Os impasses vividos pela Organização Mundial do Comércio (OMC) culminam com o insucesso da Rodada de Doha, cujas negociações vivem outro momento de pausa, o que torna cada vez mais improvável a assinatura do acordo de no mínimo 150 nações mundiais.
A afirmação é do Ivan Tiago Machado Oliveira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e editor do Boletim de Economia e Política Internacional do Ipea (Bepi), juntamente com a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vera Thorstensen, ao abordarem o tema no Bepi.
Para Oliveira, a possibilidade concreta do fracasso da Rodada de Doha traz perspectivas pessimistas para o multilateralismo nos próximos anos.
"Temos de ser pessimistas se pensarmos que mesmo a busca por uma agenda mínima na OMC, para fechar a Rodada e não deixá-la morrer, não tem dado resultado. Essa estratégia minimalista não tem evoluído muito", argumentou o pesquisador.
Segundo a tese, o sistema multilateral de comércio, criado no pós-Segunda Guerra, ganhou robustez institucional com o fim da Rodada do Uruguai, quando foi instituída a Organização Mundial do Comércio (OMC) com a criação de um "tribunal" diplomático-jurídico para a solução de controvérsias. O lançamento da Rodada de Doha, em 2001, criou expectativas de que o multilateralismo comercial ganhasse ainda mais força enquanto regulador do comércio internacional com o estabelecimento de novas regras e procedimentos relacionados ao comércio e às políticas públicas a este vinculadas.
Contudo, com as dificuldades encontradas em se concluir a Rodada e as mudanças observadas nas estratégias de negociação comercial das principais potências comerciais, com o aumento de acordos preferenciais, criou-se um ambiente de crescente questionamento do papel do multilateralismo comercial mundial.
"Depois de quase uma década de intensas negociações e de resultados considerados equilibrados nos principais temas de negociação, a rodada entrou em impasse a partir de 2008, quando o diretor-geral da OMC colocou na mesa um pacote de compromissos. São várias as razões que podem explicar o quadro atual da Rodada. De um lado, os Estados Unidos, agora sob comando democrata, depois de longo período republicano, têm demonstrado pouco interesse em mais um esforço de liberalização do comércio, principalmente na área agrícola", relata Vera Thorstensen.
Diante das novas demandas dos Estados Unidos, principalmente de maiores reduções tarifárias em setores considerados sensíveis, os países em desenvolvimento voltaram a demandar novo esforço na área agrícola para rebalancear o pacote negociador, o que encontra resistência por parte dos influentes lobbies agrícolas americanos. Na área de regras, o tema de maior interesse é o antidumping, em que existe grande pressão sobre os Estados Unidos para que aceite alterações no acordo de forma a diminuir a discricionariedade das autoridades investigadoras, além da controvérsia sobre seu método de cálculo da margem de dumping conhecido como zeroing.
"Na área de desenvolvimento, pontos importantes da agenda foram acordados, como a exclusão de compromissos para os países de menor desenvolvimento relativo (PMDRs). Grande avanço foi conseguido em 2005 com o acordo sobre duas iniciativas importantes. A primeira é a liberalização, por parte dos países desenvolvidos (PD) e dos Países em desenvolvimento (PED) interessados, na concessão de importações livres de cotas e de tarifas para os PMDRs, a Quota Free and Duty Free Initiative. A segunda é o apoio financeiro às exportações desses países a Aid forTrade Initiative", relata Oliveira.
O pesquisador completa: "Na verdade, provavelmente, a razão mais significativa que pode explicar o impasse tenha sido a alteração do processo decisório da organização. Nas rodadas passadas, EUA e União Europeia acertavam suas posições e depois compunham o acordo com os demais países via concessões. O processo decisório se centrava no antigo Quad, composto por EUA, UE, Japão e Canadá. A geometria decisória foi alterada com a emergência de diversos PED, tornando o processo negociador mais complexo. Com o sucesso do G-20 agrícola, Brasil, Índia e China foram lançados para o centro das decisões, onde passaram a defender os interesses dos PED, tornando o processo negociador muito mais difícil, dada a multiplicidade de interesses em jogo."
A conclusão da tese aponta que com o impasse da Rodada, desde 2008, vários cenários parecem possíveis. O primeiro é a continuação das negociações à espera de outra oportunidade, em algum período que não coincida com os momentos eleitorais nas grandes potências. O segundo é fazer a suspensão das negociações e, depois de uma pausa, relançar outra rodada, com abertura do mandato para novos temas e, provavelmente, sobre outras bases negociadoras, uma vez que a possibilidade de acordo se torna cada vez mais improvável.
DCI
25.07.2.011
Nenhum comentário:
Postar um comentário