O anúncio da nova política para o setor automotivo, na prática um brutal aumento de 30 pontos percentuais do IPI sobre automóveis importados, demonstrou mais uma vez o gosto do Ministério da Fazenda por medidas protecionistas para assumir um papel que deveria caber aos programas de aumento de competitividade nas indústrias nacionais.
Adiou-se o plano de cobrar mais investimentos em eficiência no uso de combustível para os veículos - medida que traria um diferencial para o parque industrial brasileiro. A barreira tributária novamente foi apresentada como saída para problemas estruturais do país.
Há pouco mais de duas décadas, ao comparar os carros nacionais a "carroças" e forçar uma modernização a golpes de corte de imposto de importação, o então presidente Fernando Collor de Mello garantiu um raro ponto positivo numa biografia que seria manchada por acusações de corrupção e um impeachment. Em 1995, um choque protecionista, com grande aumento tarifário, só estimulou montadoras a trazer investimento ao país graças a pesados subsídios estatais e abertura do setor de autopeças, que escancarou esse subsetor às importações.
Foi a maior competição que obrigou montadoras a investir em equipamentos e trazer ao país inovações antes exclusivas de mercados mais desenvolvidos. A competição, somada a incentivos fiscais e expansão do crédito, catapultou a produção de veículos, de 860 mil em 1991 para quase 3,4 milhões de unidades, no ano passado.
Neste início de século XXI, no entanto, as condições de disputa de mercados tornaram-se cruéis para firmas instaladas no país. Depois de alcançado um recorde de produção de 325,3 mil veículos em agosto, o setor automotivo passou a acumular automóveis nos pátios, sofreu paralisação de linhas de montagem e recorreu a férias coletivas. Já em agosto, prevendo as dificuldades, o governo incluiu, no lançamento do plano Brasil Maior promessa de uma política específica para o setor. Mas não na linha do que foi divulgado sexta-feira.
Os ministérios da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento haviam previsto estímulos para trazer ao país pesquisas de eficiência energética, uma das linhas de frente do avanço tecnológico do setor. As medidas concebidas no ministério da Fazenda (só na sexta-feira apresentadas aos outros ministérios) não tiveram essa sofisticação estratégica. Apenas mais imposto.
A invasão de importados é real. Os dados sobre licenças de importação, publicados por este jornal na sexta-feira, mostram que, até a semana passada, emitiram-se licenças de importação para 860 mil automóveis, o equivalente a US$ 13,5 bilhões; aguardam liberação outros 660 mil veículos, o que pode representar mais US$ 5,8 bilhões em importações. Todo esse volume equivale a quase metade da produção do setor até agosto. A medida anunciada no ministério da Fazenda não parece, porém, ser a mais sábia contra a pressão estrangeira sobre o mercado nacional.
De imediato, saltou à vista o conflito entre a medida discriminatória contra os importados e as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). O "tratamento nacional" é um dos princípios fundamentais da organização: uma vez dentro do país, após ter pago as devidas tarifas de importação, um produto estrangeiro não pode sofrer discriminação por sua origem. O Brasil, ao violar a regra, punindo com imposto interno maior bens vindos do exterior, sujeita-se a questionamentos no órgão de solução de controvérsias da OMC - instrumento do qual é um dos maiores usuários, por recorrer a ele com frequência contra barreiras ilegais aplicadas em outros países.
Além disso, os fabricantes que o governo decidiu proteger são empresas multinacionais, cujas filiais disputam entre si os investimentos e decisões de instalação de centros de pesquisa das matrizes, com base em critérios como custo de mão de obra, logística, carga burocrática e tributária, condições tecnológicas. Difícil imaginar que se fortalecerá o poder de barganha das filiais brasileiras estimulando uma escalada protecionista. Sem pressões pelo aumento da qualidade do produto nacional nem estímulo à redução de preços, os consumidores também não estarão, certamente, entre os beneficiários da medida retrógrada do governo.
Valor Econômico 19/09/2011
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