segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Inscrição de devedor do fisco no SPC divide TJ-RJ

Instrumentos demais

Por Marina Ito

Um dos temas apresentados no Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2011, que será lançado nesta terça-feira (16/8), às 17h no Tribunal de Justiça, trata de um assunto que divide os desembargadores da corte. Embora ainda não tenham analisado processos que discutam, concretamente, a questão, alguns se mostraram refratários ao poder do fisco em incluir devedores em cadastro restritivo de crédito de consumo, como SPC e Serasa.

"O cadastro de mal pagador foi criado para proteção do crédito e patrocinado pelos lojistas e empresários. O fisco dizer que também é um comerciante, um 'comerciante dos tributos', em uma reflexão bem rasa, não me agrada", afirma o desembargador Wagner Cinelli, da 6ª Câmara Cível.

O desembargador, que frisou nunca ter lidado com a questão, disse que o fisco já tem a sua disposição instrumentos maiores do que o de outros credores. "Para que mais isso? Só para gerar mais papel, mais complicação na vida das pessoas. Pessoas inadimplentes já têm dívidas e estão sujeitas as multas muito pesadas", ponderou.

Celso Ferreira, da 15ª Câmara, diz que o Código Tributário Nacional não prevê a possibilidade de se incluir o nome do devedor em sistemas privados de proteção ao crédito. "É ilegal a tese fazendária de que o fisco estaria autorizado pelo artigo 198 do mencionado diploma legal a incluir contribuintes inadimplentes no Serasa e SPC pelo fato de esse dispositivo excluir do sigilo os débitos inscritos na dívida ativa. O fisco possui meios próprios de perseguir seus créditos tributários", afirma.

Henrique Figueira, da 17ª Câmara, também não concorda muito com a ideia. "A pessoa está inadimplente, porém trata-se de imposto; é outra relação", diz. Seu colega de colegiado, Edson Vasconcelos, faz consideração semelhante. "Não existe razão lógica que autorize o expediente de cadastrar o contribuinte em entidade consumerista com único objetivo de compeli-lo a pagar o débito tributário para, assim, recuperar crédito no mercado de consumo. Qualquer ato eventualmente expedido com tal finalidade afrontaria o princípio da proporcionalidade, na vertente da inadequabilidade entre meio e fim", completa.

Prevalência do estado
"O Estado tem de ter prevalência sobre o indivíduo?" Pedro Raguenet, da 6ª Câmara, parte desse questionamento para refletir sobre o assunto. "Se o Estado começa a se servir de meios que só ele tem e meios que só o particular também tem, há que haver uma justa proporção. Passar a rebaixá-lo e igualar mais ao particular. Onde tem a vantagem, tem a onerosidade. Quer incluir o nome no cadastro, perfeito. Mas também passa a ser sujeito a dano moral se protestou indevidamente", afirma. O desembargador Milton Fernandes, presidente da 5ª Câmara, também considera que, se o fisco negativar indevidamente alguém, responderá por isso.

Para o presidente da 6ª Câmara, desembargador Nagib Slaibi, não há lei que proíba o poder público de anotar o nome do contribuinte inadimplente nos cadastros privados de devedores. "Contudo, as empresas, inclusive as pequenas e os médios empresários, devem exigir certidão negativa de débito, expedida pelos órgãos públicos federais, estaduais, distritais e municipais, bem como previdenciários, para obter financiamento e até mesmo assegurar o cumprimento de suas finalidades através de licitações junto ao poder público."

Para o desembargador, a possibilidade de anotar o nome do contribuinte acaba por atingir somente as pessoas físicas e as microempresas, o que se mostra extremamente gravoso para eles. "A resposta é positiva, do ponto de vista econômico e jurídico, mas é negativa do ponto de vista da cidadania", completa.

Já o desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara, entende que a inclusão teria duas finalidades. A primeira seria alertar um terceiro. E a segunda proteger o próprio cidadão para que ele não entre em uma bola de neve de dívidas sem que consiga encontrar uma saída.

"Acho salutar que o fisco o faça. Se o fisco, normalmente, já tem seus privilégios, por que não pode agir com o mínimo, que é que o comerciante tem a sua disposição? Mal pagador é mal pagador, não é só mal pagador de impostos", afirma a desembargadora Teresa Castro Neves, também da 6ª Câmara.

Marina Ito é correspondente da Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2011

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