tal interpretação às hipóteses de descaminho, não se pode tampouco compreender a razão pela qual a jurisprudência não vem ao menos admitindo a aplicação da regra legal de extinção da punibilidade, por força do art. 9º, caput e §2º, da Lei 10.684/2003.

Ao que parece, os julgados que refutam essa possibilidade apegam-se ao fato de que a pena de perdimento constitui sanção administrativa, de natureza diversa da resposta criminal a ser cumulativamente aplicada.[21]

Ora, não se trata de questionar a natureza administrativa do perdimento, nem se defende aqui, por óbvio, que tal sanção seja suficiente a assegurar uma espécie de perdão judicial no campo penal. O que afirmamos, em coerência ao sistema normativo nos crimes tributários, é que o perdimento afasta a própria tipicidade (na linha da Súmula Vinculante 24) ou, quando menos, a punibilidade (na linha do min. Sepúlveda Pertence no HC 81.611/DF), já que impede o próprio lançamento do tributo que teria sido sonegado.

Outro argumento contrário ao nosso entendimento centra-se na ausência de previsão legal para a extinção de punibilidade nos casos de descaminho, considerando que o caput do art. 9º da Lei 10.684/03 limitou a incidência do benefício apenas aos infratores dos artigos 168-A e 337-A do Código Penal e artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90.[22]

Sob o prisma do princípio da isonomia como garantia fundamental assegurada na Lei Maior, há de se questionar a própria constitucionalidade dessa interpretação literal e restritiva conferida ao texto legal, eis que não poderia o legislador ordinário valer-se de política criminal que absolva uns e condene outros numa mesma situação fática. Impõe-se aí uma interpretação em conformidade com a Carta Magna.

Não bastasse isso, ainda que descabida fosse a interpretação extensiva, seria o caso de recorrer-se à aplicação do argumento analógico (analogia in bonam partem), de resto defendida por quase a totalidade da doutrina penalista[23], mormente em se tratando de norma penal não-incriminadora geral.[24] No caso em tela, com vistas ao texto do art. 9º da Lei 10.684/03, se a ratio legislativa foi justamente a de extinguir a punibilidade em crimes de natureza fiscal sujeitos às mesmas consequências jurídicas, não se pode dizer que estejamos aí diante de uma norma penal incriminadora excepcional que não comporte argumento analógico.[25]

Os resistentes à tese fundamentam ainda, com amparo na legislação tributária, que o perdimento de mercadoria não poderia ser equiparado ao pagamento de tributo, na medida em que o rol taxativo das formas de extinção do crédito tributário (art. 156 do CTN) não comportaria analogia.

Apesar de aparentemente consistente, merece rechaço também esse argumento.

Como se sabe, a analogia é um recurso integrativo do direito fundado na aparência (e não na igualdade) entre situações fáticas dispostas segundo uma mesma lógica jurídica subjacente.[26] Por sua vez, a analogia aqui defendida tem eficácia restrita ao campo criminal, com vistas às causas extintivas de punibilidade, e não propriamente uma tentativa de se ampliar as modalidades de extinção do crédito tributário.

Ao empregar a analogia e decretar a extinção de punibilidade, o juiz leva em conta a aparência nas repercussões dos fatos no campo penal, sem necessariamente estar vinculado a aspectos intrínsecos de institutos do direito tributário e outras questões cujo exame é reservado à seara fiscal. Ainda que a jurisprudência venha caminhando no sentido de se reconhecer certa comunicação entre as instâncias tributária e criminal, condicionando a justa causa da ação penal à conclusão do lançamento fiscal, não se chegou (felizmente) ao ponto de negar a autonomia da instância criminal. De modo que é possível, por exemplo, um juiz deixar de condenar o réu por sonegação quando entenda que o tributo em questão revela-se inconstitucional, ainda que tenha sido lançado e esteja sendo cobrado na via administrativo-fiscal.

Portanto, não estamos aqui afirmando que o perdimento de mercadoria se iguala ao pagamento do tributo, nem o estamos tratando como uma nova modalidade de extinção do crédito tributário. Na verdade, o perdimento obsta a própria constituição do crédito tributário, dispensando posterior pagamento. Ou seja, decretado o perdimento, não há mais o que pagar e é exatamente nesse ponto que reside a aparência justificadora do emprego da analogia no campo criminal.

Já se viu que a legislação aduaneira trata o perdimento de bens como uma medida reparatória de dano ao erário, sendo que, na maioria das vezes, o valor da mercadoria apreendida é muito superior ao montante do tributo que seria devido em caso de importação ou exportação regular. Logo, não tem o menor cabimento isentar de pena aquele que paga e condenar aquele que não tem nada a pagar.

Por fim, ainda na esteira dos argumentos contrários à nossa tese, alguns seguem sustentando que o pagamento que justifica a extinção de punibilidade seria um ato de vontade espontâneo do devedor, enquanto o perdimento decorre de ato de império do Estado, contra a vontade do devedor[27], razão pela qual a jurisprudência já há muito rejeitou a equiparação entre as duas situações, considerando que o pagamento espontâneo do tributo se dava independente do posterior confisco da mercadoria (Súmula 92 do extinto TFR[28]).

Nesse ponto, é preciso ter atenção redobrada ao se examinar a legislação vigente à época em que formulada a Súmula 92 do TFR, bem como outros diplomas legais que vieram sendo editados até o advento da Lei 10.684/03.

Ao tempo da Lei 4.729/65, a extinção de punibilidade por sonegação dependia do recolhimento espontâneo do tributo antes de iniciada a ação fiscal.[29] A situação não mudou com o DL 157/67, que apenas ampliou o alcance da norma anterior de modo abranger todos os crimes tributários, mantida a condição de que o pagamento ocorresse antes da fiscalização.

Prestigiava-se, assim, o verdadeiro sentido da espontaneidade no pagamento feito pelo sonegador, que procedia movido por um intento de arrependimento eficaz antes de ser flagrado na prática da ilicitude. Nesse quadro normativo, é perfeitamente compreensível que não se pudesse equiparar a situação em que o pagamento do tributo se dava de modo espontâneo (antes da fiscalização) com a situação de perdimento decretado somente após a autuação pela autoridade fazendária.

Ocorre que, com a edição da Lei 9.249/95, o legislador optou por desvincular a concessão do benefício penal à espontaneidade do pagamento antes de qualquer fiscalização, passando a admiti-lo até o recebimento da denúncia[30], tendo a Lei 9.964/2000 mantido esse critério, inclusive quanto ao parcelamento tributário que passou a prever como causa de suspensão da punibilidade.[31]

Com a edição da Lei 10.684/03, deixou-se ainda mais de lado o aspecto de espontaneidade no pagamento, não mais se condicionando a extinção de punibilidade ao pagamento antes da denúncia, o que significa que pode ocorrer a qualquer tempo, até mesmo após a condenação criminal. Abandonou-se completamente a referida política criminal que prestigiava a espontaneidade do sonegador em reverter os efeitos da situação delituosa. Ao lado disso, a jurisprudência recente do STF veio a considerar que a tipicidade da sonegação depende da conclusão do processo administrativo-fiscal, o que reforçou ainda mais a idéia de que a extinção do crédito tributário, mesmo após o início da fiscalização, afasta a punibilidade do sonegador.

Acrescente-se que, à época em que editada a aludida Súmula 92, concebia-se como possível a cobrança de tributo cumulada com o perdimento da mercadoria, o que atualmente não é mais admitido, tendo a nossa legislação aduaneira, como já dito, afastado a hipótese de incidência tributária nos casos em que tenha havido o confisco.

Nesse novel ambiente normativo, soa despropositada a tentativa de ainda se manter a mesma argumentação que foi construída ao tempo da súmula, não mais havendo razão para diferenciar as situações de pagamento do tributo e perdimento da mercadoria sob o ângulo da espontaneidade.

Naturalmente, a exegese aqui defendida se impõe ainda mais quando o contribuinte logre obter autorização administrativa ou judicial para efetuar o pagamento do montante equivalente ao tributo e acessórios, nos casos em que a decretação de perdimento se revele uma medida desproporcional. Já há inclusive precedentes nesse sentido:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO DO TRIBUTO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. APLICAÇÃO DO ART.34 DA LEI N. 9.249/95. UBI EADEM RATIO IBI IDEM IUS. 1. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral. 2. Diante do pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, de rigor o reconhecimento da extinção de punibilidade. 3. Ordem concedida. (HC 48.805, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julg. 26/06/2007).


8   Conclusões

Do que acima se expôs, podemos traçar as seguintes assertivas a título conclusivo:

I) No descaminho, o bem jurídico tutelado é essencialmente a arrecadação fiscal, daí porque a jurisprudência tem admitido a aplicação do princípio da insignificância levando em conta o montante do tributo que deixou de ser arrecadado.

II) O tipo penal do descaminho pressupõe a constituição do tributo cujo pagamento tenha sido iludido pela entrada, saída ou consumo de mercadoria. Ao considerar o montante do tributo sonegado para fins de tipificação, o STF acabou condicionando a consumação do crime ao seu resultado significativo, atestando com isso o caráter material do delito.

III) Sendo um crime material contra a ordem tributária, não há justa causa para a ação penal por descaminho enquanto não consolidado o lançamento do tributo, pelos mesmos argumentos jurídicos que levaram à edição da Súmula Vinculante n. 24 do STF.

IV) A apreensão de mercadoria interrompe o despacho aduaneiro e a aplicação da pena de perdimento afasta a hipótese de incidência da norma tributária. Impossibilitada a constituição do tributo cujo pagamento teria sido iludido, não há justa causa para a ação penal.

V) Ainda que se entenda que o perdimento da mercadoria não obsta a consumação do crime de descaminho, é de se admitir, ao menos, a aplicação analógica da regra legal de extinção da punibilidade, por força do art. 9º, caput e §2º, da Lei 10.684/2003.

VI) Se, ao invés de decretar o perdimento da mercadoria, o Fisco lançar de ofício o tributo e aplicar a multa correspondente, com a conclusão do procedimento fiscal haverá justa causa para a ação penal, propiciando-se então ao contribuinte efetuar o pagamento (ou parcelamento) visando extinguir (ou suspender) a punibilidade.


Notas

[1] A atipicidade do descaminho quando há perdimento de mercadoria. Publicado em Jus Navegandi e outros sites na internet, inclusive na Revista Eletrônica da Seção Judiciária do DF, N.13, Ano II, Junho/2010. Disponível em: http://revistajuridica.jfdf.jus.br/home/ edicoes/junho10/artigo_Durval3.html

[2] Realizada em Manaus-AM, no período de 27 a 29 de junho de 2012.

[3] Francisco de Assis Toledo. Princípios básicos de Direito Penal, 5.ed., Saraiva, p.145.

[4] José Paulo Baltazar Júnior. Crimes Federais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006 p.344-346.

[5] Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal, 2007, vol.5, p. 214-216.

[6] Além de se referir aos crimes fiscais previstos na Lei 4.729/65, o art. 18, §2º do DL 157/67 também determinava a extinção da punibilidade quando a imputação penal estivesse relacionada à falta de pagamento de tributo.

[7] Súmula 560: A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido estende-se ao crime de contrabando ou descaminho por força do art.18, §2º, do Decreto-lei 157/1967.

[8] Cite-se os julgados no HC 99.594 e no HC 94.058.

[9] Não fosse o descaminho essencialmente um crime contra a ordem tributária, não se poderia sequer aplicar esse vetor, já que a jurisprudência tem afastado a incidência do princípio da insignificância nos casos em que, mesmo sendo irrisório o dano patrimonial experimentado, o tipo penal busque proteger valores não patrimoniais, tais como a fé pública. Nesse sentido, v.g, o posicionamento do STF no HC 93.251/DF.

[10] Confira-se a respeito o teor do voto do min. Luiz Fux no HC 108.731/MG, julg. 03/04/2012.

[11] Crimes federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.360.

[12] Esse foi o argumento utilizado pelo min. Ayres Britto no julgamento do HC 99.740 (STF, 2ª Turma, julg. 23/11/2010) para sustentar que o descaminho seria "um delito rigorosamente formal".

[13] Nesse caso, mediante lançamento fiscal do tributo incidente sobre os bens importados ou exportados e com aplicação de multa se detectada alguma irregularidade. Com o pagamento, a mercadoria é liberada.

[14] O art. 803 do Regulamento Aduaneiro prevê três destinações para os bens confiscados, a depender do caso: 1) alienação; 2) incorporação; 3) destruição ou inutilização.

[15] Sobre o tema assim escreve o professor Hugo de Brito Machado: "Se alguém importa mercadoria proibida, mas a importação é consumada, constatando o fato é devido o imposto de importação. A autoridade da Administração Tributária pode cobrar o imposto e não tomar conhecimento da ilicitude, que o importador não poderá alegar como excludente da obrigação tributária. Entretanto, se prefere fazer valer a proibição de importar, não será devido porque o fato, em sua objetividade, não subsistiu. Não produziu, na realidade econômica, o efeito que lhe é próprio, vale dizer, a integração daquela mercadoria na economia nacional. Por isto mesmo as autoridades da Administração Tributária, acertadamente, não cobram os impostos que seriam devidos pela importação de mercadorias nos casos de contrabando ou descaminho. Decretam o perdimento da mercadoria (...)" - "A Tributação dos Fatos Ilícitos", disponível em www.hugomachado.adv.br/estudos doutrinários.

[16] Art.776. Na formalização do processo administrativo fiscal para aplicação da pena de perdimento, na representação fiscal para fins penais e para efeitos de controle patrimonial e elaboração de estatísticas, a Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá: (...) II – aplicar a alíquota de cinqüenta por cento sobre o valor arbitrado das mercadorias apreendidas para determinar o montante correspondente à soma do imposto de importação e do imposto sobre produtos industrializados que seriam devidos na importação.

[17] O art. 689 do Regulamento aduaneiro prevê a pena de perdimento em várias hipóteses, dentre elas quando a mercadoria estrangeira for "encontrada ao abandono, desacompanhada de prova de pagamento dos tributos aduaneiros" ou ainda quando "exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no País, se não for feita prova de sua importação regular".

[18] Conforme o art. 238 do Regulamento Aduaneiro, o fato gerador do imposto, na importação, é o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira. Ao lado disso, o art. 571 estabelece que desembaraço aduaneiro na importação é o ato pela qual é registrada a conclusão da conferência aduaneira. Saliente-se ainda que, nos termos do art. 570, §1º, II, a não-apresentação de documentos exigidos pela autoridade aduaneira faz com que se interrompa a conferência aduaneira, impedindo o prosseguimento do despacho aduaneiro.

[19] O art. 250 do Regulamento Aduaneiro prevê expressamente a não incidência dessas contribuições no tocante aos bens objeto de perdimento tratados no referido art. 71, III.

[20] Dentre inúmeros julgados nessa tradição, cite-se o RSE 200833000032670, TRF da 1ª Região, rel. Des. Fed. Ítalo Fioravanti, DJ 27/04/2012.

[21] STJ, HC 97.260, rel. Min. Laurita Vaz, julg. 01/04/2008; STJ, HC 70.739, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julg. 06/08/2009; TRF da 1ª, ACR 0031420-96.2007.4.01.3400/DF, rel. Des. Fed. Tourinho Neto, juiz conv. Murilo Fernandes de Almeida, DJ 16/03/2012.

[22] TRF da 1ª Região, ACR 0010920, rel. Des. Fed. Tourinho Neto, juiz conv. Murilo Fernandes de Almeida, DJ 20/09/2011.

[23] Julio Fabbrini Mirabete assinala a "aplicação da analogia às normas não incriminadoras quando se vise, na lacuna evidente da lei, favorecer a situação do réu por um princípio de equidade. Há, no caso, a chamada 'analogia in bonam partem', que não contraria o princípio da reserva legal, podendo ser utilizada diante do disposto no já citado artigo 4º da LICC". Manual de direito penal. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1988, p.52.

[24] Como assinala Luiz Regis Prado, "é quase pacífica a orientação quanto ao emprego do argumento analógico em relação às normas penais não-incriminadoras gerais (v.g., excludentes de ilicitude, culpabilidade, atenuantes). Aliás, Carrara já lecionava que as normas eximentes ou escusantes podiam ser estendidas, por analogia, de caso a caso, tendo sempre em conta que na dúvida aceita-se a doutrina mais benigna". Curso de direito penal brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 101.

[25] Prado cita ainda a lição de Bettiol no sentido de que as normas eximentes excepcionais, impeditivas da analogia, somente são aquelas que "representam uma verdadeira interrupção na projeção lógica de uma norma penal". Vale dizer, "quando uma norma penal eximente se apresenta como verdadeiro desvio lógico das conseqüências jurídicas que deveriam naturalmente se seguir, porque a norma incriminadora atuou na presença de todas as condições ou circunstâncias nas quais foi chamada a atuar, a sua expansão lógica deve ser negada". Idem, p. 103.

[26] Como esclarece Sacha Calmon Navarro Coêlho, "na analogia, os fatos abduzidos da realidade formam, digamos, um conceituário com os seguintes elementos: A, B, C, D. Toda vez que um fato contendo os elementos A, B, C, D ocorrer, a norma incide (o fato foi descrito e previsto como jurígeno). Para se dar a integração analógica, teríamos que aplicar a um fato com os elementos A, B, C, mas sem o elemento D, ou com o elemento E, a norma prevista para  a primeira situação. Análogo é bem parecido, nunca o igual". Manual de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 359.

[27] Cite-se nesse sentido os seguintes julgados do TRF da 3ª Região: RSE 834 (rel. Des. Fed. Roberto Haddad, DJ de 21/07/98) e RSE 2660 (rel. juiz conv. Fausto de Sanctis, DJ 26/11/2002).

[28] Súmula 92: "O pagamento dos tributos, para efeito de extinção da punibilidade (Decreto-lei n. 157, de 1967, art. 18, par. 2º; STF, Súmula 560), não elide a pena de perdimento de bens autorizada pelo Decreto-Lei 1455, de 1976, art.23.

[29] Assim dispunha expressamente o seu art. 2º: "Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nesta Lei quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria".

[30] Art. 34: "Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia".

[31]  Art. 15: "É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. (...) § 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal".

Autor

  • Mestre em Direito Público pela UFBA. Professor de Direito Administrativo na UFBA. Juiz Federal na Bahia.

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):

CARNEIRO NETO, Durval. Descaminho: perdimento de mercadoria e ausência de justa causa para a ação penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 17n. 33491 set. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22532>. Acesso em: 2 set. 2012.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

MEDIDAS INVESTIGATÓRIAS. DELITOS CONEXOS A CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA DE LANÇAMENTO DEFINITIVO.


Não há nulidade na decretação de medidas investigatórias para apurar crimes autônomos conexos ao crime de sonegação fiscal quando o crédito tributário ainda pende de lançamento definitivo. Conforme a jurisprudência do STF, à qual esta Corte vem aderindo, não há justa causa para a persecução penal do crime de sonegação fiscal antes do lançamento do crédito tributário, sendo este condição objetiva de punibilidade. No caso, foram decretadas medidas investigatórias (interceptação telefônica, busca e apreensão e quebra de sigilo bancário e fiscal) antes do lançamento do crédito tributário. Porém, buscava-se apurar não apenas crimes contra a ordem tributária, mas também os de formação de quadrilha e falsidade ideológica. Portanto, não há ilegalidade na autorização das medidas investigatórias, visto que foram decretadas para apurar outros crimes nos quais não há necessidade de instauração de processo administrativo-tributário. Nesse caso, incumbe ao juízo criminal investigar o esquema criminoso, cabendo à autoridade administrativo-fiscal averiguar o montante de tributo que não foi pago. Assim, a Turma entendeu que não são nulas as medidas decretadas, pois atenderam os pressupostos e fundamentos de cautelaridade, sobretudo porque, quando do oferecimento da denúncia, os créditos tributários já tinham sido definitivamente lançados. Precedentes do STF: HC 81.611-DF, DJ 13/5/2005, e do STJ: RHC 24.049-SP, DJe 7/2/2011. HC 148.829-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/8/2012. 

USO DE RECIBOS IDEOLOGICAMENTE FALSOS. DECLARAÇÃO DE IRPF. TIPIFICAÇÃO.


Constitui mero exaurimento do delito de sonegação fiscal a apresentação de recibo ideologicamente falso à autoridade fazendária, no bojo de ação fiscal, como forma de comprovar a dedução de despesas para a redução da base de cálculo do imposto de renda de pessoa física (IRPF), (Lei n. 8.137/1990). Na espécie, o paciente, em procedimento fiscal instaurado contra terceira pessoa (psicóloga), teria apresentado recibo referente a tratamento não realizado, para justificar declaração anterior prestada à Receita Federal por ocasião do recolhimento do seu IRPF. Segundo se afirmou, o falso teria sido cometido única e exclusivamente com o objetivo de reduzir ou suprimir o pagamento do imposto de renda. Assim, em consonância com o enunciado da Súm. n. 17 desta Corte, exaurida a potencialidade lesiva do documento para a prática de outros crimes, a conduta do falso ficaria absorvida pelo crime de sonegação fiscal. Noticiou-se, por fim, o adimplemento do débito fiscal, oriundo da referida sonegação, na esfera administrativa. Nesse contexto, a Turma determinou o trancamento da ação penal – por falta de justa causa – instaurada contra o paciente com fulcro nos arts. 299 e 304 ambos do CP. HC 131.787-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/8/2012. 

PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE.

CIVIL E TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO EXTINTO NA FORMA DO ART. 156, V, DO CTN. PRECEDENTES.

1. Consoante decidido por esta Turma, ao julgar o REsp 1.210.340/RS (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 10.11.2010), a prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação, nos termos dos arts. 189 e 191 do Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre na prescrição tributária, a qual, em razão do comando normativo do art. 156, V, do CTN, extingue o próprio crédito tributário, e não apenas a pretensão para a busca de tutela jurisdicional. Em que pese o fato de que a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representar um ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, IV, do CTN, tal interrupção somente ocorrerá se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida, não havendo que se falar em renascimento da obrigação já extinta ex lege pelo comando do art. 156, V, do CTN. Precedentes citados.

2. Recurso especial não provido". 


(REsp 1335609/SE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 22/08/2012)

Sócio só responde por dívida em caso de abuso


Dívida de pessoa jurídica só pode ser transferida aos sócios em casos de abuso de personalidade jurídica ou de confusão patrimonial. Foi o que relembrou a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao negar pedido da União, em Agravo de Instumento, para incluir dono de pizzaria no polo passivo de uma ação de execução fiscal.

A decisão de primeiro grau já havia sido tomada no mesmo sentido, o que levou a União a recorrer. De acordo com o relator da matéria na segunda instância, juiz convocado Marcelo Dolzany da Costa, dívidas de FGTS não podem ser repassadas aos sócios da empresa por inaplicabilidade do inciso III do artigo 135 do Código Tributário Nacional.

O dispositivo diz que os diretores, gerentes ou representantes legais de pessoas jurídicas "são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos". Para o relator, a norma só cabe se ficar demonstrado que a inadimplência decorreu de atos dolosos ou culposos, "o que não restou demonstrado pela apelante no caso em comento", completou Dolzany da Costa.

Para a 1ª Turma, o pedido vai contra o que diz a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, decidiram, não ficou comprovado o abuso da personalidade jurídica. 

TRF-1 - AGA 0025988-38.2012.4.01.0000/AM

Carga retida em Santos sobe quase 5 vezes


A combinação de greves e operação-padrão de servidores federais nos portos brasileiros afeta o volume do comércio exterior e também traz prejuízo para as empresas que exportam ou importam mercadorias. Várias delas já correm o risco de terem cancelados os pedidos de encomendas que permanecem retidas nos terminais. Além disso, o custo de armazenagem sobe diariamente.

É o caso, por exemplo, da Brasil Máquinas de Construção (BMC), uma das principais distribuidoras de máquinas do país. A empresa já gastou cerca de R$ 1,5 milhão em custos de armazenagem de uma carga, com 154 máquinas, que está parada há quase um mês no porto do Rio, esperando liberação.

"A gente acaba pagando uma armazenagem absurda e deixando de entregar, deixando de vender", reclama o presidente da BMC, Felipe Cavalieri. Segundo ele, a encomenda vale R$ 46 milhões para a empresa, que distribui máquinas de marcas como Hyundai, XCMG e Zoomlion. Por enquanto, diz, os clientes não cancelaram encomendas, mas ele admite que o risco existe.


No porto de Santos (SP), o acúmulo de cargas paradas chegou ontem a 17 mil contêineres, quase 4,5 vezes mais que o volume verificado uma semana atrás. Mesmo com o retorno ao trabalho dos fiscais ligados ao Ministério da Agricultura, nesta semana, as operações devem levar dez dias para se normalizar, avalia o Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp).


Segundo o presidente do Sopesp, Querginaldo Camargo, os terminais estão operando com taxas de ocupação entre 80% e 85%, muito acima do considerado ideal. O percentual ótimo é até 65%. "Só não travou de vez, porque estamos trabalhando com os Redex [terminais alfandegados localizados na retaguarda do cais] e conseguindo pulverizar a carga", disse. "Tudo o que podemos fazer é tentar agilizar o posicionamento da carga".

A situação é complicada também no complexo portuário de Itajaí, em Santa Catarina, que ontem tinha 14.801 contêineres parados nas áreas de armazenagem dos terminais. Desses, 7.441 eram de produtos importados, 5.640 para exportações e o restante estava em transbordo.


O diretor-executivo do Sindicato das Agências Marítimas do Estado de São Paulo (Sindamar), José Roque, afirmou que houve atrasos, mas nenhuma embarcação deixou de atracar em Santos devido à greve. Ontem, havia 74 navios na fila para atracação, sendo 54 de granéis sólidos. "Estamos em uma época sazonal, com safra de milho, açúcar, soja. E não há berços suficientes para toda a demanda", disse Roque.


Sem desfecho à vista para a greve dos servidores federais, cresce também a preocupação das indústrias farmacêuticas e de laboratórios de diagnósticos em relação ao abastecimento de medicamentos e principais insumos farmacêuticos. "Estamos em estado de alerta", afirmou Nelson Mussolini, diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma). A indústria farmacêutica é dependente de importação de insumos e medicamentos biológicos.


Mesmo com a liminar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) garantindo o retorno de 70% de seus funcionários ao trabalho, o setor não está seguro de que o abastecimento poderá ser garantido. De acordo com Mussolini, os pontos mais críticos continuam sendo o porto de Santos e o aeroporto do Galeão (RJ).


Em nota, a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), informou que, das 400 empresas ligadas à entidade, 110 já foram afetadas, considerando que cerca de 50% do material usado pelo setor é importado. Em levantamento feito pela entidade, 87% dos associados declararam enfrentar problemas em aeroportos e 46% em portos. Se a greve fosse encerrada hoje, seriam necessárias de três a cinco semanas para o fornecimento ser normalizado, avalia a entidade.




 Ana Fernandes, Fernanda Pires e Mônica Scaramuzzo, de São Paulo e de Santos, colaborou Rodrigo Pedroso de São Paulo, 

Valor Econômico

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Alagoas amplia uso de precatório em pagamento de ICMS sobre importação




Por Marta Watanabe | De São Paulo

Pouco mais de um mês após a publicação de resolução do Senado, que unifica as alíquotas interestaduais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para combater a guerra fiscal dos portos, Alagoas soltou decreto ampliando o benefício para as empresas que importam mercadorias pelo Estado.

Com o decreto, Alagoas dá um passo à frente não só para atrair as importações como também para disputar a arrecadação do ICMS nas vendas eletrônicas, questão que tem sido debatida principalmente pelos Estados do Nordeste.

Publicado em junho, o decreto permite pagar com precatórios o ICMS devido na importação. Como não é necessário que o precatório usado para saldar o ICMS seja do próprio contribuinte, o título pode ser comprado de qualquer empresa ou pessoa física que possua o crédito judicial contra o Estado.

O deságio na compra de precatórios chega a 60%, dizem os advogados, o que, na prática, permite abatimento em até 60% do ICMS pago na importação, mesmo sem redução de alíquota ou base de cálculo do tributo. Podem ser utilizados também os chamados precatórios alimentares. Ou seja, créditos resultantes de ações judiciais de servidores públicos contra o Estado de Alagoas.

Uma lei estadual de 2003 já havia estabelecido o uso de precatórios para o pagamento do ICMS na importação de mercadorias, mas o decreto de junho regulamenta o assunto, deixando claro que o benefício está de pé e ampliando ainda mais a facilidade, combinando o incentivo com outros oferecidos pelo Estado.

Com o novo decreto, o imposto não precisa ser pago no momento do desembaraço aduaneiro. O ICMS pode ser recolhido depois que o produto importado sair em uma venda interestadual. Com isso, a mercadoria pode ser mantida em centros de distribuição no território de Alagoas para depois ser comercializada.

O Estado também possui incentivos fiscais para a instalação de centros de distribuição em Alagoas. Segundo o governo estadual, para usufruir do incentivo as empresas, entre outras condições, precisam ter número mínimo de empregados e 80% da venda do centro de distribuição precisa ser destinada ao comércio interestadual.

O decreto também amplia o benefício ao permitir que os precatórios sejam utilizados para pagar até 95% do imposto devido nas vendas, a outro Estado, de mercadorias comercializadas pela internet ou por telemarketing. Em nota, a Secretaria da Fazenda de Alagoas diz que o decreto vai aumentar o volume de importações no porto de Alagoas. O Estado diz que, por se tratar de benefício novo, não tem dados sobre o número de empresas que solicitaram o regime especial para o pagamento do ICMS com precatórios.

"Os Estados estão tentando achar brechas e soluções para sobreviver" diz Cláudio Trinchão, coordenador dos Estados no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), sobre a iniciativa de Alagoas. Ele diz que não analisou o texto do novo decreto, mas acredita que, a princípio, o benefício alagoano não pode ser classificado como incentivo fiscal questionável. "Não há redução de ICMS com concessão de crédito nem redução de alíquota ou base de cálculo. Na verdade, é um acerto contábil."

Leonardo de Almeida, da Athros ASPR, lembra que o decreto não faz restrição ao tipo de precatório, mas só podem ser usados créditos pendentes até 13 de setembro de 2000, ou que tenham sido resultantes de ações judiciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.

Marcelo Salomão, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, diz que há grande volume de precatórios em negociação. Segundo ele, o benefício de Alagoas está sendo muito procurado por empresas que estudam estratégias novas, devido à unificação em 4% da alíquota do ICMS interestadual para produtos importados a partir do ano que vem. "Muitas empresas querem implantar centro de distribuição no Nordeste, e Alagoas tornou-se opção interessante, porque alia o incentivo para o centro de distribuição com a facilidade dos precatórios."

 
Valor Econômico
28.08.2012

Espírito Santo concede benefício fiscal




Por Laura Ignacio | De São Paulo

O governo do Espírito Santo editou dois decretos relacionados à guerra fiscal entre Estados. Um deles exclui mercadorias da lista de produtos beneficiados pelo Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap) - programa de incentivo financeiro para o incremento do comércio exterior - e outro concede crédito presumido de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas vendas de produtos por meio eletrônico.

O Decreto nº 3.087 exclui, a partir de setembro, laminados de ferro ou aço da lista de produtos incluídos no Fundap. O programa concede diferimento do ICMS e alíquota máxima de 12% do imposto.

Os efeitos do programa capixaba, porém, correm risco porque há um projeto no Congresso Nacional que propõe unificar a alíquota do ICMS nas operações interestaduais com produtos importados.

Já o Decreto nº 3.088 permite às empresas que comercializam mercadorias por meio eletrônico, ainda que não tenham o chamado "contrato de competitividade" com a Secretaria de Desenvolvimento do Estado, utilizar o crédito presumido de ICMS relativo às operações interestaduais realizadas até 31 de julho. Esse crédito varia de 2% a 5%, conforme a carga tributária embutida no preço do produto.

O Congresso Nacional também discute a unificação de alíquotas do imposto, de acordo com a região, a ser cobrado no comércio pela internet.

 
 Valor Econômico
28.08.2012

Importação de máquina sem similar no país é isenta

LEI DO REPORTO


A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou sentença que isentou a empresa Portonave (Terminais Portuários de Navegantes), de Santa Catarina, de pagar Imposto de Importação na compra de uma empilhadeira de contêiner vazio vinda da Itália. O acórdão é do dia 21 de agosto.

A decisão está ancorada na Lei do Reporto (Lei 11.033/2004), que concede isenção do Imposto de Importação incidente sobre bens adquiridos para o ativo imobilizado, desde que não exista similar no mercado brasileiro.

A empresa ajuizou ação na Justiça Federal de Santa Catarina contra a União, que negava a isenção, sob o argumento de que a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) teria informado que há similares nacionais destes equipamentos. Eles seriam produzidos pela empresa Milan Máquinas e Equipamentos.

A defesa da Portonave alega que a Milan não possui capacidade técnica para a fabricação desse tipo de maquinário. Além disso, se encontra em sérias dificuldades financeiras, não tendo condições de assumir prazos e condições de entrega.

A relatora do caso no tribunal, desembargadora federal Luciane Amaral Corrêa Münch, seguiu integralmente a sentença. "Ficou comprovada, mediante perícia técnica realizada na fase processual, a alegação da parte autora de que o produto importado não possui similar no mercado nacional", ressaltou. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4.

Clique aqui para ler a decisão. 

Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2012

 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Camex altera lista brasileira de exceção à TEC


27/08/2012

Brasília (27 de agosto) – Foi publicada, no Diário Oficial da União, aResolução Camex n°62, aprovada pelo Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex), ad referendum do Conselho de Ministros da Camex, e que promove ajustes na Lista Brasileira de Exceção à Tarifa Externa Comum (Letec). 
 
Serão excluídos da Letec, a partir de 1°de setembro de 2012, com redução de alíquota, os códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) 8415.10.11 e 8415.90.20, referentes a aparelhos de ar condicionado e unidades condensadoras. A partir do próximo mês, as alíquotas do Imposto de Importação passam de 35% e 25%, respectivamente, para 18%. A causa da  alteração é a entrada em vigor da política específica para o setor produtivo de ar-condicionado, relacionada ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de que trata o Decreto n° 7.741, de 30 de maio de 2012.

Outra alteração que será feita a partir de 1° de setembro é a inclusão na Letec dos veículos de combate a incêndio em aeroportos, com redução de Imposto de Importação de 35% para 0%, para uma cota de 80 unidades, por meio da criação de Ex-tarifário à NCM 8705.30.00. A medida tem por objetivo a modernização e segurança dos aeroportos brasileiros.
 
A Resolução também modifica, a partir de hoje, a descrição do Ex 001 do código NCM 3926.40.40, referente a artigos de laboratório de análises clínicas. Com a alteração, os tubos de ensaios e suas tampas, importados, em conjunto ou separadamente, passarão a contar com a alíquota de proteção ordinária da TEC (18%) para bens produzidos nacionalmente. Os demais artigos de laboratórios de análise clínicas não contemplados pela descrição do Ex 001 continuam com tarifa de exceção de 0%.


mdic


http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/noticia.php?area=1&noticia=11754

Convênios do ICMS criaram clima de insegurança

JUSTIÇA TRIBUTÁRIA


Por Raul Haidar

A denominada guerra fiscal do ICMS vem chamando a atenção de muita gente há muito tempo. Dizem que o que começa mal dificilmente acaba bem. Tal afirmativa é totalmente verdadeira quando se vê o que vem ocorrendo com essa questão. 

O artigo 155 da Constituição ao fixar as normas a que se sujeita o ICMS incluiu uma que cuida da forma como devem ser concedidos as isenções, incentivos e demais benefícios fiscais, através de lei complementar. Ocorre que a Lei Complementar 24/75 (anterior ao texto constitucional, mas por ele recepcionada) trata de forma defeituosa os convênios, dando-lhes poderes de legislar que eles jamais tiveram. 

Não pode a lei complementar violar a Constituição. Apesar disso, tem sido comum a lavratura de autos de infração onde não são aceitos créditos de ICMS vindos de outros estados. A Carta Magna assegura que a não cumulatividade do tributo opera-se "compensando-se o que for devido em cada operação relativa à cinculação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro estado ou pelo Distrito Federal".           

A negativa do crédito ignora o princípio da não cumulatividade, que é essencial na estrutura do ICMS. Se algum imposto foi pago (não importa por quem, quando ou como) o crédito é de ser admitido. Não pode o fisco, seja a que pretexto for, negar o direito ao crédito. O ICMS incide sobre o valor agregado que, em singela afirmação, incide sobre a diferença entre o valor de entrada e o de saída da mercadoria ou serviço tributado.        

Portanto, o fato de que os fornecedores de serviços usados pelo contribuinte (e sujeitos ao ICMS) como parte dos que prestou a terceiros, seus clientes, mesmo que ocorridos, executados, apropriados ou incorporados em outras unidades da federação, autorizam o aproveitamento do crédito fiscal, por uma razão muito simples: fazem parte do custo final dos serviços faturados e sobre os quais paga-se o imposto. 

Assim, se a obrigação, seja ela qual for, tiver sido criada por ato que não emane do Legislativo, não obriga a qualquer pessoa — ainda que venha anunciada por convênios, portarias, instruções etc. —, pois o poder de legislar é absolutamente indelegável. Esse princípio é que difere a democracia dos outros regimes.

Outra questão controvertida nessas autuações envolvendo serviços é a que se relaciona com a emissão de notas fiscais e o fornecimento de informações eletrônicas. Já surgiram autuações de valores elevados ante a não observância de normas que não foram aprovadas por lei. 

A Lei Complementar (estadual) 939/2003, considerada em São Paulo como o "Estatuto do Contribuinte", diz, em seu artigo 8º, que: "A Administração Tributária atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos". 

Essa lei não é uma brincadeira, mas vem sendo solenemente ignorada por muitos servidores. 

Não atende ao interesse público nem ao princípio da razoabilidade que o contribuinte seja autuado numa eventual omissão, quando todos os dados ou a maior parte deles já seja de conhecimento do fisco. 

O livro de apuração, por exemplo, é um apanhado dos mesmos informes que constam da GIA, já entregue ao fisco. O livro de registro de utilização de documentos serve apenas para anotar ocorrências (que o fisco, por dever de ofício, tem em seu poder) e registrar a utilização de notas fiscais, estas, objeto de autorizações expedidas pelo próprio fisco ou mesmo emitidas por ele. Não há razão, pois, para que se aplique multa nesse caso, eis que a omissão ou falha em nada interfere no pagamento do tributo. Afinal, o imposto foi destacado e nenhum dos tomadores dos serviços ficou com dúvida sobre o que se tributava.

Ademais, eventuais irregularidades de natureza fiscal, que não implique falta ou atraso no recolhimento de tributo, podem ser corrigidas sem qualquer penalidade, mediante prévia notificação ao contribuinte.  Diz o artigo 52 do Decreto 46.674, regulamentando o artigo 66 da Lei 10.941/2001: "O auto de infração pode deixar de ser lavrado, nos termos de instruções expedidas pela Secretaria da Fazenda, desde que a infração não implique falta ou atraso de pagamento de imposto".

Ocorre que a Lei 6.374/89, que regula o ICMS neste estado, em nenhum momento tornou obrigatória a entrega de arquivos digitais ao fisco e nem mesmo a escrituração fiscal exclusivamente através de sistemas eletronicos. Tal "obrigatoriedade" só veio com o Decreto 48.475 que acrescentou o parágrafo 1º ao artigo 250 do regulamento, bem como o parágrafo 2º, que trata de emissão de notas fiscal em uma única via.  Esse decreto em nenhum momento sequer menciona a lei, afirmando que se baseia em "convênios" e "protocolos" que foram "ratificados" pelo executivo. Como se sabe, o governador não faz leis.

Esse parágrafo 1º, que usa a expressão "deverão" para tentar tornar obrigatório o que a Lei 6.374 não instituiu é, portanto, totalmente inconstitucional, por não ter sido aprovado em texto de lei. O princípio da legalidade absoluta em matéria tributária não se discute, pois decorre de norma da Constituição Federal, cujo artigo 5º inciso II garante: que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

O contribuinte do ICMS não pode ficar refém dessa tal guerra fiscal. Por outro lado, a simples possibilidade de imposição de multas de valores astronômicos sem que sua legalidade esteja clara pode viabilizar sérios problemas contra o contribuinte e até mesmo estimular eventual corrupção. 

Já passou da hora do Poder Judiciário resolver essa pendência.  Existem muitas empresas que, autuadas pelo ICMS, estão praticamente paradas, pois não sabem se vale a pena operar num ramo onde ninguém sabe qual é a regra do jogo e qual a norma tributária que vale e qual não vale. Além disso, as autoridades fazendárias devem se conscientizar de que nenhum proveito se obtém criando um clima de terrotismo fiscalista que serve apenas para afugentar o contribuinte.

Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2012

 

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Já passou da hora do Poder Judiciário resolver essa pendência.  Existem muitas empresas que, autuadas pelo ICMS, estão praticamente paradas, pois não sabem se vale a pena operar num ramo onde ninguém sabe qual é a regra do jogo e qual a norma tributária que vale e qual não vale. Além disso, as autoridades fazendárias devem se conscientizar de que nenhum proveito se obtém criando um clima de terrotismo fiscalista que serve apenas para afugentar o contribuinte.

Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2012

 

Especialistas criticam falta de clareza da legislação tributária e Alta carga de impostos e estrutura complexa dificultam investimentos

Especialistas criticam falta de clareza da legislação tributária

Durante evento em São Paulo, economistas falam da complexidade tributária e atacam a guerra fiscal

Gustavo Machado
gmachado@brasileconomico.com.br

Complexidade tributária, guerra fiscal e despesas governamentais foram os principais temas abordados durante a conferência "O modelo fiscal brasileiro", promovido pelo grupo Ejesa, por meio do BRASIL ECONÔMICO, e patrocinado pela KPMG. Algumas soluções foram encontradas, mas o sentimento de insegurança jurídica dominou os debates.


No evento, que reuniu nomes como o do ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, representantes de empresários criticaram a falta de clareza da legislação nacional. Em uma oportuna intervenção, Paulo Rabello de Castro, presidente do conselho de economia da Federação do Comércio (Fecomercio), disse que não há um mínimo de segurança jurídica para o empreendedorismo no país. A guerra fiscal também foi amplamente discutida e quase alcançou um consenso entre os palestrantes: ela teria sido possibilitada pela autonomia exacerbada de governadores. A crise deflagrada pelas diferentes alíquotas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) esquentou as argumentações. "O ICMS hoje possui mais de 70 obrigações acessórias. O empresário tem que fazer o que sabe", alarmou Roberto Mateus Ordine, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Everardo Maciel, durante a discussão sobre a Guerra Fiscal, trouxe dados estarrecedores sobre a situação da principal fonte de arrecadação dos estados. "Ao somarmos as diferentes alíquotas cobradas por todos os estados e suas diferentes bases de cálculo, teremos 57 impostos diferentes", afirmou. Marienne Coutinho, sócia da área de Tax da KPMG, disse se preocupar com empresas que estão entrando agora no mercado brasileiro. Segundo ela, não é possivel traçar um plano seguro para as companhias. "Os novos entrantes devem ou não requerer algum beneficio tributário? Com uma decisão desfavorável do Supremo Tribunal Federal (STF) elas podem perder da noite para o dia sua competitividade além de ter que pagar os débitos criados. A situação é de extremo risco", avalia.

Julio Maria de Oliveira, sócio do escritório Machado Associados, reiterou a tese de inconstitucionalidade dos benefícios fiscais concedidos por meio de créditos de ICMS. "Todos os estados descumprem a legislação diariamente" , afirmou.

Por fim, os debatedores criticaram a alta carga tributária brasileira. Atualmente, a arrecadação nacional alcança o patamar de 34% do Produto Interno Bruto. Porém, foi de claro entendimento que o problema principal não está do lado da receita da União e dos Estados, mas sim na outra ponta, a dos gastos. Para o tributarista Pedro Guilherme Lunardelli, a distribuição da renda deveria estar no centro de qualquer discussão sobre reforma tributaria. "As contribuições sociais, como PIS e Cofins, precisam ter uma destinação especifica. Mas funcionam como qualquer outro imposto", assinalou. "Já tivemos uma pequena reforma tributária chamada controle da arrecadação. Agora precisamos de um controle da destinação dos recursos", complementou Lunardelli.

Roberto Mateus Ordine lembrou que as contribuições sociais, criadas a partir da década de 1960, ganharam participação ano a ano na arrecadação nacional. "Elas sairam de 0,5%, quando a primeira foi criada em 1965, para 23 "/.. do total da receita em 2011", reclamou o vice-presidente da ACSP. A Cofins também foi um debate à parte. Foi unânime as reclamações em torno da contribuição. A critica é que ninguém entende as regras do imposto. "A Cofins de 2012 é completamente diferente da de 2002. São dois mundos distintos. Uma complexidade desnecessária. Agora acontece um uso muito forte do tributo como política econômica", afirma Maciel.

No entanto, sua critica ao periodo em que o pais foi governador por Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff não ficou sem resposta dos outros palestrantes. "Que me desculpe a pessoa ilibada que é o doutor Maciel, mas o sistema tributário nacional é caótico e não e de hoje. Foram puxadinhos feitos ao longo de anos que transformaram nosso modelo fiscal em uma desconfortável favela", afirmou Paulo Rabello de Castro. "Para solucionar, vejo o ICMS nacional compartilhado surgindo. Um imposto único sobre produção, movimentação e consumo", profetizou. ¦


ENTREVISTA PAULO RABELLO DE CASTRO
Presidente do conselho de economia da Fecomercio

"Este manicômio tributário está nos custando R$ 50 bi por ano"
Para o economista, a complexidade fiscal impede investimentos privados no país

Existe insegurança jurídica no sistema tributário?
Não acho que exista insegurança, tenho a certeza de que vivemos no caos tributário. Não é apenas no campo da arrecadação. No campo das despesas públicas, afora as cachoeiras, temos um problema de câncer na medula, que é a extinção do conceito de orçamento. E isso quem falou foi o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, que, sem meias palavras, afirmou que o orçamento público é uma ficção. Resgatar portanto o conceito de um orçamento eficaz e de uma tributação eficiente é um desafio para a cidadania brasileira. É um momento revolucionário. Pois quem deveria ser o guardião da lei, não a defende e também não a pratica.

O que espera do projeto da comissão montada pelo Senado para resolver a guerra fiscal? 
É um passo importante, mas por não ser cirúrgico, e que provavelmente ficará pedindo desculpas a esta velha e arcaica estrutura que formou a comissão, é algo que já vem com um vício original. Trata-se de uma comissão que se organiza por dentro da cidadela do arcaísmo e do retrocesso.

A comissão é viciada? 
Não é que ela vá reproduzir algum vício, mas esta é uma comissão que provavelmente não vá ferir a discussão em seu âmago. O que é que o cidadão quer? Quer um sistema simples, cômodo e fácil de entender. É preciso uma simplificação cirúrgica. Não adianta a comissão me trazer cinquenta novos procedimentos. Precisamos de 3 ou 4 viradas cirúrgicas. Precisamos de um único imposto sobre a produção, circulação e consumo das mercadorias. Um único. Paulo Rabello: "Quem deveria ser o guardião da lei não a defende e também não a pratica"

E renda, importação?
A renda, outro único imposto, seja de pessoa física ou jurídica. E um único imposto sobre o comércio exterior. Importação sem a aplicação de IPI, ICMS etc.? Você já está citando diversos tributos que não condizem com o pensamento simplificado. O país quer a redução imediata dessa complexidade. Desta verdadeira barafunda tributária. Um movimento em nome de um crescimento que não está mais acontecendo. Este manicômio está nos custando R$ 50 bilhões por ano, segundo cálculos do Movimento Brasil Eficiente.

De onde vem essa cifra? De onde se tirou esse número? É o quanto foi gasto com tributaristas? 
Isso é dinheiro perdido. Isso é o que se perde com investimentos que não se realizam em milhões de empresas brasileiras. Uma parte considerável da renda que seria retida na mão do empresário para reinvestimento, deixa de acontecer. Esse é o grande prejuízo. É o que você deixou de produzir como empresário. É também o que você deixou de guardar como família, pois já foi tungado ao financiar um orçamento absolutamente descontrolado. ¦
Gustavo Machado


Empresários com medo de "canetada" do STF
Forçar o fim da guerra fiscal pode causar mais prejuízos do que benefícios, diz palestrante

"O setor têxtil não existiria no nordeste sem incentivos fiscais". Com a frase acima, o tributarista Pedro Guilherme Lunardelli inaugurou o debate sobre a guerra fiscal no seminário promovido pelo BRASIL ECONÔMICO .

Segundo ele, o fim dos benefícios tributários concedidos pelos estados impactaria diretamente o plano econômico de grande parte do empresariado nacional. "Podem haver cinco mil artigos na legislação do ICMS, mas que sejam os mesmos cinco mil artigos para os 27 estados. Mas isso não pode acontecer por meio de uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal", disse ao lembrar da proposta de súmula vinculante nº 69, redigida pelo ministro Gilmar Mendes e que pode colocar um fim aos incentivos estaduais. Para o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, a guerra fiscal é apenas parte de um problema federativo maior. "Nunca vi uma crise como a que estou vendo. Este é um enfrentamento que o Congresso terá de discutir dissociado de todo o resto", disse Maciel. O tributarista aproveitou para elencar uma série de embates que devem surgir na Câmara dos Deputados e no Senado até o final do ano. "Fundo de Participação dos Estados (FPE), que precisa ser revisto até 31 de dezembro, roylaties, dívidas dos estados e guerra fiscal. Tudo relacionado ao primeiro ponto, o FPE", alertou Maciel. Ele lembrou que, como relator da comissão especial constituida pelo Senado, um anteprojeto para resolver as discussões em torno destes temas deve ser concluído até o final de agosto.

Enquanto uma solução politica não é encontrada, Marienne Coutinho, sócia da área de Tax da KPMG, teme pela segurança juridica de um sistema no qual estão inseridos todos os seus clientes. "Vibramos quando um cliente vem para o Brasil, mas temos que falar a verdade para eles. E a verdade é que a grande maioria possui beneficios fiscais e esta em risco", afirma Marienne. Uma das soluções criadas por Paulo Rabello de Castro, presidente do conselho de economia da Fecomercio, e coordenador do Movimento Brasil Eficiente, é a nacionalização do ICMS.

Com a proposta, se tiraria a autonomia dos estados, concedendo ao governo federal a obrigação da arrecadação e distribuição do montante. "Temos já a adesão do governador Geraldo Alckmin (PSDB/ SP) e Eduardo Campos (PSB/PB). Além disso, Santa Catarina se mostrou favorável à proposta", comenta Castro. O projeto de Castro foi bem aceito pelos debatedores, que estavam convencidos que o excesso de autonomia dos estados promoveu a guerra fiscal. Tanto o tributarista Lunardelli, quanto seu colega Júlio Maria de Oliveira, entendem como inconstitucional e uma transgressão às leis federais os incentivos fiscais. "A unificação é uma perda imediata de poder dos governadores, que descumprem a legislação todos os dias", criticou Oliveira. I G.M.


 

Alta carga de impostos e estrutura complexa dificultam investimentos
Marienne Coutinho, da KPMG, avalia que o sistema atual dificulta a vinda de investidores estrangeiros para o país, embora eles estejam interessados na economia brasileira e em busca de alternativas de negócio fora da Europa e dos Estados Unidos

Marília Almeida
malmeida@brasileconomico.com.br

Uma reforma tributária é necessária para atrair maior fluxo de investimentos para o país, o que pode auxiliar no financiamento de obras de infraestrutura necessárias para o crescimento da economia nacional. Marienne Coutinho, sócia da área de tax da KPMG, diz que a alta carga tributária e a complexidade do sistema dificultam a vinda de investidores estrangeiros para o país, atraídos por uma economia fortalecida e em busca de alternativas de negócio fora da Europa e dos Estados Unidos. Ela aponta que o número de consultas de investidores estrangeiros com interesse em adquirir ou iniciar negócios no país aumentou dez vezes nos últimos anos na consultoria.

"São empresas e negócios que complementam nossas demandas locais e são promissores. Mas o sistema tributário é um obstáculo para estes investimentos". Isso porque, caso os empreendedores optem por adquirir uma empresa, é necessário avaliar seu risco fiscal. "As normas são rígidas na Europa. Quando vêm para o país, encontram muita sonegação, o que é um obstáculo para a aquisição. É importante que o governo aumente a fiscalização, tanto de empresas como agentes da Receita, que podem receber propinas", diz Marienne. No caso da opção por começar um investimento do zero,além da alta quantidade de impostos, os investidores se deparam com leis pouco claras, bem como autuações cujos processos se arrastam por anos.

"A alíquota do Imposto de Renda não é exorbitante, mas, quando o investidor pede para somarmos todos os impostos, a conta fica cara", conta Marienne. "Mas a alta carga tributária não é o principal problema. Para atender as demandas do sistema tributário nacional, os empresários precisam de equipes maiores e mais recursos tecnológicos devido a normas complexas, o que também acaba se refletindo em custos".

Para o advogado tributarista Pedro Lunardelli, é possível comparar a carga tributária do Brasil, que atingiu 33,56% do PIB em 2010, com outros países de capacidade similar. "O grande problema é o controle do sistema". O economista Paulo Rabello de Castro, autor do livro "A reforma da reforma: a estrutura tributária" e articulista do BRASIL ECONÔMICO, também acredita que a alta carga tributária dificulta o fluxo de capital no país. "O sistema tem um poder destrutivo sobre os investimentos. A economia se estabilizou, e o mesmo deveria acontecer com a tributação". Julio Maria de Oliveira, advogado tributarista do escritório Machado Associados, concorda que todos deveriam pagar a conta quando a economia vai mal, inclusive o governo. "O sistema tributário se desvinculou da economia, o que é resultado da artificialização de impostos".

Brasil Eficiente

Em busca de soluções, o Movimento Brasil Eficiente ganhou, na semana passada, adesão do governo de São Paulo. Ao lado de Santa Catarina e Pernambuco, são três estados que apóiam o movimento. O objetivo é propor medidas de racionalização, simplificação e redução de impostos, bem como melhorar a gestão dos gastos públicos. Entre as propostas está a redução gradual da carga tributária a partir de 2014 em um ponto porcentual por ano para chegar, em 2020, ao nível de 30% do PIB. O movimento civil está aberto a adesões pelo site www.brasileficiente.org.br. ¦
 

 
Brasil Econômico
27.08.2012

ICMS sofre 20 mudanças ao dia e atrapalha negócios e Substituição tributária gera controvérsias

ICMS sofre 20 mudanças ao dia e atrapalha negócios

FELIPE OLIVEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

 

As constantes mudanças e a disparidade nas regras entre os Estados fazem do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) uma dor de cabeça para os empresários.

Em cada unidade da Federação o imposto tem especificidades nas alíquotas, nos prazos e nos procedimentos burocráticos.

A simplificação seria um dos maiores objetivos de uma reforma tributária, mas a resistência dos Estados, dado o peso do ICMS na arrecadação (representa mais de 80% da receita), é um entrave.

Foram 20 modificações diárias em média neste mês em todo o país, segundo levantamento de Rita Andrade, coordenadora editorial da IOB Folhamatic, que desenvolve softwares de contabilidade.

Podem surgir 60 normas em um dia, diz Flavia Martin, consultora da Fiscosoft, empresa que fornece informações e cursos de tributação.

Entre as mudanças do dia 23, por exemplo, estavam a redução da alíquota cobrada para suco de laranja em São Paulo e a mudança da base de cálculo do imposto na venda de materiais de construção no Rio Grande do Sul.

Além disso, ao menos sete Estados editaram decretos neste mês para reverter arrecadação do imposto com a venda de Big Mac do dia 24, quando houve campanha em prol de instituições de combate ao câncer infantil.

"Uma mudança provocada por uma alteração dessas pode afetar todo um planejamento", diz Tales Giaretta, diretor da Toyo Setal, empresa do setor de petróleo e gás.

Ele diz que a empresa se associou a executivos japoneses e que há surpresa quando eles se deparam com a burocracia tributária brasileira.

DESBRAVAMENTO

Outra dificuldade é a diferença de procedimentos que existe em cada legislação estadual. "A pessoa às vezes nem consegue saber que precisa seguir determinadas normas, preencher certos papéis", diz o advogado tributarista Antonio Carlos Rodrigues do Amaral.

O juiz do TIT (Tribunal de Impostos e Taxas) e sócio do escritório LBZ Advocacia Raphael Garofalo elenca entre as peculiaridades estaduais (veja texto abaixo) um selo de autenticidade que deve ser colado em todas as notas fiscais que chegam ao Acre.

Já para a compra de uma mercadoria que vai do Espírito Santo para São Paulo, é necessário que a nota fiscal tenha registrada a placa do caminhão e o volume transportado, sob pena de multa.

Para Amaral, "o emaranhado de normas é tão grande que o empreendedor brasileiro precisa ter um espírito desbravador".

GUERRA FISCAL

Segundo o advogado tributarista Fábio Soares de Melo, novas leis surgem em grande quantidade devido a fatores como a necessidade do fisco de se adaptar a novos negócios e melhorar a fiscalização e arrecadação.

Ele também atribui parte da responsabilidade à "guerra fiscal" entre os Estados, ou seja, a ação com objetivo de conseguir atrair investimentos de outras localidades concedendo benefícios para determinadas operações.

Segundo ele, a complexidade e a quantidade de alterações na lei geram um custo extra para as empresas, que necessitam do auxílio de escritórios de contabilidade e consultorias fiscais e jurídicas na apuração do imposto.

Apesar da burocracia, Soares de Melo diz existir um ponto positivo no sistema, pois o empreendedor tem a possibilidade de procurar um local que, dentro da legislação, ofereça vantagens a ele.

Muitos desses incentivos, porém, são concedidos sem a autorização do Confaz -órgão do Ministério da Fazenda integrado por representantes de todos os Estados.

Edital para súmula vinculante no Supremo Tribunal Federal pretende tornar inconstitucional todo incentivo dado sem autorização.

Também como forma de combater a guerra fiscal, o governo federal discute com os Estados a redução da alíquota do ICMS nas transações interestaduais. A ideia é ir dos atuais 12% e 7% para 4%.

Folha procurou o Confaz, mas não obteve resposta até o fechamento da edição.

 

 

Substituição tributária gera controvérsias

FELIPE OLIVEIRA

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

 

A substituição tributária, em que uma parte fica responsável pelo recolhimento do ICMS de toda a cadeia, é considerada pela consultora Flavia Martin o ponto mais complexo do ICMS.

A ideia da substituição, segundo o advogado Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, é interessante no caso de itens em que existe uma alta concentração na produção e dispersão na distribuição, como refrigerantes ou cigarros.

No entanto, como antecipa o recebimento do imposto pelos Estados e facilita a fiscalização, o sistema passou a ser utilizado para qualquer tipo de produto indistintamente, diz o tributarista.

Além disso, não há consenso entre Estados sobre todos os produtos que estão sujeitos a esse regime de tributação. Nem sobre as margens de valor agregado (MVA), estimativa do valor final do produto substituído sobre o qual se aplica a alíquota.

Em transações interestaduais sujeitas à substituição, o fornecedor é responsável por recolher o imposto e entregá-lo ao Estado de destino da mercadoria.

Como nem sempre há consenso sobre o que deve ser substituído, a consequência é o surgimento de "barreiras alfandegárias" entre Estados, com o objetivo de garantir o recebimento antecipado do imposto.

"Estamos indo na contramão dos blocos desenvolvidos, que estão acabando com as barreiras", diz Bruno Quick, gerente de políticas públicas do Sebrae.

PEQUENAS EMPRESAS

De acordo com Quick, a substituição tributária, do modo como é tratada atualmente, é responsável por diminuir a eficácia do Simples Nacional, regime de tributação simplificado para micro e pequenas empresas que unifica impostos.

Se uma indústria optante do Simples, por exemplo, produz um produto que tem ICMS pago por substituição tributária, terá que pagar a alíquota do produto em separado e realizar uma contabilidade paralela para este. Isso gera custos com os quais a pequena empresa nem sempre consegue lidar.

A empresa também precisa recolher o imposto antes de receber pelo produto, o que cria uma necessidade de capital de giro que é crítica para os pequenos.

Quick também critica o fato de as margens de valor agregado utilizadas prejudicarem a competitividade das pequenas empresas, que, por não trabalhar em grande escala, precisam vender seus produtos com uma margem de lucro maior do que a das grandes para sustentar seus negócios, mas pagam o mesmo imposto.

 
Folha de S.Paulo
27.08.2012

SP questiona benefícios no Supremo


Por Laura Ignacio | De São Paulo

Enquanto a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) sobre guerra fiscal está parada no Supremo Tribunal Federal (STF) e os secretários de Fazenda estaduais discutem a possibilidade de um acordo via Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o Estado de São Paulo ajuizou cinco ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) contra benefícios fiscais concedidos pelo Amazonas, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Bahia e Mato Grosso do Sul sem a aprovação unânime dos integrantes do conselho.

Segundo estimativa da Secretaria da Fazenda de São Paulo, o Estado perdeu em 2011 cerca de R$ 4,5 bilhões em arrecadação de Imposto sobre a Circulação de mercadorias e Serviços (ICMS) por causa de benefícios concedidos por esses cinco Estados, sem anuência do Confaz.

O governo de São Paulo questiona, por exemplo, dispositivos da Lei nº 2.826, de 2003, e do Decreto Estadual nº 23.994, do mesmo ano, do Amazonas. As normas tratam de benefícios de ICMS para uma série de produtos, de eletrônicos a pescados. Também contesta normas de Santa Catarina que concedem crédito presumido do imposto na venda de produtos da indústria de automação, informática e telecomunicações. Outra Adin pede que a Lei nº 4.174, de 2003, sobre a concessão de incentivos fiscais às empresas que expandirem ou implantarem suas atividades na área do Porto de Sepetiba, no Rio, seja declarada inconstitucional.

O procurador de São Paulo, João Carlos Pietropaolo, reconhece que o Estado também concede benefícios sem submetê-los ao Confaz, mas argumenta que isso é feito com base em lei estadual que permite a prática para a proteção de setores estratégicos. "Isso não invalida nosso argumento nas Adins", diz. Hoje, São Paulo é réu em 15 Adins e autor em 14. Até agora, perdeu em uma ação e ganhou em outra. "A edição de uma súmula vinculante aceleraria o julgamento de todas elas", afirma o procurador.

Para o advogado Maurício Faro, do BMA Advogados, a edição de uma súmula complicaria a situação porque geraria um alto passivo tributário para as empresas. Isso porque contribuintes paulistas vêm sendo autuados quando tomam o crédito cheio de ICMS em São Paulo, após terem pago o imposto reduzido, sem autorização do Confaz, em outro Estado. "Com a edição da súmula, o contribuinte pode perder duas vezes: ao ser impedido de tomar o crédito cheio deverá devolver a diferença e, se a lei que concedeu o benefício for declarada inconstitucional, também terá que pagar a diferença", diz.

Segundo o coordenador do Confaz, Claudio Trinchão, há uma tentativa de acordo no conselho. Mas a proposta dos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste para manutenção de tudo o que foi concedido no passado, sem autorização do Confaz, não é aceita pelos demais Estados. "Seriam definidos prazos de validade para as normas em vigor", afirma. Também há, segundo ele, o problema de se querer, em um único acordo, definir essa questão e as novas alíquotas interestaduais do ICMS.

 
Valor Econômico
27.08.2.012