A fabricante de carrocerias Marcopolo livrou-se de uma autuação milionária da Receita Federal, que acusava a empresa de simular exportações para subsidiárias no exterior com o propósito de excluir, da contabilidade brasileira, parte do lucro com as vendas. Segundo o Fisco, a empresa buscava assim reduzir o pagamento de Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O caso foi julgado na tarde de sexta-feira pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a última instância administrativa para discussão de autuações fiscais federais. Após mais de quatro horas de julgamento, os conselheiros da 1ª Seção decidiram, por unanimidade, que houve planejamento tributário, mas sem infringir a lei e sem qualquer tipo de simulação. O caso é considerado um precedente relevante para diversas empresas que operam de forma semelhante nas vendas ao exterior.
A Receita autuou a Marcopolo por operações feitas de 2001 a 2007, através de um desenho pelo qual a empresa gaúcha exporta para duas subsidiárias: a Marcopolo International Corporation (MIC), com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, e a Ilmot International Corporation, no Uruguai. Também foram questionadas vendas para empresas não pertencentes ao grupo, mas sediadas em paraísos fiscais. A localização permite a redução da tributação no Brasil. Por exemplo: se a mercadoria é exportada para a subsidiária por R$ 100 mil, esta posteriormente faz a revenda ao consumidor final por R$ 115 mil. A Receita apontou que essa diferença – no caso, R$ 15 mil – não era tributada no Brasil. Segundo o Fisco, seria um artifício, pois os produtos sequer passariam pelas subsidiárias. O objetivo seria reduzir o valor de exportações feitas, na realidade, diretamente do Brasil.
O relator do caso no Carf, conselheiro Antônio Praga, representante da Fazenda, afirmou que não encontrou provas da simulação alegada pela Receita. "Se o Fisco entendeu que houve fraude, não trouxe provas suficientes." Segundo ele, também não houve omissão de receita nas operações — prova disso é que a autuação teve como base as próprias declarações da empresa, disse o relator. Para o conselheiro, se é que existiu algum tipo de problema no pagamento de tributos, a causa não estaria no desenho operacional das subsidiárias estrangeiras. "Eventual irregularidade no planejamento tributário deveria ser verificada no resultado das coligadas no exterior", sugeriu. O conselheiro explicou que a lei determina a tributação, no Brasil, dos resultados obtidos fora do país pelas coligadas.
A empresa argumentou, no entanto, que não se trata de planejamento tributário, mas da forma comercial em que estruturou seu sistema de vendas ao mercado externo. "Estamos falando do modelo operacional que a empresa empregava havia mais de 20 anos para realizar as operações de exportação", afirmou o advogado da Marcopolo, Marcos Matsunaga, ao fazer a defesa oral. Ele também disse que a companhia apresentou provas de que as subsidiárias atuavam de fato com representantes comerciais, negociando diretamente com os clientes. "Todas as operações praticadas observaram fielmente os limites da legislação de preço de transferência e de lucro no exterior."
Os advogados da Marcopolo evitaram confirmar o valor da autuação. Mas o Valor apurou que o processo envolve pelo menos R$ 200 milhões. A Fazenda poderá recorrer para a Câmara Superior da 1ª Seção do Carf, já que o julgamento foi tomado por uma turma ordinária.
Caberá à Câmara Superior uniformizar o entendimento, pois a própria Marcopolo perdeu um caso praticamente igual, em 2008, no então Conselho de Contribuintes (substituído pelo Carf). O processo envolvia operações feitas de 1999 a 2000. O conselho manteve a autuação à época ao entender que a Marcopolo não conseguiu comprovar a participação da Ilmot e da MIC nas operações de compra e venda de produtos. Advogados que acompanham o caso afirmam que, desta vez, a empresa trouxe provas mais robustas.
Para a tributarista Mary Elbe Queiroz, pesquisadora da matéria, a decisão deixa claro o entendimento de que não existe infração quando esse tipo de operação é feita com propósito negocial, desde que não haja dolo nem simulação, e que a compra e a venda sejam efetivamente realizadas. "A decisão traz segurança jurídica, é um norte para as empresas que já fizeram e fazem esse tipo de operação", disse.
O conselheiro Praga buscou relativizar o impacto do julgamento. "Em se tratando de planejamento tributário, cada caso é um caso. Não se pode dizer que o processo da Marcopolo significa que é possível fazer qualquer tipo de planejamento e ação dolosa, e que o conselho voltou ao entendimento anterior. Não é nada disso. Estou deixando isso bem claro. A empresa buscou fazer o planejamento dentro dos limites da lei. Outras empresas vão dizer que fizeram também, mas caberá ao conselho analisar."
Maíra Magro e Thiago Resende, Valor Econômico
03.10.2.011
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