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A interposição fraudulenta de terceiros presumida e a controvérsia sobre a aplicação da penalidade de inaptidão do CNPJ após o advento da Lei n.º 11.488/07
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Publicado em 11/2011
Bernardo Alves da Silva Júnior
Essa modalidade de interposição fraudulenta de terceiros consiste na conduta de não comprovar a origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados em operação no comércio exterior. A solução adotada pelo STJ é equivocada, porque confunde dois fenômenos completamente distintos.
As relações levadas a cabo no comércio exterior estão no centro das discussões atuais. Muitas são as implicações para a sociedade que decorrem dessa atividade, seja no campo econômico, da saúde ou da segurança, relevância esta que tem exigido ingentes esforços das autoridades competentes para disciplinar adequadamente todas as nuanças que envolvem as importações e as exportações realizadas no país.
Nesse contexto, a legislação aduaneira tem se mostrado deveras vasta e complexa, o que, não raramente, gera dificuldades na compreensão e aplicação de seus preceitos. Não por outra razão que vicejam tantas controvérsias em tema aduaneiro.
Dentre as instigantes questões que gravitam sobre essa matéria, ocupamo-nos aqui da interposição fraudulenta de terceiros presumida e suas correspondentes sanções.
Cabe esclarecer, de início, que essa modalidade de interposição fraudulenta de terceiros está disciplinada no art. 23, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 1.455/76, e consiste na conduta de não comprovar a origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados em operação no comércio exterior.
Assim, ao descumprir a obrigação de demonstrar a origem dos recursos, o agente comete a citada infração e está sujeito às penalidades daí advindas, quais sejam, o perdimento de mercadoria ou multa substitutiva (art. 23, §§ 1.º e 3.º, do Decreto-Lei n.º 1.455/76) e a inaptidão do seu CNPJ (art. 81, § 1.º, da Lei n.º 9.430/96).
A par disso, chamou-nos a atenção recentes decisões da Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região e da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em que restou assentado não caber a penalidade de inaptidão do CNPJ à infração de interposição fraudulenta de terceiros presumida. Eis o seu teor:
ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO - CADASTRO NACIONAL DAS PESSOAS JURÍDICAS-CNPJ - INAPTIDÃO - SUSPENSÃO - OPERAÇÕES DE COMÉRCIO EXTERIOR - LICITUDE DOS RECURSOS UTILIZADOS - COMPROVAÇÃO - PENALIDADE - LEI Nº 11.488/2007. a) Recurso - Agravo de Instrumento. b) Decisão de origem - Indeferimento de antecipação dos efeitos da tutela para afastar suspensão de inscrição no CNPJ antes do encerramento de procedimento administrativo que poderia concluir pela inaptidão do registro. 1 - Após o advento da Lei nº 11.488/2007, a infração atribuída à Agravante é passível de penalidade menos severa, MULTA, não mais INAPTIDÃO de sua inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas-CNPJ (Lei nº 9.430/96, art. 81, § 1º; Lei nº 11.488/2007, art. 33, parágrafo único; Código Tributário Nacional, art. 106, II, "c"), razão pela qual a inaptidão do CNPJ por não ter a Agravante comprovado a "origem dos recursos aplicados nas operações de comércio exterior, presumindo-se a interposição fraudulenta, nos termos do art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455/76, com redação dada pelo art. 59 da Lei nº 10.637/2002,¿", pena que lhe fora aplicada, não pode prevalecer. 2 - Agravo de Instrumento provido. 3 - Decisão reformada. (AG 200901000074484, JUIZ FEDERAL ANTONIO CLAUDIO MACEDO DA SILVA (CONV.), TRF1 - SÉTIMA TURMA, e-DJF1 DATA:14/01/2011 PAGINA:405.)
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DECLARAÇÃO DE INAPTIDÃO DO CADASTRO DO CNPJ DE EMPRESA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DE RECURSOS UTILIZADOS EM OPERAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA (ART. 23, § 2º, DO DL N. 1.455/76 C/C 81, § 2º, DA LEI N. 9.430/96) X CESSÃO DE NOME PARA A REALIZAÇÃO DE OPERAÇÃO DE COMÉRCIO DE TERCEIROS (ART. 33 DA LEI N. 11.488/07). VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. AFERIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE NA HIPÓTESE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DESTA CORTE.
1. O presente recurso especial originou-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão do juiz a quo que indeferiu o pedido de tutela antecipada formulado pela empresa em autos de ação ordinária no sentido de determinar o retorno do seu CNPJ à condição de ATIVO.
[...]
3. O Tribunal de origem concluiu que a ausência de comprovação da origem dos recurso utilizados em operação de comércio exterior - que foi tipificada pelo Fisco como sendo infração de interposição fraudulenta, na forma do art. 23, § 2º, da DL n. 1.455/76 - se equipara à hipótese prevista no art. 33 da Lei n. 11.488/07 que trata da cessão do nome da empresa para a realização de operação de comércio de terceiros com vistas ao acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários. Segundo o parágrafo único do referido dispositivo, tal infração não é daquelas que permitem a declaração de inaptidão do cadastro no CNPJ prevista no art. 81 da Lei n. 9.430/96.
4. A decisão da Corte a quo apenas deferiu a antecipação de tutela pleiteada, haja vista a verossimilhança das alegações da agravante e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, eis que, conforme consta do relatório do decisum, havia 432,40 toneladas de arroz para exportação paralisadas no Porto de Rio Grande em razão da inaptidão do CNPJ da empresa, impossibilitando o adimplemento de obrigações contratuais assumidas pela ela e exposto o produto ao risco de deteriorar-se. À vista de tal contexto, não é possível a esta Corte infirmar a conclusão adotada no acórdão recorrido, seja porque o conceito de "interposição fraudulenta" trazido pela recorrente nas razões recursais é muito similar ao disposto no art.
33 da Lei n. 11.488/07, o que recomenda o deferimento da tutela de urgência pleiteada pela empresa a fim de reativar seu CNPJ até a decisão de mérito na ação ordinária, seja porque o revolvimento dos requisitos do art. 273 do CPC, para fins de concessão de tutela antecipada, é providência que encontra óbice no teor da Súmula n. 7 desta Corte.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1144751/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 15/03/2011)
Com o máximo respeito aos órgãos prolatores das decisões sob comento, entendemos que a solução adotada – impossibilidade de inaptidão do CNPJ para punir a interposição fraudulenta presumida – entremostra-se em desconformidade com as normas vigentes no ordenamento jurídico pátrio, notadamente porque confunde dois fenômenos completamente distintos, impingindo-lhes o mesmo rótulo.
Com efeito, a legislação vigente contempla expressamente a existência de duas modalidades diversas e bem definidas de infração: a interposição fraudulenta comprovada e a interposição fraudulenta presumida. A primeira, resulta da ocultação do sujeito passivo, real vendedor, comprador ou responsável pela operação, mediante fraude ou simulação (art. 23, V, do Decreto-Lei n.º 1.455/76); a segunda, da não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados em operação do comércio exterior (art. 23, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 1.455/76). Nota-se, sem dificuldades, que se trata de condutas dessemelhantes.
E a diferença não se cinge ao suposto normativo. As sanções prescritas no conseqüente normativo também são diversas e estão estatuídas em dispositivos legais próprios.
No tocante à interposição fraudulenta comprovada, convém esclarecer que o advento do art. 33 da Lei n.º 11.488/07 tão-somente gerou a substituição da penalidade de inaptidão do CNPJ pela multa de 10% do valor aduaneiro da mercadoria, nos casos de cessão do nome pelo importador ostensivo com vistas ao acobertamento do real importador, mantida a pena de perdimento. A rigor, o aludido dispositivo legal exsurgiu para disciplinar situação jurídica antes regrada pelo art. 81 da Lei n.º 9.430/96 (redação originária) c/c art. 34, III e 41, III, da IN SRF n.º 568/2005, regras estas que determinavam expressamente que a cessão do nome para o acobertamento dos reais intervenientes na importação ensejava a inexistência de fato autorizante da aplicação da sanção de inaptidão de CNPJ.
Aqui cabe mais uma relevante consideração: a não comprovação da origem dos recursos nada tem a ver com a "inexistência de fato" antes permissiva da inaptidão do CNPJ. Aludida "inexistência de fato" decorre de outras circunstâncias (não localização no endereço informado à Receita Federal, paralisação irregular das atividades e ausência de patrimônio e capacidade operacional – IN RFB 1.183/2011, art. 27), dentre as quais se encontrava a conduta da "cessão do nome". Hoje, a "cessão do nome" não mais enseja a inaptidão do CNPJ, mas há expressa previsão legal para que essa penalidade seja aplicada nos casos de não comprovação da origem dos recursos e de não localização da pessoa jurídica no endereço informado ao CNPJ (art. 81, §§ 1.º e 5.º, da Lei n.º 9.430/96).
Da leitura do art. 33 da Lei n.º 11.488/07 resta patente a conclusão de que o seu escopo foi afastar a inaptidão do CNPJ para a conduta de cessão do nome para acobertar outrem. Em nenhuma passagem há qualquer menção à conduta relativa à não comprovação da origem dos recursos empregados, o que revela a ausência de qualquer liame do art. 33 da Lei n.º 11.488/07 com a interposição fraudulenta presumida, regida pelo art. 23, §2.º, do Decreto-Lei n.º 1.455/76 e art. 81. §§ 1.º, 2.º e 3.º, da Lei n.º 9.430/96. Vale dizer, mencionados mandamentos legais não estão em rota de colisão.
A singela interpretação literal do novo preceito legislativo referido já é suficiente para afastar as ilações de que seus termos poderiam espraiar algum efeito sobre a interposição fraudulenta presumida. De qualquer modo, é imperativo ter em conta que existem normas de estatura legal que regem a infração atinente à não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados em operações no comércio exterior, cuja observância deve ser respeitada, sobretudo porque se encontram em vigor e escoimadas de qualquer vício de inconstitucionalidade.
Releva, portanto, trazer à tona os termos do § 1.º do art. 81 da Lei n.º 9.430/96: "Será também declarada inapta a inscrição da pessoa jurídica que não comprove a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)".
O indigitado comportamento – não comprovar origem dos recursos –, além de gerar a presunção de interposição fraudulenta, foi eleito pelo legislador como tipo infracional autônomo apto a ensejar a inaptidão do CNPJ. As razões para esse enquadramento são muitos, e vão desde o impedimento da atuação de importadores inidôneos financeiramente, sem capacidade de responder pelos seus atos (empresas de fachada), até evitar o cometimento de crimes como "lavagem de dinheiro" e evasão de divisas.
De outra parte, a cessão do nome para o acobertamento do real interveniente na operação de comércio exterior – interposição fraudulenta comprovada – ocorre quando a autoridade fiscal constata que o importador ostensivo, mediante fraude ou simulação, escondeu o verdadeiro destinatário das mercadorias, lesando o controle aduaneiro e o patrimônio da União.
Essa rápida incursão na legislação de regência nos municia de elementos bastantes para perceber a distinção entre as figuras infracionais analisadas, de modo a inferir com bastante clareza que, em sede de operações realizadas no comércio exterior, não há de se falar em equiparação da "cessão do nome" com a "não comprovação da origem dos recursos empregados". Os fatos, as conseqüências e o tratamento legislativo são visivelmente distintos.
Não custa lembrar que a lei ostenta vigor ate que outra a revogue ou modifique, salvo as temporárias, sendo certo que só cabe cogitar a ocorrência de revogação, ou mesmo derrogação, quando a lei posterior o declare expressamente, seja incompatível ou regule a matéria de que tratava a anterior, nos termos do art. 2.º, § 1.º, da LICC, o que evidentemente não é o caso sob estudo.
A seguir, transcrevemos decisões que bem se alinham ao nosso entendimento (grifos nossos):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INAPTIDÃO DO CNPJ. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA NA IMPORTAÇÃO. Não havendo provas da origem dos recursos utilizados em operações de importação, cabível a aplicação da penalidade de inaptidão prevista no art. 81, § 1º, da Lei n.º 9.430/96, com a redação da Lei n.º 10.637/2002. (AG 200904000369527, LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, TRF4 - SEGUNDA TURMA, D.E. 20/01/2010.)
MANDADO DE SEGURANÇA. INAPTIDÃO DE REGISTRO NO CNPJ. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. IN RFB Nº 748/2007. Não há falar na inconstitucionalidade do art. 81 da Lei nº 9.430/1996. Os dispositivos constitucionais que dispõem sobre a matéria (art. 5º, II, XIII, XVIII e art. 170) fazem referência expressa às disposições previstas na lei. E a Lei nº 9.430/1996, em seu artigo 81, prevê as situações em que poderá ser declarada inapta a inscrição das pessoas jurídicas no CNPJ. A previsão da declaração de inaptidão do registro no CNPJ da pessoa jurídica inexistente de fato ou que não efetue a comprovação da origem, da disponibilidade e da efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior, contida na IN RFB nº 748/2007, apenas define os termos e condições do disposto no artigo 81 da Lei nº 9.430/1996. Não há falar, portanto, em afronta ao princípio da legalidade. O argumento de que a suspensão do CNPJ ensejará a interrupção das atividades econômicas da empresa deve ser contraposto à possibilidade de efetuar importações de porte, em pouco tempo, que, liberadas, dificilmente serão rastreadas e recuperadas. E, uma vez internalizadas e colocadas no mercado, produzir-se-á um rombo nos cofres públicos se não houver o recolhimento de todos os tributos incidentes. Correta a declaração de inaptidão do registro da pessoa jurídica junto ao CNPJ, quando constatada a inexistência de fato da empresa ou a não comprovação da origem, da disponibilidade e da efetiva transferência, se for o caso, dos recursos empregados em operações de comércio exterior em processo administrativo de fiscalização. (AC 200771070061396, VILSON DARÓS, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 19/08/2008.)
ADMINISTRATIVO. BLOQUEIO DE INSCRIÇÃO NO CNPJ. LEGALIDADE. [...]
V – E isto porque, não comprovada, pela Parte Impetrante a origem, disponibilidade e efetiva transferência dos recursos necessários à prática das operações no comércio exterior, vislumbra-se a interposição fraudulenta de terceiros, conforme previsão do art. 23, V e § 2º do Decreto-lei 1.455/76, alterado pelo art. 59 da Lei n.º 10.637/2002, a qual induz a declaração de inaptidão do CNPJ, na forma do art. 81 da Lei n.º 9.430/96. VI – Remessa Necessária e Apelação da União Federal providas. (APELRE 200551010057038, Desembargador Federal REIS FRIEDE, TRF2 - SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::27/05/2010 - Página::290/291.)
Dessa forma, a interposição fraudulenta presumida, caracterizada pela não comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados em operações do comércio exterior, é infração prevista no art. 23, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 1.755/76, cuja prática implica a pena de perdimento da mercadoria ou multa substitutiva (art. 23, §§ 1.º e 3.º, do Decreto-Lei n.º 1.455/76) e a sanção de inaptidão do CNPJ (art. 81, § 1.º, da Lei n.º 9.430/96).
As disposições da Lei n.º 11.488/07 que impedem a inaptidão do CNPJ versam unicamente sobre a "cessão do nome", conduta esta que, embora eventualmente possa ser praticada em concomitância, não guarda nenhuma pertinência com a não comprovação da origem dos recursos.
Vê-se, portanto, que, malgrado se cuide de matéria desafiante e polêmica, sua abordagem deve perpassar por uma meticulosa análise da legislação, a fim de se oferecer, nos casos concretos, soluções que preservem a coerência e harmonia das regras legais vigentes.
Informações sobre o texto
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
SILVA JÚNIOR, Bernardo Alves da. A interposição fraudulenta de terceiros presumida e a controvérsia sobre a aplicação da penalidade de inaptidão do CNPJ após o advento da Lei n.º 11.488/07. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3065, 22 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20483>. Acesso em: 23 nov. 2011.
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