Mas, nada se compara com os "anos de fogo" em que ainda vivencio na gestão portuária do Paraná.
É uma guerra pesada, camuflada e setorizada, ou seja, temos as turmas da soja, dos fertilizantes, do açúcar, do álcool, e assim por diante... Cada um no seu quadrado e interesses comerciais milionários, e uns poucos até escusos.
Se o administrador do porto não tiver formação ética e moral sólida, acaba entrando no jogo e se corrompe.
Vamos falar hoje de um caso: fertilizantes!
O Brasil importa cerca de 75% das matérias-primas que necessita para adubar sua agricultura, principal geradora de riquezas e exportações do país.
Na média, 50% das importações de fertilizantes brasileiros entram por Paranaguá, com uma participação crescente de Antonina no terminal Ponta do Félix. Isto chega a aproximadamente 8 milhões de toneladas por ano.
Empresas chamadas de operadores portuários é que realizam a descarga destes produtos no porto.
Este volume em Paranaguá é divido por três empresas: Rochatop, Fortesolo e Harbor. As duas primeiras movimentam uns 3 milhões e a terceira uns 2 milhões de toneladas/ano.
Então faça a conta: se os caminhoneiros associados à Coopadubo cobram em média R$ 6,00 por tonelada de fertilizantes que retiram do cais até os armazéns fora do porto, isto gera uma receita de frete a eles de R$ 48.000.000,00/ano!
Vamos dividir por 12 meses: teremos R$ 4.000.000,00 de frete por mês, que, se dividido por 365 caminhões (ver matéria oficial da Appa: http://www.appa.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=781&tit=Novos-caminhoes-farao-transporte-de-fertilizantes-na-area-primaria-do-Porto-de-Paranagua), gera uma renda bruta para cada caminhão em média R$ 10 mil.
Mas o que é "renda" para quem recebe, é "custo" para quem paga. E aí você já começa entender a conta.
Uma empresa que movimenta 3.000.000 de toneladas ano, paga de frete desde o cais até seu armazém, cerca de R$ 18.000.000,00 por ano! Estou falando de apenas uma empresa. É mole?
E se lá por 2006 um sujeito de dentro da Appa, bom de cálculo e vinculado a uma empresa que tenha armazéns "pertinhos" da zona portuária de Paranaguá dissesse assim para um empresário:
"Vamos economizar R$ 18 milhões em fretes pra vocês! Basta que ao invés de caminhões a gente retire o fertilizante através de correias transportadoras." (Também são chamadas de "dallas" as correias [esteiras] transportadoras que levam soja dos silos pro navio, nome que inspirou a Polícia Federal em recente operação).
O empresário privado pode ter perguntado ao lobista:
"Mas como ligarei meus armazéns privados a um porto público? ...e os outros não vão reclamar?".
"Deixa comigo! Tenho uma ideia brilhante. Só não se esqueça de mim!" poderia ter dito o famoso gênio do mal, profundo conhecedor do porto, afinal, se criou e vive no meio.
Vejamos: dos três operadores de fertilizantes apenas uma empresa possui e está construindo mais armazéns novinhos no entorno portuário. Quanto as demais, uma não possui nenhum e a outra está localizada há uns seis quilômetros do cais. É aí que uma guerra silenciosa começou.
Ora, economizar US$ 10 milhões em custo por ano é um excelente negócio até pro Bill Gates, o que dirá para uma empresa em Paranaguá.
Além disso, a renda por caminhão cairá pelo menos 35%, ou seja irá para uns R$ 6.500,00 brutos por mês, muitos não conseguirão pagar seus financiamentos e quebrarão, pois terão despesas com a comissão da cooperativa, manutenção do caminhão, salário de motoristas e por aí vai.
Mas quem foi o gênio do mal que "bolou" tudo isso e quem são os beneficiários deste plano?
Importante dizer que os diálogos são fictícios, criados pelo colunista para sintetizar a dinâmica dos fatos que realmente aconteceram, e ainda estão ocorrendo.
Bom, vamos deixar o tema para as próximas edições desta coluna, porque a coisa é mais longa do que você possa imaginar e teremos que contar esta história em vários capítulos.
Até semana que vem!
Daniel Lucio O. de Souza
Economista, MSc em Tecnologia pela UTFPR, consultor de empresas, exerceu a superintendência dos Portos do Paraná (Appa) entre 2008 e 2010.
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