PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO
DE LEI. PERDIMENTO DE VEÍCULO. FALTA DE JUNTADA DO VOTO VENCIDO. PRINCÍPIOS DA
PROPORCIONALIDADE, VEDAÇÃO AO CONFISCO E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DOCUMENTO NOVO. NÃO
CONTEMPORANEIDADE. ERRO DE FATO. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL.
1. O inciso V do art. 485 do CPC é aplicável não somente na hipótese em que o julgado rescindendo deixa de aplicar o dispositivo legal, mas também no caso em que a interpretação dada é manifestamente destituída de razoabilidade. Se o entendimento judicial mostra-se aceitável, isto é, adota um sentido possível e não comete um absurdo contra o texto da
lei, não há lugar para a desconstituição da sentença.
2. A incompletude do acórdão rescindendo, por não constar os fundamentos do voto vencido, não implica ausência de fundamentação, pois o voto majoritário examinou detidamente todos os fatos e os argumentos submetidos ao conhecimento do tribunal e imprescindíveis ao julgamento da causa. O acórdão incorreu em omissão, que poderia ser suprida por meio de embargos declaratórios, inexistindo vício que acarrete nulidade.
3. O acórdão interpretou o princípio da proporcionalidade em conformidade com a jurisprudência desta Corte e do STJ.
A proporcionalidade, no contexto das normas que preveem o perdimento de bens, comporta a análise de vários aspectos, que são evidenciados conforme a situação concreta de cada processo: habitualidade, intuito mercantil (revelado pela quantidade de mercadorias), valor das mercadorias, utilização de artifícios para burlar a fiscalização, natureza dos interesses lesados. A decisão judicial deve sopesar o conjunto de circunstâncias existentes nos autos, não se limitando a um único aspecto da questão. Nessa senda, somente se não houvesse qualquer outro fator a influenciar a convicção do juízo, a decisão poderia ser pautada unicamente pela desproporção entre o valor das mercadorias introduzidas irregularmente no País e o valor do veículo.
4. A análise empreendida pelo acórdão rescindendo levou em consideração o fato de que o veículo foi utilizado de
forma contrária aos interesses identificados com a coletividade. Logo, não basta invocar a desconformidade do valor
das mercadorias em confronto com o valor do veículo, pois, inexistindo uma interpretação unívoca sobre a
proporcionalidade, não é possível afirmar que o juízo A é correto e o juízo B viola a literalidade da lei, porque ambos
mostram-se razoáveis.
5. A rescisória não visa corrigir a justiça ou injustiça da sentença, nem conceder a melhor interpretação à norma; deve
haver contrariedade gritante com o texto da lei, não se considerando como tal a que é compatível com a jurisprudência
vigente ou uma corrente significativa da jurisprudência.
6. O princípio da vedação ao confisco dirige-se essencialmente a nortear a tributação, não possuindo a mesma
conformação no que concerne às medidas de caráter sancionatório, tal como a pena de perdimento de veículo. As
normas de repressão às condutas ilícitas (em sentido amplo) objetivam tutelar os valores da sociedade, que não se
resumem aos interesses fazendários. O direito de propriedade encerra também o dever de utilizar o bem de acordo com
os interesses sociais; por isso, a pena de perdimento não necessita guardar proporcionalidade com os tributos ou
multas suprimidos.
7. Qualquer juízo porventura expendido no julgado acerca do cometimento de crime não tem qualquer relevância e
efeito, diante da independência dos juízos criminal e cível; por conseguinte, a suspensão do processo criminal não
impede a aplicação da pena de perdimento.
8. O documento novo a que se refere o art. 485, inciso VII, do CPC, é o existente à época da decisão rescindenda, mas,
como era ignorada a sua existência ou era impossível utilizá-lo, a lei o considera novo. A qualificação de novo, portanto,
diz respeito à ocasião em que o documento é utilizado, não ao momento em que ele passou a existir ou se formou.
9. Para amparar a rescisória, o documento deve, ainda, ser suficiente para alterar o resultado da ação rescindenda, ou
seja, deve provocar, necessariamente, impacto no deslinde da controvérsia, de modo favorável ao autor, ainda que
parcialmente.
10. A própria argumentação da inicial já demonstra que não houve erro de fato no julgamento rescindendo, o qual se
fundou exatamente na potencialidade lesiva da mercadoria apreendida. Existindo pronunciamento no julgado sobre o
fato considerado inexistente pelo autor, a imputação correta do erro porventura cometido no acórdão é erro de
julgamento, e não erro de fato.
(TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0015844-89.2010.404.0000, 1ª SEÇÃO, DES. FEDERAL JOEL ILAN PACIORNIK, POR UNANIMIDADE, D.E.
12/04/2011)
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