terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Lição de pragmatismo da Ásia

China, Japão e Coreia do Sul - um quinto do produto bruto mundial - em breve poderão compor mais uma poderosa área de livre comércio, segundo anunciou no fim de semana o primeiro-ministro japonês, Yoshihiko Noda.

Os governos da China e do Japão, a segunda e a terceira maiores economias do planeta, decidiram usar as próprias moedas para o comércio bilateral, dispensando o dólar quando julgarem conveniente, e também combinaram iniciar negociações para um acordo de livre comércio.

O governo coreano já havia iniciado entendimentos com o chinês há algum tempo e será chamado para um acerto a três. Só o intercâmbio China-Japão alcançou no ano passado US$ 339,3 bilhões, segundo informação oficial japonesa. Cinco dias antes, os presidentes do Mercosul, mantendo sua tradição minimalista em matéria de pactos comerciais, haviam assinado um acordo de livre comércio com a Palestina.O uso das moedas nacionais deverá simplificar o comércio entre China e Japão e cortar os custos de operações cambiais.

Até agora, 60% das transações bilaterais envolvem operações com dólares. Nas discussões do fim de semana o governo japonês comprometeu-se também a comprar títulos públicos da China - por enquanto, em pequena quantidade. Os dois países são os maiores detentores de reservas estrangeiras, especialmente americanas, e devem manter essa posição.

Há pelo menos três fortes motivos para isso: o dólar permanece como a referência principal para o comércio, a moeda chinesa não é livremente conversível e, além do mais, nenhum governo tem interesse em agravar a crise nos Estados Unidos, ainda a maior potência e o mercado mais importante do mundo.A negociação de um acordo de livre comércio será um passo a mais na integração, já muito forte, das economias chinesa, japonesa e coreana.

A iniciativa seguinte poderá ser a vinculação dos três países à Asean, a área de livre comércio formada por dez países dinâmicos do sudeste asiático - incluídos Cingapura, Tailândia e Indonésia - com PIB conjunto de US$ 1,3 trilhão em 2010. Um acordo poderá levar ainda um bom tempo, mas ensaios de aproximação ocorrem desde 1997 e deram origem à sigla APT (Asean Plus Three, Asean Mais Três).Também estão na agenda há vários anos acordos entre países da Asean e membros da Apec, o bloco de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico.

Participam desse grupo, além de países da Ásia e da Oceania, Canadá, Estados Unidos, México, Peru e Chile, todos com importantes interesses comerciais no Extremo Oriente. Há pouco mais de um mês - em 21 de novembro -, os governos de Estados Unidos, Chile, Peru, Cingapura, Malásia, Austrália, Nova Zelândia e Brunei divulgaram o esboço de uma Parceria Transpacífico, destinada a promover o comércio e diversas formas de cooperação econômica, passos iniciais para compromissos mais estreitos.

Quatro latino-americanos - Chile, Peru, Colômbia e México - prometem oficializar dentro de uns seis meses a Aliança do Pacífico, um novo esforço de cooperação com objetivos essencialmente comerciais.

Se esse bloco for constituído, será mais um reforço para a ligação comercial entre Estados Unidos e um grupo importante de países latino-americanos. Chile e Colômbia já têm acordos de livre comércio com os Estados Unidos.

O México é membro do Nafta (Acordo Norte-americano de Livre Comércio), formado pelos três países da América do Norte.

O governo americano também já firmou um acordo comercial com as autoridades da Coreia, criando mais uma ponte com o poderoso mercado do Extremo Oriente.Nos últimos dez anos, a diplomacia econômica brasileira dividiu suas fichas entre a Rodada Doha e parcerias com países em desenvolvimento a partir do Mercosul.

Enquanto a Rodada Doha derrapava, até o fracasso final oficializado há cerca de duas semanas numa conferência em Genebra, outros governos cuidaram de buscar bons acordos bilaterais e regionais. O resultado foi uma ampla trama de acordos já concluídos ou ainda em negociação. O Brasil e o Mercosul ficaram fora desse movimento. É o preço do infantilismo ideológico.

O Estado de S. Paulo 27/12/2011 

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